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Direitos Fundamentais dos Seres Humanos 02 1. Breves Considerações Sobre Direitos Humanos 4 Conceito 5 Breve Histórico 8 Classificação dos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais 15 2. Direitos Humanos no Mundo 20 Direitos Humanos no Continente Americano 28 3. Direitos Humanos no Brasil 34 Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 36 A Adesão do Brasil dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos 39 4. Referências Bibliográficas 46 03 4 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS 1. Breves Considerações Sobre Direitos Humanos Fonte: Assembleia Legislativa1 ser humano ao passar a existir neste plano, inicia o seu direito de viver. Para tanto, necessita de vá- rios instrumentos e meios existen- ciais para garantir sua sobrevivência em uma sociedade competitiva e que possui inúmeras formas de minar suas perspectivas. Todo ser humano tem a neces- sidade de se alimentar, de receber cuidados médicos, ter acesso à edu- cação, trabalho, a liberdade de loco- moção e de se sentir seguro, dentre outros aspectos fundamentais para exercer seu direito a vida. 1 Retirado em https://www.al.sp.gov.br/ Tendo as nações através do tempo notado que são essas as ne- cessidades ser humano para que a sua vida seja vivida com dignidade plena, surge-se os denominados di- reitos humanos ou direitos funda- mentais dos seres humanos. Tais necessidades permeiam a existência humana durante toda a sua história, cuja a promessa de se garantir tais direitos moveram revo- luções, submeteram nações a guer- ras e geraram a manutenção de vá- O 5 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS rias sociedades conhecidas no pla- neta em busca de garantia e preser- vação desses direitos. Uma grande batalha travada hoje pelos juristas e cientistas políti- cos no mundo é a discussão de como buscar maior efetividade na prote- ção e promoção destes direitos na sociedade contemporânea do século XXI cujo o avanço da tecnologia in- formacional e a democratização de seu acesso de forma parcial nos dão acesso a informações mais detalha- das sobre a situação de violação des- tes direitos. Contudo, como não são todos que possuem acesso pleno a tal ferramenta, acaba dificultando- se para possíveis vítimas a identifi- cação de tais violações para denun- cia-las e buscar a efetivação de suas garantias fundamentais. Sob uma perspectiva atual do Brasil como uma nação na periferia do capitalismo com uma tradição democrática recente e uma crise po- lítica em curso, se faz necessário a compreensão do que são os direitos fundamentais dos seres humanos para que possamos trabalhar na busca de sua efetivação e expansão em toda a extensão do território da nação brasileira, de forma a elevar o desenvolvimento brasileiro em uma esfera social e melhorar a perspec- tiva da vivência e sobrevivência de sua população. Para se entender o que os di- reitos fundamentais dos seres hu- manos se faz necessário entender o que eles são, um breve histórico do que aconteceu no mundo para se chegar no panorama de direitos que temos hoje e a sua classificação para avançarmos no estudo e compreen- dermos o seu funcionamento em um panorama mundial, interamericano e brasileiro. Conceito Para se iniciar um estudo so- bre os direitos fundamentais dos se- res humanos, se faz necessário en- tender o conceito do que seria deno- minado Direitos Humanos, pois en- tendendo o seu significado conse- guiremos compreender o sentido de sua criação, sua existência e sua im- portância em uma perspectiva uni- versal. Fonte: https://www.significados.com.br/ O conceito de Direitos Huma- nos, para André de Carvalho Ramos é: 6 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS Os direitos humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensáveis para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e digni- dade. Os direitos humanos são os direitos essenciais e indis- pensáveis à vida digna (RA- MOS, 2017). Então, podemos compreender que os direitos humanos, sendo um ramo do direito internacional pú- blico, são as garantias básicas para a vivencia e sobrevivência do ser hu- mano em qualquer território ao re- dor do globo que, em uma perspec- tiva internacional, devem ser prote- gidos e garantidos em todo mundo. Sobre a forma expressiva dos direitos humanos, nos fala André de Carvalho Ramos: Os direitos humanos represen- tam valores essenciais, que são explicitamente ou implicita- mente retratados nas Constitui- ções ou nos tratados internaci- onais. A fundamentalidade dos direitos humanos pode ser for- mal, por meio da inscrição des- ses direitos no rol de direitos protegidos nas Constituições e tratados, ou pode ser material, sendo considerado parte inte- grante dos direitos humanos aquele que - mesmo não ex- presso - é indispensável para a promoção da dignidade huma- na (RAMOS, 2017). Tais direitos podem se modifi- car e se adequar com o passar do tempo conforme uma sociedade evolui e novas necessidades básicas ao ser humano são descobertas. Sobre isso, nos fala André de Carvalho Ramos (2017): Não há um rol predeterminado desse conjunto mínimo de di- reitos essenciais a uma vida digna. As necessidades huma- nas variam e, de acordo com o contexto histórico de uma épo- ca, novas demandas sociais são traduzidas juridicamente e in- seridas na lista dos direitos hu- manos. Ou seja, os direitos humanos podem passar por evoluções con- forme a sociedade se transforma de forma que o seu rol não seja propri- amente estrito, sempre incorpo- rando coisas novas. Sendo compreendido o que é essa categoria de direito, é de ex- trema importância compreender a necessidade de proteção destes di- reitos e a submissão das nações a es- tes. Sob a perspectiva interconti- nental de proteção dos direitos hu- manos, nos fala Valério de Oliveira Mazzuoli (2014): Os direitos humanos são, por- tanto, direitos protegidos pela ordem internacional (especial- mente por meio de tratados multilaterais, globais ou regio- nais) contra as violações e arbi- trariedades que um Estado pos- 7 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS sa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. São direitos que estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade inter- nacional. Assim sendo, garan- tem às pessoas sujeitas à juris- dição do Estado meios de vindi- cação de seus direitos, para além do plano interno, nas ins- tâncias internacionais de prote- ção (v.g., em nosso entorno ge- ográfico, perante a Comissão Interamericana de Direitos Hu- manos, que poderá submeter a questão à Corte Interamericana de Direitos Humanos). É dito também que os direitos humanos como conhecemos pos- suem quatro engrenagens que per- mitem seu pleno funcionamento: seu caráter universal, a sua essenci- alidade, seu caráter superior as de- mais normas e a sua reciprocidade. A universalidade consiste no re- conhecimento de que os direi- tos humanos são direitos de to- dos, combatendo a visão esta- mental de privilégios de uma casta de seres superiores. Por sua vez, a essencialidade im- plica que os direitos humanos apresentam valores indispensá- veis e que todos devem protegê- los. Além disso, os direitos hu- manos são superiores a demais normas, não se admitindo o sa- crifício de um direito essencial para atender as “razões de Es- tado”; logo, os direitos huma- nos representam preferências preestabelecidas que, diante de outras normas, devem prevale- cer. Finalmente, a reciprocida- de é fruto da teia de direitos que une toda a comunidade huma- na, tanto na titularidade (são direitos de todos) quanto na su- jeição passiva: não há só o esta-belecimento de deveres de pro- teção de direitos ao Estado e seus agentes públicos, mas também à coletividade como um todo. Essas quatro ideias tornam os direitos humanos como vetores de uma sociedade humana pautada na igualdade e na ponderação dos interesses de todos (e não somente de al- guns) (RAMOS, 2017). Portanto, os direitos humanos não só devem ser garantidos pelas nações por meio de seus sistemas de governo, mas também é de extrema importância o respeito destas enti- dades a esses direitos, de forma a co- locá-los acima da autoridade de qualquer líder de governo nacional e ordenamento jurídico, buscando preservar seu caráter recíproco para garantir a sociedade o seu pleno exercício de forma justa e igualitá- ria. Considerando o seu conceito e a ênfase dada a necessidade de sua proteção e submissão pelos indiví- duos e entidades estatais, podemos compreender sua importância, pois a sua existência possui o objetivo de se proteger a vida humana e todos os aspectos necessários para se garan- 8 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS tir seu exercício de maneira digna e atemporal, tendo eficácia para as ge- rações presentes e futuras e evolu- indo conforme se avançam as socie- dades. Breve Histórico Para continuarmos a compre- ender melhor os direitos humanos, precisamos entender os aspectos históricos e os acontecimentos im- portantes da história que nos fize- ram chegar no panorama atual. Na Inglaterra, em anos distin- tos, houve a publicação de atos nor- mativos que dão uma primeira im- pressão do que seriam os diplomas de direitos humanos. Sobre as etapas históricas in- glesas que precederam uma docu- mentação dos direitos humanos: Na Idade Média europeia, o po- der dos governantes era ilimi- tado, pois era fundado na von- tade divina. Contudo, mesmo nessa época de autocracia, sur- gem os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades a determinados estamentos, co- mo a Declaração das Cortes de Leão adotada na Península Ibé- rica em 1188 