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No. 4 Dezembro de 2011 Revista das crianças Olá Sem Terrinha! A quarta edição da Revista das crianças Sem Terrinha veio recheada de novidades para nós! A nossa revista, desde sua primeira edição, vem ficando cada vez mais bonita e colorida, nos detalhes que os desenhos mostram, na nossa organização coletiva, nas brincadeiras, nos jogos que todo mundo gosta! As historinhas têm contado sobre nossa vida, a realidade do nosso país, a organização dos nossos assentamentos e acampamentos... Nesta edição vamos fazer um passeio com Flora e Vital, conhecendo a Agroecologia e sua importância para a nossa agricultura. No nosso assentamento quais são os tipos de produção que existem? E como plantamos e cuidamos das nossas produções? Vamos conhecer também a cartinha que o Nonno (é como chamam avô, nos estados do sul) enviou para nós sobre o perigo dos venenos para nossa vida e para o planeta. E sabe o que tem mais? Um jogo de cartas! Vamos aproveitar o momento de leitura da Revista para marcar um encontro! Também tem ditos populares, quadrinhas, adivinhas, que também podemos criar brincando e enviar para o Jornal e a Revista Sem Terrinha - que são nosso espaço nacional de comunicação no MST. Sabia que esse ano o nosso movimento organizou muitas atividades culturais com as crianças Sem Terrinha? Você participou de alguma atividade de teatro, de musica, de arte e brincadeiras? As meninas e meninos Sem Terrinha cantam e encantam nos assentamentos e acampamentos, temos nossas músicas, brincadeiras e poesias que as outras crianças do Brasil precisam conhecer! Escrevam pra gente contando o que anda acontecendo. Boa leitura... e até a próxima! “Caranguejo não é peixe, caranguejo peixe é...” AGRO + ECOLOGIA Editorial índice MST “A c anoa viro u, po r deix ar e la vi rar.. .” O PERIGO dos venenos pg. 4 Balaiopg. 8 pg. 18 CANTINHO DA LEITURA pg. 12 Jogo do Micopg. 13 MST Amiguinhos e amiguinhas, Cada um de nós, nas nossas casas ou na escola, já viu alguma formiguinha e teve vontade de matá-la, não é? Uma mosca ou um mosquito que nos azucrina, logo queremos dar um tapa. Uma barata, então, deus me livre! Claro, sempre que, em um ambiente, tem muitos insetos, eles podem ser prejudiciais e até afetar a higiene de nossos alimentos. Mas, a existência deles faz parte do grande mundo dos seres vivos que habitam, nossa casa comum: a Terra. Cada ser vivo, uma plantinha, uma flor, uma abelha, uma mosca, uma formiguinha, tem sua função. Um ajuda ao outro. Mesmo quando um come o outro, está contribuindo para o equilíbrio entre todas as espécies. Mas, o danado do ser humano, em muitas regiões, resolveu viver sozinho. Não quer companhia de mais ninguém... E por isso inventou o veneno agrícola, que também é chamado de agrotóxico, que mata a vida na agricultura. No início, usávamos o veneno apenas para acabar com alguns insetos mais chatos. Mas, de uns tempos para cá, estamos usando veneno para matar muita coisa; tudo o que não queremos perto: matamos ervinhas, matamos bactérias e outros seres vivos que não enxergamos, mas que vivem na Terra. Matamos até as abelhas! Tudo isso para que só fiquem vivos o homem e alguma planta com a qual queira ganhar dinheiro, como por exemplo, a soja, o milho etc. O PERIGO dos venenos Acontece que esse veneno é feito numa fábrica, e é um produto que não desaparece na natureza. E, mesmo depois de matar algum inseto ou alguma plantinha, ele fica lá. Os venenos ficam dentro dos alimentos, escondidos: no óleo de soja, na polenta, no mingau do milho... Até no leite das vacas! Se no pasto tinha veneno, a vaca come o pasto, leva o veneno pra