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1 CBI of Miami 2 CBI of Miami DIREITOS AUTORAIS Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os direitos sobre ele estão reservados. Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou quaisquer veículos de distribuição e mídia. Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações legais. 3 CBI of Miami Watson e Nascimento do Behaviorismo Lucelmo Lacerda Na história da humanidade, na grande maior parte do tempo, as pessoas compreenderam a realidade como parte de um mundo muito maior, que compreendia uma realidade não natural, sobrenatural, seja habitada pelos espíritos das coisas, que eram entendidas como animadas, o chamado animismo, seja como um campo em que divindades, seres maiores, mais poderosos e etéreos, reinavam sobre o mundo natural. As divindades primeiras eram caprichosas, cheias de vontades, como Zeus, a principal divindade do panteão grego, cujo gosto por mulheres lhe era característico e cujas vontades tinham que ser atendidas, sob risco de grave vingança, que poderia incluir relâmpagos e dilúvios. Posteriormente, surgiram e se expandiram as religiões monoteístas que se baseavam em uma divindade que se fundamentava na dualidade entre bem e mal, advinda do zoroastrismo e aprofundada no cristianismo, em que a divindade se confundia completamente com o bem, a bondade, enquanto seu oposto era a maldade. A inimizade com Deus não era mais simplesmente a não obediência a suas vontades, mas a adesão ao mal (muita atenção com o lado sombrio da força, padawans), as novas divindades aderiam ao referencial da ética, iniciando o processo que foi chamado de Desencantamento do Mundo. Este processo de eticização da religião foi lhe extraindo o caráter mágico de explicação dos fenômenos da realidade como meras repercussões das vontades caprichosas dos deuses e tornou-se progressivamente mais difícil explicar uma praga como fruto da ira de Deus, uma boa colheita como o bom humor divido ou quaisquer destas variações nos campos físicos, criando o contexto que surgiu e se desenvolveu o racionalismo. A Ciência surge com a tentativa de criar um processo de produção de conhecimento que seja capaz de oferecer predição dos fenômenos, isto é, que conheçamos tão bem a realidade que, de acordo com certas informações, possamos saber o que irá acontecer em certas circunstâncias. No século XIX, as pessoas passaram a encarar de maneira diferente a realidade, a herança do Renascimento e do Iluminismo culminou em uma busca 4 CBI of Miami por utilizar a razão como mecanismo para conhecer a realidade, para que fôssemos capazes de descrever as coisas do mundo real de tal modo que nos possibilitasse atuar sobre este mundo de modo efetivo. Não que tenha havido qualquer revolta contra o pensamento religioso ou contra a religião organizada, mas explicar o mundo através da vontade divina tornou-se algo progressivamente menos aceitável, dando lugar à razão, como base para a busca do conhecimento do mundo. O advento do racionalismo nos instigou a procurar formas cada vez mais efetivas de conhecermos a realidade, culminando com o surgimento da ciência, tempos depois, com o advento da Física, com a Química tragando e deglutindo a herança alquimista assim como a Astronomia a herança da astrologia, o que foi (e é ainda, infelizmente) muito mais complicado naqueles domínios que envolvem a compreensão dos seres humanos. Foi neste contexto do fim do século XIX e começo do século XX que surgiram diversas propostas filosóficas que vão culminar com o surgimento do Behaviorismo, na década de 1910, sob a liderança de John B. Watson, nos Estados Unidos, um dos principais centros nervosos do desenvolvimento científico no mundo. A ciência é um conhecimento sobre a realidade que se baseia na racionalidade, mas como podemos definir quais são os melhores métodos de pesquisa? Qual é a natureza do conhecimento científico? Como devemos produzir ciência? Todas estas questões são muito relevantes e podem parecerem menores porque há já séculos de avanço que nos propiciaram um conhecimento científico que se traduziu e se traduz cotidianamente em tecnologia altamente eficaz, que afeta a todas as pessoas e demonstra o poder deste conhecimento, mas esta construção não foi simples, ela passou por diversos estágios importantíssimos e continua a passar todos os dias. O campo que estuda como reconhecemos algo como um conhecimento científico ou não, qual é a natureza do conhecimento científico, se ele é verdadeiro, quase verdadeiro ou não verdadeiro, se ele representa ou é a realidade, é um ramo da Filosofia chamado de Epistemologia, que criou o cenário 5 CBI of Miami crítico do surgimento do Behaviorismo, em 1913, mas também se transformou profundamente desde então. Watson, como todo grande pensador, foi um homem de seu tempo, uma pessoa que foi capaz de estudar o que havia de conhecimento até então e formular uma síntese, que é o Behaviorismo (que podemos chamar também de comportamentalismo). As fontes que possuem maior influência no pensamento de Watson são: 1. O objetivismo de Comte; 2. O Funcionalismo; 3. A Psicologia Animal. A primeira grande proposta filosófica que nos interessa é o Positivismo (importante lembrar que a versão contemporânea do Behaviorismo, o Radical, não parte dos mesmos pressupostos), elaborado por Augusto Comte, que defendeu o que chamou de Lei dos 3 Estados, a ideia de que o conhecimento sobre as coisas seguia um processo em que explicávamos as coisas primeiramente através da religião, encontrando causas sobrenaturais para o funcionamento do mundo, depois este conhecimento caminhava para o estado metafísico, em que se supunha a existência de forças acima da natureza, não físicas e a terceira fase seria a fase científica, em que o mundo seria tomado pelo que é, um fenômeno natural em todas as suas dimensões e aspectos. O Positivismo entendia que estes três estados era o processo natural pelo qual tudo passava, inclusive a Psicologia, que começara também com a compreensão das alterações entre as formas de ser como reflexos dos espíritos e forças sobrenaturais, passando pela metafísica e chegando, por fim, em algum tempo, em alguma visão científica sobre os seres humanos. Para o Positivismo, a “natureza” que o cientista desejava conhecer era real, independentemente de nós a observarmos, a conhecermos, ou não, ela existe e os cientistas nada mais fazem do que descrever esta realidade, que continha em si todo o seu conhecimento. Ou seja, o cientista era um agente descritivo, era alguém que registrava, em uma língua, os códigos da realidade. Ocorre que nesta perspectiva, o grande desafio é conter as próprias opiniões e tendências, o cientista tinha a si mesmo como inimigo, o que ele 6 CBI of Miami precisava gravemente combater, lutar dia após dia, era contra qualquer perversão do conhecimento da realidade. O cientista deveria ser um observador completamente neutro. A ideia de que a ciência pode ser um produto asséptico da relação entre o observador da realidade, que é o cientista, e seu objeto de estudo, a natureza, já foi completamente superada. Hoje é aceito, de modo consensual, que a ciência é um conhecimento formulado pelo cientista, que não há nenhuma forma de se esquivar de sua própria cultura, sua própria língua, suas convicções. Embora o cientista possa e deva trabalhar para que seja mais objetivo e que o conhecimento que produz tenha mais capacidade de prever e controlar fenômenos, não há como separar o conhecimento científico de seus proponentes. Como diria Skinner, a ciência é o comportamento verbal do cientista e o comportamentoverbal é controlado pelas variáveis do contexto, de modo que o conhecimento científico é igualmente produto das variáveis que constroem o cientista, tal como ele o é. Dentro desta perspectiva positivismo dominante no século XIX é que nasce o objetivismo psicológico, que propunha trazer uma perspectiva