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DESCRIÇÃO Série vermelha do sangue: classificações das anemias e seus aspectos do diagnóstico clínico e laboratorial. PROPÓSITO Compreender os princípios gerais das anemias, suas classificações e seus aspectos laboratoriais auxiliará na interpretação de exames laboratoriais de pacientes com anemias. PREPARAÇÃO Tenha acesso a um dicionário médico on-line para consultar as doenças relatadas no tema. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever o conceito de anemia, sua classificação e os principais exames laboratoriais aplicados para o diagnóstico MÓDULO 2 Reconhecer as anemias microcíticas e macrocíticas e os respectivos diagnósticos diferenciais MÓDULO 3 Descrever as hemoglobinopatias e suas características laboratoriais MÓDULO 4 Reconhecer as anemias hemolíticas, as hemoparasitoses e os métodos laboratoriais empregados no diagnóstico INTRODUÇÃO Neste conteúdo, aprenderemos sobre a principal alteração da série vermelha do sangue, conhecida como anemia. Ela é caracterizada pela diminuição dos níveis de hemoglobina no sangue e responsável por diferentes manifestações clínicas, decorrentes da redução da capacidade de transporte de oxigênio do sangue para os tecidos. A hemoglobina também contribui para a manutenção do pH sanguíneo e os níveis adequados de hemoglobina no sangue são variáveis de acordo com a idade e o sexo do indivíduo. Isso é importante especialmente entre as crianças, pois existe variação dos valores de referência do hemograma de acordo com a faixa etária infantil. Aprenderemos também que existem diferentes causas relacionadas à diminuição dos níveis de hemoglobina e/ou diminuição do número de eritrócitos no sangue periférico e ao estabelecimento do quadro clínico de anemia. Vamos juntos conhecer mais sobre as anemias? MÓDULO 1 Descrever o conceito de anemia, sua classificação e os principais exames laboratoriais aplicados para o diagnóstico ANEMIA: DEFINIÇÃO E DIAGNÓSTICO CLÍNICO O termo anemia é utilizado para descrever a diminuição da concentração de hemoglobina no sangue, acompanhada ou não da diminuição do número de eritrócitos. A seguir, ilustra-se esquematicamente a diferença entre a quantidade de eritrócitos e, em consequência, de hemoglobina, em sangues de indivíduos sem anemia e com anemia. Esquema comparativo do sangue de pacientes com e sem anemia. Para falarmos de anemias, é preciso conhecer um pouco sobre a molécula de hemoglobina. Ela é uma proteína composta de dois pares de cadeias globínicas distintas, que formam um tetrâmero. Ligado a cada cadeia globínica, existe um grupamento heme contendo um átomo de ferro (Fe2+) central, que é capaz de ligar-se e desligar-se do oxigênio, funcionando assim como um transportador dessa molécula. Representação esquemática da molécula de hemoglobina. As anemias podem ser diagnosticadas laboratorialmente quando a concentração de hemoglobina sanguínea se encontra abaixo dos níveis considerados normais, levando-se em consideração a faixa etária e o sexo. A seguir, observamos os valores limítrofes de hemoglobina para definição de anemia em pessoas que vivem ao nível do mar. Faixa etária Valores de hemoglobina que indicam anemia para populações que vivem ao nível do mar (g/dL) Crianças de 6 a 59 meses de idade < 11,0 Crianças de 5 a 11 anos < 11,5 Crianças de 12 a 14 anos < 12,0 Mulher não grávida (≥ 15 anos) < 12,0 Mulher grávida (≥ 15 anos) < 11,0 Homem (≥ 15 anos) < 13,0 Tabela: Valores de hemoglobina para o diagnóstico de anemia. Adaptada de: OMS/WHO, 2011, p. 3. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal O termo anemia é empregado a um quadro laboratorial associado a sintomas clínicos variados que podem incluir: Palidez das mucosas Letargia Tontura Fraqueza muscular Cansaço Palpitações com pequenos esforços Icterícia Cefaleia Falta de ar As manifestações clínicas da anemia estão relacionadas à redução da oxigenação dos tecidos ou a mecanismos de compensação do organismo que são desenvolvidos para contornar a redução da oferta de oxigênio. A intensidade dos sintomas está normalmente relacionada ao nível de hemoglobina que o paciente apresenta e com a velocidade de instalação do quadro de anemia. EXEMPLO Podemos comparar um paciente adulto jovem vítima de um acidente de moto em que houve perda sanguínea aguda e um paciente da mesma idade portador de anemia hemolítica hereditária, ambos com a mesma concentração de hemoglobina, supondo ser de 9,5g/dL. Considerando que o valor de referência de hemoglobina para um homem adulto é igual ou superior a 13g/dL, o paciente acidentado apresentará muito mais sintomas de descompensação da oxigenação dos tecidos do que o segundo indivíduo, que apresenta níveis baixos de hemoglobina desde o seu nascimento e está adaptado a essa condição. Você provavelmente já ouviu falar que a anemia é causada pela deficiência de ferro no organismo, não é mesmo? Pois bem, essa não é a única causa associada ao quadro de anemia, embora seja a mais frequente. Na verdade, existem diversos fatores que podem estar relacionados: A carência alimentar de outros elementos (ácido fólico, vitamina B12). A origem hereditária da anemia (esferocitose hereditária, deficiência da enzima G6PDH, talassemias, doenças falciformes). A associação a outras doenças de base (câncer, leucemias, mielodisplasia, doença renal crônica). VOCÊ SABIA Que a concentração de hemoglobina no sangue varia com a altitude? Quando um indivíduo se encontra em altitude mais elevada, ocorre diminuição da pressão parcial de oxigênio nas artérias. Com isso, há estímulo dos rins para a produção do hormônio eritropoetina, que atuará na medula óssea impulsionando a produção de eritrócitos e o aumento da concentração de hemoglobina, o que promove uma maior oxigenação dos tecidos. Os valores de referência dos níveis de hemoglobina foram definidos para uso em regiões ao nível do mar. CLASSIFICAÇÃO DAS ANEMIAS A classificação das anemias pode se basear em: FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA Foco no aspecto clínico. CLASSIFICAÇÃO LABORATORIAL Tendo como alvo o tamanho e o conteúdo de hemoglobina dos eritrócitos. O mecanismo fisiopatológico da anemia envolve três possíveis causas, de acordo com o esquema a seguir: Fisiopatologia das anemias. A produção de hemoglobina e/ou de eritrócitos pode ser comprometida quando existe deficiência de componentes essenciais para a sua confecção, tais como ferro, ácido fólico, vitamina B12, que são normalmente obtidos pela alimentação. Essas são denominadas anemias carenciais. No entanto, existem outros fatores relacionados à diminuição da produção de hemoglobina. O órgão responsável pela produção do sangue após o nascimento é a medula óssea, presente principalmente no interior dos ossos longos do corpo humano. Para que ocorra a adequada produção de hemoglobina e de eritrócitos, é necessário que: A medula óssea disponha de todos os elementos necessários para a produção da molécula de hemoglobina (ferro, piridoxina, cadeias globínicas em quantidade e qualidade adequadas). Citocinas e eritropoietina atuem na medula óssea estimulando a produção dos eritrócitos. As células eritroides tenham capacidade de proliferar e se dividirem. Algumas outras doenças afetam a produção de células pela medula óssea: DEFEITOS NAS CÉLULAS PRECURSORAS Podem levar à aplasia da medula óssea. LEUCEMIAS Nas quais há a produção acelerada e descontrolada de células leucêmicas (blastos) que invadem a medula óssea, impedindo a produção normal das células sanguíneas, entre elas, os eritrócitos. Os eritrócitos humanos apresentam uma vida média de 120 dias. Conforme envelhecem, eles são removidos da circulação pelos macrófagos do baço ou do fígado. Entretanto, existem condições que ocasionam a diminuição do tempo de vida das hemácias, tais como: Alterações que envolvem a síntese da hemoglobina (hemoglobinas variantes). Alterações em proteínas componentes da membrana eritrocitária. Alterações em enzimas envolvidas em viasmetabólicas. Outras alterações que provocam destruição dos eritrócitos (lesão mecânica, medicamentos, anticorpos etc.). Em algumas doenças, ocorre o que se chama de eritropoiese ineficaz, devido à destruição dos precursores eritroides no interior da medula óssea causada pela síntese ou maturação anormal dessas células. Isso ocorre, por exemplo, nas talassemias, na anemia megaloblástica e nas síndromes mielodisplásicas. A perda de eritrócitos pode ocorrer: DE FORMA AGUDA Devido a traumas decorrentes de cirurgias ou por outras causas. Nesses casos, é necessário fazer a reposição de eritrócitos e de plasma pelas transfusões a fim de impedir um choque hipovolêmico. DE FORMA LENTA Em algumas situações, a anemia se instala lentamente, devido a perdas de sangue pela via gastrointestinal, por via urinária, devido ao fluxo menstrual intenso ou a hemorroidas, por exemplo. A maior parte do ferro no organismo humano encontra-se na forma de hemoglobina, sendo também armazenado na forma de ferritina, principalmente no fígado. Quando acontece perda sanguínea, é preciso que os níveis de ferritina no organismo estejam adequados para que o ferro seja mobilizado dos depósitos para síntese de hemoglobina e produção de eritrócitos. Em geral, as concentrações de eritrócitos e de hemoglobina se normalizam cerca de três semanas após um episódio de perda sanguínea em pacientes previamente hígidos (saudáveis), que possuem níveis de ferritina dentro dos valores de normalidade e que não precisaram receber transfusão. VOCÊ CONHECE A CLASSIFICAÇÃO MORFOLÓGICA DAS ANEMIAS? Ela foi criada por Wintrobe, em 1934, usando os índices hematimétricos: Volume globular médio (VGM) Hemoglobina globular média (HGM) Concentração de hemoglobina globular média (CHGM) Esses índices foram desenvolvidos por ele anteriormente, com base no conceito de hematócrito (Ht). A classificação morfológica das anemias é dividida em três grupos, utilizando como parâmetros o tamanho e a cor da população de eritrócitos do paciente. São elas: Classificação morfológica das anemias. VOCÊ SABIA Que o tamanho dos eritrócitos varia de acordo com a faixa etária dos indivíduos? Na população adulta, normalmente eles apresentam volume globular médio (VGM) ou volume corpuscular médio (VCM) em torno de 80 a 100 fentolitros (fL). Entretanto, em crianças e adolescentes, os eritrócitos apresentam valores de VGM distintos. Podemos ver esses valores na tabela a seguir: Faixa etária VGM (fL) para diagnóstico de microcitose Crianças de 3 a 6 meses de idade < 74 Crianças de 6 meses a 2 anos < 70 Crianças de 2 a 6 anos < 75 Crianças de 6 a 12 anos < 77 Adolescentes (12 a 18 anos) < 78 Adultos (≥20 anos) < 80 Tabela: Volume globular médio (VGM) dos eritrócitos para diagnóstico de microcitose. Adaptada de: Van Vranken, 2010, p. 1118. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal TIPOS DE ANEMIA ANEMIAS MICROCÍTICAS E HIPOCRÔMICAS Normalmente estão relacionadas à deficiência na síntese de hemoglobina. Como há menor conteúdo de hemoglobina, os eritrócitos formados são menores (microcíticos). A menor quantidade de hemoglobina permite a visualização de um halo central maior que o observado nos eritrócitos normais, o que os torna menos corados (hipocrômicos). Eritrócitos microcíticos e hipocrômicos. ANEMIAS NORMOCRÔMICAS E NORMOCÍTICAS Ocorre queda proporcional entre a contagem do número de eritrócitos, de hemoglobina e de hematócrito, mantendo assim o VGM e a concentração de hemoglobina globular média (CHGM) normais. Nesse grupo, encontramos os casos de anemias causadas pela diminuição da produção de eritrócitos ou aquelas nas quais há maior destruição de células, como no caso das anemias hemolíticas. Eritrócitos normocíticos e normocrômicos. ERITRÓCITOS MACROCÍTICOS São aqueles que apresentam VGM superior ao valor máximo esperado para a idade do paciente. Essas células geralmente são produzidas quando há falha na proliferação dos eritroblastos, devido à falta de nutrientes (deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico) ou devido a algum defeito genético. Então, são formados eritrócitos maiores que o normal em função do menor número de mitoses sofridas por esses eritroblastos. Essas células apresentam conteúdo de hemoglobina normal, no entanto são produzidas em menor quantidade. Nas síndromes mielodisplásicas, nas anemias hemolíticas com alta produção de reticulócitos (anemia hiper-regenerativa) e na recuperação medular após hemorragia, também podemos observar macrocitose. Eritrócitos macrocíticos (indicados pelas setas). DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS ANEMIAS Você já deve imaginar qual é a investigação mais importante para o diagnóstico de anemias, não é mesmo? Sim, isso mesmo. A dosagem da concentração de hemoglobina no sangue é o teste essencial para essa definição. SAIBA MAIS Se você é doador de sangue, deve se lembrar que no momento da entrevista/triagem para doação, uma gota de sangue do seu dedo é obtida para avaliar a concentração de hemoglobina e confirmar se você não está anêmico e se está apto a doar sangue. Atualmente, temos o privilégio de dispor de contadores hematológicos automatizados que utilizam diversos parâmetros para avaliação da população eritrocitária de um indivíduo, entre eles a contagem dos eritrócitos e os parâmetros que já conhecemos, que são a dosagem de Hb, Ht, VGM, HGM, CHGM e o índice de anisocitose (RDW). ATENÇÃO O eritrograma é o exame laboratorial que nos fornece uma valiosa fonte de informações sobre a série vermelha do sangue. A fim de complementar as informações fornecidas pelos contadores hematológicos, é muito importante que se faça a análise microscópica (hematoscopia) dos eritrócitos para se observar: Variações no tamanho das células (anisocitose) Variações no formato das células (poiquilocitose) Variações na coloração das células (anisocromia) Presença de inclusões citoplasmáticas Presença de eritroblastos circulantes Policromasia nos eritrócitos Um dos índices hematimétricos mais informativos para o diagnóstico das anemias é o RDW. Você lembra do que essa sigla significa? RELEMBRANDO RDW ou red blood cell distribution width também é conhecido como índice de anisocitose. Ele reflete o grau de variação dos tamanhos das células na população eritrocitária em porcentagem. Assim, esse índice está estreitamente relacionado ao VGM. Para ajudar você a entender, exemplificamos graficamente essa relação a partir da análise do histograma, que reflete a distribuição gráfica dos eritrócitos de acordo com o volume globular de todas as células eritroides. O pico da curva de distribuição corresponde ao VGM. Interpretação do histograma do RDW e sua relação com o VGM na população eritroide. Partindo para uma abordagem prática, veremos exemplos dos valores dos índices hematimétricos característicos de um indivíduo saudável e os valores observados em alguns tipos de anemias. A seguir, sinalizamos em negrito os principais índices alterados nos diferentes quadros de anemias. Note bem as diferenças! ERITROGRAMAS CARACTERÍSTICOS DE NORMALIDADE E DE DIFERENTES CAUSAS DE ANEMIAS De uma forma geral, o resultado do eritrograma nos direciona para investigações adicionais que nos forneçam maiores informações sobre a origem da anemia. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS ANEMIAS – ASPECTOS GERAIS A especialista Patricia Fernanda Rosa de Siqueira explica como é feito o diagnóstico das anemias. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Reconhecer as anemias microcíticas e macrocíticas e os respectivos diagnósticos diferenciais ANEMIAS MICROCÍTICAS As anemias microcíticas podem ser adquiridas, ou seja, desenvolvidas durante a vida, como as anemias por deficiência de ferro, ou podem ser herdadas e, neste caso, estão relacionadas a características genéticas transmitidas pelos pais. Os eritrócitos microcíticos são formados devido a causas diversas: QUANTIDADE DE FERRO INSUFICIENTE PARA FORMAÇÃO DO GRUPAMENTO HEME.ALTERAÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO E/OU NO FORNECIMENTO DO FERRO. ALTERAÇÃO ENZIMÁTICA NA SÍNTESE DO GRUPAMENTO HEME. DEFEITO NA SÍNTESE DAS CADEIAS GLOBÍNICAS. Dentre essas anemias, destacam-se a anemia por deficiência de ferro (ADF), anemias de doenças crônicas e anemia sideroblástica. Acerca das causas hereditárias de microcitose, as talassemias destacam-se e são decorrentes de defeitos genéticos quantitativos na síntese de cadeias globínicas. Vamos agora conhecê-las de forma mais detalhada? ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE FERRO A anemia por deficiência de ferro (ADF) é a mais comum em todo o mundo, embora varie sua prevalência de acordo com a localização geográfica, idade, gênero e classe social. Em geral, ela é mais prevalente entre crianças menores de 2 anos, mas acomete bastante todas as faixas etárias e está relacionada inclusive ao déficit cognitivo na infância. Entre os adultos, é mais comum nas mulheres, especialmente entre as gestantes. As classes socioeconômicas menos favorecidas são mais acometidas pela ADF. A ADF é desencadeada pela deficiência nutricional ou absortiva, ou mesmo por perda crônica de sangue. A maior parte do ferro do organismo é encontrado na forma de constituinte da hemoglobina, presente nos eritrócitos. Ele também é armazenado na forma de ferritina ou de hemossiderina em diferentes tecidos, como fígado e baço, e no reticuloendotelial. Conforme há o envelhecimento e a destruição dos eritrócitos, o ferro da hemoglobina contido nessas células é reciclado. O ferro heme (ligado à hemoglobina), encontrado em fontes animais, é mais bem absorvido que o ferro não heme, obtido nos vegetais e cereais. Essa absorção ocorre no duodeno e, ao ser liberado na circulação sanguínea, o ferro liga-se a uma glicoproteína transportadora denominada transferrina. O ferro circula no plasma ligado à transferrina, e é cedido aos eritroblastos na medula óssea para a síntese do grupamento heme. A ingestão inadequada na dieta é a principal causa de deficiência de ferro em crianças. No entanto, o crescimento rápido que acontece na adolescência, a gestação, lactação, perda menstrual excessiva, doença celíaca ou outras causas gastrointestinais de perda sanguínea também podem estar relacionadas a esse quadro de deficiência. ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA A anemia de doença crônica (ADC), também chamada de anemia da inflamação, inicialmente se apresenta como normocítica e, com a evolução do quadro, os eritrócitos passam a ser microcíticos, em função da baixa disponibilidade do ferro durante a inflamação. Mas como isso acontece? Em estados inflamatórios, nas neoplasias, nas infecções agudas ou crônicas e nas doenças autoimunes, há a produção de citocinas inflamatórias (interleucina 1, interleucina 6, fator de necrose tumoral, alfa interferon, beta interferon, gama interferon etc.). Essas citocinas alteram a homeostase do ferro, promovem o acúmulo de ferro em locais de estocagem como o sistema reticuloendotelial e os macrófagos da medula óssea, além de diminuir a produção renal de eritropoietina. Dessa forma, o estoque de ferro fica impedido de ser utilizado para produção de novos eritrócitos. ANEMIA SIDEROBLÁSTICA A anemia sideroblástica congênita é uma forma rara de doença, que pode ser herdada ou adquirida. Em ambos os casos, o metabolismo mitocondrial encontra-se alterado causando a síntese ineficaz do grupamento heme e da eritropoiese, bem como a produção insuficiente desse grupamento. Isso ocorre devido à síntese anormal de protoporfirina ou inserção defeituosa do ferro no anel protoporfirínico. Ocorre eritropoiese ineficaz — maturação anormal do núcleo ou do citoplasma dos eritroblastos. A maior parte do grupamento heme é produzida no citoplasma e nas mitocôndrias dos eritroblastos, e o restante é produzido