e ainda a Magna Carta inglesa de 1215. A Decla- ração de Leão consistiu em ma- nifestação que consagrou a luta dos senhores feudais contra a centralização e o nascimento futuro do Estado Nacional. Por sua vez, a Magna Carta consis- tiu em um diploma que conti- nha um ingrediente - ainda fal- tante - essencial ao futuro regi- me jurídico dos direitos huma- nos: o catálogo de direitos dos indivíduos contra o Estado. Re- digida em latim, em 1215 - o que explicita o seu caráter elitista -, a Magna Charta Libertatum consistia em disposições de proteção ao Baronato inglês, contra os abusos do monarca João Sem Terra (João da Ingla- terra). Depois do reinado de João Sem Terra, a Carta Magna foi confirmada várias vezes pe- los monarcas posteriores. Ape- sar de seu foco nos direitos da elite fundiária da Inglaterra, a Magna Carta traz em seu bojo a ideia de governo representativo e ainda direitos que, séculos de- pois, seriam universalizados, atingindo todos os indivíduos, entre eles o direito de ir e vir em situação de paz, direito de ser julgado pelos seus pares (vide Parte IV, item 23.4 sobre o Tri- bunal do Júri), acesso à justiça e proporcionalidade entre o crime e a pena. [...] No século XVII, o Estado Absolutista foi questionado, em especial na Inglaterra. A busca pela limitação do poder, já inci- piente na Magna Carta, é consa- grada na Petition of Right de 16 28, pela qual novamente o ba- ronato inglês, representado pe- lo Parlamento, estabelece o de- ver do Rei de não cobrar impos- tos sem a autorização do Parla- mento (no taxation without re- presentation), bem como se re- afirma que “nenhum homem li- vre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens, das suas 9 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS liberdades e franquias, ou posto fora da lei e exilado ou de qual- quer modo molestado, a não ser por virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país”. Essa exigência – lei da terra - consiste em parte impor- tante do devido processo legal a ser implementado posterior- mente. Ainda no século XVII, há a edi- ção do Habeas Corpus Act (16 79), que formalizou o mandado de proteção judicial aos que ha- viam sido injustamente presos, existente até então somente no direito consuetudinário inglês (common law). No seu texto, havia ainda a previsão do dever de entrega do “mandado de captura” ao preso ou seu repre- sentante, representando mais um passo para banir as deten- ções arbitrárias (ainda um dos grandes problemas mundiais de direitos humanos no século XXI). Ainda na Inglaterra, em 1689, após a chamada Revolução Glo- riosa, com a abdicação do Rei autocrático Jaime II e com a co- roação do Príncipe de Orange, Guilherme III, é editada a “De- claração Inglesa de Direitos”, a “Bill of Rights” (1689), pela qual o poder autocrático dos reis ingleses é reduzido de forma definitiva. Não é uma de- claração de direitos extensa, pois dela consta, basicamente, a afirmação da vontade da lei so- bre a vontade absolutista do rei. Entre seus pontos, estabelece- se “que é ilegal o pretendido po- der de suspender leis, ou a exe- cução de leis, pela autoridade real, sem o consentimento do Parlamento”; “que devem ser li- vres as eleições dos membros do Parlamento” e que “a liber- dade de expressão, e debates ou procedimentos no Parlamento, não devem ser impedidos ou questionados por qualquer tri- bunal ou local fora do Parla- mento”. Em continuidade ao já decidido na Revolução Gloriosa, foi aprovado em 1701 o Act of Set- tlement, que serviu tanto para fixar de vez a linha de sucessão da coroa inglesa (banindo os ca- tólicos romanos da linha do trono e exigindo dos reis britâ- nicos o vínculo com a Igreja An- glicana), quanto para reafirmar o poder do Parlamento e a ne- cessidade do respeito da von- tade da lei, resguardando-se os direitos dos súditos contra a volta da tirania dos monarcas (RAMOS, 2017). A criação da Magna Carta, Pe- tition Of Rights, Habeas Corpus Act, Bill Of Rights e Act Of Settlement trouxeram as primeiras garantias de direitos humanos documentadas em uma era marcada pelo obscuran- tismo intelectual e na sua transação para o renascimento. Com o advento do iluminismo, vários pensadores que buscavam compreender o ser humano e o seu lugar na sociedade também pensaram as suas noções do que seria um direito fundamental para o ser humano e sua sobrevivên- cia. Thomas Hobbes na sua análise da selvageria do homem no seu es- 10 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS tado natural - e sua submissão ao Estado para que este restrinja suas ações no escopo deste estado natu- ral, - entende que tal entidade, o Es- tado, deva conceder ao homem se- gurança para que este não retorne à sua natureza violenta propensa a guerra constante com seus seme- lhantes. John Locke defende que os di- reitos individuais do ser humano de- verão estar acima de qualquer enti- dade estatal, devendo esta existir so- mente para proteger e conceder ao ser humano a sua vida, liberdade e patrimônio. Jean Jacques Rousseau de- fende que na criação de uma socie- dade na forma do contrato social, sua estrutura garanta os direitos bá- sicos aos seus integrantes de forma igualitária. Cesare Beccaria ao tratar dos crimes e suas respectivas penas, defende que o Estado, no ato do jul- gamento, condenação e execução da pena tenha limites para preservar as garantias mínimas do apenado. Immanuel Kant defende a existência da dignidade da pessoa humana e que o ser humano não po- de receber tratamentos que possam feri-la. O advento das grandes revolu- ções liberais na era moderna di- tando diretrizes políticas e jurídicas que se desdobraram com o passar dos anos e têm suas influências for- tes até os dias de hoje também tive- ram um papel importante no que tange aos primeirosdocumentos so- bre direitos humanos. Sobre a Revolução Americana: Por sua vez, a “Revolução Ame- ricana” retrata o processo de in- dependência das colônias britâ- nicas na América do Norte, cul- minado em 1776, e a criação da primeira Constituição do mun- do, a Constituição norte-ameri- cana de 1787. Várias causas concorreram para a indepen- dência norte-americana, sendo a defesa das liberdades públicas contra o absolutismo do rei uma das mais importantes, o que legitimou a emancipação. Nesse sentido, foi editada a “Declaração do Bom Povo de Virgínia” em 12 de junho de 1776 (pouco menos de um mês da declaração de independên- cia, em 4 de julho): composta por 18 artigos, que contém afir- mações típicas da promoção de direitos humanos com viés jus- naturalista, como, por exemplo, “todos os homens são, por natu- reza, igualmente livres e inde- pendentes” (artigo I) e ainda “todo poder é inerente ao povo e, consequentemente, dele pro- cede; que os magistrados são seus mandatários e seus servi- dores e, em qualquer momento, perante ele responsáveis” (ar- tigo II). A Declaração de Inde- pendência dos Estados Unidos de 4 de julho de 1776 (escrita em grande parte por Thomas Jefferson) estipulou, já no seu início, que “todos os homens 11 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador cer- tos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Li- berdade e a busca da Felici- dade. Que para garantir estes Direitos, são instituídos Gover- nos entre os Homens, deri- vando os seus justos poderes do consentimento dos governa- dos”, marcando o direito polí- tico de autodeterminação dos seres humanos, governados a partir de sua livre escolha. Curiosamente, a Constituição norte-americana de 1787 não possuía um rol de direitos, uma vez que vários representantes na Convenção de Filadélfia (que editou a Constituição) temiam introduzir direitos humanos em uma Constituição que organiza- ria a esfera federal, o que per- mitiria a consequente federali- zação de várias facetas da vida social. Somente em 1791, esse receio foi afastado e foram aprovadas 10 Emendas que, fi- nalmente, introduziram um rol de direitos na Constituição nor- te-americana (RAMOS, 2017). A Revolução Americana foi a primeira grande revolução burguesa que, no ato da promulgação de suas declarações de direitos, apresenta- ram direitos fundamentais carrega- dos da influência iluminista. Porém, a grande revolução que influenciaria vários processos revo- lucionários após o seu acontecimen- to e traria os primeiros documentos sobre direitos humanos com uma perspectiva mais abrangente seria a Revolução Francesa. Já a “Revolução Francesa” ge- rou um marco para a proteção de direitos humanos no plano nacional: a Declaração Fran- cesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela As- sembleia Nacional Constituinte francesa em 27 de agosto de 1789. A Declaração Francesa é fruto de um giro copernicano nas relações sociais na França e, logo depois, em vários países. O Estado francês pré-Revolu- ção era ineficiente, caro e inca- paz de organizar minimamente a economia de modo a atender as necessidades de uma popula- ção cada vez maior. As elites re- ligiosas e da nobreza também se mostraram insensíveis a qual- quer alteração do status quo ca- pitaneada pela monarquia. Esse impasse político na cúpula dirigente associado à crescente insatisfação popular foi o caldo de cultura para a ruptura, que se iniciou na autoproclamação de uma “Assembleia Nacional Constituinte”, em junho de 1789, pelos representantes dos Estados Gerais (instituição re- presentativa dos três estamen- tos da França pré-revolução: nobreza, clero e um “terceiro estado” que aglomerava a gran- de e pequena burguesia, bem como a camada urbana sem posses). Em 12 de julho de 1789, iniciaram-se os motins populares em Paris (capital da França), que culminaram, em 14 de julho de 1789, na tomada da Bastilha (prisão quase desa- tivada), cuja queda é, até hoje, o símbolo maior da Revolução Francesa. Em 27 de agosto de 1789, a As- sembleia Nacional Constituinte adotou a “Declaração Francesa 12 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS dos Direitos do Homem e dos Povos”, que consagrou a igual- dade e liberdade como direitos inatos a todos os indivíduos. O impacto na época foi imenso: aboliram-se os privilégios, di- reitos feudais e imunidades de várias castas, em especial da aristocracia de terras. O lema dos agora revolucionários era de clareza evidente: “liberdade, igualdade e fraternidade” (“li- berté, egalité et fraternité”). A Declaração Francesa dos Di- reitos do Homem e do Cidadão proclamou os direitos humanos a partir de uma premissa que permeará os diplomas futuros: todos os homens nascem livres e com direitos iguais. Há uma clara influência jusnaturalista, pois, já no seu início, a Declara- ção menciona “os direitos natu- rais, inalienáveis e sagrados do homem”. São apenas dezessete artigos, que acabaram sendo adotados como preâmbulo da Constituição francesa de 1791 e que condensam várias ideias depois esmiuçadas pelas Cons- tituições e tratados de direitos humanos posteriores, como, por exemplo: soberania popu- lar, sistema de governo repre- sentativo, igualdade de todos perante a lei, presunção de ino- cência, direito à propriedade, à segurança, liberdade de consci- ência, de opinião, de pensa- mento, bem como o dever do Estado Constitucional de ga- rantir os direitos humanos. Esse dever de garantia ficou ex- presso no sempre lembrado ar- tigo 16 da Declaração, que dis- põe: “Toda sociedade onde a ga- rantia dos direitos não está as- segurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”. Também é importante marco para o desenvolvimento futuro dos direitos humanos o projeto de Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de 1791, proposto por Olympe de Gou- ges, que reivindicou a igualdade de direitos de gênero. Ainda em 1791 foi editada a primeira Constituição da França revolu- cionária, que consagrou a perda dos direitos absolutos do mo- narca francês, implantando-se uma monarquia constitucional, mas, ao mesmo tempo, reco- nheceu o voto censitário. Em 1791, o Rei Luís XVI tentou fu- gir para reunir-se a monarquias absolutistas que já ensaiavam intervir no processo revolucio- nário francês. Após a invasão da França e derrota dos exércitos austro-prussianos, os revoluci- onários franceses decidem exe- cutar o Rei Luís XVI e sua mu- lher, a Rainha Maria Antonieta (1793) (RAMOS, 2017). A Revolução Francesa com seus tratados e objetivos trouxeram uma perspectiva mais ampla, valo- res democráticos que buscam a re- presentação popular, a igualdade de direitos entre homens e mulheres, dentre outros pontos. Com o advento da era contem- porânea, as primeiras crises dos es- tados liberais e a influência dos ideá- rios sociais da Revolução Francesa e dos pensamentos de Karl Marx, os direitos humanos passaram a tomar uma dimensão mais social com a busca de garantia justa de trabalho e a devida divisão dos ganhos. 13 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS Sobre isso, Ramos (2017): No final do século XVIII, os ja- cobinos franceses defendiam a ampliação do rol de direitos da Declaração Francesa para abar- car também os direitos sociais, como o direito à educação e as- sistência social. Em 1793, os re- volucionários franceses edita- ram uma nova “Declaração Francesa dos Direitos do Ho- mem e do Cidadão”, redigida com forte apelo à igualdade, com reconhecimento de direi- tos sociais como o direito à edu- cação. Essa percepção da necessidade de condições materiais míni- mas de sobrevivência foi ampli- ada pela persistência da misé- ria, mesmo depois da implanta- ção dos Estados Constitucio- nais liberais, como na Inglater- ra e na França pós-revolucioná- ria. Surgem, na Europado sé- culo XIX, os movimentos socia- listas que ganham apoio popu- lar nos seus ataques ao modo de produção capitalista. Proudhon, socialista francês, fez apelo inflamado à rejeição do direito de propriedade pri- vada, que considerou um “rou- bo”, em seu livro de 1840, “O que é a propriedade”. Karl Marx, na obra A questão judai- ca (1843), questionou os funda- mentos liberais da Declaração Francesa de 1789, defendendo que o homem não é um ser abs- trato, isolado das engrenagens sociais. Para Marx, os direitos humanos até então defendidos eram focados no indivíduo vol- tado para si mesmo, para aten- der seu interesse particular egoístico dissociado da comuni- dade. Assim, não seria possível defender direitos individuais em uma realidade na qual os trabalhadores – em especial na indústria europeia – eram for- temente explorados. Em 1848, Marx e Engels publicam o Ma- nifesto do Partido Comunista, no qual são defendidas novas formas de organização social, de modo a atingir o comunis- mo, forma de organização so- cial na qual seria dado a cada um segundo a sua necessidade e exigido de cada um segundo a sua possibilidade. Os direitos humanos passa- ram a abarcar a classificação de di- reitos sociais, pois passaram a ver nas relações de trabalho e na cadeia de exploração capitalista a necessi- dade de se garantir aos trabalhado- res do mundo condições básicas de um trabalho digno para garantir a sua sobrevivência. Além da categori- zação dessas necessidades dos tra- balhadores como direitos, também foi criada a Organização Mundial do Trabalho com a finalidade de se lu- tar pelos interesses dos trabalhado- res ao redor do globo para garantir a proteção e concessão dos seus direi- tos fundamentais. O panorama atual sobre direi- tos humanos como conhecemos hoje se dá totalmente por conta dos efei- tos causados pela Segunda Guerra Mundial a nível global. 14 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS Sobre a questão histórica e al- guns aspectos sobre a interpretação e aplicação de tal tratado: Como marco dessa nova etapa do Direito Internacional, foi criada, na Conferência de São Francisco em 1945, a Organiza- ção das Nações Unidas (ONU). O tratado institutivo da ONU foi denominado “Carta de São Francisco”. A reação à barbárie nazista ge- rou a inserção da temática de direitos humanos na Carta da ONU, que possui várias passa- gens que usam expressamente o termo “direitos humanos”, com destaque ao artigo 55, alí- nea “c”, que determina que a Organização deve favorecer “o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberda- des fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, lín- gua ou religião”. Já o artigo se- guinte, o artigo 56, estabelece o compromisso de todos os Esta- dos-membros de agir em coo- peração com a Organização pa- ra a consecução dos propósitos enumerados no artigo anterior. Porém, a Carta da ONU não lis- tou o rol dos direitos que seriam considerados essenciais. Por is- so, foi aprovada, sob a forma de Resolução da Assembleia Geral da ONU, em 10 de dezembro de 1948, em Paris, a Declaração Universal de Direitos Humanos (também chamada de “Declara- ção de Paris”), que contém 30 artigos e explicita o rol de direi- tos humanos aceitos internaci- onalmente. Embora a Declara- ção Universal dos Direitos Hu- manos tenha sido aprovada por 48 votos a favor e sem voto em sentido contrário, houve oito abstenções (Bielorússia, Che- coslováquia, Polônia, União So- viética, Ucrânia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul). Honduras e Iêmen não partici- param da votação. Nos seus trinta artigos, são enu- merados os chamados direitos políticos e liberdades civis (arti- gos I ao XXI), assim como direi- tos econômicos, sociais e cultu- rais (artigos XXII–XXVII). En- tre os direitos civis e políticos constam o direito à vida e à in- tegridade física, o direito à igualdade, o direito de proprie- dade, o direito à liberdade de pensamento, consciência e reli- gião, o direito à liberdade de opinião e de expressão e à liber- dade de reunião. Entre os direi- tos sociais em sentido amplo constam o direito à segurança social, ao trabalho, o direito à li- vre escolha da profissão e o di- reito à educação, bem como o “direito a um padrão de vida ca- paz de assegurar a si e a sua fa- mília saúde e bem-estar, inclu- sive alimentação, vestuário, ha- bitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (direito ao mínimo existencial – artigo XXV). Quanto à ponderação e conflito dos direitos, a Declaração Uni- versal de Direitos Humanos (DUDH) prevê, em seu artigo XXIX, que toda pessoa tem de- veres para com a comunidade e estará sujeita às limitações de direitos, para assegurar os di- reitos dos outros e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-es- tar de uma sociedade democrá- tica. O artigo XXX determina que nenhuma disposição da De- 15 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS claração pode ser interpretada para justificar ato destinado à destruição de quaisquer dos di- reitos e liberdades lá estabeleci- dos, o que demonstra que os di- reitos não são absolutos. Em virtude de ser a DUDH uma declaração e não um tratado, há discussões na doutrina e na prática dos Estados sobre sua força vinculante. Em resumo, podemos identificar três ver- tentes possíveis: (i) aqueles que consideram que a DUDH pos- sui força vinculante por se constituir em interpretação au- têntica do termo “direitos hu- manos”, previsto na Carta das Nações Unidas (tratado, ou seja, tem força vinculante); (ii) há aqueles que sustentam que a DUDH possui força vinculante por representar o costume in- ternacional sobre a matéria; (iii) há, finalmente, aqueles que defendem que a DUDH repre- senta tão somente a soft law na matéria, que consiste em um conjunto de normas ainda