objetiva, neutra, também para o campo da Psicologia, que até então se dedicava a estudar a consciência como objeto de pesquisa, o que obviamente não é uma coisa objetiva, mensurável, tangível ou mesmo diretamente acessível. O método fundamental da Psicologia da época era o instrospeccionismo, em que os indivíduos eram inquiridos sobre o que pensavam, sentiam e acreditavam e estes relatos eram tomados como um produto da observação desta consciência pelo sujeito que relata. A forma de realizar a interpretação destes relatos também era assistemática e subjetiva, fazendo com que o discurso objetivista na Psicologia se opusesse gravemente à corrente dominante que se agarrava à introspecção ainda na virada de século. Watson, por vezes, admitiu que era possível inquirir as pessoas de algumas formas específicas e sobre determinados temas, de modo que aquilo que elas dissessem poderia ser tomado como um relato fiel do que ele pensava e/ou sentia, proposição pela qual foi atacado por parte de seus parceiros, acusado de banir o introspeccionismo por uma porta e admiti-la pela porta de trás. Noutras vezes, no entanto, refutou de modo incisivo a utilização de relatos 7 CBI of Miami como fonte do trabalho psicológico, demonstrando uma certa fluidez com que também se comportou em relação à influência da genética no comportamento humano e de vários outros temas, o que pode ser um comportamento importante de quem abre uma picada como o behaviorismo na Psicologia, demonstrando flexibilidade e mudança ao longo do caminho, com o aparecimento de novas evidências e perspectivas. Mas não era somente o objetivismo psicológico a única corrente a influenciar o surgimento do Behaviorismo, também cumpriram um papel especial neste processo o fortalecimento da Psicologia Animal e do Funcionalismo. Desde que Charles Darwin propôs a Teoria da Evolução, o mundo tem estado em alvoroço com diversos aspectos daquela proposição, mas talvez a mais perturbadora era a noção de que o mundo estava habitado por diversos animais e entre eles, os seres humanos, que não seriam algo fora da natureza, mas parte dela, que esta não seria uma criatura à parte, mas fruto do mesmo processo de seleção das espécies que fez a todos evoluir desde as primeiras estruturas ridiculamente simples, até o conjunto integral dos seres vivos existentes, a baleia, a aranha, o pinguim, a galinha, a barata e, claro, os seres humanos. É claro que esta perspectiva provocou violenta reação daqueles que defendem o “caráter especial” dos seres humanos, feitos à imagem de Deus e portadores de aspectos essenciais não naturais, na verdade para muito além da natureza. E como não poderia deixar de ser, os defensores de Darwin e da Teoria da Evolução também foram às armas por suas posições e desencadearam um imenso programa de pesquisa para submeter a perspectiva darwinista (e seu oposto) a rigoroso escrutínio. Tarefa alcançada muitos anos depois e incorporada da noção de genética na esteira de Mandel e tantos outros que o sucederam. Um dos eixos centrais para a demonstração empírica da teoria evolucionista de Darwin era o estudo da continuidade entre os diversos animais, contendo os seres humanos como parte. Provavelmente a mais especial característica dos seres humanos seria sua experiência enquanto ser, sua psicologia, sua “subjetividade”, de modo que isso os separava, supostamente, da natureza. Construir uma psicologia animal que demonstrasse uma espécie de 8 CBI of Miami continuidade entre os animais não-humanos e os animais humanos era central dentro deste projeto cético e assim se fortaleceu enormemente este campo de pesquisa, no qual se inserem figuras como Thorndike e Pavlov, que tiveram decisiva influência sobre o próprio Skinner, Loeb e inclusive o próprio Watson, que se dedicou extensivamente à pesquisa com animais. As pesquisas com animais se consolidaram e passaram desde a tradição do Behaviorismo de Watson para o Behaviorismo Radical, sendo um excelente recurso de produção de conhecimento com maior controle de variáveis, preocupações éticas menos centrais e uma simplicidade do comportamento que torna mais fácil as observações e experimentação. As primeiras décadas do Behaviorismo Radical também foram dedicadas extensivamente à pesquisa com animais, retirando, no entanto, o caráter antropormofizante que a pesquisa científica possuía neste período anterior. “Quais são os elementos de nossa Psiquê?” Se perguntavam diversos sujeitos que estavam embrenhados no desafio da Psicologia humana. Esta foi, por exemplo, uma pergunta feita por Freud e pelos estruturalistas. Mas nem todos estavam realmente interessados nisso, havia quem acreditasse que sair em busca de que elementos constituem a psicologia humana era um enquadramento inadequado para o estudo da Psicologia, que não era a estrutura psíquica, psicológica, mental ou qualquer outro nome que se possa dar a estes elementos que interessava, mas o processo de existir no mundo. Esta forma de abordar o fenômeno psicológico constituiu o movimento chamado de Funcionalismo, que exerceu enorme influência sobre Watson e o Behaviorismo de modo geral. O Funcionalismo se dedicava aos processos em que o indivíduo existia, se opondo ao estruturalismo, que buscava as estruturas psíquicas da Psicologia humana. Segundo Schultz & Schultz, William James, um dos mais importantes fundadores do funcionalismo, “acreditava serem as experiências conscientes simplesmente experiências conscientes e não grupos de conjuntos de elementos” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2009, p. 161). Angel, outro funcionalista importante e com forte influência na carreira acadêmica de Watson, inclusive considerado como Pseudobehaviorista, chegou a proclamar que a “consciência” seria excluída do vocabulário da Psicologia, em benefício da ação do fazer 9 CBI of Miami humano, do processo como objeto de estudo fundamental da Psicologia (CARRARA, 2005, p.60). O Funcionalismo se concentrou, em princípio, na chamada Escola de Chicago, sob a liderança de dois intelectuais em especial. O primeiro deles foi John Dewey, de longa carreira e forte influência também na educação, o autor defendeu que a Psicologia deveria se dedicar à análise do indivíduo inteiro e como ele funcionava no ambiente, isto é, pensar o comportamento humano a partir do que ele significava para o organismo, de seu papel adaptativo para o sujeito. Isto é, o funcionalismo não se interessava pelo organismo em si, mas por seu funcionamento, pelo processo em que ele agia no ambiente. A outra vaga desta história é de James Rowland Angell, nada mais nada menos que o orientador de John B. Watson. Com uma carreira brilhante, que incluiu a reitoria de Yale e a presidência da Associação Americana de Psicologia, Angell desenvolveu um trabalho, no campo do funcionalismo, com enorme influência, que sintetizamos em 3 aspectos: a) Angell voltou-se formalmente contra o estruturalismo de Titchener e acentuou a divisão entre eles. Enquanto o estruturalismo se dedicava ao conhecimento das estruturas mentais, o funcionalismo se interessava pelos processos mentais, humanos, isto é, dedicava-se a conhecer o modus operandi do processo mental, o que se realiza e em que condições se realizam tais operações; b) o funcionalismo era utilitarista, assim, a consciência era vista como executando processos úteis ao organismo em diferentes contextos, e uma tarefa essencial era a descoberta dessas relações, a que servia cada processo; e c) o funcionalismo é a psicologia das relações psicofísicas, daí quenão admita a distinção entre mente e corpo e os considere pertencentes à mesma classe, abrangendo todas as funções nestas esferas. Dado todo esse contexto, emerge a figura de John Broadus Watson (1878-1958), um Psicólogo nascido em Nova Iorque, formado e com primeira atuação na Universidade de Chicago, depois se mudando para a Universidade John Hopkins, onde construiu sua brilhante carreira