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64 • Parques e Vida Selvagem verão 2013 64 RETRATOS NATURAIS Vamos desenhar... (macro)algas Desenhar plantas, como já vimos, é poder traduzir em linha e cor todos os seres fotossintetizantes (autotrófi cos), independentemente da sua dimensão (visível, ou não, a olho nu), ou meio em que vivem (terrestres, ou aquáticas, dulciaquícolas/marinhas) E m termos de evolução, dita o conhecimento atual que os primeiros ensaios e “esboços” das plantas começaram a desenhar-se sob a redoma protetora da água, na forma multi-expressiva que hoje denominamos como algas. Parece pois justo dedicar um dos capítulos desta rubrica à ilustração destes seres e à luz dos cânones da ciência e da sua objetiva fi guração — a ilustração fi cológica, um dos vários subdomínios da ilustração científi ca. As macroalgas fascinam o Homem desde tempos imemoriais, graças em muito à forma como ondulam ao sabor das correntes e marés, numa dança hipnótica e ritmada. Por outro lado, os arranjos das suas frondes e talos depositadas num fundo homogéneo de areias amarelo-esbranquiçadas, assim dispostas ao acaso pelas ondas que as humedecem e lhes dão brilho anímico, criam o necessário enlevo bucólico capaz de evocar um quadro sem moldura. Fluem assim cadências de design, de que o Homem desde cedo se procurou apropriar levando-as consigo e incutindo-lhes o seu próprio e egoístico conceito de ordem e/ou estética — primeiro colhendo sistematicamente as que são diferentes na cor, na forma e na arquitetura orgânica, criando os seus algários de algas secas e prensadas em papel, e também acabando por as perpetuar através da ilustração, gravura e/ou pintura. Olhando para aquilo que obras seculares nos mostram, as algas só começaram a ser vistas, através do objetivo prisma de enfoque científi co e como modelo diferente do adorno ilustrado, em fi nais do século XIX, principalmente. Por esta altura a obra impressa era dominada essencialmente pela fl orescente e mais produtiva estampagem litográfi ca de sempre, como se comprova pela edição de várias e maravilhosas obras, um pouco por toda a Europa (França, Suíça, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Portugal). Microalga (Dunaliella sp.) Macroalga (Undaria pinnafi tida) Parques e Vida Selvagem verão 2013• 65 Nelas, as algas e as macroalgas, em particular, acabam por explodir num boom gráfi co nunca antes visto, com obras a elas dedicadas, em exclusivo, ou então mistas e intercaladas entre outras espécies de plantas terrestres e com elas competindo visualmente. É então que começam a ser instituídas — e paulatinamente a ser aceites pela comunidade científi ca (até porque muitos dos fi cologistas acumulavam em si a responsabilidade da sua fi guração nas obras que editavam e eram o corolário de uma vida dedicada ao seu estudo, como aconteceu com o eminente William Henry Harvey, autor da renomada “Phycologia Britannica”, publicada em cinco volumes profusamente ilustrados, entre 1846 e 1851) — as regras e convenções que hoje delimitam esta categoria da ilustração botânica e as pranchas fi cológicas. Curiosamente e apesar de o domínio da ilustração fi cológica ter mais de 250 anos, gera alguma incredibilidade o constatar- se que praticamente nenhuma das obras especializadas e publicadas mundialmente nos últimos 70 anos sobre ilustração científi ca, ou mesmo sobre ilustração biológica, lhe devotou a necessária atenção. Essa lacuna foi recentemente preenchida pela obra “Macroalgas marinhas da costa portuguesa — biodiversidade, ecologia e utilizações” (Leonel Pereira & Fernando Correia; em publicação e Prémio do Mar Rei D. Carlos, da edição de 2013). Sendo as macroalgas formas vegetais com relativamente baixa complexidade anatómica externa, é certo que para se criar uma estampa fi cológica será preciso ter em conta que poderá existir variabilidade entre formas reprodutoras e não-reprodutoras de uma mesma espécie e/ ou entre espécies de grupos diferentes (tipo de talos, maciços ou não, tipo de ramifi cação, com ou sem estipe, etc.); poderá ter que se desenhar um habitat (pelo menos o substrato de fi xação – se por meio de ápteros, disco de fi xação, epífi tas ou não, etc.); por vezes, como auxiliar identifi cativo, é também necessário desenhar detalhes diagnosticantes ampliados, geralmente das estruturas/células reprodutoras (oogónios e anterídeos contidos nos concetáculos; esporófi tos/esporângios; gametófi tos/gametângio, cistocarpos, etc.) e/ ou das paredes celulares (tipo de células do córtex, presença/ausência de mucilagem no talo, fi lamentos, etc.) observadas à lupa, ou em cortes e ao microscópio ótico composto. Regra geral, a ilustração científi ca de uma macroalga começa sempre com um desenho preliminar a grafi te (obtenção do contorno/ silhueta e pormenores morfológicos mais signifi cativos, respeitando a escala métrica), a partir da observação direta de um exemplar da espécie em causa, fresco ou então seco e conservado em algário (que pode ser conveniente re-hidratar em água do mar, por forma a ter uma percepção volumétrica mais próxima de como seria in vivo). Nesta fase de ensaios gráfi cos deve-se decidir qual o tipo de visualização a imprimir ao talo/hábito da macroalga — ou mais estático e próximo de modelo conservado em algário, ou então mais “dinâmico”, natural e ondulante, como se estivesse a acompanhar as ritmadas correntes marinhas, que esbracejam as suas ramifi cações, frondes ou lâminas. De seguida devem ser pormenorizados os detalhes anatómicos: como terminam as frondes, qual a sucessão e ritmo de divisão das ramifi cações e/ ou divertículos, como são as nervuras (de onde partem, sua espessura, cor e onde terminam), ou a espessura do talo (nas suas várias partes, como estipe, frondes, lâminas, etc.), ou os aerocistos, ou as estruturas reprodutoras (posição, forma, textura e densidade), etc. Só depois devem ser feitos os primeiros estudos de volumetria/textura/ornamentação/ transparência, recorrendo à dicotomia contrastante entre as áreas iluminadas e as ensombradas (umbra, ou sombra; penumbra — geralmente utilizando lápis de grafi te, em traços, ou mancha), bem como de tintagem (ou com tinta-da-china, ou com a cor do risco dos lápis, ou das pinceladas de aguarela, guache ou acrílicos, ou ainda através das técnicas de pintura digital). Convém ter sempre em mente que este tipo de ilustração não é de pendor artístico e tem como objetivo que quem aprecie essa ilustração científi ca consiga aferir informações pertinentes sobre a espécie em causa, como auxiliar visual comparativo capaz de futuramente agilizar a diagnose e identifi cação das algas, encontradas num qualquer passeio à beira-mar. Chondrus crispus (Filo Rhodophyta, Ordem Gigartinales) A - Palmaria palmaria B - Laminaria ochroleuca 1. Disco de i xação 2. Rizóides 3. Proliferações 4. Ápices 5. Lâminas 6. Axilas 7. Estipe Anatomia externa de macroalgas de talo ereto Texto e ilustrações Fernando Correia Biólogo e ilustrador científi co Dep. Biologia, Universidade de Aveiro fjorgescorreia@sapo.pt www.efecorreia-artstudio.com 4 A B 5 6 7 1 3 2
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