não vinculantes, mas que buscam orientar a ação futura dos Esta- dos para que, então, venha a ter força vinculante (RAMOS, 2017). Tendo sido promulgada a De- claração Universal dos Direitos Hu- manos, atinge-se o ápice da evolução dos quadros do que são os direitos básicos do ser humano. A declaração da ONU, dado ao período histórico onde surgiu, foi de extrema importância para a huma- nidade, moldando a ordem jurídica internacional que ditou as regras dos ordenamentos locais surgidos no decorrer do século XX e XXI. Classificação dos Direitos Hu- manos e Direitos Fundamen- tais Quando se trata da conceitua- ção dos Direitos Humanos, há uma certa confusão sobre o uso correto dos termos “Direitos Humanos”, “Direitos Fundamentais” ou “Direi- tos do Homem”. Sobre a amplitude de nomen- claturas dos Direitos Humanos: Os direitos essenciais do indiví- duo contam com ampla diversi- dade de termos e designações: direitos humanos, direitos fun- damentais, direitos naturais, li- berdades públicas, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, li- berdades fundamentais. A ter- minologia varia tanto na dou- trina quanto nos diplomas naci- onais e internacionais (RA- MOS, 2017). Para nosso estudo, vamos tra- balhar nos conceitos sobre “Direitos do Homem” e “Direitos Fundamen- tais” para melhor compreendimen- to. Sobre isso, nos fala Mazzuoli (2014): Em especial, deve-se precisar terminologicamente o conteú- 16 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS do das expressões “direitos do homem” e “direitos fundamen- tais”, a fim de verificar do que trata cada qual e no que se dife- renciam do conceito de “direi- tos humanos”. O conceito de Direitos do Ho- mem, também por Mazzuoli (2014): Trata-se de expressão de cunho jusnaturalista que conota a sé- rie de direitos naturais (ou seja, ainda não positivados) aptos à proteção global do homem e vá- lidos em todos os tempos. São direitos que, em tese, ainda não se encontram nos textos consti- tucionaisou nos tratados inter- nacionais de proteção dos direi- tos humanos. Contudo, nos dias atuais, é muito difícil (ou quase impossível) existir direito co- nhecível que ainda não conste de algum documento escrito, seja de índole interna ou inter- nacional. Seja como for, a ex- pressão direitos do homem é ainda reservada àqueles direi- tos que se sabe ter, mas não por que se tem, cuja existência se justifica apenas no plano jusna- turalista. Ainda sobre tal conceito: Por sua vez, a locução “direitos do homem” retrata a mesma origem jusnaturalista da prote- ção de determinados direitos do indivíduo, no momento histó- rico de sua afirmação em face do Estado autocrático europeu no seio das chamadas revolu- ções liberais, o que imprimiu um certo caráter sexista da ex- pressão, que pode sugerir pre- terição aos direitos da mulher. No Canadá, há o uso corrente da expressão “direitos da pes- soa”, apta a superar o sexismo da dicção “direitos do homem” (RAMOS, 2017). Uma outra perspectiva usada para o conceito de Direitos Huma- nos e Direitos do Homem é, segundo Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Bo- net Branco (2017), a de que: A expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é reser- vada para aquelas reivindica- ções de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em ba- ses jusnaturalistas, contam ín- dole filosófica e não possuem como característica básica a po- sitivação numa ordem jurídica particular. A expressão direitos humanos, ainda, e até por conta da sua vo- cação universalista, supranaci- onal, é empregada para desig- nar pretensões de respeito à pessoa humana, inseridas em documentos de direito interna- cional. Esse termo não é tão utilizado hoje em ordenamentos jurídicos na- cionais e tratados sobre direitos hu- manos, porém, conforme resiste a influência liberal em alguns países, o termo “direitos do homem” ainda é usado ao se referir a tais direitos. Já o termo “direitos funda- mentais” é comumente encontrado 17 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS em ordenamentos nacionais, por- tanto, se faz importante para o nosso estudo compreender o seu conceito. O conceito de Direitos Funda- mentais, por Mazzuoli (2014): Trata-se de expressão afeta à proteção interna dos direitos dos cidadãos, ligada aos aspec- tos ou matizes constitucionais de proteção, no sentido de já se encontrarem positivados nas Cartas Constitucionais contem- porâneas. São direitos garanti- dos e limitados no tempo e no espaço, objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta. Tais direitos devem constar de todos os textos constitucionais, sob pena de o instrumento cha- mado Constituição perder to- talmente o sentido de sua exis- tência, tal como já asseverava o conhecido art. 16 da Declaração (francesa) dos Direitos do Ho- mem e do Cidadão de 1789: “A sociedade em que não esteja as- segurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constitui- ção”. O conceito de Direitos Funda- mentais possui um uso maior nas cartas constitucionais dos países, o que, para parte da doutrina, impõe algumas diferenças desse termo com o de Direitos Humanos. Sobre as diferenças entre os termos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais: Inicialmente, a doutrina tende a reconhecer que os “direitos humanos” servem para definir os direitos estabelecidos pelo Direito Internacional em trata- dos e demais normas internaci- onais sobre a matéria, enquan- to a expressão “direitos funda- mentais” delimitaria aqueles direitos reconhecidos e positi- vados pelo Direito Constitucio- nal de um Estado específico. Porém, como vimos, o Direito Internacional não é uniforme e nem utiliza a locução “direitos humanos” sempre. Há casos re- centes de uso da expressão “di- reitos fundamentais” em nor- mas internacionais, como se vê na Carta dos Direitos Funda- mentais da União Europeia (re- digida em 2000 e alterada em 2007). Também o Direito Cons- titucional de um país pode ado- tar a expressão “direitos huma- nos”, como se viu acima em vá- rios casos na Constituição bra- sileira. Uma segunda diferença entre “direitos humanos” e “direitos fundamentais” também é co- mumente assinalada: os direi- tos humanos não seriam sem- pre exigíveis internamente, jus- tamente pela sua matriz inter- nacional, tendo então uma ins- piração jusnaturalista sem mai- ores consequências; já os direi- tos fundamentais seriam aque- les positivados internamente e por isso passíveis de cobrança judicial, pois teriam matriz constitucional (RAMOS, 2017). Ainda sobre as diferenças so- bre os termos, tal distinção pode se dar no campo de sua amplitude. No que tange à proteção dos di- reitos das pessoas, tem-se que 18 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS os “direitos humanos” (interna- cionais) são mais amplos que os “direitos fundamentais” (inter- nos). Estes últimos, sendo posi- tivados nos ordenamentos jurí- dicos internos, não têm um campo de aplicação tão extenso quanto o dos direitos humanos, ainda mais quando se leva em conta que nem todos os direitos fundamentais previstos nos textos constitucionais contem- porâneos são exercitáveis por todas as pessoas indistintamen- te. Tome-se, como exemplo, o direito de voto, que não pode ser exercido pelos conscritos, durante o período de serviço militar, sem falar nos estrangei- ros (CF, art. 14, § 2.º). Os direitos humanos, diferente- mente dos direitos fundamen- tais, podem ser vindicados in- distintamente por todos os ci- dadãos do planeta e em quais- quer condições, bastando ocor- rer a violação de um direito seu reconhecido em tratado inter- nacional aceito pelo Estado em cuja jurisdição se encontre. Tal- vez por isso certa parte da dou- trina tenha preferido o uso da expressão direitos humanos fundamentais, com o intuito de significar a união material da proteção de matiz constitucio- nal com a salvaguarda de cunho internacional desses direitos (MAZZUOLI, 2014). Portanto, podemos compreen- der quanto aos conceitos que os di- reitos fundamentais fazem parte do rol dos direitos humanos, porém tal conceito está limitado aos ordena- mentos jurídicos de cada país, mas esses mesmos direitos constitucio- nais podem ser encontrados nas de- clarações de direitos humanos de forma explicita ou implícita. 