acadêmica, encerrada prematuramente por um escândalo sexual que ocasionou sua demissão e rejeição em todo o campo acadêmico, o que o levou à atuação empresarial na 10 CBI of Miami área da publicidade e propaganda, onde teve enorme sucesso utilizando os princípios behavioristas. Talvez possamos dizer que Watson não propôs, de fato, nada novo ou especial, não foi ele um teórico revolucionário, mas foi sim um agente dos tempos, capaz de reconhecer, ordenar e lutar por uma nova lógica no campo da Psicologia, estabelecendo firmemente o cenário de uma Psicologia Behaviorista e detratando seus opositores com todo o vigor. Em 1913, Watson publicou um artigo que ficou conhecido como o Manifesto Behaviorista, justamente por apresentar formalmente sua perspectiva e propor este caminho como uma estrada segura para a Psicologia moderna e científica que o autor defendia. Apesar do objetivismo se afastar do instrospeccionismo, ele não propunha um caminho de pesquisa que pudesse oferecer à Psicologia outras bases de trabalho, seria quase como a ideia de que a Psicologia seria uma ideia impossível, uma semente infértil para a produção científica, enquanto Watston propôs claramente que o objeto da pesquisa na Psicologia deveria ser modificado, da consciência, ou mente, para o comportamento humano. É verdade que Watson tenha sido gravemente criticado por não apresentar um objeto que fosse o mesmo, embora com outro enquadramento. Tal como ele propôs a noção de Comportamento, ela se tornava um reducionismo, diante da Psicologia de então, mas àquela época, seu apontamento direto e específico resolveu esta principal contradição daquela corrente. A Psicologia Animal ganhava espaço e proliferava à toda, mas suas descrições sempre inferiam uma espécie de mente ou de consciência menos evoluída para explicar os processos comportamentais que eram avaliados, assim ocorria com todos os grandes nomes como o próprio Pavlov e Thorndike. Assim, se um gato passava a se comportar de uma certa forma depois de um certo estímulo, interpretava-se que ele pensou algo ou sua mente ou consciência se modificou em certo sentido, sempre na procura de uma entidade superior da qual o comportamento fosse expressão, contradição que também foi resolvida por Watson ao estabelecer o comportamento em si como objeto de estudo. 11 CBI of Miami Enquanto os funcionalistas encaravam a Psicologia como a ciência da vida mental, que estudava os processos em que os sujeitos agem como aquilo que se poderia chamar de consciência, incorriam no problema fundamental de dedicarem-se a um processo sem uma operacionalização clara de sua visão, de modo que Watson também encarou esta contradição ao retirar a mente do campo de estudo da Psicologia. Era preciso, portanto, que essas ideias fossem reunidas e depuradas e foi exatamente este o papel de Watson, aproveitar essas influências e formar um corpo capaz de propor a si mesmo como uma substituição da Psicologia vigente, que propusesse um modelo diferente de encarar os seres humanos. Progressivamente, o Behaviorismo foi sendo transformado desde sua raiz, especialmente com a chegada de Skinner al cenário, o mecanicismo deu lugar ao pragmatismo funcionalista de Ernst Mach, o dualismo deu lugar ao monismo, a limitação à relação entre estímulo-resposta deu lugar a um sistema complexo fundamentado em grande medida no Comportamento Operante, entre outras muitas modificações, que veremos nos tópicos seguintes. Burrus Frederick Skinner Vamos falar brevemente aqui deste importantíssimo intelectual chamado Skinner. Formado primeiramente em Letras, Skinner não estava satisfeito com sua área e se interessou pelo que estava ocorrendo na Psicologia e decidiu então fazer um Doutorado em Harvard, no Departamento de Psicologia. No entanto, nas voltas que o mundo dá, acabou vinculado à Psicologia, que emitiu seu título de Doutor, mas tendo realizado toda sua pesquisa na Fisiologia, praticamente sem orientação. Em sua tese de Doutorado, Skinner fez uma apreciação do conceito de reflexo ou comportamento respondente, já começando a ensaiar a noção de comportamento operante que desenvolveu posteriormente. Um amigo deste período, Fred Keller, ficou especialmente impressionado com Skinner e teria, posteriormente, papel decisivo na formação do campo da Análise do Comportamento no mundo. Em princípio, Skinner trabalhou muito com animais, sofrendo influência de muitos pensadores como Thorndike, Mach e Watson, entre inúmeros outros, 12 CBI of Miami vindo a elaborar uma nova versão do Behaviorismo, ao qual se adicionou o adjetivo “Radical”, para sinalizar que para neste novo comportamentalismo, a raiz de toda a compreensão humana poderia e deveria se dar pela análise de seu comportamento, não por uma simples questão metodológica, como propõe o Behaviorismo Metodológico, mas porque todo fazer humano é comportamento. Skinner primeiramente enfrentou a questão do delineamento do campo do comportamento, estabelecendo uma distinção fundamental entre o comportamento respondente e um outro tipo de comportamento, o operante. Ele fez isso trabalhando de maneira intensa com animais como ratos e pombos, elaborando a teoria comportamental a partir de seus princípios básicos. Em 1938, Skinner publicou o livro O comportamento dos organismos, em que apresentou sua proposta como um sistema, que fez com que Keller reconhecesse que aquilo era algo a que se poderia aderir realmente e que ele poderia divulgar, como de fato o fez, escrevendo um influente livro de introdução à Psicologia em muito baseado em Skinner e levando estas ideias para os quatro cantos do mundo, inclusive para o Brasil, onde veio trabalhar na década de 1950, construindo uma base sólida de Analistas do Comportamento, como Carolina Bori, João Claudio Todorov, Maria Amélia Matos, Rodolpho Azzi, entre muitos outros. O autor brasileiro Kester Carrara entende que o sistema skinneriano só foi realmente desenvolvido em 1945, com a publicação do trabalho The operational analysis of psychological terms1 (CARRARA, 2005), mas o consenso é que a obra mais completa de Skinner sobre seu sistema foi publicada em 1953, chamada Ciência e Comportamento Humano, ainda hoje utilizada em cursos de Psicologia como base para o ensino da Análise do Comportamento. Quando a tarefa de construção de seu sistema estava mais avançada, sustentada em bases firmes e com sólidas demonstrações empíricas, Skinner quis mais e sua produção foi em busca do que há de mais elaborado, mais complexo, em termos de comportamento humano para demonstrar que o comportamento é, realmente, a raiz de tudo. 1 Análise operacional dos termos psicológicos (em tradução livre) 13 CBI of Miami O primeiro livro deste tipo, publicado no ano de 1957, super ousado para seu tempo foi Comportamento Verbal, em que ele argumentou que o comportamento de comunicação humano é regido pelas mesmas regras dos demais comportamentos, classificando os diversos comportamentos verbais a partir dos diferentes antecedentes que que apareciam e que tipo de reforçamento o sustentava, era a elaboração dos Operantes Verbais. Mas Skinner lançou este livro, diferentemente dos anteriores, não como conclusão de pesquisa empírica, mas como derivação de outras pesquisas básicas e uma séria interpretação teórica destes dados, aplicados a um contexto diferente do que foi experimentado. Nesta obra, o autor considerou como “comportamentoverbal” todo fazer humano cujo reforçamento não era diretamente produzido pelo comportamento, mas sim por meio da mediação de outra pessoa, treinada pela comunidade verbal para esta mediação. O comportamento verbal, portanto, poderia ocorrer pela fala, gestos, cartões, sinais, qualquer forma que, compreendida por uma outra pessoa, treinada, faria com que ela mediasse o reforçamento. Assim, se um consumidor pede ao garçom uma cerveja, ele se comporta e o reforçamento, operado pela cerveja, é mediado por este garçom. O consumidor pode