Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO PARTIDOS POLÍTICOS E ESTADO 1.0 Partidos Políticos A partir da ideia de democracia e de que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”, os partidos políticos assumem um papel muito importante na organização estatal de um sistema democrático representativo, na medida em que possibilitam a organização e a manifestação das ideologias e dos interesses da população. É essa importância que eleva o pluralismo político ao status de fundamento do Estado Democrático como previsto na Constituição da República. (MALUF, 2010, p. 329). Essa é a tese democrática, que defende a concepção do Estado pluripartidário em que os partidos políticos são entidades sociais ou instituições jurídicas (ou, ainda, considerando essa dupla natureza social e jurídica) indispensáveis à realização do ideal democrático. Mas, além dela, Maluf (2010, p. 330-331) aponta mais duas teses, a marxista e a fascista. A marxista é a tese desenvolvida por Lenin e Stalin, que atribui aos partidos uma existência precária e temporária, importante apenas em uma fase da evolução social, como “mal necessário” somente até que se chegue a um estágio superior da ordem comunista em que a supressão das desigualdades e das divisões sociais permita que o Estado se torne num simples órgão de administração do patrimônio comum. E a fascista, popularizada com o fascismo italiano, o nazismo alemão e os Estados-novos, que prega a ideia de um partido único, totalmente entrosado com o poder estatal. O estudo da origem e da evolução histórica dos partidos políticos nos remete à Inglaterra, nação precursora do constitucionalismo, cujos dados históricos remontam a 1680, quando surgiram os “Tories” (defensores dos interesses do feudalismo agrário e das prerrogativas régias) e os “Whigs” (novas forças urbanas e capitalistas que, apesar de monarquistas, defendiam princípios mais liberais), dois grandes grupos que disputariam o poder por tantos anos. Na França, os dados indicam a formação dos primeiros partidos na forma de associações civis e clubes no decorrer da nova ordem implantada pela Revolução de 1789, que depois se reuniram na formação dos dois partidos mais poderosos, o Conservador e o Liberal. Na Alemanha, os primeiros partidos também já se dividiam em Conservador e Liberal, com surgimento associado à Revolução de 1848. Nos Estados Unidos, o Partido Democrático teria se organizado logo no seio da Convenção de Filadélfia (1787), enquanto o Republicano só surgiria de forma definitiva em 1854. No Brasil, a história dos primeiros partidos, o Conservador e o Liberal, remete ao final da Regência Trina. (MALUF, 2010, p. 332- 333). No Brasil, os dois primeiros partidos, também sob a denominação clássica de Conservador e Liberal, sugiram na fase final da Regência Trina, durante a legislatura de 1838. Ainda durante o Império, foi constituído vigoroso Partido Republicano (1870), o qual, recebendo influência da chamada “política dos governadores”, desdobrou-se em agremiações políticas provinciais, destacando-se as duas correntes de maior pujança, que foram os famosos Partido Republicano Paulista (PRP) e Partido Republicano Mineiro (PRM). (MALUF, 2010, p. 333). De modo geral, foram fortes as tendências liberal e conservadora na história dos partidos políticos e do constitucionalismo. O desenvolvimento dos acontecimentos criou as divisões entre “esquerda” e “direita” e, com isso, um prisma de possibilidades para inúmeras posições centristas, hoje ocupadas por diversos partidos políticos com maior ou menor aproximação com os extremos, que procuram “conciliar a ordem democrática com as verdades parciais das doutrinas coletivistas”. (MALUF, 2010, p. 333). 1.1 Definição E Função Investigando o histórico da conceituação de partido político elaboradas por autores clássicos, Bonavides (2011) resumiu a evolução dessa definição e identificou os problemas dos teóricos na busca por um conceito que abarcasse toda a dimensão do termo: O primeiro autor que se nos depara é Burke. Em 1770, definiu ele o partido como “um corpo de pessoas unidas para promover, mediante esforço conjunto, o interesse nacional, com base em algum princípio especial, ao redor do qual todos se acham de acordo”. Em seguida, ao começo do século XIX (1816), Benjamin Constant, um teorista do Estado liberal, apareceu com outra definição, que aufere na ciência política prestígio igual ou superior ao da definição de Burke. Diz Constant que o partido político “é uma reunião de homens que professam a mesma doutrina política”. Essa definição, segundo Levy-Bruhl, reúne vantajosamente os elementos essenciais de todo partido: o princípio de organização coletiva, a doutrina comum e a qualificação política dessa mesma doutrina. Porém, não insere um dado que, no sentir daquele sociólogo, fez lacunoso o pensamento de Constant com respeito aos partidos políticos: a conquista do poder, aquilo que os inclina à ação. Daí portanto a superioridade que é de notar no conceito de partido político oferecido por Bluntschli, em 1862, quando disse que se tratava de “grupos livres na sociedade, os quais, mediante esforços e ideias básicas de teor político, da mesma natureza ou intimamente aparentados, se acham dentro do Estado, ligados para uma ação comum”. (BONAVIDES, 2011, p. 370). Analisando, em seguida, os teóricos do século XX, Bonavides destaca outras características dos partidos políticos apontadas pelo desenvolvimento desses estudos. Segundo ele, o alemão Jellinek definiu os partidos como “grupos que, unidos por convicções comuns, dirigidas a determinados fins estatais, buscam realizar esses fins”. Já o alemão Weber destacou o caráter voluntário dessas organizações, que partem de uma propaganda livre e se renovam, em contraste com as entidades firmemente delimitadas por lei ou contrato. Citando o austríaco Nawiasky, o autor define os partidos políticos como “uniões de grupos populacionais com base em objetivos políticos comuns”. (BONAVIDES, 2001, p. 371). Seguindo nessa linha, o autor traz Kelsen (austríaco) e sua definição como “organizações que congregam homens de mesma opinião para afiançar-lhes verdadeira influência na realização dos negócios públicos”, similar à definição de Hasbach (alemão), para quem o partido seria “uma reunião de pessoas, com as mesmas convicções e os mesmos propósitos políticos, e que intentam apoderar-se do poder estatal para fins de atendimento de suas reivindicações. (BONAVIDES, 2001, p. 371). Field (britânico) definiu o partido político como “associação voluntária de pessoas com a intenção de galgar o poder político” através de “meios constitucionais”. Schattschneider (norte-americano) definiu como “uma organização para ganhar eleições e obter o controle e direção do pessoal governante”. Sait (também norte- americano), como “um grupo organizado que busca dominar tanto o pessoal como a política do governo”. Para o francês Goguel, trata-se de um “grupo organizado para participar na vida política, com o objetivo da conquista total ou parcial do poder, a fim de fazer prevalecer as ideias e os interesses de seus membros”. E, para o também francês Burdeau, uma “associação política organizada para dar forma e eficácia a um poder de fato”. (BONAVIDES, 2001, p. 372). 2.0 Sistemas Partidários Como vimos com Maluf (2011, p. 330-331), existem três teorias referentes às diversas características dos sistemas partidários e as relações que os partidos estabelecem com o Estado: a democrática, fundada na concepção do Estado pluripartidário, em que os partidos políticos são indispensáveis à realização do ideal democrático; a marxista, em que ospartidos assumem condição precária e transitória, apenas como meios de se alcançar a supressão das desigualdades; e a fascista, que defende a ideia de um partido único, diretamente vinculado ao poder estatal. 2.1 Unipartidarismo Bonavides (2011, p. 393-394), ao apresentar o conceito e as ideias que fundam a concepção de “partido único”, “partido totalitário” e “unipartidarismo”, inicia o debate chamando logo a atenção para o contrassenso existente entre as ideias de “parte” ou “partido” e a ideia de “todo”. Afinal, o partido único foi a ferramenta utilizada por quase todas as ditaduras do século XX para sufocar o pluralismo político e impedir o exercício da liberdade por meio da interdição ideológica. Ainda que alguns autores defendam o partido único como “a máxima inovação política do século XX”, o fato é que sua originalidade consiste em poder servir de sustentáculo para a implantação de ditaduras como “desdobramento inevitável do sistema político quando a crise social torna impossível a manutenção da democracia”. Historicamente, surgiram partidos únicos como resultado da revolução e da contrarrevolução social do século XX, mas suas ocorrências mais frequentes foram nos países recém-egressos do regime colonial, em que surgiram como “força política coroada pelo prestígio haurido na participação que teve durante o movimento criador da independência nacional”. (BONAVIDES, 2011, p. 394). 2.2 Bipartidarismo O sistema bipartidário é considerado por alguns autores como “o sistema democrático por excelência em matéria de organização partidária”, como o que melhor possibilita participação “direta, imediata, efetiva e influente” do eleitor na escolha de candidatos. Esse sistema decorre diretamente da divisão política da sociedade, que nem sempre se manifesta no dualismo de partidos, mas quase sempre abriga um dualismo de “tendências” (como esquerda X direita, conservadores X progressistas e etc.) (BONAVIDES, 2011, p. 389). Nesse sistema, a oposição ocupa um papel muito especial e importante, o de “governo em potencial”, uma espécie de força invisível fora do poder, mas a postos e pronta para assumir o poder numa oportunidade. Como visto, não se trata aqui da existência de apenas dois partidos, mas de dois grupos ideológicos principais e, embora o bipartidarismo possa abrigar uma infinidade de partidos disputando as eleições, o sistema se estrutura de uma forma que só dois têm efetivamente chances de chegar ao poder (BONAVIDES, 2011, p. 390). 