20 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS 2. Direitos Humanos no Mundo Fonte: Ddez2 ara entender como os Direitos Humanos são devidamente aplicados e gerados em um pano- rama global, se faz necessário enten- der como funciona o sistema global de proteção de tais direitos. Sobre isso, ensina Mazzuoli (2014): A partir da emergência do Di- reito Internacional dos Direitos Humanos, surge no âmbito da ONU um sistema global de pro- teção dos direitos humanos, tanto de caráter geral (a exem- 2 Retirado em https://ddez.com.br/ plo do Pacto Internacional so- bre Direitos Civis e Políticos) como de caráter específico (v.g., as convenções internacionais de combate à tortura, à discri- minação racial, à discriminação contra as mulheres, à violação dos direitos das crianças etc.). Revolucionou-se, a partir desse momento, o tratamento da questão relativa ao tema dos di- reitos humanos. Colocou-se o ser humano, de maneira iné- dita, num dos pilares até então reservados aos Estados, alçan- do-o à categoria de sujeito do direito internacional público. Paradoxalmente, o direito in- P 21 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS ternacional, feito pelos Estados e para os Estados, começou a tratar da proteção internacional dos direitos humanos contra os próprios Estados, únicos res- ponsáveis reconhecidos juridi- camente, querendo significar esse novo elemento uma mu- dança qualitativa para a socie- dade internacional, uma vez que o direitodas gentes não mais se cingiria aos interesses nacionais particulares. A Organização das Nações Unidas (ONU), responsável pelo sis- tema global, atua diretamente e in- diretamente na promoção e prote- ção dos Direitos Humanos na exten- são do globo terrestre através de ações próprias e ações de órgãos li- gados a instituição. Sobre o esqueleto de funciona- mento da organização: A Organização das Nações Uni- das possui órgãos próprios e ainda relações de apoio admi- nistrativo e técnico com órgãos criados por diversos tratados elaborados sob seu patrocínio voltados à proteção de direitos humanos. O conjunto de meca- nismos de proteção geridos tan- to por órgãos onusianos quanto por órgãos previstos em trata- dos diversos apoiados pela ONU recebe o nome de “siste- ma global, onusiano ou univer- sal de direitos humanos.” O ponto de união entre esses ór- gãos é a atuação da ONU, quer (i) diretamente (são órgãos da própria organização) quer (ii) indiretamente (são órgãos in- dependentes, previstos em tra- tados elaborados sob o patrocí- nio da ONU e recebem apoio técnico e administrativo daque- la organização). São órgãos da ONU voltados à proteção dos direitos humanos: • Conselho de Direitos Huma- nos. • Relatores Especiais de Direi- tos Humanos. • Alto Comissariado de Direitos Humanos. São órgãos e entes externos, cri- ados por tratados diversos ela- borados com incentivo explícito da ONU e que recebem apoio da ONU: • Comitês criados por tratados internacionais de âmbito uni- versal. • Tribunal Penal Internacional (RAMOS, 2017). Para entendermos melhor o funcionamento do sistema global da Organização das Nações Unidas, precisaremos compreender melhor o funcionamento particular de cada órgão integrante e parceiro da enti- dade. Sobre o que seria o Conselho de Direitos Humanos, sua estrutura, forma de funcionamento e prática, para Ramos (2017): O Conselho de Direitos Huma- nos é composto por 47 Estados- membros e vinculado à Assem- bleia Geral da ONU (e não mais ao Conselho Econômico e So- cial). Seu surgimento, em 2006, se deu por ampla maioria, por meio da Resolução n. 60/251 da Assembleia Geral da ONU, ado- 22 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS tada por 170 votos favoráveis, quatro contra (Estados Unidos, Israel, Ilhas Marshall, Palau) e três abstenções (Irã, Belarus e Venezuela). A admissão dos novos mem- bros do Conselho de Direitos Humanos é regrada pela Reso- lução n. 60/251, que em seus parágrafos 7, 8 e 9, determina que o Conselho deve contar com 47 membros, eleitos de modo direto e individualmente por voto secreto da Assembleia Geral, devendo ter representan- tes de várias regiões do globo (Grupo dos Estados africanos – 13; grupo dos Estados asiáticos – 13; Grupo da Europa do Leste – 6; Grupo da América Latina e Caribe – 8; Grupo da Europa Ocidental e outros Estados – 7). A Resolução exige que sejam es- colhidos membros comprome- tidos com a proteção de direitos humanos, ao mesmo tempo em que determinou que os Estados eleitos sejam submetidos ao mecanismo da revisão univer- sal periódica (...). Também foi fixada possível sanção aos elei- tos, por meio da suspensão do mandato de membro pela prá- tica de grave e sistemática vio- lação de direitos humanos, por votação da Assembleia Geral com maioria de dois terços. Es- sa suspensão foi posta em prá- tica pela primeira vez em março de 2011 com a suspensão da Lí- bia por votação unânime da As- sembleia Geral, em virtude da repressão sangrenta aos oposi- tores da ditadura de Kadafi. Como citado acima, o conselho tem também como modus operandi a produção de relatórios especiais para averiguar situações de possí- veis violações graves de Direitos Hu- manos e revisões universais periódi- cas das situações de seus estados membros quanto a sua ação em rela- ção aos direitos humanos. Sobre os relatórios especiais, seus procedimentos, forma de con- fecção e atuação nos países analisa- dos: Existem o procedimento públi- co (baseado na Resolução n. 1. 235, de 1967, do Conselho Eco- nômico e Social) e o procedi- mento confidencial (Resolução n. 1.503, de 1970, do mesmo Conselho, atualizada em 2007 pela Resolução n. 5/1 do Conse- lho de Direitos Humanos). O procedimento confidencial tem alcance diminuto, pois visa ape- nas detectar quadro de violação grave e sistemática de direitos humanos em um país. Por sua vez, os procedimentos públicos exigem a nomeação de um ór- gão de averiguação de violações de direitos humanos, cuja abrangência pode ser geográ- fica (por país) ou temática. Esses órgãos de averiguação podem ser unipessoais ou cole- tivos. A denominação varia: nos casos unipessoais, há o uso da expressão “Relator Especial” e ainda “Especialista Indepen- dente”; no caso dos órgãos cole- giados, utiliza-se a expressão “Grupo de Trabalho”. Esses relatores e especialistas são escolhidos pelo Conselho de Direitos Humanos a título pes- soal, não representando o Esta- 23 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS do de nacionalidade e assumem o encargo sob juramento de in- dependência e autonomia di- ante dos Estados. Há um pro- cesso público de seleção, no qual as qualificações da função são esclarecidas (conhecimento de idioma oficial da ONU, ex- pertise na área da proteção de direitos humanos, entre ou- tros). Eles não serão funcioná- rios da ONU e só recebem ajuda de custo, porém, durante o exercício de suas funções são protegidos pela Convenção so- bre as Prerrogativas e Imunida- des das Nações Unidas (especi- almente o art. 22, VI). Seu trabalho consiste em reali- zar visitas aos países, em mis- sões de coleta de dados (fact- finding missions), bem como em agir diante de violações de direitos humanos solicitando (não podem exigir) atenção do Estado infrator sobre os casos. Seus relatórios não vinculam, apenas contêm recomendações, que são enviadas aos Estados e também ao Conselho de Direi- tos Humanos e Assembleia Ge- ral da ONU. O Brasil é um dos países do mundo que já comunicou ao Conselho de Direitos Humanos que aceita toda e qualquer visita dos Relatores e Grupos de Tra- balho, sem que estes precisem pedir anuência prévia a cada missão oficial no país (RAMOS, 2017). Tais relatórios possibilitam a Organização das Nações Unidas uma noção do que tem acontecido no mundo no que se refere aos direi- tos humanos para que possam deli- mitar as suas ações referentes a es- ses países e para melhor funciona- mento de tal função é recebido su- porte administrativo do Alto Comis- sariado dos Direitos Humanos para melhor exercício das suas funções. Agora, falando sobre a Revisão Periódica Universal e seu funciona- mento, nos explana Ramos (2017): No bojo da criação do Conselho de Direitos Humanos em 2006, foi criado o Mecanismo de Re- visão Periódica Universal (RPU). A essência do RPU é o peer review – monitoramento pelos pares – pelo qual um Es- tado tem a sua situação de di- reitos humanos analisada pelos demais Estados da ONU e que, futuramente, poderá vir a subs- tituir os procedimentos especi- ais vistos acima. O RPU prevê que todos os Esta- dos da ONU serão avaliados em períodos de quatro a cinco anos, evitando-se a seletividade e os parâmetros dúbios da esco- lha de um determinado país e não outro. O trâmite é simples e previsto no anexo da Resolução n. 5/1 do Conselho de Direitos Humanos, de 18 de junho de 2007. De início, cabe ao Estado a ser examinado apresentar re- latório nacional oficial ao Con- selho de Direitos Humanos so- bre a situação geral de direitos humanos em seu território. Após, apresenta-se uma compi- lação de todas as informações referentes a direitos humanos no Estado examinado constante 24 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS dos procedimentos especiais do próprio Conselho de Direitos Humanos e demais órgãos in- ternacionais de direitos huma-nos. Por fim, as organizações não governamentais e a insti- tuição nacional de direitos hu- manos (ver na Parte III, item 17.1 o conceito de instituição nacional de direitos humanos) podem também apresentar in- formes e outros documentos re- levantes, que serão resumidos por equipe do Alto Comissari- ado da ONU para os Direitos Humanos. Após, o Estado a ser examinado é questionado no Conselho de Direitos Humanos em relação à promoção de direitos humanos constante da Carta da ONU, Declaração Universal dos Direi- tos Humanos e ainda nos trata- dos internacionais de direitos humanos eventualmente ratifi- cados. Esse exame tem como peça- chave o “diálogo construtivo” entre o Estado sob revisão e ou- tros Estados-membros da ONU (membros ou não do Conse- lho). Para tanto é formado um Grupo de Trabalho capitaneado pelo Presidente do Conselho e composto pelos seus 47 Esta- dos-membros. Todos os docu- mentos acima expostos sobre a situação de direitos humanos devem ser apreciados em reu- nião desse Grupo de Trabalho, prevista para durar três horas. Esse diálogo permite ao Estado examinado responder às dúvi- das e ainda opinar sobre os co- mentários e sugestões dos de- mais Estados. Não há, então, condenação ou conclusões vin- culantes. Busca-se a coopera- ção e adesão voluntária do Es- tado examinado. Para sistematizar o exame, são nomeados pelo Conselho de três Estados (escolhidos entre os diversos grupos regionais, por sorteio), conhecido como “troika”, que atuam como ver- dadeiros relatores da revisão periódica do Estado exami- nado. Cabe à troika resumir as discus- sões, elaborando o chamado Relatório de Resultado ou Rela- tório Final, fazendo constar um sumário dos passos tomados no exame, observações e sugestões dos Estados, bem como as res- postas e eventuais “compromis- sos voluntários” do