dentro de si, e depois despeja junto com o leite. Quando vamos tomar o leite, tem lá um pouquinho de veneno. Nas frutas, então... Cada vez que colocam veneno para espantar mosca, o veneno mata a mosca, mas fica lá dentro da maçã, da uva, do pêssego, do tomate. Tudo isso vai pra dentro do nosso estômago, lá dentro de nosso organismo mata nossas células e provoca doenças, que podem até matar as pessoas também! Algumas doenças aparecem logo; o sujeito começa a ter dor de cabeça, se sentir tonto. Mas, as piores doenças são aquelas que vão se acumulando na pessoa e, depois, viram um câncer. Você conhece algum parente, vizinho que já teve câncer? Pergunte a eles. No fundo, podem crer que isso pode ter ligação com o uso de veneno na plantação, ou com o consumo de comida tratada com veneno. 4 5 Cartinha do Nonno: MST Imaginem que as fábricas de veneno só querem ganhar dinheiro, vendendo cada vez mais veneno. O fazendeiro ou agricultor desavisado quer usar mais veneno para salvar a lavoura. E assim, o Brasil virou o país que mais consome veneno no mundo. Em média, daria 5 litros de venenos por pessoa num ano. Já viu que desgraça? Então, vocês que são sabidos, que sabem ler, que estudam bastante na escola, que querem ter uma vida saudável, sem doença, precisam ajudar na campanha contra o uso de venenos! Cada um de vocês pode se transformar num vigilante contra o uso de veneno. Ficar atento se, em casa, os pais estão usando veneno agrícola e avisálos do perigo. Nós sobrevivemos mais de 10 mil de anos nesse planeta sem venenos. Apenas de 50 anos para cá as empresas, para ganhar dinheiro, inventaram o veneno. Mas a gente pode e deve produzir alimentos sem isso! Mesmo que a fruta não fique tão grande, nem tão lisinha, será muito melhor para nossa saúde. Nosso movimento está fazendo uma Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Vamos fazer uma brigada das crianças, contra o veneno e por uma vida saudável. Cada vez que vocês descobrirem que alguém esta usando veneno na agricultura falem para a professora, comentem em casa. Vão visitar o agricultor que está usando e contar para ele sobre a nossa campanha. Vamos salvar a vida de muitas plantas e animais. Vamos ajudar a salvar a vida de muita gente. VENENO, NUNCA MAIS! Balaio é duro, gordo e carecaé branquinho, sim senhor sua mãe é desdentada e seu pai é cantador? é o ovo! o que é o que é: Você conhece a Mafalda? o que é o que é: que coisa, que coisa é passa a vida na janela e mesmo dentro de casa está sempre fora dela? é o botão! não há tinta nessa ruanem papel nessa cidade nem caneta que dê conta de escrever minha saudade O mosquito escreve (Ceília Meireles) O mosquito pernilongo trança as pernas, faz um M, depois, treme, treme, treme, faz um O bastante oblongo, faz um S. O mosquito sobe e desce. Com artes que ninguém vê, faz um Q, faz um U, e faz um I. Este mosquito esquisito cruza as patas, faz um T. E aí, se arredonda e faz outro O, mais bonito. Oh! Já não é analfabeto, esse inseto, pois sabe escrever seu nome. Mas depois vai procurar alguém que possa picar, pois escrever cansa, não é, criança? não tem boca e sempre morde não engole , nem tem peito só na corda entra na água sendo torto está direito? o que é o que é: Anzol eu vou dar a d espedida como deu o qu ero-quero depois da fest a acabada pernas pra qu e te quero Já dizia o ditado... a ro seira qua ndo nas ce tom a co nta do j ardi m eu t amb ém and o bu scan do que m to me con ta d e m im A Mafalda é uma garotinha muito esperta e curiosa, que sempre está pensando sobre como o mundo funciona! Ela foi criada por um desenhista argentino, chamado Quino. Que tal procurar saber mais sobre