2.3 Multipartidarismo O sistema multipartidário é o que abriga múltiplos grupos políticos com chances reais e concretas de assumir o poder. Para alguns autores, este é o sistema de “cunho profundamente democrático” na medida em que confere autenticidade ao governo. Em contrapartida, é nesses sistemas que se percebe de forma mais nítida, ostensiva e aguda, o quadro de luta de classes na sociedade, o que em alguns casos fortalece discursos favoráveis a soluções ditatoriais quando o Parlamento se torna uma casa de resistência ao Executivo, situação mais possível quanto mais grupos políticos se firmam como possibilidades nas eleições. (BONAVIDES, 2011, p. 392). No sistema multipartidário, são comuns os governos de coligação, que abrigam gabinetes de formação heterogênea e, por vezes, sem rumos políticos coerentes ou bem planejados. Nos casos em que há excessivo número de partidos políticos, é comum que alguns sejam pequenos, sem coesão interna e bastante vulneráveis a negociações de vantagens. (BONAVIDES, 2011, p. 392). O caráter democrático desse sistema está diretamente ligado às possibilidades reais de representação. No sistema multipartidário, é real e viável a possibilidade de criação de um partido político. Assim, grupos que se encaixam em pontos específicos do prisma que se abre entre esquerda e direita podem se organizar e buscar a representação dos seus interesses e ideologias. O mesmo com grupos sociais que careçam de representação política. Isso não significa que esses grupos vão efetivamente chegar ao poder. Mas o multipartidarismo permite, aos insatisfeitos com a representação, a possibilidade de se organizarem para se fazerem representar. 2.4 Partidos Políticos Na Modernidade De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, em levantamento disponibilizado e constantemente atualizado em seu sítio eletrônico, o Brasil conta com 147.415.053 eleitores. Desses, 16.185.984 são filiados a algum dos 34 partidos políticos, o que corresponde a aproximadamente 10,98% do eleitorado nacional. Os partidos políticos representam uma instituição importante para a manutenção do Estado Democrático de Direito (DANTAS, QUEIROZ, 2011). O que é importante saber é se essa baixa adesão é motivada por desinteresse ou se há outros empecilhos afastando a participação popular. No mundo contemporâneo, os partidos políticos tornaram-se peças essenciais para o funcionamento do complexo mecanismo democrático. Para se ter noção da penetração e influência dessas entidades, basta dizer que eles detêm o monopólio do sistema eleitoral, chegando a definir o perfil assumido pelo Estado. Não há, com efeito, representação popular e exercício do poder estatal sem a intermediação partidária. A principal função dos partidos é captar e representar a vontade do povo em meio a processos eleitorais. Isso porque, dentro do sistema competitivo que marca o nosso sistema eleitoral, cada partido reúne e representa um conjunto de convicções e ideologias que dão o caráter heterogêneo da representação. Nas palavras do Prof. Marcelo Cattoni: (...) a democracia não pode ser concebida, quer em termos liberais, como uma mera disputa de mercado regulada mecanicamente por regras que legitimam a escolha de um governo comprometido com os interesses majoritários daqueles que supostamente representa; quer em termos republicanos, como um processo autocompreensivo através do qual a identidade ética presumidamente homogênea de uma comunidade concreta realiza. (OLIVEIRA, 2006). Isso nos remete, de alguma forma, à teoria discursiva do direito de Jurgen Habermas. Sobre a importância dessa representatividade, destacamos a seguinte passagem de uma de suas obras: O princípio segundo o qual todo o poder do Estado emana do povo tem que ser especificado, conforme as circunstâncias, na forma de liberdades de opinião e de informação, de liberdades de reunião e associação, de liberdades de fé, de consciência e de confissão, de autorização para a participação em eleições e votações políticas, para a participação em partidos políticos ou movimentos sociais, etc. (HABERMAS, 2003, p. 165). Não bastassem os problemas apontados, que dificultam a identificação da população com os partidos políticos e, consequentemente, a representatividade e o sentimento de representação das pessoas, as estruturas internas dos partidos políticos nem sempre têm a democracia como regra. Acontece que a Constituição Federal e as leis que tratam sobre os partidos políticos reservam grande autonomia para que eles regulem suas formas de organização