Estado exa- minado. Esse relatório será apreciado pelo colegiado do Conselho de Direitos Humanos. O art. 27 do Anexo da Resolução n. 5/1 dei- xa claro que a RPU é um “meca- nismo cooperativo”. Assim, o conteúdo do resultado do exa- me deverá conter uma avalia- ção objetiva e transparente da situação de direitos humanos do país, que inclua os avanços e desafios ainda existentes, bem como os compromissos volun- tariamente aceitos pelo Estado examinado. Tal revisão é o controle interno dos membros da Organização das Nações Unidas, de forma a analisar e cobrar dos seus membros em rela- ção a sua postura acerca dos direitos humanos em sua realidade. Ainda sobre os órgãos ligados diretamente a estrutura da Organi- zação das Nações Unidas, temos o Alto Comissariado das Nações Uni- 25 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS das que é formado por um grupo de pessoas que buscam dar uma maior efetividade na promoção dos Direi- tos Humanos. Sobre o alto comissário: De acordo com a Resolução n. 48/141 de 1993, o Alto Comissá- rio deve exercer suas funções pautado no respeito à Carta das Nações Unidas, à Declaração Universal dos Direitos Huma- nos e a instrumentos internaci- onais, observando a soberania, a integridade territorial e a ju- risdição doméstica dos Estados, e promovendo o respeito e a ob- servância universal dos direitos humanos, como uma preocupa- ção legítima da comunidade in- ternacional. Deve também ser guiado pelo reconhecimento de que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, in- terdependentes e inter-relacio- nados e pelo fato de que, mes- mo que as particularidades na- cionais e regionais e históricas, culturais e religiosas sejam as- pectos que devem ser levados em consideração, é obrigação dos Estados, independente- mente de seu sistema político, econômico ou cultural, promo- ver todos os direitos e liberda- des fundamentais. Por fim, a Resolução enuncia que o Alto Comissário deve reconhecer a importância de se promover o desenvolvimento sustentável para todos e de assegurar a rea- lização do direito ao desenvol- vimento (RAMOS, 2017). Existem também alguns ór- gãos que foram criados a partir de outros tratados internacionais para melhorar a atuação universal na proteção e promoção destes direitos. Temos o Comitê dos Direitos Huma- nos, criado a partir do Pacto dos Di- reitos Civis e Políticos para auxiliar os estados membros na defesa dessa classe de direitos humanos. Além desse, temos comitês destinados a abolição da tortura e da discriminação racial, a defesa dos di- reitos da mulher, da criança e das pessoas com deficiência, dentre ou- tros. Para fechar, é vinculado a Or- ganização das Nações Unidas, por meio de seus tratados estabelecidos após a sua fundação, o Tribunal Pe- nal Internacional com a função de julgar crimes de guerra e graves vio- lações de direitos humanos a nível global. Sobre isso, nos fala Ramos (2017): O fundamento da jurisdição do TPI, apesar das controvérsias, é fruto do direito internacional consuetudinário de punição àqueles que cometeram crimes contra os valores essenciais da comunidade internacional. Tal tribunal surgiu da necessi- dade de se haver um contraponto obrigacional penoso em relação aos atos do indivíduo. A responsabilidade penal inter- nacional dos indivíduos é tema 26 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS sempre debatido no direito in- ternacional. De fato, seria fala- cioso falar em proteção interna- cional de direitos sem a contra- partida da responsabilidade criminal do indivíduo no plano internacional. De nada valeria ter garantido o direito de acesso às instâncias internacionais de direitos humanos (quer no âm- bito da ONU ou no dos organis- mos regionais) se não houvesse uma contrapartida obrigacional no âmbito criminal, para além das obrigações já existentes na esfera cível (as quais ficam sem- pre a cargo de um Estado, ja- mais de um particular) (MAZ- ZUOLI, 2014). O Tribunal Penal Internacio- nal nasceu do chamado “Estatuto de Roma.” Sua criação se deu, segundo Ramos (2017): Após anos de negociação no seio das Nações Unidas, em 1998, durante Conferência In- tergovernamental em Roma (Itália), foi adotado o texto do tratado internacional que cria o Tribunal Penal Internacional (TPI), também chamado de “Estatuto de Roma”. Esse mar- co no Direito Internacional dos Direitos Humanos ocorreu jus- tamente no ano da comemora- ção do 50º aniversário da De- claração Universal de Direitos Humanos (1948-1998). O texto do Estatuto foi adotado em Roma por 120 votos a favor, 7 votos contrários (Estados Unidos, China, Índia, Líbia, Iê- men, Israel e Catar) e 21 absten- ções. Havia expectativa pessi- mista sobre a entrada em vigor do tratado, pois não cabia re- servas (art. 120, impedindo ex- clusões ou modificações de dis- positivos mais polêmicos) e exi- giu-se o número mínimo de 60 ratificações para tanto (art. 126). Em 2002, contudo, o nú- mero foi atingido e, atualmente, 124 Estados são partes do Tri- bunal Penal Internacional (da- dos de 2016). Até hoje, notam- se ausências expressivas, como as da China, Estados Unidos, Israel, Irã e Rússia. O Estatuto de Roma foi aberto à assinatura dos Estados em 17 de julho de 1998 e entrou em vigor internacional em 1º de julho de 2002. No Brasil, foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002, e entrou em vigor em 1º de se- tembro de 2002. Finalmente, foi promulgado pelo Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Ainda sobre a criação do tribu- nal e dando uma ênfase na impor- tância da participação brasileira na sua criação: O corpo diplomático brasileiro – que já participava, mesmo an- tes da Conferência de Roma de 1998, de uma Comissão Prepa- ratória para o estabelecimento de um tribunal penal internaci- onal – teve destacada atuação em todo o processo de criação do TPI. E isso foi devido, em grande parte, em virtude do mandamento do art. 7.º do Ato das DisposiçõesConstitucio- 27 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS nais Transitórias, da Constitui- ção brasileira de 1988, que esta- belece que “o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos hu- manos”. Em 7 de fevereiro de 2000 o go- verno brasileiro assinou o tra- tado internacional referente ao Estatuto de Roma do TPI, tendo sido ele posteriormente apro- vado pelo Parlamento brasilei- ro por meio do Decreto Legisla- tivo n.º 112, de 06.06.2002, e promulgado pelo Decreto n.º 4.388, de 25.09.2002. O depó- sito da carta de ratificação bra- sileira foi feito em 20.06.2002, momento a partir do qual o Brasil já se tornou parte no res- pectivo tratado. A partir desse momento, por força da norma do art. 5.º, § 2.º, da Constitui- ção brasileira de 1988 (verbis: “Os direitos e garantias expres- sos nesta Constituição não ex- cluem outros decorrentes do re- gime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados inter- nacionais em que a República Federativa do Brasil seja pa- rte”), o Estatuto de Roma inte- grou-se ao Direito brasileiro com status de norma constitu- cional, não podendo quaisquer dos direitos e garantias nele constantes ser abolidos por qualquer meio no Brasil, inclu- sive por emenda constitucional (MAZZUOLI, 2014). Passando a composição e fun- cionamento do tribunal, nos fala Ra- mos (2017): É um tribunal independente da ONU (diferente dos tribunais ad hoc da ex--Iugoslávia e Ru- anda, criados pelo Conselho de Segurança da ONU), com per- sonalidade jurídica própria, mas que, em face de seus obje- tivos, possui uma relação de co- operação com essa organização, enviando (i) relatos anuais à Assembleia Geral e ainda sendo (ii) obediente a determinadas ordens do Conselho de Segu- rança quanto ao início de um caso e suspensão de trâmite (vide abaixo). O Tribunal é composto de qua- tro órgãos, a saber: Presidência, Divisão Judicial, Procuradoria (Ministério Público) e Secreta- riado (Registry). São 18 juízes que compõem o tribunal, eleitos pelos Estados Partes para um mandato de no- ve anos (não podem ser reelei- tos). A escolha deve recair sobre pessoas de elevada idoneidade moral, imparcialidade e integri- dade, que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus res- pectivos países. No caso do Bra- sil, serão exigidos dos candida- tos os requisitos para a nomea- ção ao posto de Ministro do Su- premo Tribunal Federal, ou se- ja: notório saber jurídico, repu- tação ilibada e com mais de 35 anos e menos de 65 anos. Além disso, o Estatuto prevê que os juízes devem ser eleitos de mo- do a preencher, isonomicamen- te, duas categorias: a primeira categoria (“lista A”) é composta por pessoas com experiência em Direito Penal e Processo Pe- nal; a segunda categoria (“lista B”) é composta por pessoas com competência em matérias relevantes de Direito Internaci- 28 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS onal, tais como o direito inter- nacional humanitário e os di- reitos humanos. Na seleção dos juízes, os Esta- dos Partes devem ponderar a necessidade de assegurar que a composição do Tribunal inclua representação dos principais sistemas jurídicos do mundo, uma representação geográfica equitativa e uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino. No caso brasileiro, o Brasil indicou em 2002 Sylvia Steiner, ex-Procu- radora da República (Ministé- rio Público Federal) e ex-De- sembargadora Federal (Tribu- nal Regional Federal da 3ª Re- gião, na vaga do quinto consti- tucional do Ministério Público), eleita para a primeira composi- ção do TPI. Em 2014, o Brasil apresentou a candidatura do Professor de Direito Internacio- nal Leonardo Nemer Caldeira Brandt (UFMG), que, contudo, não foi escolhido pela Assem- bleia