ter dito “Chefe, vê uma cerveja pra mim, por favor?”, pode ter simplesmente feito um gesto apontando a garrafa vazia, pode ter tocado em um tablet com o cardápio e de todas as formas o reforçamento foi mediado por uma pessoa treinada para esta tarefa, são todos exemplos de comportamento verbal. O livro Comportamento Verbal foi duramente criticado dentro da comunidade de Analistas do Comportamento por não se basear em pesquisas experimentais específicas para aquelas afirmações e recebeu uma pesada crítica externa, vinda do linguista Noam Chomsky, advindo de outro campo de pesquisa, de natureza cognitivista, que teceu diversas críticas à perspectiva comportamental, sendo a maioria delas baseadas em equívocos sobre o tema, uma vez que ele não conhecia a Análise do Comportamento e, pasmem, sequer leu todo o livro que criticara. Ainda assim, por este conjunto de fatores, o livro de Skinner ficou “enterrado”, até que Murray Sidman resolveu, entre as décadas em 1970 e 1980, o principal problema da perspectiva comportamental sobre o comportamento verbal, que é o surgimento de novos comportamentos não 14 CBI of Miami diretamente reforçados (isso vocês verão depois) e Jack Michael colocou o livro debaixo do braço e o adotou como aquilo que ele de fato era, um verdadeiro programa de pesquisa (ainda hoje incompleto) e surpreendentemente, a esmagadora maioria das afirmações feitas por Skinner naquela obra se demonstraram corretas por rigorosa experimentação posterior, inclusive com grande impacto sobre a área aplicada às intervenções com pessoas com desenvolvimento atípico. Outra obra igualmente ousada foi Tecnologias do Ensino, em que o autor destrinchou os equívocos e possibilidades educacionais a partir desta ciência do comportamento e propôs o ensino sobre novas e inovadoras bases, que foram, ao mesmo tempo, base para experiências educacionais fantásticas, como a Escola da Ponte, em Portugal ou grande parte da instrução programada por Ensino à Distância atual e, por outro lado, compreendido de forma equivocada como proponente da substituição dos professores por máquinas de aprender. Essas máquinas eram dispositivos que apresentavam, mecanicamente, atividades para os estudantes, que respondiam de maneira correta ou errada e, caso acertassem de modo consistente, demonstrando que atingiam os critérios de aprendizagem, passavam para o próximo tópico, assim como aqueles que não acertavam suficientemente ficavam no mesmo nível até aprenderem adequadamente, individualizando o processo de ensino e respeitando os ritmos individuais. No livro, Skinner acentuava o papel do Professor como alguém que apoiava os estudantes de modo a explicar, resolver problemas, ajudar a escolha de certos percursos, uma tarefa muito superior à de selecionar atividades em sala de aula (o que era feito antes, na programação das máquinas de aprender), mas o discurso apressado e corporativista também fez com que este livro ficasse por muito esquecido. Na visão de Skinner, a escola deveria ser um lugar maravilhoso, o lugar de aprender deve ser bonito, agradável, cheiroso (olha que sacada), para produzir um reforçamento poderoso para os vários comportamentos que a escola propõe produzir e, mais ainda, para o próprio comportamento de aprender, que possibilitaria aos indivíduos interagir com outros ambientes e ter autonomia para aprender muitas outras coisas não planejadas pela escola. 15 CBI of Miami Em suas últimas obras, o autor ainda analisou temas sofisticados como arte, poesia e as várias formas do amor, como se pode ler em Questões Recentes da Análise do Comportamento, demonstrando que a Análise do Comportamento é uma ferramenta versátil e complexa de descrição dos fenômenos humanos. Por outro lado, o autor também refletiu seriamente sobre a humanidade e nossas limitações e possibilidades. Em um livro chamado Walden II, Skinner pensou em uma sociedade perfeita, governada por um modelo a que chamou de personocracia, em que os conhecimentos derivados das ciências do comportamento seriam a base do governo. Este livro é uma grande controvérsia dentro de nosso campo de estudo, alguns acham que a realidade imaginada por Skinner é uma utopia enquanto outros a entendem como uma verdadeira distopia. Walden II inspirou diversas comunidades reais, a de maior sucesso ainda está de pé, são os Los Horcones, na qual são realizados experimentos científicos para tomar decisões, esses experimentos são publicados sem uma assinatura individual, mas como Los Horcones. Outras comunidades com a mesma proposta fracassaram e a proposta de Skinner é considerada por muitos como ingênua e que o modelo proposto facilmente degeneraria para um autoritarismo tecnocrata. Outro livro mais filosófico é Beyond Freedon na Dignity, que em tradução literal significa “Para além da liberdade e da dignidade” e que sofreu (a palavra ideal é essa, que remete a sofrimento) a infeliz tradução de “O mito da liberdade e da dignidade”. No qual o autor discorre longamente sobre o papel do ambiente em nosso comportamento, no qual ele argumenta que a liberdade não é nunca absoluta, que somos governados por uma interação com o contexto em que vivemos. Assim, à medida em que nossa realidade muda, também mudamos. Por um lado, pode parecer uma acepção limitadora de homem, quando, na verdade, é precisamente o contrário. Skinner argumenta que se quisermos pessoas boas, adeptas da paz, que preservem o meio ambiente... temos que arranjar contingências, organizar nosso ambiente, para produzir contingências que reforcem precisamente estes comportamentos e que impeçam o reforçamento dos comportamentos que lhe são opostos. Em outras palavras, Skinner assumiu que a responsabilidade por um mundo mais justo está em 16 CBI of Miami nossas mãos e que a Análise do Comportamento deveria se comprometer com esse objetivo ético. Nesta obra, o autor analisa longamente qual é a visão do senso comum sobre este tema, que tenta encontrar explicação para a maneira pela qual as pessoas se comportam de maneira diferente, sendo alguns bem sucedidos ou verdadeiros desastres em seus percursos, atribuindo a eles atributos como perseverança, coragem, medo, fraqueza, determinação, ousadia, entre inúmeros outros, que brotariam de suas mentes, inexplicavelmente diferentes. Explicações encampadas por parte da ciência, que aceitam a utilização de constructos teóricos como a mente, sem nenhuma existência física no mundo real, como um recurso que facilita a explicação, mas a encurrala em um esquema de explicação circular que não possibilita à ciência um avanço àquilo que ela se propõe, que é a predição e controle dos fenômenos. Assim, se eu tenho uma pessoa que não faz as atividades propostas na escola, eu posso explicar isso como fruto de um estado mental a que chamo de “preguiça”, no entanto, eu poderia ainda perguntar como se chegou à conclusão de que aquele rapaz é um preguiçoso, e a resposta seria algo como “porque ele nunca faz a lição”, e “porque nunca faz a lição?”, “ora, porque é um preguiçoso”, construindo um círculo pseudo-explicativo que nos impede de agir para que o comportamento se modifique, produzindo uma ciência que contribua com o desenvolvimento da sociedade. Skinner morreu em 18 de agosto de 1990 pouco depois de sua última obra, sendo,portanto, um autor que acompanhou cerca de 60 anos deste campo de estudo como seu principal experimentador e formulador, desenvolvendo sempre obras revolucionárias e solidamente fundamentadas, sendo a construção teórica da contingência, base do comportamento operante, comparada, em termos de relevância, à formulação da Teoria da Evolução, a Genética e as teorias da Relatividade e da Mecânica Quântica. É claro que a Análise do Comportamento não é limitada a Skinner e, como qualquer ciência, o objetivo é que ele seja largamente superado. Mas o conhecimento deste autor ainda é fundamental para as bases desta ciência e para compreendermos os fenômenos comportamentais. Recentemente, a Teoria das Molduras Relacionais – RFT, apresentou-se como uma Teoria Pós- 17 CBI of Miami Skinneriana, causando grande frisson dentro da comunidade de Analistas do Comportamento, acentuando a necessidade imperativa a qualquer ciência de esquivar-se de qualquer tipo de dogma e de “fidelidade” a qualquer autor, a única fidelidade que uma ciência pode ter é com as evidências disponíveis. Principais obras de Skinner: Skinner, B.F. The Concept of the Reflex in the Description of Behavior. Journal of General Psychology, 1931, 5, 427-457. Skinner, B.F. On the Rate of Extinction of a Conditioned Reflex.Journal of General Psychology, 1933, 8, 114-129. Skinner, B.F. A Discrimination Without Previous Conditioning. Proceedings of the National Academy of Science, 1934, 20, 532-536. Skinner, B.F. The Generic Nature of the Concepts of Stimulus and response. Journal of General Psychology, 1935, 12, 40-65. Skinner, B.F. 