e suas questões internas e de funcionamento. Assim, muitas de suas regras são definidas em estatuto, como é o caso das convenções. Cada partido pode definir, por exemplo, como deve ser feita a convocação dos filiados, o quórum de instalação e deliberação e até quem tem direito a voto. 3.0 O Estado e o Indivíduo: os Direitos Individuais, Coletivos, Econômicos e Sociais. A Visão Neoliberal. É muito comum, em notícias, textos informais e até mesmo em alguns textos jurídicos, a utilização equivocada de termos que são tidos como próximos ou sinônimos, mas que carregam em si significados distintos, como direitos humanos, direitos dos homens, direitos da pessoa humana, direitos individuais,direitos fundamentais, etc. Inadequação essa que, ao aproximar esses conceitos ao nível de sinônimos, ignora a história, o conceito e a função de cada termo. Pensando nisso, Ramos (2018, p. 76) elaborou um quadro bastante simplificado que apresenta algumas das classificações de direitos adotadas pela Constituição de 1988: Direitos individuais: consistem no conjunto de direitos cujo conteúdo impacta somente na esfera de interesse protegido de um indivíduo. Direitos sociais: conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir, tudo para assegurar condições materiais mínimas de sobrevivência. Direitos de nacionalidade: sendo a nacionalidade definida como o vínculo jurídico entre determinada pessoa, denominada nacional, e um Estado, pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos. Direitos políticos: constituem um conjunto de direitos de participação na formação da vontade do poder. Partidos políticos: associações de pessoas, de natureza de direito privado no Brasil, criadas para assumir o poder e realizar seu ideário ideológico. Direitos coletivos: - Direitos difusos: direitos transindividuais de natureza indivisível, que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato. - Direitos coletivos em sentido estrito: direitos metaindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. - Direitos individuais homogêneos: são direitos pertencentes a vários indivíduos, mas que possuem a mesma origem comum, constituindo-se, pela origem comum, em subespécie de direitos coletivos em sentido amplo. - Direitos individuais de expressão coletiva: são direitos individuais que só têm existência na junção de vontades de vários indivíduos, como, por exemplo, as liberdades de reunião e de associação. 3.1 Direitos Individuais Os direitos individuais são limitações impostas pela soberania popular ao Estado para que este consiga garantir às pessoas o exercício de direitos indispensáveis à pessoa humana. Segundo FILHO (2019, p. 14), são “direitos inerentes ao humano, gerados com base na natureza do ser e de sua constituição física, moral, política e cultural”, que uma vez positivados no ordenamento impõem “normas de eficácia plena e imediata”, pois são inerentemente relacionadas à personalidade do ser humano. Os direitos individuais têm íntima relação com a dignidade da pessoa humana e compreendem, por exemplo, o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à igualdade, o direito à segurança e o direito à propriedade, consagrados no art. 5º da Constituição Federal de 1988. Para entendê-los no contexto da Constituição brasileira, no entanto, é preciso entender que eles são um ramo dos direitos fundamentais estabelecidos na Carta Magna e frutos do desdobramento dos direitos humanos de primeira geração, que se fundamentam nas liberdades individuais, no direito à vida e a participação política e na igualdade. O art. 5º da Constituição da República é um ponto crucial em todo o seu texto e, principalmente, na compreensão do ordenamento jurídico pátrio. A leitura atenta dos seus incisos (que, de maneira genérica, prescrevem liberdades públicas) e, principalmente, o respeito às suas previsões são fundamentais para a manutenção da ordem e do respeito à dignidade humana dos brasileiros. 3.2 Direitos Coletivos Os direitos coletivos, de maneira genérica, são aqueles direitos transindividuais, que superam a esfera do indivíduo e são atribuídos a toda a coletividade ou a determinado grupo de pessoas. Segundo Dimoulis e Martins (2009, p. 72), os “direitos coletivos tradicionais constituem, conforme observado, direitos fundamentais, cujos titulares são categorias mais ou menos amplas de indivíduos”. Os direitos coletivos dividem-se em três grandes grupos de direitos, que o Código de Defesa do Consumidor (e, posteriormente, uma série de outras legislações) tratou de diferenciar: os direitos difusos, os direitos coletivos em sentido estrito e os direitos individuais homogêneos. Os Direitos Difusos referem-se a um grupo indeterminado de pessoas (ou seja, não é possível identificar quem é o titular desse direito), unidas não por vínculo jurídico, mas por situação fática. Os Direitos Coletivos em Sentido Estrito também transcendem