nos hepatócitos. Nos eritroblastos da medula óssea, o ferro não utilizado para a síntese desse grupamento deposita-se em volta do núcleo dessas células, e são denominados sideroblastos em anel. Os casos de origem hereditária são muito raros e apresentam-se com microcitose e hipocromia. Já os casos adquiridos podem estar relacionados a síndromes mielodisplásicas ou a doenças como artrite reumatoide, mielofibrose, carcinoma ou ainda, podem ser secundários ao contato com agentes tóxicos ou drogas, como isoniazida, pirazinamida, cloranfenicol, chumbo, entre outros. Esses casos costumam ser normocíticos e normocrômicos ou macrocíticos. TALASSEMIAS Para que as moléculas de hemoglobina sejam produzidas adequadamente, as cadeias polipeptídicas devem ser produzidas em proporções iguais. Nas talassemias, ocorre a produção desequilibrada das cadeias alfa e das cadeias não alfa, devido à ausência ou diminuição da síntese de uma ou mais cadeias globínicas. O excesso da cadeia globínica produzida normalmente se acumula nas células como um produto instável e precipita, gerando alterações na membrana do eritrócito e causando a destruição prematura deles. As talassemias apresentam-se como anemias microcíticas e hipocrômicas, devido à produção inadequada de hemoglobina. O desequilíbrio na produção das cadeias globínicas causa eritropoiese ineficaz, produção de hemoglobina insuficiente, hemólise e anemia em grau variável. As manifestações clínicas podem variar de microcitose assintomática à anemia extrema, incompatível com a vida, podendo causar morte intrauterina. Estudaremos as talassemias com mais detalhes em outro momento. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ANEMIAS MICROCÍTICAS Diante de um eritrograma com microcitose e hipocromia, a rotina de investigação laboratorial quase sempre se inicia com a análise da bioquímica do ferro, que inclui as seguintes dosagens: ferro sérico; ferritina sérica; capacidade livre e total de ligação ao ferro (CTLF); e índice de saturação de transferrina (IST). Diante desses resultados, conseguimos identificar as possíveis causas da anemia microcítica e hipocrômica, conforme ilustrado a seguir. Note que o valor de RDW também é muito importante para auxiliar essa investigação. Diagnóstico diferencial das anemias microcíticas e hipocrômicas de acordo com os exames laboratoriais para avaliação do metabolismo do ferro. Agora, direcionaremos e entenderemos o diagnóstico a partir dos resultados da cinética do ferro. A partir do esquema, vemos que um paciente que manifesta os níveis de ferro, de ferritina e do IST elevados provavelmente apresenta anemia sideroblástica. Nesses pacientes, o ferro sérico encontra-se em níveis elevados devido à incapacidade de utilização dele. Como mencionado, há dupla população de eritrócitos (microcítica/hipocrômica e normocítica/normocrômica) nessa anemia, mas os reticulócitos estão normais. Anemia Sideroblástica com dupla população de eritrócitos no sangue (normocíticos e microcíticos). Medula óssea evidenciando acúmulo de grânulos contendo ferro dispostos ao redor do núcleo em paciente com síndrome mielodisplásica. O diagnóstico diferencial é feito a partir da biópsia da medula óssea, na qual observa-se excesso de sideroblastos em anel (>10% de células nucleadas). Além disso, há uma quantidade aumentada de hemossiderina, que é visualizada pela coloração com azul da Prússia, denominada reação de Perls. Biópsia de fígado mostrando hemossiderina evidenciada pela coloração com azul da Prússia. Em pacientes que apresentarem todos os exames relacionados à cinética do ferro dentro da faixa de referência, é indicada a realização da investigação do perfil de hemoglobinas para avaliar se existe alguma hemoglobina variante e quantificar as hemoglobinas normais (HbA, A2 e Fetal) e anormais, se houver. Alguns casos de talassemia (talassemia major ou intermédia), podem apresentar aumento da ferritina, ferro sérico e do IST, como consequência da hemólise e da eritropoiese ineficaz, que ocorre nesses casos. Vamos nos aprofundar nesse assunto posteriormente, quando estudarmos as hemoglobinopatias. RELEMBRANDO A principal causa das anemias microcíticas e hipocrômicas é a deficiência de ferro.Quando os níveis de ferro e ferritina séricos se encontram abaixo dos valores de referência, esse diagnóstico é facilmente concluído. No entanto, o quadro de anemia por deficiência de ferro é precedido por estágios gradativos de deficiência de ferro, detectados a nível laboratorial e que permitem avaliar os diferentes compartimentos de ferro (de estoque, de transporte e funcional). Nesses casos, o que notamos inicialmente é a diminuição do estoque de ferro, que é avaliado indiretamente pela dosagem da ferritina sérica ou diretamente, a partir da coloração do ferro medular com azul da Prússia. Com o objetivo de avaliar o transporte de ferro para disponibilizá-lo à eritropoiese, são utilizados os testes de: CTLF Tende a aumentar. IST Tende a diminuir em função da menor disponibilidade de ferro. Os níveis de ferro sérico encontram-se diminuídos nas fases mais avançadas da deficiência. Conforme a anemia por deficiência de ferro se instala, observamos a diminuição do VGM, HGM e da hemoglobina, com o aumento do RDW, em virtude da maior heterogeneidade do tamanho da população eritrocitária. O esquema seguinte ilustra o processo de instalação progressiva da anemia por deficiência de ferro, com base nos parâmetros laboratoriais. Fisiopatologia da instalação da anemia por deficiência de ferro. O primeiro sinal de diminuição dos estoques de ferro é a queda dos níveis séricos de ferritina. SAIBA MAIS Alguns parâmetros laboratoriais que podem auxiliar no diagnóstico diferencial da anemia por deficiência de ferro e da anemia da inflamação ainda não são amplamente utilizados na prática clínica devido ao alto custo, tais como as dosagens do receptor solúvel da transferrina (sTfR) e da zincoprotoporfirina eritrocitária (ZPP). Essas dosagens não se alteram na inflamação, mas na anemia por deficiência de ferro ambos estão elevados. Na anemia de doença crônica, o nível de ferritina pode estar normal ou elevado. Como a ferritina é uma proteína que se eleva na fase aguda de uma inflamação, é interessante realizar em paralelo algum teste para avaliar a presença de um possível quadro inflamatório, tal como a velocidade de hemossedimentação (VHS) ou a concentração sérica de proteína C reativa (PCR). Nesse tipo de anemia, o ferro sérico pode estar normal ou diminuído, assim como o VGM, e a CTLF e o IST geralmente estão diminuídos. A diminuição do ferro sérico nesse caso é consequência do desequilíbrio no metabolismo do ferro, pois o estado inflamatório bloqueia a utilização do seu estoque, diminuindo a síntese de hemoglobina e a eritropoiese. Um peptídeo denominado hepcidina aumenta nos processos inflamatórios e inibe a absorção do ferro pelo intestino delgado e a liberação dele pelos macrófagos. Além disso, o aumento dos níveis de citocinas também pode interferir na produção de eritropoietina no rim e na maturação das células eritroides. A seguir, você pode observar os principais dados laboratoriais utilizados para o diagnóstico diferencial das anemias microcíticas e hipocrômicas. Teste Laboratorial Anemia por Deficiência de Ferro Talassemia Anemia de Doença Crônica Anemia Sideroblástica Contagem de Eritrócitos Geralmente baixa Geralmente > 5 x 106/µL Geralmente baixa --- VGM Raramente tão baixo como 60- 70 fL - Na alfa-talassemia heterozigota – em geral de 70fL-80fL - Na beta-talassemia minor – em geral de 60fL-70fL Normal ou Baixo (20%-30% dos casos) - Baixo (causa hereditária) - Normal /Alto (causa adquirida) Nível de Ferritina Sérica Diminuído Aumentado Normal a Aumentado Normal a Aumentado RDW Aumentado Normal Normal ou Aumentado Aumentado (adquiridas) Nível de Ferro Sérico Diminuído Normal a Aumentado Normal a Diminuído Normal a Aumentado Capacidade Total de Ligação ao Ferro Aumentada Normal Discretamente Diminuída Normal Saturação de Transferrina Geralmente baixa, mas pode ser normal Normal a Aumentada Normal a Discretamente Diminuída Geralmente >15% Normal a Aumentada Perfil de Hemoglobinas Geralmente normal HbA2 pode estar diminuída - Na alfa-talassemia heterozigota Adultos – Normal RN – podem apresentar Hb Bart’s ou HbH - Na beta-talassemia menor – HbA2 > Geralmente normal Geralmente normal 4,0%, HbF pode estar aumentada RN: recém-nascido | HbA2: hemoglobina A2 | HbF: hemoglobina fetal Quadro: Testes laboratoriais no diagnóstico diferencial das anemias microcíticas e hipocrômicas. Adaptado de: LICHTMAN, 2005, p. 78. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS ANEMIAS MICROCÍTICAS E HIPOCRÔMICAS A especialista Patricia Fernanda Rosa de Siqueira fala sobre diagnóstico diferencial da anemia ferropriva, talassemias, anemia sideroblástica e de doença crônica. ANEMIAS MACROCÍTICAS Como já aprendemos, essas anemias em geral se desenvolvem devido a defeitos na proliferação dos eritroblastos provocados pela falta de nutrientes (folato ou vitamina B12), seja pela deficiência na ingestão ou por alterações que impedem a absorção adequada deles. A deficiência de vitamina B12 (cobalamina) aparece após diminuição da ingestão: Em casos de desnutrição ou de má absorção (gastrite, gastrectomia, anemia perniciosa, ressecção ileal). Em casos de aumento de necessidade fisiológica (gravidez) ou patológica (neoplasias). A vitamina B12 liga-se ao fator intrínseco, que é produzido pelas células parietais gástricas. Essa ligação ocorre no duodeno e jejuno para que sua absorção ocorra no íleo terminal. SAIBA MAIS A anemia perniciosa é causada pela falta da secreção do fator intrínseco pela mucosa gástrica, que impede a absorção da vitamina B12. A manifestação da deficiência desse nutriente ocorre de 2 a 5 anos após haver cessado a sua ingestão. O fígado é o principal local de reserva do folato, sob forma de 5-metiltetraidrofolato. Essas reservas conseguem atender às necessidades do organismo por 3 a 4 meses, antes de surgir o quadro de deficiência. A deficiência desse nutriente surge devido à nutrição deficiente, em casos em que há absorção defeituosa do folato, como nas doenças do intestino delgado, nas doenças hepáticas, ou em casos de necessidades aumentadas, como na gravidez ou nas anemias hemolíticas crônicas, sendo observada também em indivíduos que fazem uso excessivo de álcool, em lactentes prematuros e em idosos. Alguns medicamentos prejudicam a síntese de DNA porque são análogos ao ácido fólico (como o metotrexato e sulfametoxazol-trimetoprima) ou são análogos ao ácido nucleico (5-fluorouracil e zidovudina), além de outros (hidroxiureia, sulfasalazina, fenitoína e fenobarbital). Durante o uso de tais medicamentos, podemos observar alterações megaloblásticas. ATENÇÃO Na consulta do paciente, devem ser coletadas informações sobre o uso de medicamentos que permitam auxiliar o diagnóstico. O ácido fólico e a vitamina B12 são necessários à síntese de timidina, que é um dos constituintes do DNA. Quando há deficiência desses nutrientes, a eritropoiese torna-se ineficaz e costuma acontecer a destruição de eritroblastos no interior da medula óssea. Observa-se assincronismo núcleo-citoplasmático, com produção de precursores eritroides maiores e com núcleos anormais, embora tenham citoplasma normal. A redução na capacidade de divisão (mitose) dos eritroblastos origina grandes precursores eritroides (megaloblastos) na medula óssea. Os eritrócitos produzidos são maiores e em pequeno número, mas apresentam concentração de hemoglobina ideal para o seu tamanho (CHGM normal), sendo normocrômicos. Anemia megaloblástica — eritrócitos macrocíticos e neutrófilos hipersegmentados. CARACTERÍSTICAS LABORATORIAIS DAS ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS A seguir, observamos as características dos exames laboratoriais utilizados para investigação das anemias megaloblásticas. DIAGNÓSTICO DAS ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS ERITROGRAMA Eritrócitos em número diminuído. VGM elevado (geralmente >110fL para adultos). Hemoglobinaem níveis bastante variados (anemia moderada a grave). HGM elevado (proporcionalmente ao aumento do VGM). CHGM (normal). RDW elevado (desde o início da instalação da anemia). MORFOLOGIA DO SANGUE PERIFÉRICO Anisocitose com macrocitose moderada a intensa, com presença de macrócitos ovalados, poiquilocitose discreta com presença de hemácias em lágrima e fragmentos de eritrócitos. Podem ser eventualmente observados corpúsculos de Howell-Jolly (restos de DNA). Além dos eritrócitos, os leucócitos e as plaquetas são observados em número menor, devido ao comprometimento da síntese de DNA. Presença de neutrófilos hipersegmentados (>5 lóbulos) em pelo menos 5% das células avaliadas. CONTAGEM DE RETICULÓCITOS Níveis normais ou diminuídos (até 1,5%). OUTROS EXAMES LABORATORIAIS ESSENCIAIS PARA O DIAGNÓSTICO Dosagem sérica de vitamina B12 (cobalamina) e de ácido fólico — pelo menos uma das dosagens deve estar abaixo dos valores de referência de normalidade. Para verificar as reservas corporais de folato, o ideal é dosar o folato eritrocitário devido à maior sensibilidade. Ferro sérico elevado. Ferritina sérica elevada. Bilirrubina indireta elevada. Enzima lactato desidrogenase (LDH) elevada. Ácido metilmalônico (MMA) elevado ou homocisteína + MMA elevados — na deficiência de vitamina B12. Homocisteína elevada — deficiência de folato. Homocisteína e MMA normais — indica-se avaliação da medula óssea do paciente para investigar outras causas de anemia, tais como as síndromes mielodisplásicas ou a aplasia da medula óssea. Anticorpos para fator intrínseco ou células parietais — indicativos de anemia perniciosa. Falamos em corpúsculo de Howell-Jolly, você lembra de como eles aparecem nas lâminas de esfregaço sanguíneo? Vamos observar? Corpúsculos de Howell-Jolly representados pelas setas em um eritroblasto ortocromático (esquerda) e nos eritrócitos (direita). CARACTERÍSTICAS LABORATORIAIS DAS ANEMIAS NÃO MEGALOBLÁSTICAS As anemias macrocíticas não megaloblásticas devem ser investigadas após se excluir as principais causas das anemias megaloblásticas. As não megaloblásticas costumam apresentar VGM não tão elevado como as megaloblásticas (aproximadamente 110fL) e não são visualizados neutrófilos hipersegmentados no sangue periférico. Em alguns casos, observamos poiquilocitose (esferócitos, acantócitos, esquizócitos) e eritrócitos policromatofílicos. Além disso, a contagem de reticulócitos é variável, mas nos ajuda muito a direcionar a investigação. Reticulócitos corados com corante novo azul de metileno. Nos casos em que observamos contagens de reticulócitos elevadas, as principais suspeitas são de anemia hemolítica ou de hemorragia aguda. Esses quadros provocam a resposta da medula óssea para produzir mais eritrócitos a fim de compensar aqueles que foram perdidos na hemólise ou no sangramento. Caso a contagem de reticulócitos esteja baixa, outras causas podem estar relacionadas, tais como: uso contínuo de álcool, hipotireoidismo, doenças hepáticas crônicas, e até mesmo o uso de medicamentos que possam afetar a produção de eritrócitos. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Descrever as hemoglobinopatias e suas características laboratoriais HEMOGLOBINOPATIAS Aprendemos que a molécula de hemoglobina é composta por duas cadeias globínicas do tipo alfa e duas do tipo beta, que formam um tetrâmero. Entretanto, essa composição não é encontrada durante a vida embrionária e o período fetal. Como isso é possível? A produção das cadeias globínicas que compõem a hemoglobina dependem da expressão de genes que estão organizadas em dois agrupamentos: AGRUPAMENTO ALFA (Α) Localizado no cromossomo 16, que contém os genes responsáveis pela produção das cadeias α da hemoglobina do adulto e das cadeias zeta (ζ), uma globina do período embrionário. AGRUPAMENTO BETA (Β) Encontrado no cromossomo 11, que engloba o gene épsilon (ε), o gene gama (γ), e os genes beta (β) e delta (δ). Localização dos genes responsáveis pela síntese das cadeias globínicas nos cromossomos 11 e 16. Durante as fases embrionária, fetal e pós-nascimento, ocorre a expressão de diferentes genes nos agrupamentos da α-globina e da β-globina. O padrão de expressão desses genes nos agrupamentos sofre alterações de acordo com o estágio de desenvolvimento do indivíduo, conforme observamos a seguir. Fase do desenvolvimento Hemoglobinas produzidas Embrionária Gower -1 (ζ2ε2) Portland (ζ2γ2) Gower-2 (α2ε2) Fetal Fetal (α2γ2) – 90 a 100 % HbA e HbA2 – começam a ser produzidas em pequenas quantidades até o nascimento Pós-nascimento (após 6 meses de vida) A (α2β2) – 96 a 98% A2 (α2δ2) – 2 a 4% Fetal (α2γ2) – 0 a 1% Quadro: Perfil de hemoglobinas produzidas em cada fase do desenvolvimento humano. Elaborado por: Patricia Fernanda Rosa de Siqueira. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Após o nascimento, a hemoglobina fetal é gradativamente substituída pela HbA e pela HbA2. A hemoglobina A é a predominante no perfil de hemoglobinas normais, assim, seus parâmetros moleculares, genéticos e físico-químicos são usados para comparação com hemoglobinas variantes (HbS, HbC, hemoglobinas instáveis etc.) e as outras hemoglobinas normais (Hb embrionárias, HbA2 e Hb fetal). Quando ocorrem mutações, deleções, inserções ou qualquer alteração na estrutura dos genes responsáveis pela síntese das hemoglobinas normais, a produção de hemoglobina pode ser alterada. A hemoglobina S, por exemplo, é produzida quando há a substituição do ácido glutâmico da posição 6 da cadeia polipeptídica da betaglobina por uma valina, devido à troca da base nitrogenada adenina (A) pela timina (T). Comparação da sequência de aminoácidos da hemoglobina A e S. As hemoglobinopatias são condições relacionadas a modificações genéticas que podem afetar a síntese das hemoglobinas de duas formas: QUALITATIVAMENTE Com a produção de hemoglobinas que possuem diferenças estruturais quando comparadas à HbA. Exemplo: anemia falciforme. QUANTITATIVAMENTE Quando as alterações em genes provocam a diminuição da produção de alguma das cadeias globínicas. Exemplo: talassemias. A seguir, conheceremos mais detalhes sobre as principais hemoglobinopatias. HEMOGLOBINAS VARIANTES: AS ALTERAÇÕES QUALITATIVAS NA PRODUÇÃO DA HEMOGLOBINA Em geral, as hemoglobinas variantes são produzidas devido a trocas na sequência de nucleotídeos que provocam substituições de aminoácidos na cadeia polipeptídica da globina correspondente. Essas variações alteram a estrutura da hemoglobina e suas propriedades físico-químicas, como exemplificado a seguir. Hemoglobinopatia Alteração proteica Local de alteração HbS (βs) Ac. Glut > Val 6ª posição β globina HbC (βc) Ac. Glut > Lis 6ª posição β globina HbD (βd) Ac. Glut > Gli 121ª posição β globina HbE (βe) Ac. Glut > Lis 26ª posição β globina HbO (βO) Ac. Glut > Lis 121ª posição β globina Quadro: Hemoglobinas variantes e suas respectivas alterações proteicas em relação à HbA. Adaptado de: OLIVEIRA, 2007, p. 268. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Nem todas as hemoglobinas que apresentam variações estruturais provocam alterações clínicas e/ou laboratoriais significantes. Existem atualmente mais de mil hemoglobinas variantes descritas, que podem ser classificadas em grupos distintos, conforme o desfecho causado pela sua alteração estrutural. Veja alguns exemplos a seguir: Classificação da alteração estrutural Características Exemplos Hemoglobinas de agregação As hemoglobinas formam cristais no interior dos eritrócitos. HbS e HbC Hemoglobinas instáveis Graus variáveis de manifestações clínicas e hematológicas. Hb Hirosaki, Hb Moscova, Hb Guantanamo Hemoglobinas com alterações funcionais Provocam alteração de afinidade da hemoglobina pelo oxigênio (aumento ou diminuição). Pode haver eritrocitose, anemia hemolítica ou produção de meta-hemoglobina. Hb Kansas, Hb M-Saskatoon, Hb Hiroshima Hemoglobinassem alterações fisiológicas Constituem a maioria das hemoglobinas variantes. Hb F Texas, HbB2 Hemoglobinas com fenótipos talassêmicos Fenótipo de talassemia minor Hb Fort Worth, Hb Tangariki Quadro: Hemoglobinas variantes e suas características. Elaborado por: Patricia Fernanda Rosa de Siqueira. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal As variantes de hemoglobinas mais comuns e mais importantes incluem as hemoglobinas E, S, C, e algumas talassemias. VOCÊ SABIA Você já ouviu falar sobre o teste do pezinho? Esse teste foi instituído no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2001. É conhecido como Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN). Ele deve ser realizado entre o 3º e o 5º dia de vida do recém-nascido, a partir da coleta de sangue do pé do bebê. Atualmente, são investigadas seis doenças genéticas ou congênitas, incluindo as hemoglobinopatias (mais frequentemente as doenças falciformes). O objetivo desse teste é identificar os portadores de doenças que, se não tratadas precocemente, podem comprometer o desenvolvimento das crianças. Em 2021, foi sancionada a lei 14.154, que ampliou o número de doenças investigadas no PNTN. O estudo mais abrangente será implementado de forma escalonada e passará a contemplar 14 grupos de doenças. TRIAGEM NEONATAL - TESTE DO PEZINHO A especialista Patricia Fernanda Rosa de Siqueira fala sobre abordagem diagnóstica precoce das hemoglobinopatias. DOENÇAS FALCIFORMES As doenças falciformes são caracterizadas pela produção da hemoglobina S (HbS) e a mutação que origina essa produção pode ser transmitida aos descendentes. Caso seja herdada do pai e da mãe, o indivíduo será homozigoto para o gene da HbS (padrão HbSS), característico da anemia falciforme. Caso a herança venha somente do pai ou somente da mãe, o indivíduo possuirá o traço falcêmico, pois será heterozigoto para o gene da HbS (padrão HbAS) e, em geral, não apresenta nenhum sintoma relacionado à falcização dos eritrócitos. Ao nascer, o bebê possui grande percentual de hemoglobina fetal (HbF), que possui alta afinidade com o oxigênio e o protege de episódios de falcização. O percentual da HbF diminui até os 6 meses de idade, e essa fase costuma ser característica do início do aparecimento dos primeiros sintomas, já que os eritrócitos com HbS em baixas tensões de oxigênio sofrem deformação e adquirem formato de foice (falcização ou afoiçamento). Hemácia normal e hemácia falciforme. Além disso, as moléculas de HbS, quando desoxigenadas, sofrem agregação em longos polímeros e tornam o eritrócito rígido, sem a maleabilidade característica do eritrócito que possui a HbA em seu interior. Isso dificulta a movimentação dessas células na circulação, pois são mais rígidas e facilmente agregáveis, podendo bloquear a passagem do sangue em vasos sanguíneos da microcirculação. Quando isso ocorre, o paciente pode sofrer com crises álgicas, infecções e danos crônicos em diversos órgãos. Eritrócitos normais e eritrócitos falciformes: comprometimento da circulação sanguínea. A anemia decorrente da doença falciforme é resultado dos episódios de afoiçamento que, ao longo do tempo, promovem dano irreversível na membrana do eritrócito e sua destruição (hemólise). As doenças falciformes são muito complexas com diversas intercorrências e necessitam de tratamento e acompanhamento contínuos. A qualidade de vida do paciente é comprometida não só no âmbito da saúde física, mas também no contexto social, que envolve educação, emprego e interações sociais. Entre as doenças falciformes, existem duplos heterozigotos para hemoglobinas distintas, como HbS e HbC, mas a HbS está sempre presente nessa combinação. Doença falciforme com dupla heterozigose para HbS e HbC – célula falciforme e diversos eritrócitos em alvo. Existem também associações entre talassemias e a HbS. Os diferentes genótipos das doenças falciformes estão relacionados aos variados quadros clínicos e diferentes perfis de distribuição das hemoglobinas, conforme observaremos a seguir. Interações VGM % HbS % HbA % HbA2 % HbF AS Normal 35–38 62–65 <3,5 <1 SS Normal 88–93 0 <3,5 5–10 S/β0 - talassemia Diminuído 88–93 0 >3,5 5–10 S/β+- talassemia Diminuído 50–93 3–30 >3,5 1–10 S / PHHF Normal 65–80 0 <3,5 20–35 AS / α+ - talassemia Normal/Diminuído 28–35 62–70 <3,5 <1 AS / α0 - talassemia Diminuído 20–30 68–78 <3,5 <1 SS / α talassemia Normal/Diminuído 88–93 0 <3,5 1–10 PHHF - persistência hereditária de hemoglobina fetal. Tabela: Perfil de hemoglobinas e do VGM nas doenças falciformes em adultos. Extraída de: LEWIS; BAIN; BATES, 2006, p.227. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS DOENÇAS FALCIFORMES O principal teste diagnóstico das doenças falciformes é a análise do perfil de hemoglobinas. Essa pesquisa pode ser feita a partir da técnica de cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), que identifica as hemoglobinas de acordo com o tempo que elas levam para serem eluídas da coluna cromatográfica e, ao mesmo tempo, permite quantificá-las. Exemplo esquemático de separação de uma mistura de hemoglobinas usando CLAE. A seguir, podemos observar os resultados da CLAE de um indivíduo heterozigoto para HbS, e de um indivíduo com o padrão de normalidade (qualitativo e quantitativo) das hemoglobinas (HbA, HbA2 e HbF). CLAE de um indivíduo heterozigoto para HbS e de um indivíduo com o padrão de normalidade de HbAA. ATENÇÃO A CLAE é uma técnica muito eficiente e precisa, no entanto, recomenda-se confirmar o resultado obtido por ela utilizando as eletroforeses de hemoglobinas em meio alcalino e em meio ácido. Isso é necessário pois existem hemoglobinas que podem se sobrepor nas frações eluídas na CLAE. As eletroforeses auxiliam a identificação qualitativa das hemoglobinas. No meio alcalino, a HbS move-se eletricamente de forma mais lenta que a HbA, pois a mudança do ácido glutâmico para valina na posição 6 da cadeia da betaglobina provoca mudança de carga elétrica em relação à HbA, tornando-a menos negativa. A eletroforese em meio ácido nos permite distinguir a HbS da HbD, pois ambas correm na mesma posição na eletroforese em meio alcalino. Além disso, essa metodologia nos permite diferenciar a HbS de outras hemoglobinas variantes que migram na mesma posição na eletroforese em meio alcalino. No esquema a seguir, podemos observar a representação das posições das hemoglobinas observadas nas eletroforeses em meio alcalino e em meio ácido. Representação esquemática das posições das hemoglobinas nas eletroforeses em meio alcalino e em meio ácido. SAIBA MAIS Sempre que um bebê é identificado com alguma hemoglobina variante, é recomendado que seus pais também realizem a investigação do perfil de hemoglobina para que tenham conhecimento da possibilidade de transmitirem a outros filhos genes que podem estar relacionados a hemoglobinopatias. No hemograma, os achados mais característicos de pacientes com doenças falciformes são: Níveis baixos de hemoglobina. Eritrócitos normocíticos e normocrômicos na anemia falciforme e microcíticos quando há interação da HbS com talassemia. Exibição por hematoscopia de eritrócitos em forma de foice (falciforme), em alvo e em outras formas: anisocitose, policromasia, corpos de Howell-Jolly, pontilhados basófilos e eritroblastos. Hemácias falciformes — hemoglobina S. Podemos realizar alguns exames complementares, são eles: Contagem de reticulócitos – Geralmente aumentada, devido à hemólise intensa. Pesquisa de HbH na coloração de reticulócitos – Quando presente, estabelece interação do genótipo de HbS e alfa- talassemia. Dosagem de ferritina sérica – Como alguns pacientes falciformes costumam receber transfusões de concentrado de eritrócitos, pode ocorrer sobrecarga de ferro e os níveis de ferritina podem estar elevados. Dosagem de bilirrubina – A hemólise contribui para elevação da concentração de bilirrubina indireta. Dosagemde ácido úrico – Pode estar elevado devido à hemólise. Dosagem de lactato desidrogenase (LDH) – Sensível marcador para crises hemolíticas, pois é encontrada nos músculos, fígado, rins e nos eritrócitos. Teste de falcização (ou afoiçamento) e teste de solubilidade – Ambos são positivos quando há presença de HbS, mesmo em heterozigose. Falando em teste de falcização e de solubilidade, você sabe como são feitos? Teste de falcização em lâmina. Teste de falcização Os eritrócitos são submetidos a uma droga redutora, o ditionito de sódio, que promove a desoxigenação da hemoglobina. Na presença da HbS, observa-se a falcização de eritrócitos ao microscópio em um microambiente formado entre lâmina e lamínula. É um teste qualitativo, que não apresenta boa sensibilidade e reprodutibilidade e não permite identificar associações genéticas da HbS. Teste de solubilidade Em solução hipertônica contendo ditionito de sódio, o agente redutor, a HbS é menos solúvel que a HbA. Submetendo-se o sangue do paciente a essa solução, a turvação da solução indica a presença da HbS. A hemoglobina C Harlem também apresenta teste de solubilidade positivo. É um teste qualitativo, que apresenta baixa reprodutibilidade. Conhecemos a doença falciforme, mas vimos que existem outras hemoglobinas variantes. As hemoglobinas C e D são algumas das mais frequentes, após a hemoglobina S. Como identificá-las? A seguir, temos um resumo sobre as características clínicas e o diagnóstico diferencial das hemoglobinas C e D. Tipo de hemoglobinopatia Heterozigose HbC (HbAC) Homozigose HbC (HbCC) Heterozigose HbD (HbAD) Homozigose HbD (HbDD) Manifestações clínicas Portador assintomático Anemia de grau variado (leve a moderada) Portador assintomático Anemia hemolítica branda Eletroforese HbC ≠ HbC Harlem (correm na mesma posição na eletroforese, mas HbC Harlem HbC ≠ HbC Harlem (correm na mesma posição na eletroforese, mas Fazer eletroforeses alcalina e ácida HbD corre junto Fazer eletroforeses alcalina e ácida tem teste de solubilidade positivo, é insolúvel) HbC Harlem tem teste de solubilidade positivo, é insolúvel) com HbS (alcalina) e HbD e HbA (ácida) HbD corre junto com HbS (alcalina) e HbD e HbA (ácida) Teste de solubilidade Normal Normal Normal Normal Sangue periférico/ teste de afoiçamento Eritrócitos em alvo em quantidade variável Eritrócitos em alvo e cristais de HbC Teste de afoiçamento negativo Teste de afoiçamento negativo Quadro: Outras hemoglobinas variantes mais frequentes. Elaborado por: Patricia Fernanda Rosa de Siqueira. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Numerosos eritrócitos em alvo – Homozigoto para hemoglobina C. TALASSEMIAS: AS ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS NA PRODUÇÃO DA HEMOGLOBINA Nas talassemias, ocorre a produção desequilibrada das cadeias alfa e das cadeias não alfa, devido à ausência ou diminuição da síntese de uma ou mais cadeias globínicas. O excesso de produção de uma das cadeias globínicas se acumula nas células como um produto instável e precipita, causando alterações na membrana do eritrócito que levam à destruição prematura das células. As talassemias são classificadas em α, β, γ, δ, δβ e γδβ, de acordo com a cadeia que tem sua produção alterada. As mais frequentes são as α e β talassemias, que se apresentam como anemias microcíticas e hipocrômicas em razão da produção inadequada de hemoglobina. ATENÇÃO O desequilíbrio na produção das cadeias globínicas causa eritropoiese ineficaz, produção insuficiente de hemoglobina, hemólise e anemia em grau variável. As manifestações clínicas variam de microcitose assintomática à anemia extrema, incompatível com a vida, podendo causar morte intrauterina. ALFA-TALASSEMIA Como já aprendemos, existem dois genes α em cada cromossomo 16. A α-talassemia pode ser causada pela deleção de um ou de ambos os genes da α-globina, situados em cada um desses cromossomos. ΑΑ/ΑΑ Genótipo normal de um indivíduo, quando os quatro genes α são funcionais. As alterações nesses genes podem gerar a diminuição ou a total falta da produção de cadeias α-globínicas. Α+-TALASSEMIA Quando um dos genes α do alelo está envolvido na redução da síntese das cadeias α-globínicas. Α0-TALASSEMIA Quando os dois genes α do mesmo alelo não estão funcionais e não há produção de cadeias α-globínicas. O fenótipo da α-talassemia depende do número de genes α afetados e do tipo de mutação que ocorre nos genes. Veja as diferentes possibilidades a seguir. Tipo Defeito genético Fenótipo α+-talassemia (Heterozigoto) (Portador silencioso) (-α/αα) ou (αα/αTα) Alterações hematológicas mínimas ou ausentes α+-talassemia (Homozigoto) (-α/-α) ou (αTα/αTα) Microcitose e hipocromia discretas (Traço talassêmico) α0-talassemia (Heterozigoto) (Traço talassêmico) (--/αα) Microcitose e hipocromia discretas Interação α0-talassemia e α+-talassemia (Doença da HbH) (--/-α) ou (--/αTα) Anemia hemolítica moderada Microcitose e hipocromia moderadas Inclusões de HbH Anisopoiquilocitose Reticulocitose α0-talassemia (Homozigoto) (Hidropisia fetal) (--/--) Morte fetal ou intrauterina Anemia severa incompatível com a vida Anisopoiquilocitose Eritroblastose αTα: gene alfa inativo devido à mutação pontual. -α: gene alfa inativo devido à uma deleção. Quadro: Fenótipo da α-talassemia de acordo com o número de genes α afetados e o tipo de mutação. Elaborado por: Patricia Fernanda Rosa de Siqueira. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal BETA-TALASSEMIA Cada cromossomo 11 possui um gene β, responsável pela síntese de uma cadeia β-globínica. Nas β-talassemias, ocorrem substituições de bases nos éxons, íntrons ou em regiões promotoras dos genes β. O defeito em um gene β resulta na β-talassemia traço ou minor, com anemia microcítica discreta e indivíduos assintomáticos. Quando os dois genes não são funcionais, o paciente apresenta β-talassemia major, e o diagnóstico se faz logo após o nascimento. Existe ainda a possibilidade de haver grau intermediário de atividade do gene da β- globina, produzindo o fenótipo de β-talassemia intermédia. Mostraremos em seguida algumas características laboratoriais dos pacientes com β-talassemia, que nos permitem correlacionar com o nível de acometimento dos genes β. Tipo VGM RDW Concentração de Hb Número de HbA HbA2 HbF Eritrócitos Beta- talassemia minor Heterozigose simples para β+ (β+/ β) ou β 0 (β0/ β) 55,0– 68,0fL Normal ou elevado 9,8–12,0g/dL (mulheres) 10,5–14,5g/dL (homens) Aumentado Presente 4–8% 0–5% Beta- talassemia major Homozigose para β+ (β+/ β+) ou dupla heterozigose (β +/ β0) < 65,0fL Elevado 6,0–9,0g/dL Aumentado Bastante diminuída, mas presente 4–8% 50– 90% Beta- talassemia major Homozigose para (β 0/ β0) < 60,0fL Elevado ou muito elevado 3,0–7,0g/dL (dependente de transfusão) Aumentado Ausente Elevada 95– 100% Tabela: Características laboratoriais dos pacientes com β-talassemia. Elaborada por: OLIVEIRA, 2007, p. 276-278. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal Dependendo do grau de acometimento dos genes β, o paciente pode apresentar hepatoesplenomegalia, crescimento deficiente, hiperplasia maxilar causada por deformação óssea devido à hiperplasia eritroide da medula óssea, e anemia dependente de transfusão. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS TALASSEMIAS O acúmulo e a formação de agregados instáveis das cadeias globínicas excedentes causa a destruição prematura de eritroblastos na medula óssea (eritropoiese ineficaz), além de propiciarem a hemólise dos eritrócitos no sangue. A análise do perfil de hemoglobinas é feita pela CLAE, que apresenta resultados diferentes entre a α-talassemia e β- talassemia. Α-TALASSEMIA O excesso de cadeias β ou ϒ leva à formação de hemoglobinas instáveis que precipitam no eritrócito e contribuem para a destruição dacélula. No recém-nascido, são identificados tetrâmeros de cadeias globínicas ϒ excedentes, que formam a hemoglobina Bart’s. Quando a hemoglobina A passa a ser a predominante, as cadeias globínicas β formam os tetrâmeros, conhecidos como hemoglobina H. Na α-talassemia, conseguimos identificar em alguns fenótipos a HbH (em crianças ou adultos) ou a Hb Bart´s (em recém-nascidos). O percentual de HbA2 costuma ser próximo a 3%, situando-se dentro da faixa de normalidade (2,0–3,5%). Β-TALASSEMIA A característica principal observada é o aumento do percentual de HbA2 (α2δ2), normalmente igual ou superior a 4%. A análise do perfil de hemoglobinas é feita pela CLAE. Na β-talassemia, a característica principal observada é o aumento do percentual de HbA2 (α2δ2), normalmente igual ou superior a 4%. No caso da α-talassemia, conseguimos identificar em alguns fenótipos a HbH (em crianças ou adultos) ou a Hb Bart´s (em recém-nascidos). Na α-talassemia, o percentual de HbA2 costuma ser próximo a 3%, situando-se dentro da faixa de normalidade (2,0–3,5%). Como já aprendemos, as talassemias são anemias microcíticas e hipocrômicas. A investigação inicial dessas anemias começa sempre com a avaliação da cinética de ferro, na qual encontraremos: DOSAGEM DE FERRITINA SÉRICA Valores normais a elevados, nos casos de talassemias dependentes de transfusão. AVALIAÇÃO DA BIOQUÍMICA DO FERRO (ferro sérico, capacidade total de ligação ao ferro, capacidade latente de ligação ao ferro e índice de saturação de transferrina) - Valores dentro dos parâmetros de normalidade. Para diferenciar da anemia ferropriva, há outros exames úteis, são eles: CONTAGEM DE RETICULÓCITOS (% E NÚMERO ABSOLUTO) Pode estar normal ou elevada, dependendo do nível de comprometimento da produção das cadeias globínicas. COLORAÇÃO COM AZUL DE CRESIL BRILHANTE PARA EVIDENCIAR PRECIPITADOS DE HBH INTRAERITROCITÁRIOS Podem ser observados eventualmente nos portadores assintomáticos ou traço α-talassêmico, sendo mais frequentes na α-talassemia com deleção de três genes α (doença da HbH). Veja a seguir os precipitados de HbH em dois eritrócitos (aspecto de bola de golfe), sinalizados com as setas. Coloração com azul de Cresil brilhante para pesquisa de HbH em eritrócitos. HEMOGRAMA Em geral, há um alto número de eritrócitos, com anemia discreta a intensa, que se correlaciona ao número de genes afetados. HEMATOSCOPIA Em pacientes com α-talassemia, os eritrócitos são microcíticos e hipocrômicos, há poiquilocitose discreta a intensa. Nos pacientes com β-talassemia, a poiquilocitose costuma ser mais expressiva com células em alvo e dacriócitos (eritrócitos em forma de lágrima). Podem ser observados também pontilhado basófilo, corpúsculo de Howell-Jolly e policromasia discreta a intensa, dependendo do comprometimento na síntese das cadeias β-globínicas. Hemácias com pontilhado basófilo (seta). ANÁLISE MOLECULAR PARA PESQUISA DAS PRINCIPAIS DELEÇÕES RELACIONADAS À Α-TALASSEMIA (-Α3,7 E -Α4,2) OU OUTRAS Para o diagnóstico diferencial definitivo. A seguir temos a foto de um gel de agarose realizado após a reação em cadeia da polimerase para investigação da deleção -α3,7 em alguns pacientes e nos controles positivo (com deleção) e negativo (sem deleção). Note o padrão de bandas encontrado em cada uma das amostras observadas. A comparação deve ser feita em relação ao controle negativo (linha 8) e positivo (linha 9). PCR para investigação da deleção -α3,7 para o diagnóstico da α-talassemia. ANÁLISE MOLECULAR PARA PESQUISA DAS PRINCIPAIS MUTAÇÕES RELACIONADAS À Β-TALASSEMIA Contribui para o diagnóstico diferencial definitivo, mas o diagnóstico é feito clinicamente e por meio do eritrograma e CLAE compatíveis. DICA A investigação dos familiares é sempre recomendada, para melhor esclarecimento do diagnóstico, por se tratar de doenças transmitidas hereditariamente. Se está confuso, fique tranquilo, a seguir temos um esquema resumindo a conduta para investigação laboratorial das talassemias (α ou β). Como você sabe, a investigação deve iniciar sempre com a avaliação da cinética do ferro. Conduta para investigação laboratorial da α-talassemia e da β-talassemia. ATENÇÃO Caso se identifique deficiência de ferro, é recomendado que se faça a reposição de ferro e o paciente seja reavaliado posteriormente. Caso a microcitose e hipocromia se mantenham após regularização das reservas de ferro, é indicado realizar investigação para o diagnóstico de talassemia. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 4 Reconhecer as anemias hemolíticas, as hemoparasitoses e os métodos laboratoriais empregados no diagnóstico ANEMIAS HEMOLÍTICAS Você lembra que a vida-média dos eritrócitos em circulação é de aproximadamente 120 dias? Pois é, enquanto alguns eritrócitos estão sendo destruídos, outros estão sendo produzidos na medula óssea. A destruição dessas células geralmente acontece no interior dos macrófagos do baço, do fígado e da medula óssea. O baço e o fígado são os locais onde mais comumente se detectam defeitos nos eritrócitos, tais como corpos de Heinz, corpúsculos de Howell-Jolly, eritrócitos falciformes e vacúolos. As anemias hemolíticas são um conjunto de doenças provocadas pela redução da meia-vida dos eritrócitos na circulação. Com isso: A MEDULA ÓSSEA TENTA COMPENSAR A PERDA ACENTUADA DE CÉLULAS. NÃO CONSEGUE REPOR ESSE QUANTITATIVO. SE INSTALA, ENTÃO, O QUADRO DE ANEMIA. Clinicamente, a destruição excessiva dos eritrócitos no baço e no fígado pode ocasionar esplenomegalia, hepatomegalia e icterícia. Resumimos a seguir alguns importantes marcadores laboratoriais das anemias hemolíticas. Marcadores laboratoriais das anemias hemolíticas. As anemias hemolíticas podem ter diferentes causas, são elas: Causas da anemia hemolítica. Estudaremos agora um pouco mais sobre essas anemias, lembrando que as anemias hemolíticas por defeitos hereditários da hemoglobina já foram estudadas e, por isso, não serão abordadas nos próximos tópicos. ANEMIA HEMOLÍTICA HEREDITÁRIA POR DEFEITOS NA MEMBRANA ERITROCITÁRIA Essas anemias estão relacionadas a alterações que afetam a forma e a elasticidade para sofrer deformação na circulação capilar. A mais comum delas é a esferocitose hereditária, relacionada a alterações em uma ou mais proteínas do citoesqueleto do eritrócito que causam perda de lipídeos, colesterol e fragmentos da membrana. Gradativamente, o eritrócito sofre perda da sua superfície celular e se transforma em esferócito, que no baço podem ser destruídos ou fagocitados pelos macrófagos. Mecanismo da hemólise. A apresentação clínica dessas anemias é variável, correlacionando-se à severidade do defeito genético herdado de algum familiar ou gerado por novas mutações. Costuma-se observar esplenomegalia e discreta icterícia nesses pacientes. Alguns casos têm indicação de esplenectomia a fim de diminuir a hemólise excessiva. O esquema a seguir relaciona algumas das proteínas constituintes da membrana dos eritrócitos que podem apresentar alterações que propiciem a destruição precoce das células. Alterações da membrana eritrocitária. AVALIAÇÃO LABORATORIAL DAS ANEMIAS POR DEFEITO DA MEMBRANA ERITROCITÁRIA ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA HEMOGRAMA Anemia normocítica e normocrômica, microcítica ou com dupla população de eritrócitos, CHGM aumentado em 50% dos pacientes, RDW elevado. HEMATOSCOPIA Policromasia devido à reticulocitose. Mesmo nas anemias discretas, observam-se esferócitos em grau variado e ocasionalmente eritroblastos circulantes. Anemia hemolítica com microesferócitos, policromasia e eritroblasto no sangue periférico. CURVA DE FRAGILIDADE OSMÓTICA Os eritrócitos são expostos a diferentes concentrações de soluções salinas e apresentam maior fragilidade osmótica que os eritrócitos normais. O mesmo teste é realizado com sangue incubado a 37°C durante 24 horas e com sangue não incubado. Os esferócitos hemolisam mais em soluções salinas hipotônicas do que os eritrócitos normais. Há perda demembrana dos esferócitos, e essa perda acentua-se ao incubar o sangue a 37°C durante 24 horas. Tubo % NaCl Curva não incubada (% de hemólise) Curva incubada (% de hemólise) 1 0 100 95-100 2 0,30 97–100 85–100 3 0,35 90–99 75–100 4 0,40 50–95 65–100 5 0,45 5–45 55–95 6 0,50 0–6 40–85 7 0,55 0 15–70 8 0,60 0 0–40 9 0,65 0 0–10 10 0,70 0 0–5 11 0,75 0 0 12 0,85 0 0 Tabela: Parâmetros de normalidade da porcentagem de eritrócitos hemolisados em diferentes concentrações de NaCl. Elaborada por: Patricia Fernanda Rosa de Siqueira. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal A seguir, vemos uma representação gráfica de um controle de normalidade e de um paciente com esferocitose hereditária. Note o aumento da fragilidade osmótica dos eritrócitos do paciente. Essas células se rompem mais facilmente em diferentes concentrações de NaCl que os eritrócitos controles. Gráfico: Curva de fragilidade osmótica não incubada e incubada a 37°C. Elaborado por: Patricia Fernanda Rosa de Siqueira. ELIPTOCITOSE HEREDITÁRIA Hemograma: Anemia normocítica e normocrômica ou microcítica, RDW normal a elevado. Hematoscopia: Revela mais de 25% de eliptócitos. Teste de Fragilidade Osmótica: É normal nos casos leves, ou aumentado nos casos severos. A maioria dos pacientes não tem hemólise significativa, sendo assintomáticos. Eliptocitose hereditária. ANEMIAS POR DEFEITOS ENZIMÁTICOS NOS ERITRÓCITOS Diversas enzimas têm papel importante no desempenho das funções dos eritrócitos. Algumas delas podem apresentar defeitos genéticos que afetarão o tempo de vida dos eritrócitos, pois participam do ciclo metabólico dessas células. No entanto, somente algumas enzimas possuem importância clínica, sendo a principal delas a enzima glicose 6- fosfato desidrogenase (G6PD), que participa da via das pentoses. A enzima piruvato-quinase (PK) que participa da via de Embden-Meyerhof (via glicolítica) também pode ter sua função afetada. A deficiência da PK causa diminuição do ganho de energia dos eritrócitos e consequentemente reduz a vida média deles na circulação. Além dessas enzimas, enumeramos a seguir algumas outras que podem ter a produção comprometida nos eritrócitos. Outras possíveis deficiências enzimáticas nos eritrócitos Hexocinase. Pirimidina-5-nucleotidase. Glicose-fosfato isomerase (GPI). Fosfofrutoquinase (PFK). Triose-fosfato isomerase (TPI). Fosfoglicerato cinase (PGK). É comum que episódios hemolíticos sejam desencadeados após exposição a agentes oxidantes, infecções ou após a ingestão de favas. Indivíduos com deficiência de G6PD devem evitar o uso de algumas substâncias, como as descritas em seguida. Algumas substâncias que podem provocar crise hemolítica aguda em pacientes com deficiência de G6PD Antimicrobianos: Cloranfenicol, ácido nalidíxico. Sulfonas e sulfonamidas: Sulfanilamida, dapsona. Analgésicos: Ácido acetilsalicílico, acetaminofeno. Antimalárico: Primaquina. Outros: Naftalina, vitamina K, ácido ascórbico, azul de metileno. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal A deficiência da G6PD torna o eritrócito suscetível a agressões oxidativas. Sob estresse oxidativo, formam-se corpos de Heinz, derivados da oxidação da hemoglobina. Esses eritrócitos apresentam dificuldade de fluir pela microcirculação do baço, sendo fagocitados por macrófagos e destruídos. Hemácias com corpos de Heinz. A gravidade da deficiência da G6PD e as manifestações clínicas dependem da variante da enzima que o paciente possui. Ele pode ser assintomático, ter episódios de hemólise aguda, ou apresentar anemia hemolítica crônica. É recomendável que seja realizada também investigação dos familiares. São doenças detectadas na infância, com quadro de hemólise crônica (anemia, icterícia, esplenomegalia e colelitíase), algumas vezes com necessidade transfusional. AVALIAÇÃO LABORATORIAL DAS ANEMIAS POR DEFEITOS ENZIMÁTICOS DOS ERITRÓCITOS Em geral, essas são anemias hemolíticas normocíticas e normocrômicas que possuem RDW elevado. Eritrócitos de paciente com deficiência da enzima G6PD. Apresentam dosagens de bilirrubina indireta e LDH elevadas, e baixa dosagem de haptoglobina. O grau de anemia pode ser bastante variado, de acordo com o nível de deficiência da enzima. As contagens de reticulócitos são elevadas após episódios hemolíticos, como reflexo da hiperatividade da medula óssea para produzir novos eritrócitos. Reticulócitos, corados em azul. O diagnóstico diferencial é realizado pela quantificação da atividade enzimática das enzimas eritrocitárias. Inicialmente, são testadas as enzimas G6PD e a PK. O ideal é quantificá-las quando o paciente não estiver em crise hemolítica. A pesquisa de hemoglobinas instáveis é recomendada, submetendo o material ao calor e ao isopropanol. Na hematoscopia é comum observarmos: DEFICIÊNCIA DA ENZIMA G6PD (FASE HEMOLÍTICA) Policromasia após episódios hemolíticos, discreto pontilhado basófilo, raros esferócitos e hemácias fragmentadas. DEFICIÊNCIA DA ENZIMA PIRUVATO-QUINASE (PK) Policromasia em graus variados, podem ser observados equinócitos (eritrócitos com espículas). PESQUISA DE CORPOS DE HEINZ COM CORANTE AZUL DE CRESIL Positiva 1 a 2 dias após exposição ao agente oxidante. DICA Recomenda-se realizar o teste de Coombs direto que, no caso desse tipo de anemia hemolítica, é negativo. Esse exame é realizado para excluir o diagnóstico de anemia hemolítica autoimune. HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA (HPN) A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma doença hemolítica adquirida, que pode ser grave. O defeito surge nas células-tronco hematopoiéticas e provoca hemólise intravascular mediada pelo complemento. Ela é causada por mutações que diminuem a síntese do glicosilfosfatidilinositol (GPI). O GPI é responsável por ancorar proteínas como a CD55 e CD59 na superfície dos eritrócitos, que impedem a ação do complemento e, assim, protegem os eritrócitos de serem destruídos pelo sistema complemento. No entanto, na HPN, a deficiência do GPI