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New York: MacMillan, 1953. 18 CBI of Miami Skinner, B.F. The Control of Human Behavior. Transactions of the New York Academy of Sciences, 1955, 17(7), 547-551. Skinner, B.F. A Case History in Scientific Method. American Psychologist, 1956, 11, 221-233. Skinner, B.F. The Experimental Analysis of Behavior. American Scientist, 1957(a), 45, 343-371. Skinner, B.F. Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts, 1957(b). Skinner, B.F. Teaching Machines. Science, 1958, 128, 969-977. Skinner, B.F. An Experimental Analysis of Certain Emotions. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 1959, 2, 264 Skinner, B.F. Teaching Machines. Scientific American, 1960(a), 205, 90-103. Skinner, B.F. Pigeons in a Pelican. American Psychologist, 1960 (b), 15, 28-37. Skinner, B.F. Cultural Evolution as Viewed by Psychologists. Daedalus, 1961, 90, 573-586. Skinner, B.F. Operant Behavior. American Psychologist, 1963, 18 (7), 503-515. Skinner, B.F. Behaviorism at Fifty. In T.W. Wann (ed.) 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O Behaviorismo Radical é uma filosofia, mas por que uma ciência necessita de uma filosofia? Simples, todas as ciências se fundamentam em uma filosofia (embora nem sempre de maneira clara) porque a epistemologia, o modo de se produzir conhecimento, é um ramo da filosofia. O Behaviorismo Radical possui uma relação intrínseca com a Análise Experimental do Comportamento, sendo submetido à crítica e possível modificação à medida em que temos novos conhecimentos sobre a realidade. Não se trata de uma filosofia estática, mas de uma base sobre a qual a Análise Experimental atua. Como exemplo, enuncio alguns elementos fundamentais do Behaviorismo Radical (e observando com atenção cada um desses pontos, você pode perceber que eles possuem enorme impacto sobre a prática): Todo o fazer humano é comportamento, não faz sentido afastar comportamentos que ocorrem dentro da pele, como pensar, amar, sentir dor, da esfera de atuação desta ciência simplesmente porque não são observáveis diretamente. Este é um problema metodológico resolvido com sofisticação metodológica à medida em que esta ciência avança. Assim, tudo o que o homem morto não faz é comportamento, sendo mensurável, como o comportamento motor, e mesmo não sendo mensurável, como o pensamento. Essefoi o grande diferencial do Behaviorismo Radical para as versões comportamentalistas que o precederam, pois eram versões reducionistas, por não olharem para aquilo que era absolutamente fundamental para a Psicologia e para o que a sociedade esperava dela. Um trecho do trabalho do Prof. Kester Carrara descreve bem o problema fundamental da perspectiva de Watson, que criou o espaço que acentua a importância da inovação proposta por Skinner: Watson foi [...] acusado de ter removido a consciência como objeto central do estudo científico, sem colocar no mesmo lugar alguma forma de análise daquelas ações humanas não visíveis a olho nu, mas de cuja existência e relevância ninguém duvida (o pensamento, sentimentos e algumas emoções mais sutis, por exemplo). Watson não 21 CBI of Miami tinha uma resposta clara para estas questões, embora especulasse sobre elas. [...] (CARRARA, 2005, p.42). É verdade que há importantes dificuldades metodológicas de se estudar o pensamento, porque ele não é visível e a única forma de acessá-lo é por meio do relato da única pessoa que é capaz de observá-lo, a própria pessoa que pensa. No entanto, esta pessoa que pensa pode fazer um relato completamente contrário a seu pensamento, ela pode ter uma dificuldade em se auto-observar para relatar com fidedignidade o que ocorre, ela pode ainda ser incapaz de comunicar-se como é o caso de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista que não são verbais. Mas nada disso faz o pensamento ser menos comportamento, afinal a definição do que é ou não é comportamento não se baseia em critérios metodológicos e sim em critérios epistemológicos. O Behaviorismo Radical rompeu com o Behaviorismo Metodológico justamente por este motivo, o que as pessoas fazem só pode ser comportamento porque o ser humano é parte da natureza, na qual os eventos físicos se influenciam mutuamente e não são criados “do nada”, mas não produto das relações funcionais entre variáveis deste próprio ambiente físico. Se algo acontece, se algo muda, dentro ou fora de um organismo, seja um movimento motor, um pensamento ou um sentimento, isso só pode decorrer das relações físicas estabelecidas entre variáveis, isto é, isso só pode ser um comportamento, independentemente de que o vejamos ou não. O ser humano é um todo único, uno, sendo assim, o Behaviorismo Radical é monista e não admite a separação entre corpo e mente ou alma e corpo (embora isso não vede em nenhum momento uma compreensão religiosa do Analista do Comportamento de que exista uma alma – desde que isso não se misture com sua avaliação científica). Isto quer dizer, o ser humano é um ser orgânico, físico e todo o seu ser o é, não há uma coisa de um estofo diferente, de diferente natureza, a que chamam “mente”, que seja algo diferente. Descartes utilizou o sistema de irrigação do Palácio de Versalhes como modelo de compreensão dos seres humanos. Ele observou que todo o sistema era uma maquinaria engenhosa em que uma coisa movimentava a outra que movimentava a outra em uma relação mecânica complexa de causa e efeito e elaborou a ideia de que os seres humanos seriam tal como essa maquinaria 22 CBI of Miami dotada de relações mecânicas intrincadas de mobilização de nosso corpo (base do mecanicismo) e que seria habitado por um espírito, uma força vital que definia como esta maquinaria iria se comportar (daí o comportamento como uma esfera separada da “mente”, que seria esta tal força), a alegoria do “Fantasma na Máquina” que tanto habitou e habita o senso comum e outras correntes teóricas que lidam com o comportamento humano como uma expressão física de uma outra coisa, de outra natureza, inefável, da “mente humana”. O pensamento, ou mente, não são, em nenhuma hipótese, causadores do comportamento. É o conjunto de relações complexas entre organismo e ambiente que determinam o comportamento, mas isto se dá por meio de um processo a que chamamos de “seleção pelas consequências”, assim, um comportamento se torna mais provável à medida em que suas consequências atendem às funções necessárias ao organismo e menos prováveis se não alcançam as funções necessárias ao organismo, seja uma pessoa, seja qualquer outro organismo. Este papel do pensamento é um dos temas mais candentes na relação entre a Análise do Comportamento e outros campos de estudo do comportamento humano. Da forma como sentimos, nossa experiência nos indica que o que governa nosso comportamento são nossos pensamentos. Mas esta análise não é precisa e não possui evidências para suportá-la. Por outro lado, para a Análise do Comportamento, o pensamento existe, é relevante, mas não é a