a esfera do indivíduo, relacionando-se a grupos, classes ou categorias de pessoas.. Mas, nesse caso, pessoas ligadas por uma situação jurídica base. Assim como nos direitos difusos, não é possível identificar os titulares do direito coletivo em sentido estrito, mas, aqui, o que forma esse grupo é uma relação jurídica, que faz com que os interesses individuais dessas pessoas deem lugar ao interesse do grupo, da classe ou da categoria em que se reúnem, em decorrência desse vínculo. Por último, os Direitos Individuais Homogêneos, também chamados de “acidentais coletivos”, são direitos que não nascem da coletividade e, a princípio, podem ser pleiteados de forma individual e se tornam coletivos em decorrência da sua forma e do seu exercício. Aqui, os sujeitos titulares desse direito são identificados ou identificáveis e o objeto de desejo é divisível. O que caracteriza essas titularidades individuais e identificadas e esse objeto divisível como uma espécie de direito coletivo é a origem comum decorrente de um episódio específico, que torna recomendável a tutela coletiva. 3.3 Direitos Sociais Os direitos sociais são “créditos da pessoa diante da unidade política na qual ela se insere”, previstos em normas programáticas que orientam a atuação do Estado para prestações positivas que ofereçam políticas providenciais à sociedade. Esses direitos exigem do Estado uma atitude presencial e lhe atribuem os meios necessários para a “promoção do bem-estar e da boa relação entre Estado e sociedade política”. (FILHO, 2019, p. 14). Os direitos sociais estão intimamente ligados à ideia de cidadania porque pretendem assegurar que os cidadãos consigam acessar as necessidades básicas para uma vida digna: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Sabemos, contudo, que a previsão no texto constitucional não assegura a efetivação desses direitos. Mais que isso, é preciso que sejam colocados em prática pelo Estado e orientem a condução das suas atuações por meio de políticas públicas. Os direitos sociais consolidaram-se no mundo como conquistas históricas dos movimentos sociais ao longo dos séculos, e, atualmente, são reconhecidos no âmbito internacional em documentos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, bem como pela Constituição da República de 1988, que os consagrou em seu artigo 6º. 3.4 Direitos Econômicos Os direitos econômicos relacionam-se diretamente aos Direitos Humanos e aos demais grupos de direitos constitucionalmente assegurados porque funcionam como instrumentos de concretização dos direitos sociais. Isso porque os direitos sociais, como vimos, estabelecem rumos para a atuação estatal em prol da garantia da dignidade humana (e esses rumos incluem metas como a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades, por exemplo), e é isso o que vai regulamentar juridicamente a política econômica nacional. O Direito Econômico, nesse contexto, é um instrumento importante e necessário a qualquer projeto de transformação da realidade econômica e social do país. A ordem econômica constitucional é objeto e resultado dasoberania econômica do Estado. Essa soberania incide sobre todos os bens econômicos vinculados a interesses públicos e privados e determina competências funcionais administrativas e econômicas. Além disso, a soberania econômica autoriza o Estado a operar na esfera econômica usando as formas empresariais previstas no ordenamento jurídico e segundo os comandos da ordem constitucional. (FERREIRA, 2019, p. 924). 3.5 Visão Neoliberal O termo “liberalismo”, como lembra Filomeno (2019, p. 307), pode ter vários significados, já que “liberal” é aplicado para caracterizar regime, economia, ideologia, etc. No sentido político, no entanto, “liberal” é um termo oposto à ideia de “autoritário” ou “absolutista”. Ou seja, o regime liberal, do ponto de vista político, é aquele em que se identifica com a desconcentração do poder político (o que, às vezes, pode ser confundido com democracia, mas não é a mesma coisa). O liberalismo como movimento político nasceu da decadência do regime econômico mercantilista e do surgimento (e ascensão) da “burguesia”, fatos que colocaram no debate popular as ideias de “livre iniciativa” e “livre concorrência” em oposição a interferências do Estado (quaisquer que fossem elas). Essa propagada e defendida liberdade seria uma forma de tirar das mãos do Estado o “controle” da economia e deixá-lo somente a cargo dos detentores das riquezas. (FILOMENO, 2019, p. 308). A partir do liberalismo e da maturação de seus princípios, um novo conceito se popularizou a partir da década de 1980, defendendo (da mesma forma) a autonomia dos cidadãos na política e na economia e a limitação das intervenções estatais, o neoliberalismo. O neoliberalismo pressupõe, em princípio, a ampla liberdade de iniciativa e o exercício de atividade ou profissão, mas essa liberdade enfrenta limitações porque não pode comprometer a justiça social, um dos pressupostos do próprio bem comum do Estado. A onda neoliberal (e neoconservadora) que avança pelo mundo já causa efeitos em alguns países, ameaçando o constitucionalismo social e destruindo as bases do bem- estar social que foram construídas após a Segunda Guerra Mundial, como o “oferecimento de serviços públicos gratuitos de educação, saúde e previdência para toda a população”. Com o avanço da globalização, o neoliberalismo avança também em direção à soberania, comprometendo radicalmente essa ideia na medida em que o poder econômico privado global cresceu até ficar mais forte que o poder dos Estados. 