dos Estados Partes. Os juízes são divididos em três grandes Seções: o Juízo de Ins- trução (Pre-Trial Chamber), o Juízo de Julgamento em 1ª Ins- tância (Trial Chamber) e ainda o Juízo de Apelação (Appeal Chamber). O Ministério Público do TPI é capitaneado pelo Procurador, que atua com independência funcional, como órgão autôno- mo do Tribunal. Cabe ao Procu- rador receber comunicações e qualquer outro tipo de informa- ção, devidamente fundamen- tada, sobre crimes da compe- tência do Tribunal, a fim de os examinar e investigar e de exer- cer a ação penal junto ao Tribu- nal. É eleito pela Assembleia dos Estados Partes para man- dato de nove anos, não renová- vel. O primeiro Procurador elei- to foi o argentino Luiz Moreno- Ocampo, escolhido em 2003. A partir de 2012, foi escolhida a gambiana Fatu Bensouda para ser Procuradora do TPI. Suas competências são as de julgar os crimes de genocídio, cri- mes cometidos em guerras e agres- sões entre Estados, podendo o rol de crimes julgados ser aumentado pos- teriormente. Entendido o funcionamento do sistema global de proteção dos di- reitos humanos da Organização das Nações Unidas, a importância mun- dial da existência de tal entidade re- lacionada a manutenção e aprimora- mento dos direitos humanos passa a ser de fácil compreensão. Com isto, se faz necessário entender como funciona o sistema de proteção dos direitos humanos em nosso conti- nente. Direitos Humanos no Conti- nente Americano Vamos agora compreender melhor o sistema de proteção aos di- reitos humanos em operação no continente americano ao longo da sua extensão norte, central e sul. Tal sistema teve início com a criação da Organização dos Estados 29 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS Americanos, cuja a Declaração Ame- ricana dos Direitos e Deveres do Ho- mem foi pioneira em relação a De- claração Universal promulgada pela Organização das Nações Unidas. ONU Fonte: https://www.politize.com.br/ Sobre sua criação: Durante a 9ª Conferência Inte- ramericana realizada em Bo- gotá, entre 30 de março a 2 de maio de 1948, foram aprovadas a Carta da Organização dos Es- tados Americanos (OEA) e a Declaração Americana de Di- reitos e Deveres do Homem. A Carta da OEA proclamou, de modo genérico, o dever de res- peito aos direitos humanos por parte de todo Estado-membro da organização. Já a Declaração Americana enumerou quais são os direitos fundamentais que deveriam ser observados e ga- rantidos pelos Estados. A Declaração Americana, que é anterior à Declaração Universal de Direitos Humanos, expres- samente reconheceu a univer- salidade dos direitos humanos, ao expressar que os direitos es- senciais do homem não deri- vam do fato de ser ele cidadão ou nacional de um Estado, mas, sim, de sua condição humana (Preâmbulo da Declaração) (RAMOS, 2017). Sobre os órgãos integrantes da Organização dos Estados America- nos que fazem a promoção e prote- ção dos direitos humanos no conti- nente: Atualmente, a OEA possui dois órgãos, a Comissão Interameri- cana de Direitos Humanos e o Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral, voltados à promoção de direitos humanos. Incumbe à Comissão Interamericana de Direitos Hu- manos a tarefa principal de res- ponsabilização dos Estados por descumprimento dos direitos civis e políticos expressos na Carta e na Declaração Ameri- cana. Já o Conselho Interameri- cano de Desenvolvimento Inte- gral deve zelar pela observância dos chamados direitos econô- micos, sociais e culturais (RA- MOS, 2017). É objetivo da Comissão Intera- mericana de Direitos Humanos, se- gundo Mazzuoli (2014): Cabe à Comissão Interameri- cana proceder ao juízo de ad- missibilidade das petições ou comunicações apresentadas, e à Corte Interamericana julgar a ação eventualmente proposta 30 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS pela Comissão. Qualquer pes- soa ou grupo de pessoas, ou en- tidade não governamental le- galmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que conte- nhamdenúncias ou queixas de violações desta Convenção por um Estado-parte, nos termos do art. 44 da Convenção Ameri- cana. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui em sua es- trutura também a Corte Interameri- cana de Direitos Humanos para au- xiliar no julgamento e responsabili- zação dos Estados que descumpri- rem os termos dos tratados sobre di- reitos humanos promulgados pela Organização dos Estados America- nos. Sua função e sua estrutura, também nos leciona Mazzuoli (2014): A Corte Interamericana de Di- reitos Humanos - que é o se- gundo órgão da Convenção Americana - é o órgão jurisdici- onal do sistema interamericano que resolve sobre os casos de vi- olação de direitos humanos perpetrados pelos Estados-par- tes da OEA e que tenham ratifi- cado a Convenção Americana. Sua sede é na cidade de San José, Costa Rica. Trata-se de um tribunal supranacional in- teramericano, capaz de conde- nar os Estados-partes na Con- venção Americana por violação de direitos humanos, desde que estes tenham aceitado a compe- tência contenciosa do tribunal (art. 62 da Convenção). A Corte não pertence à OEA, mas à Con- venção Americana, com natu- reza de órgão judiciário inter- nacional. Trata-se da segunda e única corte instituída em con- textos regionais (a primeira foi a Corte Europeia de Direitos Humanos, sediada em Estras- burgo, competente para aplicar a Convenção de 1950). Seu nas- cimento se deu em 1978, quan- do da entrada em vigor da Con- venção Americana, mas o seu funcionamento somente ocor- reu, de forma efetiva, em 1980, quando emitiu sua primeira opinião consultiva e, sete anos mais tarde, quando emitiu sua primeira sentença. A Corte Interamericana é com- posta por sete juízes (sempre de nacionalidades diferentes) pro- venientes dos Estados-mem- bros da OEA, eleitos a título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reco- nhecida competência em maté- ria de direitos humanos, que re- únam as condições requeridas para o exercício das mais eleva- das funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual se- jam nacionais, ou do Estado que os propuser como candida- tos (art. 52). Os juízes da Corte são eleitos por um período de seis anos, podendo ser reeleitos somente uma vez, devendo per- manecer em suas funções até o término dos seus mandatos. Ainda sobre a Corte Interame- ricana de Direitos Humanos: 31 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS A Corte Interamericana de Di- reitos Humanos (Corte IDH), é uma instituição judicial autô- noma, não sendo órgão da OEA, mas sim da Convenção Ameri- cana de Direitos Humanos. Possui jurisdição contenciosa e consultiva (pode emitir parece- res ou opiniões consultivas, não vinculantes). Não é obrigatório o reconhecimento de sua juris- dição contenciosa: o Estado pode ratificar a Convenção Americana e não reconhecer a jurisdição contenciosa da Corte IDH, que é cláusula facultativa da Convenção. Esse reconheci- mento será feito por declaração específica para todo e qualquer caso (art. 62 da Convenção) ou mesmo para somente um caso específico. A jurisdição da Corte para julgar pretensas violações em face do Pacto de São José foi admitida, até o momento, por 21 Estados (inclusive o Brasil), entre os 23 contratantes do Pacto (Venezuela retirou-se da Convenção em 2012), exercen- do a Corte IDH jurisdição sobre cerca de 550 milhões de pes- soas. Apesar de ter ratificado e incor- porado internamente a Con- venção Americana de Direitos Humanos em 1992, foi somente em 1998 que o Brasil reconhe- ceu a jurisdição contenciosa obrigatória da Corte Interame- ricana de Direitos Humanos. O Decreto Legislativo n. 89/98 aprovou tal reconhecimento em 3 de dezembro de 1998. Por meio de nota transmitida ao Se- cretário-Geral da OEA no dia 10 de dezembro de 1998, o Brasil reconheceu a jurisdição da Cor- te. Curiosamente, o Poder Exe- cutivo editou o Decreto n. 4.463 somente em 8 de novembro de 2002, promulgando o reconhe- cimento da jurisdição da Corte Interamericana no território nacional quase quatro anos após o reconhecimento interna- cional (RAMOS, 2017). Tal corte possui o quórum para decisões de cinco juízes e sua competência é tanto para consulta sobre determinados aspectos inter- pretativos dos tratados e jurisdicio- nal, que julga as violações dos direi- tos humanos por parte dos estados membros. Ainda sobre a composição da referida corte: Além dos 7 juízes, determinado caso pode ter um “juiz ad hoc” na jurisdição contenciosa, caso o Estado Réu não possua um juiz de sua nacionalidade em exercício na Corte. A Corte IDH restringiu em 2009 – por meio de Opinião Consultiva n. 20 – a interpretação do art. 55 da Con- venção, que trata do juiz ad hoc, eliminando tal figura nas de- mandas iniciadas pela Comis- são a pedido de vítimas (ou seja, todas até o momento) e man- tendo-o somente para as de- mandas originadas de comuni- cações interestatais. Também em 2009, na mesma Opinião Consultiva n. 20, a Corte restringiu a possibilidade do juiz que porventura possuir a mesma nacionalidade do Es- tado Réu atuar no caso. So- mente o fará nas demandas in- terestatais (inexistentes, até o momento). Nas demandas ini- ciadas pela Comissão a pedido 32 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS das vítimas, o juiz da nacionali- dade do Estado Réu deve se abster de participar do julga- mento, tal qual ocorre com o Comissário da nacionalidade do Estado em exame, que não pode participar das delibera- ções da Comissão (RAMOS, 2017). A presente corte tem como pa- drão de funcionamento por sessões ordinárias e extraordinárias de con- vocação, em virtude de sua não per- manência. A Corte adotou como idi- omas oficiais os mesmos adotados pela OEA, quais sejam: inglês, espa- nhol, português e francês. Os idiomas de trabalho são es- colhidos anualmente pela Cor- te. No trâmite de casos conten- ciosos, pode ser adotado o idi- oma do Estado Réu. A sede da Corte é em San José da Costa Rica, podendo a Corte realizar sessões em outros países, para difundir seu trabalho (RAMOS, 2017). Quanto as suas legitimidades ativas e passivas, somente Estados podem estar transigindo; porém, quanto a legitimidade ativa, so- mente poderá ingressar com de- manda se tal Estado de fato reconhe- cer a jurisdição da Corte e da Comis- são Interamericana de Direitos Hu- manos. Compreendido o funciona- mento do sistema regional em ope- ração em nosso continente, resta clara a importância de cada região ter sua própria política de proteção aos direitos humanos em conjunto com os Estados-membros das enti- dades responsáveis pela defesa de tais direitos em sua perspectiva con- tinental. 