CAUSA do comportamento. O pensamento é, em si, também um comportamento. Assim, não devemos encará-lo como uma coisa “o pensamento”, mas como um ato, uma ação “o pensar”. E se pensar é um comportamento, ele pode ser descrito também como funcionando a partir das regras que regem o comportamento humano. Mas não é exatamente este ponto que pretendemos trabalhar neste texto e sim uma outra questão, de fundo. Quando entramos em uma lanchonete e pensamos “Humm, estou com fome, vou pedir uma coxinha” e então falamos “Boa tarde! Me vê uma coxinha, por favor!”, a pergunta é, foi o pensamento anterior que causou o comportamento de pedir a coxinha? E a resposta é NÃO. Isso não quer dizer que o comportamento de pensar não existiu, mas que ele apenas descreve o organismo se comportando e optando por comprar ou 23 CBI of Miami não, mas o que faz com que o indivíduo se comporte são as relações de reforçamento, extinção e punição que estabelecemos em nossa vida. Assim, se comemos em uma lanchonete que tem uma péssima coxinha, esta consequência pode ser punitiva e, portanto, da próxima vez nosso pensamento pode ser descrito como “Humm, a coxinha daqui é ruim, não vou comer) e mais uma vez não é este pensamento que causou o comportamento de não comer a coxinha, mas o pensamento foi um comportamento de auto-observação e descrição do organismo se comportando. Basta lembrarmos tantas vezes que agimos contra nosso próprio pensamento para realmente termos a certeza de que o pensamento não controla comportamento. Ele é nossa forma de sentir e descrever como nos comportamos e não sua causa. Quando uma pessoa com TEA severo se comporta de certa forma e há uma consequência reforçadora, ele tende a se comportar mais da mesma forma. Alguém poderia argumentar “Mesmo sem entender?”, sim, mesmo sem entender (por “entender” consideremos “ser capaz de descrever”) e o entendimento será ensinado aos poucos. Quando ensinamos, priorizamos o entendimento, queremos que a pessoa mude seu comportamento por meio de um discurso que fazemos que objetiva mudar seu entendimento e isso quase nunca é eficaz, porque esta atitude parte do pressuposto “Mudo o pensamento dele, logo, o comportamento mudará” e como esta afirmativa está equivocada, ele não funciona. Nós mudamos o comportamento mudando o ambiente em que o sujeito está mudando, portanto, as contingências, isto é, fazendo com que o ambiente não permita mais acesso a reforçadores que sejam produzidos por comportamentos indesejáveis e fazendo com que o ambiente libere reforçadores para comportamentos desejados. E quanto ao pensamento? Ele será mudado junto com os demais comportamentos. Por exemplo, quando faz uma birra para não tomar banho, a mãe de Joãozinho diz “Não quer tomar banho, não toma” e deixa que ele vá para o videogame. Mudar o ambiente pode ser, por exemplo, reter o controle do videogame até que Joãozinho tome seu banho. Se isso ocorrer consistentemente, você verá que depois de algum tempo, Joãozinho “se conscientizará” da importância do banho. 24 CBI of Miami Quando um comportamento é muito reforçado, em certa circunstância, ele se torna muito provável, se repetindo circunstância semelhante. Mas nãoé possível garantir com 100% de chance de que ele será emitido, o que se pode dizer é que ele muito provavelmente será emitido, isto é, que se aquela circunstância se repetir uma série de vezes, na maior parte destas oportunidades, o comportamento será emitido. A isso chamamos de “Determinismo Probabilístico”, a que, talvez, a Análise do Comportamento se filie. Digo “talvez” porque esta foi a defesa realizada por Skinner e tantos outros Analistas do Comportamento relevantes, mas vem sendo questionada recentemente por importantes teóricos. Carolina Laurenti, em 2009, publicou sua tese doutoral Determinismo, Indeterminismo e Behaviorismo Radical, em que defendeu que a Análise do Comportamento é muito mais compatível com o indeterminismo do que com sua versão determinada. Isto é, o estudo exaustivo dos desfechos alcançados com as inúmeras manipulações de variáveis nos dá uma excelente segurança de que possamos predizer e controlar fenômenos, criando cenários em que atuamos efetivamente quase sempre. No entanto, também é verdade que é impossível asseverar que dada uma certa relação entre variáveis, SEMPRE se dará um certo desfecho, necessariamente aberto ao imponderável da realidade, sendo, portanto, indeterminista (a discussão é muito mais profunda do que este parágrafo, como deve imaginar, então leia a tese). O comportamento é sempre individual e a avaliação do comportamento, bem como a intervenção, deve considerar este critério de modo radical. Assim, sempre que se realiza uma intervenção de caráter analítico-comportamental, a medida de avaliação nunca é outra pessoa e sim sempre o próprio sujeito, em sua linha de base, isto é, em sua avaliação antes da intervenção. A isso chamamos de delineamento de sujeito único (este é um dos motivos pelos quais uma intervenção baseada em ABA para uma criança nunca será igual a de outra, mesmo que ambas tenham autismo e que tenham o comportamento bem semelhante). Existem 3 níveis de seleção do comportamento que são complementares e se integram de modo ímpar em cada ser humano existente, eles se entrelaçam de modo que a descrição de médias gerais do comportamento humano não 25 CBI of Miami oferece medidas de ninguém em particular, são conhecimentos que não descrevem o comportamento de nenhuma pessoa real, mas uma pessoa ideal, uma pessoa que não existe, e não é (ou não deveria ser) o caminho de uma ciência do comportamento. O primeiro desses níveis é a Filogênese, que é a base orgânica sobre a qual se erige todo o resto que um organismo faz no mundo. Nossa biologia foi selecionada também pelas consequências, mas não do decorrer de nossa vida, mas de nossa espécie. Bilhões de anos atrás, o surgimento da vida propiciou uma infinidade de variações comportamentais e estruturais que eram adaptativas ou não eram adaptativas ao ambiente e sobreviveram aquelas que eram, enquanto as demais foram eliminadas. Imagine em um certo momento da história de nossa espécie específica ou algum antepassado, a presença simultânea de seres humanos que respondiam dilatando a pupila no escuro e a contraindo em cenários mais claros e outros que não o faziam. Aqueles que apresentavam este comportamento de contração e dilatação poderiam engajar-se em uma luta contra outros da espécie ou predadores e transitar desde o interior de uma caverna, debaixo da mata densa ou no descampado ensolarado com o mesmo nível de visão alcançado em poucos segundos enquanto aqueles que não o faziam tinham dificuldades significativas em transições, com alta probabilidade de serem mortos, diminuindo a probabilidade de deixarem descendentes e, portanto, sua genética, deixando tomar todo o conjunto da espécie pela variação genética mais adaptativa. É claro que este exemplo é um arremedo de um comportamento biologicamente instalado, um respondente, que provavelmente foi selecionado por meio de aproximações sucessivas no decorrer de milhares ou milhões de anos, em que competiam exemplares com maior dilatação e contração da pupila contra outros com menos dilatação e contração da pupila, favorecendo progressivamente aqueles com melhor habilidade, mas é bem ilustrativo de como as consequências de um certo comportamento determinado por uma variação genética o selecionaram na história da espécie, constituindo este nível filogenético. Mas também é verdade que este nível filogenético não é somente na história de seleção da espécie, de modo geral, mas cada um de nós possui uma 26 CBI of Miami filogenética específica, diferente de outras pessoas, podendo ser mais ou menos sensível aos estímulos do ambiente e determinando toda uma alteração de meu percurso comportamental ainda que eu viva em um contexto muito parecido com outras pessoas. O segundo nível de seleção do comportamento é