4.0 Direitos Humanos, Estado e Transformação Social Um “direito” é, basicamente, uma reivindicação justificada, ou seja, uma reclamação baseada em um fundamento que lhe possibilite exigir e fazer valer. Nesse sentido, os direitos humanos são reivindicações fundamentadas na natureza humana dos indivíduos. Não dependem de garantias ou concessões, são inerentes a todos os seres humanos e por eles adquiridos no nascimento. Uma consequência é o reconhecimento de que os direitos de um indivíduo convivem com os direitos de outros. O reconhecimento de um rol amplo e aberto de direitos humanos (sempre é possível a descoberta de um novo direito humano) exige ponderação e eventual sopesamento dos valores envolvidos. O mundo dos direitos humanos é o mundo dos conflitos entre direitos, com estabelecimento de limites, preferências e prevalências. Basta a menção a disputas envolvendo o direito à vida e os direitos reprodutivos da mulher (aborto), direito de propriedade e direito ao meio ambiente equilibrado, liberdade de informação jornalística e direito à vida privada, entre outras inúmeras colisões de direitos. Por isso, não há automatismo no mundo da sociedade de direitos. Não basta anunciar um direito para que o dever de proteção incida mecanicamente. Pelo contrário, é possível o conflito e colisão entre direitos, a exigir sopesamento e preferência entre os valores envolvidos. Por isso, nasce a necessidade de compreendermos como é feita a convivência entre os direitos humanos em uma sociedade de direitos, nos quais os direitos de diferentes conteúdos interagem. Essa atividade de ponderação é exercida cotidianamente pelos órgãos judiciais nacionais e internacionais de direitos humanos. (RAMOS, 2018, p. 31). Os direitos humanos têm, na história do mundo, um capítulo importante relacionado à Revolução Francesa, a proclamação da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, um documento muito importante que exerceu grande influência sobre movimentos políticos e sociais em vários países. A intenção dos revolucionários franceses quando da publicação era de que a declaração tivesse caráter universal, “afirmando a liberdade e a igualdade como direitos de todos e enumerando outros direitos também considerados fundamentais”. (DALLARI, 2014, p. 20). 4.1 O Princípio Constitucional Fundamental da dignidade da Pessoa Humana Para que uma pessoa tenha reconhecidos os seus direitos e seja capaz de exercê-los, é fundamental primeiramente que ela seja reconhecida como uma “pessoa”, como alguém capaz de titularizar e exigir direitos. Ser tratado e respeitado enquanto “pessoa” significa ter respeitados e reconhecidos direitos como a vida, a liberdade e a dignidade. (DALLARI, 2014, p. 37). Falar em “vida digna”, no entanto, não é suficiente, pois garantir o direito à vida, por exemplo, não é apenas evitar que uma pessoa seja morta, mas permitir que ela viva de forma digna, como todos os direitos necessários para que viver não lhe pareça um martírio. A vida digna que deve ser assegurada, então, é algo muito mais elaborado que apenas estar vivo neste mundo. No mesmo sentido: Não basta afirmar que todas as pessoas são iguais por natureza. Para que essa afirmação tenha resultados práticos é preciso que a sociedade seja organizada de tal modo que ninguém seja tratado como superior ou inferior desde o instante do nascimento. É preciso assegurar a todos, de maneira igual, a oportunidade de viver com a família, de ir à escola, de ter boa alimentação, de receber cuidados de saúde, de escolher um trabalho digno, de ter acesso aos bens e serviços, de participar da vida pública e de gozar do respeito dos semelhantes. (DALLARI, 2014, p. 50). Quando se fala em garantir direitos às pessoas, fala-se diretamente da relação “indivíduo-Estado (ou liberdade-autoridade)”, que é um dos pontos mais delicados e discutidos, como vimos, pela Ciência Política. Indivíduo e Estado, assim como liberdade e autoridade, são termos inseparáveis de um binômio. Negar um ou outro, diz Gropalli, é como negar a luz do sol, pois, “se o indivíduo só pode viver em sociedade e pela sociedade, a sociedade, por sua vez, não pode viver senão da vida e pela vida dos indivíduos que a compõem, e com