34 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS 3. Direitos Humanos no Brasil Fonte: E agora Cast3 ara entender a implementação dos Direitos Humanos na or- dem jurídica atual brasileira, é pre- ciso entender as compreensões his- tóricas do nosso país das necessida- des fundamentais de sua população no decorrer do tempo e como o país tratou tal matéria no decorrer da sua independência. Na fase imperial, a Carta Cons- titucional continha algumas garan- tias básicas influenciadas pela tradi- ção liberal que vinha despontando na Europa, porém se mantinha uma realidade escravocrata e de restrição ao sufrágio. 3 Retirado em https://eagoracast.com/ Contém a previsão constitucio- nal de um rol de direitos (invio- labilidade dos direitos civis e políticos, “que tem por base a li- berdade, a segurança indivi- dual, e a propriedade”). O texto constitucional, entretanto, mascarava a real situação do Império: havia escravidão e o voto era censitário (RA- MOS,2017). Com a abolição da escravidão e o advento da República, foi trazida uma nova forma de governo e umanova perspectiva de direitos huma- nos básicos para os brasileiros con- tidos nas Constituições de 1891 e P 35 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS 1934. Sobre essa etapa, nos fala An- dré de Carvalho Ramos (2017): Com a República, a tradição de inserção do rol de direitos na Constituição de 1891 conti- nuou: o art. 72 dispôs que “a Constituição assegura a brasi- leiros e a estrangeiros residen- tes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liber- dade, à segurança individual e à propriedade, nos termos se- guintes...”. O princípio da não exaustividade dos direitos fun- damentais foi reconhecido no art. 78, que dispunha que “a es- pecificação das garantias e di- reitos expressos na Constitui- ção não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de go- verno que ela estabelece e dos princípios que consigna”. Também a Constituição de 1934 previu expressamente direitos fundamentais ao dispor, em seu Título III (“Declaração de Di- reitos”), vários direitos civis e políticos. Ela inovou ao estabe- lecer, em seu Título IV (“Da Or- dem Econômica e Social), vá- rios direitos sociais, como os previstos no art. 121 referentes aos direitos trabalhistas (inclu- sive a proibição de diferença de salário para um mesmo traba- lho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil, proibição de trabalho a meno- res de 14 anos, previsão de fé- rias anuais remuneradas, salá- rio mínimo e descanso sema- nal). A Constituição de 1934 re- conheceu também o princípio da não exaustividade dos direi- tos fundamentais ao estabele- cer, no seu art. 114 que “a espe- cificação dos direitos e garan- tias expressos nesta Constitui- ção não exclui outros, resultan- tes do regime e dos princípios que ela adota”. Com o advento do Estado No- vo, por mais que a Constituição de 1937 de Getúlio Vargas tenha reser- vado um tópico para Direitos e Ga- rantias Individuais, se escondia nes- sa falsa garantia de direitos um tota- litarismo que perseguia opositores, se colocava acima dos direitos do po- vo e praticava constantes violações. Com a queda do Estado Novo foi promulgada uma nova Constitui- ção, datada de 1946, que retomou a garantia de vários direitos funda- mentais. Após o final da ditadura do Es- tado Novo, a Constituição de 1946 instaurou uma nova or- dem democrática no Brasil, que se encerraria somente com o golpe militar de 1964. Ela pre- viu, em seu art. 141, o rol dos “direitos e garantias individu- ais”, com a cláusula de abertura dos direitos decorrentes previs- ta no art. 144 (“a especificação, dos direitos e garantias expres- sas nesta Constituição não ex- clui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota”). Na linha da Constituição de 1934, a Constituição de 1946 enumerou vários direitos sociais nos arts. 157 e seguintes, inclusive o di- reito de greve (art. 158), que ha- via sido proibido expressamen- te pela Constituição de 1937 (RAMOS, 2017). 36 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS A vigência da Constituição de 1946 que havia disposto garantias de direitos humanos teve um fim com o golpe militar de 1964, fechando o congresso e praticando uma série de crimes contra os direitos humanos como perseguições políticas, exilo e assassinato de opositores. Sobre tal período: Com a ditadura militar, a Cons- tituição de 1967 previu formal- mente um rol de direitos e ga- rantias individuais no seu art. 150, fazendo remissão a outros direitos, decorrentes do regime e dos princípios constitucionais no art. 150, § 35 (“A especifica- ção dos direitos e garantias ex- pressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garan- tias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota”). Contudo, o art. 151 trouxe a ameaça explícita aos inimigos do regime, determinando que “aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23, 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem demo- crática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, me- diante representação do Procu- rador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa”. Assim, a cláusula indeterminada do “abuso dos direitos individuais” pairava sobre os indivíduos, de- monstrando a razão de Estado que imperava naquele mo- mento de governo militar. A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, manteve a mesma situa- ção, elencando os direitos no art. 153 e prevendo a abertura a novos direitos decorrentes do regime e dos princípios consti- tucionais no art. 153, § 36 (RA- MOS, 2017). Com a queda do regime militar e a redemocratização, foi promulga- da a Constituição da República Fe- derativa do Brasil de 1988 que, com valores humanitários, buscou dar ênfase nos direitos e garantias fun- damentais. A implementação dos tratados universais referentes aos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro e as organizações destina- das a essa matéria em atividade hoje no país se deve muito as novas pos- sibilidades sociais que foram imple- mentadas pelo nascimento da Cons- tituição de 1988. Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988 Como podemos ver no item 1.2 do capítulo 1 quanto ao uso e exten- são do termo direitos humanos e di- reitos fundamentais, relembrando que este está contido naquele, po- rém, limitado ao ordenamento jurí- dico de um estado ao qual está inse- rido, vamos estudar a inserção e tra- tamento dos direitos fundamentais na Constituição da de 1988. 37 DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS SERES HUMANOS Os direitos e garantias funda- mentais foram organizados na Cons- tituição de forma expressa em cinco capítulos: Dos Direitos e Deveres In- dividuais e Coletivos, Dos Direitos Sociais, Da Nacionalidade, Dos Di- reitos Políticos e Dos Partidos Políti- cos. Vamos agora entender o con- ceito de cada um. Os Direitos e Deveres Indivi- duais e Coletivos, segundo Nathália Masson (2016): São aqueles destinados à prote- ção não só dos indivíduos (di- reitos individuais), mas tam- bém dos diferences grupos soci- ais (coletivos); estão estrita- mente vinculados ao conceito de pessoa humana e da sua pró- pria personalidade (a vida, a li- berdade, a honra, a dignidade). Os Direitos Sociais, segundo Nathália Masson (2016), “tem por fi- nalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, objeti- vando a concretização da igualdade social.” Os direitos referentes a Nacio- nalidade, em explicação também por Masson (2016): Enquanto vínculo jurídico polí- tico que explicita a ligação entre um indivíduo e determinado Estado, a nacionalidade apre- senta-se como direito básico que capacitará o indivíduo a exigir proteção do Estado e o sujeitará ao cumprimento de al- guns deveres. Quanto aos Direitos Políticos, estes são os direitos diretamente li- gados ao “ser” cidadão e ao exercício da cidadania, permitindo que a par- ticipação nos negócios políticos do Estado seja feita de forma livre e consciente (MASSON, 2016). Finalizando os cinco capítulos referidos previamente se encontram os direitos referentes aos partidos políticos, aqueles que buscam a “or- ganização do instrumento necessá- rio para concretizar o sistema repre- sentativo” (MASSON, 2016). Além destas categorias de di- reitos fundamentais presentes no Título II, podemos encontrar na ex- tensão da Constituição outros direi- tos fundamentais - tais direitos não estando exauridos ao longo dos cin- co capítulos. Sobre isso, leciona Na- thália Masson (2016): Importante esclarecer que essa sistematização do Título II, que tornou ágil e organizada a bus- ca pelos principais dispositivos que proclamam direitos funda- mentais, não se pretende
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