a história individual do sujeito, seu percurso desde a geração até a morte, em que certos comportamentos operam uma mudança no ambiente, que por sua vez operam sobre o indivíduo também uma mudança e tornam este organismo mais ou menos propenso a emitir este mesmo comportamento. Em minha história pessoal, agi no mundo e os comportamentos produziram modificações que constituíram uma vantagem para mim, enquanto organismo, dotado de uma certa sensibilidade específica ao ambiente, desta forma estes estímulos também me transformaram e eu me tornei alguém com mais probabilidade de repetir esses mesmos comportamentos em caso de o contexto em que foram emitidos se repetissem, trata-se da relação à que denominamos de reforçamento. Por outro lado, eu também fiz coisas no passado que modificaram o ambiente, mas não em um sentido vantajoso, mas desvantajoso para mim, enquanto organismo e essas consequências do ambiente também me modificaram no sentido de que me tornei alguém com menor probabilidade de fazer estas mesmas coisas, isto é, a relação estabelecida não foi de reforçamento, mas de punição (não se preocupem, isso será muito mais bem trabalhado e explicado logo à frente). Então, durante uma vida inteira, nós agimos no mundo e este mundo pune certas respostas que emitimos, fazendo com que nós não mais as emitamos ou o façamos com menor frequência e reforça certas respostas, que se tornam muito frequentes e passam a constituir o nosso repertório, isto é, o conjunto de comportamento que emitimos durante nosso dia a dia, em circunstâncias determinadas. Este nosso repertório é composto de comportamentos motores, de sentimentos e de pensamentos. Basta se auto-observar e comparar-se consigo mesmo quando era adolescente, não são somente as partes de nosso corpo que mudaram (mais moles, lamentavelmente), também mudaram nossos gostos, a maneira com que nos sentimos diante da vida, as paixões (lembra da primeira vez que se apaixonou e achou que o mundo iria ruir? Que não passaria 27 CBI of Miami nunca?), nossos pensamentos, enfim, somos outras pessoas, porque sobre a nossa base filogenética houve desde então intensa relação entre ambiente e nosso fazer, moldando nosso repertório atual, a que também podemos chamar de “personalidade”. Nesta nossa história pessoal, uma bronca pode ser um baita punidor para um comportamento de qualquer um de nós, principalmente se for de alguém muito querido ou admirado, se for em um momento em que estejamos tristes, se usar palavras fortes e que se relacionam com algum evento que no passado nos trouxe sofrimento ou, a depender de outro percurso, pode ser, pasmem, um poderoso reforçador, caso seja dada em uma pessoa com forte privação de atenção social ou que não consiga discriminar o que quem está dando a bronca está pensando ou sentindo, como acontece muitas vezes com pessoas com o Transtorno do Espectro Autista com uma alteração importante na percepção social. Ou seja, um mesmo estímulo do ambiente não opera da mesma forma sobre diferentes pessoas porque cada pessoa possui uma basefilogenética específica e à medida em que se relaciona com o ambiente, passa ter uma história ontogenética também particular, que faz alterar também as próximas interações com o ambiente, tornando, portanto, o comportamento humano uma coisa altamente complexa e indeterminada, uma verdadeira bola de neve. O terceiro nível de seleção do comportamento humano é a cultura. Todos nós nascemos em um determinado tempo na história e isso determina diferencialmente se nós vamos caçar elefantes em grandes planícies, se vamos protegê-los para preservação da natureza, adorá-los como divindades ou simplesmente comercializá-los em feiras e todos os pensamentos e sentimentos que acompanham estas ações descritas, ou seja, a cultura de um certo tempo influencia diretamente os limites e possibilidades de quem somos e tudo o que fazemos. Mas mesmo se nascermos em um mesmo tempo, digamos, em 2000 ou próximo disso, é possível que sejamos (nos movamos, pensemos e sintamos) de muitas formas diferentes, podemos nos comportar de maneiras radicalmente diferentes, como pela igualdade de gêneros, ou pela primazia dos homens sobre as mulheres ou ainda defendendo ou realizando atos abomináveis como a 28 CBI of Miami ablação, com cortes profundos, feitos com lâminas enferrujadas, da vulva das meninas, para que elas não sintam qualquer prazer, como se faz ainda com milhares de meninas no mundo, isto porque a cultura também é distinta entre os vários cantos do planeta, afetando diretamente na definição de quem somos nós, ainda que exemplares da mesma espécie. Essas culturas sobreviveram porque foram adaptativas, isto é, elas criaram contingências, contextos de comportamento de seus membros que fizeram com que essas sociedades continuassem existindo e conseguiram manter-se de pé mesmo com a eliminação progressiva da maior parte das culturas que já viveu neste nosso planeta e estas culturas, no entanto, continuam fazendo isso, criando contextos de comportamento para que nós existamos e continuam lutando por sua sobrevivência, seja modificando-se e se adaptando, seja sendo eliminadas e dando lugar a novas culturas. A interação entre estes três níveis de seleção do comportamento produz exemplares altamente idiossincráticos que só podem ser bem estudados idiograficamente, isto é, perseguindo suas histórias individuais, observando e experimentando interações específicas com o ambiente e não nomoteticamente, isto é, pela extração de médias de populações, em que não se conhece a relação específica de organismo com o ambiente e seu desfecho sempre único. O Behaviorismo Radical, esta filosofia que subsidia a Análise do Comportamento adota alguns princípios científicos fundamentais que merecem ser apresentados brevemente também aqui neste contexto: O Pragmatismo – em grande parte da ciência vigora uma corrente a que denominamos de Realismo, que pressupõe que a realidade existe independentemente de nós, que ela existe em si e que nós, por não podermos acessar a própria realidade como ela é, a acessamos por via dos sentidos e para que estejamos bem sedimentados, fazemos a aferição da realidade através do olhar intersubjetivo do objeto, isto é, não basta que vejamos ou sintamos de outra forma esta realidade, é preciso que outros o vejam ou sintam da mesma forma para que possamos confirmar sua “existência real”. Mas se a realidade só pode ser percebida pelos sentidos, como podemos afirmar, com certeza, se ela de fato existe? Esta é uma das principais premissas de uma outra corrente filosófica contemporânea, o Pós-Modernismo, que coloca 29 CBI of Miami em xeque a existência da realidade e defende que ela é uma construção social da linguagem, que ordena nossa percepção. Do ponto de vista dos adeptos do Behaviorismo Radical, há uma outra corrente filosófica que melhor representa nossa visão de mundo, a pragmatista. Desde este ponto de vista não interessa se a realidade existe ou se ela não existe, se ela é uma construção externa ou não, só o que importa é que nós percebemos algo como realidade, intersubjetivamente, ou seja, eu vejo uma criança se comportando de maneira inadequada e outra pessoa também a vê, eu meço seu comportamento disruptivo (digamos que ele bata a cabeça na parede) e outra pessoa também mede o fenômeno de modo muito próximo a mim (o que é verificado por um índice de concordância entre observadores), então nós nos abstemos de opinar sobre a existência da realidade, se o menino existe DE VERDADE ou não existe DE VERDADE, somos agnósticos quanto a isso, mas lidamos pragmaticamente com aquilo a que temos acesso. Não obstante que percebamos o mundo da mesma forma, propomos nesta realidade algum tipo de intervenção que altera esta realidade percebida, que de fato faz com que as coisas se transformem no mesmo sentido em que desejamos e previmos e esta transformação é percebida e mensurada por mim e também por terceiros, sem que combinemos isso, então podemos dizer que a percepção de algo que parece com uma realidade exterior é consistente entre as pessoas, isto é, quando olhamos para o mesmo lugar, percebemos as mesmas coisas, a mesma realidade. Também podemos dizer, dada essa relação, que esta realidade pode não existir, ela pode ser uma ilusão, talvez vivamos todos em uma Matrix, mas as regras naturais que conseguimos elaborar depois de inúmeros estudos experimentais, nos dá segurança o suficiente para propormos tecnologias que conseguimos prever que serão efetivas. Assim, tanto os físicos conseguem elaborar conexões entre certos processos físicos que nos permitem enviar uma mensagem por um aparelho para o outro lado do planeta quanto os Analistas do Comportamento conseguem elaborar intervenções que conseguem eliminar comportamentos inadequados com a função de atenção (só para citar um exemplo). 