a tutela dos interesses destes se funde a tutela dos interesses daquela, porque mutuamente se pressupõem e se integram na sua imanente unidade”. Toda a preocupação da ciência do Estado, portanto, se concentra em determinar a posição do homem perante o Estado e em fixar, ao mesmo tempo, os limites da liberdade individual e da autoridade estatal. Os excessos de liberdade conduzem à anarquia, e os excessos de autoridade levam ao absolutismo do poder. São os dois males entre os quais se debate a liberdade. No dizer de Seeley: “los excesos del gobierno como tutela de los pueblos, y los excesos de la libertad como anarquia de los indivíduos”. (MALUF, 2011, p. 339). Seguindo dessa discussão, Maluf (2011, p. 340) assevera que é preciso considerar o homem sob dois aspectos para que melhor se compreenda a relação entre indivíduo e Estado: o homem como “indivíduo” ou “partícula do organismo social” e o homem como “pessoa” ou “realidade espiritual”. Como “indivíduo”, o homem tem, além de direitos, deveres para com a sociedade à qual se subordina eque lhe oferece as condições e garantias necessárias para seu desenvolvimento e consecução de seus ideais. Mas, além de “célula do organismo social”, o homem é também uma “realidade espiritual” e, como pessoa, é dotado de direitos naturais inerentes à sua condição humana e, portanto, independentes de outorga do Estado e impossíveis de serem pelo Estado suprimidos. Essa distinção é importante porque o homem não pode ser visto “simplesmente como unidade inexpressiva do corpo social, absorvido e despersonalizado pelo coletivismo materialista”, nem tampouco como “pessoa soberana dotada de direitos supra-estatais”. (MALUF, 2011, p. 340). 4.2 A Justiça Cidadã e os Novos Horizontes do Direito Alternativo A estruturação da sociedade em classes sociais é uma realidade inquestionável e já naturalizada. As caracterizações dessas classes, no entanto, variam muito dentro das diversas realidades. Essa não é a única interpretação sobre a sociedade brasileira, mas é um resumo bem próximo da realidade brasileira e do que sobre ela falam os estudiosos nacionais. E foi a partir da identificação dessas realidades (e, claro, do desejo de mudança social), que surgiu, no final do século XX, um movimento de transformação na ordem jurídica brasileira que ficou conhecido como Movimento do Direito Alternativo (ou MDA) e que, segundo Ferrazzo e Duarte (2014, p. 94), pretendia aproximar o Direito das necessidades do povo e fez surgir “novas formas de inclusão dos direitos populares na pauta do Judiciário e de outras instâncias do Estado brasileiro”. Esse movimento, no entanto, não é apenas brasileiro. Surgiu em vários países da América Latina que, assim como o Brasil, perceberam em algum momento que os diversos problemas enfrentados pelas populações mais pobres derivavam de uma raiz mais profunda e comum: o sistema capitalista. Há cerca de 20 anos, um movimento italiano denominado Direito Alternativo passou a se manifestar também no Brasil: alguns magistrados vanguardistas assumiam um compromisso com comunidades excluídas ou oprimidas, contrariando os interesses da classe burguesa. No Brasil, magistrados e juristas em geral assumiram tal compromisso em alto e bom tom, para que toda a sociedade pudesse ouvir. A partir do instrumental oferecido pelo Movimento do Direito Alternativo (MDA), as lutas populares tiveram grande avanço na conquista de direitos, e até hoje, decorridos mais de 20 anos de seu início no Brasil, repercutem nos tribunais e nos estudos jurídicos desenvolvidos nas Universidades os pressupostos e as realizações do MDA. Todavia, as sociedades ocidentais e, em especial, as latino-americanas, que são periféricas e de capitalismo dependente, apresentam grandes dificuldades para a concretização de direitos, pois a oposição de interesses burgueses aos interesses populares, em geral, produz condições de vulnerabilidade social através da concentração de riquezas. (FERRAZZO, DUARTE, 2014, p. 95). O MDA seria, na verdade, uma tentativa de inverter a lógica da aplicação das leis, sempre tão centrada na “proteção aos donos do poder real (donos do capital) ou do poder formal (que estão a serviço daqueles)” e buscar obter resultados mais democráticos e humanizados. Para os defensores da igualdade e dos direitos do povo e das classes trabalhadoras, o MDA constituiu um momento de extrema importância na história do Direito brasileiro. Além de denunciar as insuficiências dos sistemas político e econômico e o quão deficitárias são as políticas públicas, o MDA contribuiu para inserir nos campos político e jurídico institucionais as “lutas populares por educação, saúde, moradia, alimentação, entre outros elementos indispensáveis à constituição de uma existência digna”. (FERRAZZO, DUARTE, 2014, p. 98-102). 