ela? você me mandou cantar pensando que eu não sabia pois eu sou que nem cigarra canto sempre todo dia LARANJA MADURA, NA BEIRA DA ESTRADA, OU TÁ BICHADA OU TEM MARIMBONDO NO PÉ! MST MST Este livrinho traz poesias lindas, para gente pequena e gente grande. Falam das sementes, das plantas, dos bichos, da vida ao nosso redor. Foi um presente do nosso amigo, o escritor Carlos Rodrigues Bran- dão, para as crianças Sem Terrinha. “Você já pensou (e pensou por que) Que uma semente Algum dia Já foi...você?” CANTINHO DA LEITURA SEMENTE (MST – Fazendohistória nº 6) MST Vamos JOGAR? Uma pessoa começa embaralhando e distribuindo as cartas, uma por uma, da direita para a esquerda até acabar. Inicia o jogo quem está do lado esquerdo de quem distribuiu as cartas. Ela vê se tem algum par. Se tiver, põe na sua frente, e passa uma carta para a esquerda. A próxima pessoa faz a mesma coisa, e assim por diante. Quando alguém tiver abaixado todas as suas cartas, termina a partida. Quem estiver com a carta do agrotóxico na mão terá que pagar uma prenda! Jogo do Mico 12 13 Cole esta página numa cartolina ou outro papel mais resistente, para durar mais. Recorte as cartinhas e leia as instruções para jogar! MST MST Nesta cartilha vamos entender através dos versos de Fabio de Carvalho e dos desenhos de Wilsom Gomes como foi que algumas tecnologias, que foram avançando com a promessa de melhorar a produção dos alimentos e a vida das pessoas, acaba- ram contribuindo para a destruição da na- tureza e o envenenamento dos alimentos. “Preservar espécies nativas, Não devastar o terreno, Manter a água limpa E cultivar sem veneno!” AGROECOLOGIA COMO ALTERNATIVA (ANCA/AIN) Dona Irene observava Flora e Vital, que olhavam pela janela do ônibus, com a ansiedade estampada nos rostos. Era grande a expectativa das crianças, pois já fazia algum tempo que não visitavam seus tios. Assim como eles, tio Zeca e tia Clara moravam num assentamento, mas em outro estado; por isso não iam visitá-los mais vezes, como gostariam. Como já não se lembravam da última viagem que haviam feito para lá, eram muitas as no- vidades que percebiam na paisagem, no jeito das pessoas, nas cidades pequenas e grandes pelas quais passavam. Quando chegaram ao assentamento em que viviam seus tios, repararam no entorno da agrovila, com árvores frutíferas nas entradas. Ao chegar na casa de seus tios, parecia tudo muito bonito e organizado: tinha muitas árvores, sombra, clima agradável; pássaros e insetos que vinham buscar a doçura das frutas e flores. Se escutava ao longe o barulhinho das águas de um pequeno rio, que não se podia ver dali, porque tinha suas margens protegidas por uma bonita floresta. Tio Zeca e tia Clara os esperavam na frente da casa. - Nossa! Como vocês cresceram! - comentou a tia. - Sejam bem vindos! - falou Zeca, abraçando sua irmã e depois seus sobrinhos. Estávamos com saudades. Apenas acomodaram sua bagagem e já foram recebi- dos com um belo café da manhã, com muitas frutas. - Tudo está muito gostoso, obrigada! - comentou Flora. Vital concordou balançando a cabeça, sem parar de se deliciar com tudo aquilo. - Vocês podem comer sossegados, disse a tia. Os alimentos que produzimos aqui são agroecológicos. Os que comemos e também os que trocamos ou vendemos, porque todos merecem comer bem e ter saúde. Temos muito orgulho disto. Infelizmente, sa- bemos que a maioria das pessoas, em muitos países do mundo, compra nos supermercados comida cada vez mais contaminada com agrotóxicos. Por isso também o número de doenças e pessoas doentes é cada vez maior... - Mas o que é mesmo “agroecológico”? - perguntou Vital. - Bem, posso tentar te responder, disse