30 CBI of Miami O Funcionalismo de Ernst Mach – a ciência possui quatro objetivos, que são a) descrever; b) explicar; c) predizer; e d) controlar fenômenos. Explicarei preliminarmente três deles, exceto o segundo, para depois me dedicar brevemente a ele e esclarecer esta influência central de Mach em relação a Skinner, que pervadiu todo o Behaviorismo Radical. A descrição dos fenômenos necessita da observação da realidade tal como ela é e da experimentação, sempre que possível, para que a relação específica de cada variável do ambiente em relação às demais variáveis seja mensurada adequadamente e possamos estabelecer como a natureza se comporta dadas todas as circunstâncias em que a conhecemos. A predição da realidade é diretamente derivada da robustez de nossa descrição. Se nós descrevemos uma enorme quantidade de corpos celestes que fazem uma trajetória esperada, inúmeras vezes vista. Se nós descrevemos tudo o que circunda este corpo celeste, a existência ou não e o efeito ou não na trajetória de matéria escura, energia escura, atmosferas e outros corpos celestes próximos, então podemos dizer, com grande margem de segurança, que este corpo fará um determinado roteiro. Ou seja, apesar de não ter habilidades futurísticas e pouco conhecimento sobre leitura de mãos e de borra de café no fundo das canecas, os cientistas partem das descrições da realidade para fazer predições muito precisas sobre o futuro dos fenômenos que descreveram, tanto mais precisas quanto melhor descrita sua área de atuação, como a citada Física, a Química, entre outros. E se nós sabemos que em dada certa situação, certa interação entre variáveis, então ocorrerá isto ou aquilo, se podemos predizer o que acontecerá em uma série de situações em que somos espectadores, como um magma que ameaça irromper em um vulcão, um furacão que varrerá a costa de um país ou uma espécie que será eliminada em alguns anos, caso continuemos no mesmo ritmo de exploração, então também é possível que nós mesmos arranjemos o ambiente de modo a disporcertas variáveis para produzir o desfecho que pretendemos. Em um passado distante, as tecnologias eram produzidas pelo método da tentativa e erro ou por alguma intuição engenhosa de algumas pessoas, mas a maior parte da tecnologia contemporânea é fruto da ciência mais avançada, na 31 CBI of Miami qual nós descrevemos de maneira incrivelmente minuciosa a realidade e com isso somos capazes, por exemplo, de provocar fenômenos em partículas menores do que os átomos em computadores quânticos, conseguimos falar com uma pessoa, vendo seu rosto do outro lado do mundo, simultaneamente através dessa invenção fabulosa que é o celular, conseguimos organizar estímulos reforçadores para reforçar comportamentos socialmente relevantes e retê-los para que não reforcem comportamentos inadequados, enfim, conseguimos organizar parcelas do mundo para que essa organização/interação entre variáveis promova desfechos vantajosos para a humanidade. Este é o controle da realidade a que a ciência se propõe. Mas o que nos interessa mais especialmente aqui é o segundo objetivo, a EXPLICAÇÃO, de que se trata explicar a realidade após descrevê-la? Imaginemos que nós tenhamos a relação entre duas coisas, um corpo celeste com uma massa substancial, como o sol, e um outro corpo celeste com uma massa menor, a curta distância, como um meteoro. Então este pequeno corpo celeste será atraído pela força gravitacional do sol (uma maneira leiga de descrever a ação das ondas gravitacionais) e será tragado pela estrela maior deste sistema planetário. Provavelmente será dito que a gravidade do sol CAUSOU a atração do pequenino corpo celeste, mas esta pergunta levará à necessidade de uma outra explicação, que é POR QUE uma coisa causou a outra e talvez explicaremos que isto ocorre porque corpos com massa maior atraem corpos com massa menor, mas poderíamos perguntar mais uma vez POR QUE isso acontece e qualquer outra explicação poderia receber a mesma pergunta novamente até finalmente chegar a um “porque sim”, que obviamente todos os que acompanharam o Castelo Rá-Tim-Bum sabem que não é resposta. É por este motivo que Mach entendeu que toda relação entre variáveis não pode ser apresentada como uma relação de causalidade em que A causa B, porque uma relação deste tipo pressupõe sempre que há uma outra explicação, necessariamente metafísica, para que o porquê seja adequadamente respondido. Assim, em sua perspectiva, depois adotada por Skinner e incorporada ao Behaviorismo Radical, a explicação da realidade que a ciência propõe a realizar, nada mais é do que uma sintetização da descrição 32 CBI of Miami em termos mais gerais, para melhor aplicação nos processos de predição e controle da realidade. Então vejamos, nós sabemos que os seres humanos se comportam e que ao se comportarem, modificam seu ambiente e este ambiente modificam a eles também, mas não podemos dizer que a apresentação de um certo estímulo após um comportamento CAUSA seu aumento de probabilidade (no caso de ser um estímulo reforçador), mas que dadas certas relações entre uma resposta e um estímulo, então este comportamento ocorrerá mais no futuro, trata-se de uma relação funcional entre variáveis em interação e não de uma relação causal entre eventos (ok, eu sei que é complexo, mas vá pensando sobre isso). E quando descrevemos esta relação entre variáveis, o behaviorista descreve o que ocorre, como o ambiente se modifica e afeta o organismo e como este organismo se comporta, como ele age no mundo, e faz a descrição de tudo isso, que se transforma, na pena do teórico, como Skinner e tantos outros, em processos gerais identificados como o Reforçamento e a Punição, a Operação Motivacional, a Lei da Igualação, a Extinção, entre tantos outros conceitos, que não servem para EXPLICAR nada, a rigor, isto é, para dizer porque certas coisas ocorrem ou não ocorrem, mas para descrever certas coisas que ocorrem, de modo que podemos identificar estes mesmos processos em outras circunstâncias. E nesta explicação conceitual é preciso que sejamos claros e diretos, uma descrição não pode acrescentar conjecturas a seu escopo, ela deve ser transparente tanto quanto possível e a explicação deve refletir esse pé no chão, sem apelar a forças metafísicas ou constructos teóricos como a MENTE, dado o princípio da Parcimônia, que estabelece a necessidade, em ciência, de sempre se optar pelo caminho mais direto que dê conta da explicação dos fenômenos. 33 CBI of Miami Referências Bibliográficas CARRARA, Kester. Behaviorismo: crítica e metacrítica. São Paulo: Editora UNESP, 2005 CRUZ, Robson Nascimento. B. F. Skinner: uma biografia do cotidiano científico. Belo Horizonte: Artesã, 2019 LAURENTI, Carolina. Determinismo, Indeterminismo e Behaviorismo Radical. 2009. 430 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009. RICHELLE, Marc. B. F. Skinner: uma perspectiva europeia. São Carlos: EDUFSCar, 2014 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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