na membrana celular leva a hemólise pelo seguinte mecanismo: As proteínas não conseguem se ligar às células afetadas pela HPN. Com isso, a inibição do complemento não é possível. E acaba ocorrendo hemólise crônica das células da HPN mediada pelo complemento. Indivíduos com diminuição dos eritrócitos, plaquetas e dos leucócitos conjuntamente, que apresentem contagem de reticulócitos elevadas, são candidatos a investigação para HPN. Trombose é um achado clínico comum nos pacientes com HPN. AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA HPN Sangue periférico Anemia pode ser acentuada, com hemoglobina abaixo de 5g/dL, leucopenia, pode haver trombocitopenia, reticulocitose persistente (leve a moderada). Urina Pode haver presença de hemoglobina, coloração do sedimento urinário com azul da Prússia positiva, evidenciando hemossiderina (teste de triagem). Bioquímica Deficiência de ferro pode ser detectada devido à perda urinária de hemoglobina. Teste de hemólise em sacarose e teste de hemólise em soro acidificado (teste de Ham) Os eritrócitos HPN são susceptíveis à hemólise por complemento. Nesses testes, os eritrócitos HPN sofrem lise na solução teste (em proporções variáveis da população eritroide). Os eritrócitos normais (controles) não são lisados. Investigação de deficiência de CD55 e CD59 nos granulócitos e de CD55 nos eritrócitos pela técnica de citometria de fluxo É feita a marcação das células com anticorpos anti-CD55 e anti-CD59 ligados a fluorocromos. O anticorpo é direcionado às proteínas unidas à GPI, que estão diminuídas nos eritrócitos e nos granulócitos do paciente com HPN. É necessário fazer o mesmo teste em paralelo com uma amostra controle normal para comprovar se a negatividade nas células do paciente é real ou um artefato. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTOIMUNES (AHAI) A destruição precoce de eritrócitosdevido à ação de anticorpos pode causar anemia caso a medula óssea não consiga responder adequadamente para compensar essa perda celular. As AHAI ocorrem em razão da fixação de imunoglobulinas formadas no organismo do paciente ou do complemento, à membrana dos eritrócitos, destruindo-os precocemente. De acordo com uma classificação laboratorial, existem diferentes apresentações das AHAI, vamos conhecê-las? AHAI CAUSADA POR AUTOANTICORPOS A QUENTE (IGG) QUE ATUAM MELHOR EM TEMPERATURAS PRÓXIMAS A 37°C Mais frequente (60–70% dos casos), pode estar relacionada a alguma outra doença (lúpus eritematoso sistêmico, linfomas etc.); entretanto, é mais comum ocorrer de modo espontâneo (idiopático), sem correlação com outra doença. AHAI CAUSADA POR AUTOANTICORPOS A FRIO (IGM) FIXADORES DE COMPLEMENTO, QUE FUNCIONAM BEM ENTRE 5°C E 25°C Mais comuns em pacientes com neoplasias, infecções crônicas e doenças que afetam o colágeno. AHAI CAUSADA POR AUTOANTICORPOS A QUENTE E A FRIO (MISTA) Representam 7% a 8% dos casos de AHAI. Os eritrócitos cobertos por esses autoanticorpos sofrem ação dos macrófagos do baço que os destroem ou retêm parte de suas membranas, formando esferócitos. AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA AHAI HEMOGRAMA Anemia de grau variável (leve a severa) com RDW elevado; em geral, plaquetas em número normal e discreto aumento de neutrófilos. HEMATOSCOPIA Policromasia pelo aumento do número de reticulócitos, presença de esferócitos; no caso de hemólise intensa e anemia severa, podem ser observados eritroblastos e eritrócitos fragmentados. AHAI com numerosos esferócitos (setas azuis) e moderada policromasia (setas pretas) MEDULA ÓSSEA Hiperplasia eritroide. URINA Urobilinogênio urinário aumentado. TESTE DE COOMBS DIRETO Resultado positivo em 90% dos casos; demonstra a presença de anticorpos ligados aos eritrócitos. A seguir, ilustra-se como é realizado o teste de Coombs direto. Representação esquemática do teste de Coombs direto. ATENÇÃO Quando apresenta resultado positivo, deve ser feita caracterização sorológica para distinguir entre autoanticorpo a quente (anticorpos do tipo IgG que reagem contra antígenos de proteína sobre a superfície das hemácias, reação que ocorre na temperatura corporal) ou a frio (anticorpos do tipo IgM que reagem com antígenos de polissacarídeos na superfície da hemácia apenas em temperaturas abaixo da temperatura corporal). ANEMIAS HEMOLÍTICAS ALOIMUNES São anemias causadas pela ação de aloanticorpos, geralmente associadas à incompatibilidade materno-fetal ou a incompatibilidades transfusionais. DOENÇA HEMOLÍTICA DO RECÉM-NASCIDO (DHRN) Essa é uma anemia causada pela incompatibilidade materno-fetal. Os anticorpos anti-A e anti-B costumam ser IgM, que não têm a capacidade de atravessar a placenta. Entretanto, em gestantes do grupo O, são produzidas também isoaglutininas IgG, que podem cruzar a placenta e causar hemólise nos eritrócitos A ou B de seus filhos. Os bebês nascem com anemia leve ou ausente e desenvolvem icterícia neonatal facilmente revertida com fototerapia. Existe ainda a incompatibilidade Rh(D) que depende da sensibilização prévia da mãe Rh negativo pelo filho Rh positivo (na gestação, no parto, por abortamento, ou por transfusão incompatível) e ela passa a produzir anticorpo anti-RhD. Atualmente, é feita a profilaxia com imunoglobulina humana anti-Rh após o parto do primeiro filho Rh positivo, o que diminui a aproximadamente 0,1% a perspectiva de isoimunização da mãe, impedindo a destruição de eritrócitos do feto em gestações posteriores. Incompatibilidade materno-fetal Rh(D). A DHRN pela incompatibilidade Rh(D) é um quadro grave, no qual o recém-nascido apresenta grave icterícia, podendo ocorrer sequelas neurológicas permanentes devido à impregnação neuronal conhecida como Kernicterus (depósito de bilirrubina não conjugada nos gânglios basais e no cerebelo). É indicada exsanguinotransfusão rapidamente. Em casos com grande quantidade de anticorpos maternos, pode haver anemia hemolítica no útero, hidropisia fetal ou morte fetal. Pode ser necessária transfusão intrauterina. Aspectos laboratoriais da DHRN Hemograma: Anemia grave. Policromasia moderada a intensa, eritroblastos circulantes em número muito elevado (eritroblastose fetal). VGM normocítico a macrocítico. Reticulócitos em número elevado. Esferócitos, eritroblasto e policromasia na DHRN. Bioquímica: Bilirrubina não conjugada (indireta) muito elevada. Teste de Coombs direto: Positivo. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS ANEMIAS HEMOLÍTICAS AUTOIMUNES A especialista Cristiane de Sá Ferreira Facio fala sobre os tipos, as causas, o diagnóstico laboratorial e o tratamento das anemias hemolíticas autoimunes. TRANSFUSÃO DE SANGUE INCOMPATÍVEL Quadro hemolítico variável, dependendo do volume de sangue transfundido e/ou da antigenicidade correspondente. ANEMIAS HEMOLÍTICAS NÃO IMUNOLÓGICAS As anemias hemolíticas podem ter como causa a ação direta de parasitas que provocam a hemólise dos eritrócitos. EXEMPLO O caso mais clássico é o provocado pelas espécies de Plasmodium, agente etiológico da malária. No Brasil, a Região Amazônica tem elevada incidência dessa doença, que apresenta potencial gravidade clínica. PLASMODIUM SPP., MALÁRIA E ANEMIA HEMOLÍTICA A malária é transmitida pela picada da fêmea infectada do mosquito Anopheles sp., que pode introduzir no organismo humano uma das espécies de Plasmodium com capacidade de infectá-lo: P. falciparum, P. ovale, P. vivax, P. malariae. Os casos mais graves costumam se relacionar à infecção por P. falciparum. 1 O protozoário se instala inicialmente nas células da pele e do fígado, onde amadurece e se multiplica. Depois ele atinge a corrente sanguínea e invade os eritrócitos, degrada hemoglobina e utiliza os aminoácidos da globina para a síntese de suas proteínas. 2 3 Há liberação do grupamento heme da hemoglobina, que é armazenado no eritrócito na forma de hemozoína (pigmento malárico) e ingerido pelos fagócitos, em especial pelos macrófagos presentes no baço. Assim, a malária causa a anemia hemolítica. 4 Hemozoína – pigmento malárico. Além da febre característica, com calafrios e prostração, esses pacientes podem apresentar hepatoesplenomegalia, icterícia, desidratação e confusão mental. Os ciclos de febre costumam ocorrer diariamente (P. falciparum), a cada 48h (P. vivax) ou a cada 72h (P. malariae). ASPECTOS LABORATORIAIS DA MALÁRIA HEMOGRAMA O grau de anemia é bastante variável, sendo mais grave na infecção por P. falciparum e moderada quando o parasita é o P. vivax ou P. malariae; trombocitopenia é frequente. HEMATOSCOPIA A avaliação do sangue deve ser feita várias vezes, porque o número de parasitas varia de acordo com o ciclo do protozoário. Maior número deles é observado antes do início da crise. A identificação das hemácias parasitadas ao microscópio deve ser feita cuidadosamente e requer experiência profissional. Pode-se observar morfologia variada do parasito — trofozoítos jovens (anéis), trofozoítos ou gametócitos maduros, esquizontes jovens e esquizontes maduros no interior do eritrócito. A pesquisa do sangue pode ser feita em esfregaço delgado ou espesso (gota espessa), sendo este último o método mais empregado, pois a concentração do sangue no campo microscópico facilita a identificação do parasita. Morfologia dos estágios parasitários nos eritrócitos. EXAMES COMPLEMENTARES Reticulocitose não costuma ser elevada como em outras anemias hemolíticas, é frequente a identificação de hemoglobinúria (hemoglobina na urina). A identificação do DNA do parasito pelas técnicas de biologia molecular é muito útil, entretanto, não é amplamente empregada por apresentar custo mais elevado. OUTRAS CAUSAS DE ANEMIAS HEMOLÍTICAS Anemia hemolítica microangiopática: Relacionada à destruição mecânica dos eritrócitos devido à obstrução de pequenos vasos, válvulas cardíacas, microtrombos, que podem causar dano traumático às células. No sangue, observamos eritrócitos
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