tio Zeca, mas acho mais fácil fazer isso enquanto caminhamos pela área da produção. Pode ser? - Siiiiiiim! Vamos!!! - concordaram as crianças. ECOLOGIA AGRO MST 1918 Descobrindo a agroecologia Saíram então para conhecer o assentamento. Zeca levou-os até pertinho da floresta, e começou a comentar: - De modo bem simples, a própria palavra nos ajuda a responder tua pergunta, Vital. Agroe- cologia vem de AGRO + ECO + LOGIA As duas crianças franziram as sobrancelhas, com aquela expressão de “entendi... mas não com- preendi”. - Agro ou agri, continuou o tio, vem da palavra agricultura ou agropecuária, que quer dizer cultivo dos campos, isto é, trabalho humano para cultivar a terra e produzir aquilo que as pes- soas necessitam. Eco + logia significa o estudo dos seres vivos e as relações deles com o am- biente. Então juntando isto, podemos dizer que seria o estudo das formas de como organizamos as relações entre as pessoas e a natureza, para produzir aquilo que necessitamos. Ou de forma mais simples, Agroecologia é um jeito de pensar e de produzir alimentos e o que mais precisa- mos para viver, mas respeitando a natureza, sem destrui-la. - Acho que compreendi, disse Flora. É sermos companheiros e companheiras da natureza... - Isso mesmo, concordou tio Zeca. E só conseguimos isso quando conhecemos melhor a natureza, ou seja, sabemos como ela se comporta, seus tempos... Por isso uma floresta, que é um ambiente natural, pode nos ensinar várias lições sobre a natu- reza. Essa lições nós chamamos de “princípios”, que precisamos buscar quando cultivamos a terra e criamos animais. E quanto mais parecido com o jeito de ser da natureza for nosso jeito de produzir, de comer, de viver, menos nós vamos agredir a Mãe Natureza e teremos mais equilíbrio e menos dificuldades com a agricultura. As crianças ficaram ca- ladas, pensativas. Conti- nuaram a caminhada, e encontraram a mãe e tia Clara na horta, conversan- do sobre como plantavam e o que gostavam de cultivar. - Esta horta serve mais para o nosso consumo, plantamos aqui muitos tipos de verduras e legu- mes que gostamos, para termos diversidade o ano todo. - contou tia Clara. - Mas parece que está tudo meio misturado! - se admirou Vital, vendo que nos canteiros haviam também flores e outras ervas para temperos e chás. - Na natureza, meu querido, não tem cultivos separados como nós costumamos fazer; pelo con- trário, quanto maior a diversidade de vida (que chamamos biodiversidade) mais tem interação entre as espécies das plantas, animais e microorganismos. Aí estão os seres vivos que se alimen- tam das plantas, mas também outros que se alimentam deles, então tem condições de haver um maior equilíbrio. - Este é um bom exemplo, interveio tio Zeca, daquilo que nós falávamos antes. A biodiversidade que existe nos ambientes naturais é uma lição que podemos aprender da natureza, e deve ser um princípio para utilizarmos na horta e em qualquer cultivo. - Bacana! E fica mesmo até mais bonito. Pelo menos eu acho! - comentou Flora. MST 20 Seguiram para ver a lavoura, que o tio mostrava com entusiasmo. - Aqui temos plantado feijão, mandioca e abóbora... - continuava tio Zeca. - Tio, eu não me lembrava destas coisas aqui... Vocês já faziam agroecologia antes? - Flora, curiosa, perguntou. - Nós podemos dizer que começamos já faz uns quatro anos. Mas de certo modo, muitas práti- cas já fazíamos antes, desde o tempo dos seus avós e bisavós, quando se vivia sem achar que havia necessidade de venenos químicos. Aliás, nem sabíamos o que era isso! Também ajudaram muito o incentivo da nossa coordenação do MST, e dos companheiros e companheiras que já faziam produção