4.3 A Ideia de Globalização e Globalismo localizada em Boaventura De Sousa Santos Santos (2002), ao longo da obra que organizou, ao conceituar e criticar a ideia de globalização, explica que a globalização criou, no contexto internacional, uma nova forma de organização institucional e uma nova classe capitalista que fortalece as desigualdades sociais existentes. Por globalização, Santos (2001, p. 10) se refere ao “processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival”. Mas esse processo não é único. Ao contrário, como o autor afirma, o que chamamos de globalização são, na verdade, “conjuntos diferenciados de relações sociais que, por sua vez, dão origem a diferentes fenômenos de globalização”. Ou seja, o que se afirma é que não existe uma entidade única chamada globalização, mas sim globalizações, no plural, como indicativo de que são múltiplas e diversas. As diferenças nas formas como cada país experimenta a globalização (e seus benefícios e custos), é o que reforça a ideia do autor de que “não existe globalização genuína”. O que chamamos mundialmente de globalização é, na verdade, “a globalização bem-sucedida de determinado localismo”, ou seja, não existe condição que seja genuinamente global, mas sim condições locais e específicas. O que torna necessária e importante a distinção entre “globalização-de-cima-para-baixo” ou “globalização hegemônica”, que são o que o autor chama de “localismo globalizado” ou “globalismo localizado”, e a “globalização-de-baixo-para-cima” ou “globalização contra-hegemônica”, que o autor chama “cosmopolitismo” e “patrimônio comum da humanidade”. (SANTOS, 2001, p. 11, 15). 4.4 Desafios e Perspectivas da Consolidação do Sistema Regional e Internacional de Direitos Humanos O caráter universal da Declaração de Direitos Humanos é, na verdade, universalizante, pois esses direitos não se põem como garantias prévias no mundo, mas muito mais como um objetivo a ser alcançado, como se o universal estivesse ainda em curso. Universal esse que, para ser atingido, precisaria desrespeitar algumas culturas e impor a elas os padrões ocidentais (essencialmente eurocêntricos) uma vez que a ideia de direitos e de cidadania dos sujeitos é muito relacionada à cultura que partilham, à nação em que vivem e aos grupos que compõem. A luta pelos direitos, todos eles, sempre se deu dentro das fronteiras geográficas e políticas do Estado-nação. Era uma luta política nacional, e o cidadão que dela surgia era também nacional. Isto quer dizer a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e a nação. As pessoas se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado. Da cidadania como a conhecemos, fazem parte então a lealdade a um Estado e a identificação como uma nação. (CARVALHO, 2017, p. 18) Nesse sentido, para Maluf (2011, p. 229), a “Declaração de Direitos é uma síntese do Estado democrático, um resumo da ciência política autêntica e a razão de ser do próprio Estado”. Dito isso, é possível concluir, com pesar, que a Declaração Universal de Direitos Humanos (assim como qualquer legislação dita internacional que ignore as diferentes culturas) tem muito mais um alcance negativo que positivo, ou seja, serve mesmo é como um instrumento para dizer não, para resistir e para protestar contra o que se considera inaceitável. 5.0 Justiça de Transição: Direito à Memória, à Verdade e à Justiça A Justiça de Transição é o termo que utilizamos para denominar o conjunto de “processos e mecanismos adotados durante as transições democráticas, com o objetivo de mitigar e prevenir violações a direitos humanos ocorridas em um passado marcado por conflitos, guerras e autoritarismo”. (SANGLARD et. al. 2018, p. 9). Esse conjunto pode abranger ações políticas ou judiciais. O que as define enquanto justiçade transição é o objetivo de reparar violações a direitos humanos, fortalecer as instituições democráticas e assegurar o direito à memória, à verdade e à justiça em busca da restauração da justiça e manutenção da paz e do respeito aos direitos humanos. No Brasil, segundo Carvalho (2017, p. 13), o esforço de construção da democracia no Brasil ganhou força após o fim da ditadura militar (em 1985) e foi marcado pelo destaque que assumiu a ideia de “cidadania”, que “caiu na boca do povo” a ponto de a Constituição de 1988 ser batizada de Constituição Cidadã. Também no mundo, a justiça de transição está associada aos contextos de transição democrática. Por influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948) e em busca de reduzir os genocídios e as violações a direitos humanos, esses períodos foram marcados por medidas parecidas, com a finalidade de superar a “herança traumática” por meio da garantia do direito à memória, à verdade e à justiça sobre o que ocorreu. Assim, o que a justiça de transição pretende é estabelecer (e fortalecer) o Estado de Direito, a prestação de contas dos fatos ocorridos e a reparação dos danos sofridos. (SANGLARD et. al. 2018, p. 10).
Compartilhar