agroecológica no assentamento. - Ah...Mas o que são esses tais venenos químicos, tio? - quis saber Vital. - São os produtos químicos industrializados que se usa na agricultura, como os agrotóxicos e adubos químicos. Esses produtos contaminam e matam a vida da terra, as águas, os animais e as pessoas. Além do mais, são caros para comprar, fazendo com que se preci- se pegar financiamento no banco, e depois é difícil sair das dívidas. - Mas se são tão ruins, porque as empresas usam tanto veneno químico para produzir? - perguntou Flora. - Quando se faz monocultura, ou seja, se cultiva em uma grande área uma única espécie, se destrói todo equilíbrio que a biodiversidade oferecia. Geralmente, quem faz isso não é um pequeno produtor, mas uma ou mais em- presas que só vêem na terra a chance de ganhar muito dinheiro, o que chamamos de agronegócio. O agronegócio precisa de gran- des extensões de monocultura, e um campo vazio de gente, para ter lucro. Vital lembrou da grande plantação de cana no caminho de vinda e da sensação ruim que sentira.... Tinha ouvido falar de “deserto verde”, e foi exatamente o que lhepareceu; uma sensação de va- zio... Nem as plantas que estavam ali pareciam realmente vivas. - Então, prosseguiu tio Zeca, não resta outra alternativa para os insetos e microorganismos a não ser se alimentar da única coisa que existe ali. Por isso passam a ser vistos como “pra- gas”, como nossos inimigos, que têm que morrer. A mesma coisa acontece com outras plantas que aparecerem. - Mas eles não vão mesmo prejudicar? Tem algum outro jei- to? - Vital quis saber. - Sim, claro que tem! O princípio é valorizar a vida, então buscamos primeiro conviver: apenas espantar, fazer arma- dilhas ou outras formas de controlar somente os seres que mais prejudicarão os cultivos e as criações. Mas principal- mente, temos que reconstruir a biodiversidade, porque ela ajudará no equilíbrio. - Zeca, a prosa está boa mas a caminhada foi longa, essas crianças precisam comer! - alertou dona Irene. MST 23 Fome de aprender Depois do almoço, as crianças descansaram um pouquinho nas redes da varanda. Estavam encan- tados com o que tinham visto até ali. Sua mãe os observava da soleira da porta, com a certeza de que tinha feito certo em trazê-los. A viagem longa e as passagens caras eram dificuldades que esta- vam valendo a pena; seus filhos estavam finalmente conhecendo de perto as possibilidades de um futuro digno no campo. Quando Zeca e Clara vieram para fora, comentou: - Gente, vocês sabem que eu não vim antes não é porque não tive saudade. Mas enquanto a gente não conquistou a terra, não dava para deixar o acam- pamento... Além disso, eu precisava trazer esses dois comigo. Quanta alegria, quanta curiosidade! Nem sei como agradecer, viu... - Ora, mana, o que é isso... Nós também passamos por toda essa luta, sabemos das dificuldades. Ficamos muito felizes quando saiu o assentamento de vocês, e mais felizes ainda de poder ter vocês aqui conosco! - disse Zeca, de pronto. Logo as crianças se espreguiçaram, e quiseram con- tinuar a conversa de onde haviam parado. - Tio, o que precisa para começar? - pergun- tou Flora. - Começar o que, menina? Já acorda matu- tando! - Zeca deu risada. - Começar a agroecologia num lugar, né! - respondeu Vital, num pulo. - Entendi, meus sobrinhos estão querendo levar logo a agroeco- logia para o assentamento novo... Por isso que eu acredito que a Agroecologia vai ganhar força junto com Reforma Agrária! Bom, o principal vocês já têm, que é a terra e a capacidade de trabalhar. Mas tem outra coisa fundamental. A agente faz agroeco- logia quando tem conhecimento. Por isso é preciso aprender (ou reaprender) a observar a natu- reza e tirar aprendizados, resgatar os conhecimentos tradicionais, das gerações passadas, porque elas também aprenderam muito com a natureza e já fizeram muitos testes de coisas que deram certo e outras não. - Puxa, a gente tem que conversar com as pes- soas mais antigas lá do assentamento, antes que elas fiquem velhinhas e não consigam lem- brar pra contar pra gente! - concluiu Vital. - Isso mesmo, vocês devem aproveitar cada chance que tiverem de aprender com os mais velhos sobre as formas mais antigas de lidar com a natureza. Mas também é preciso buscar novos conhecimentos, estudar, conhecer outras experiências. Dizem que a agroecologia é isto mesmo, o resultado do diálogo da sabedoria po- pular e o conhecimento das escolas e universida- des, que ajuda a conhecer melhor onde vivemos, para viver melhor, e por muitas gerações. Por isso a cultura popular e camponesa é tão impor- tante. Tia Clara convidou todos para ver a criação de gado para produção de leite. Ela explicou que parte do leite era para o consumo, mas a maior parte da produção era vendida através da pró- pria cooperativa do MST da região. E que traba- lhar com cooperação e não depender do mercado do agronegócio faz parte da Agroecologia. - Ah, eu já tava achando que era só não usar os venenos e ter diversidade...- reclamou Flora. - Isso também, querida. Aliás não há agroecologia sem essas condições. Mas não é só isso. - disse Tia Clara. Nós temos outra proposta da forma de organizar a produção e a vida como um todo. Os camponeses e camponesas são muito importantes, porque somos nós que podemos produzir alimentos saudáveis e sem veneno para toda a população, com diversidade, aproveitando sem abusar dos recursos que a na- tureza mais o trabalho humano oferecem. Mas não adianta a gente produzir sem destruir o ambiente, se for viver da ex- MST 24 ploração do trabalho dos outros! - Como assim, exploração do trabalho dos outros? - Vital quis saber. - Quer dizer que agroecologia de verdade também não tem patrão? - Flora se espan- tava cada vez mais. - Isso mesmo. Vocês estão ligeiros, hein? Nós seres humanos às vezes nos es- quecemos que também somos parte da natureza. Você por acaso já viram por acaso um animal mandando o outro trabalhar para ele? Claro que não. O equilíbrio também vem da gente viver e trabalhar em co- letivo. Cada pessoa fazendo uma parte, ensinando aquilo que sabe, aprendendo com o outro, todo mundo ajudando na construção: de uma horta, de uma casa, uma escola, uma festa... e assim por diante. Ninguém é mais do que ninguém; todo mundo tem sua função. - tia Clara explicou. - Que nem era lá no acam- pamento... - lembrou Flora. - Então a gente não vai co- meçar do zero! - comemorou Vital. - Claro que não, crianças. - emendou tia Clara. - Vocês estão aprendendo a planejar e rea- lizar as coisas coletivamente desde pequeninos, na Ciranda Infantil... - Isso é mesmo... são Sem Terrinha muito organizados, esses daí - brincou, orgulhosa, dona Ire- ne. Mas digam, vocês estão já conseguindo viver dessa produção? - Veja, a gente teve muita dificuldade no começo. Porque vocês sabem, tem muito mais recurso que vai para os grandes produtores do que para os pequenos, e além disso não tem apoio para quem produz sem veneno... os próprios técnicos às vezes duvidam que é possível! Esse ano o que nós conseguimos, que foi muito bom, foi firmar a venda da produção para as escolas aqui da região. - contou tio Zeca. - Nossa! Que legal! - comemorou Vital. - Já pensou, a gente almoçar na escola e poder dizer assim “esse alimento é sem veneno, vem lá do assentamento onde eu moro”? - Flora começava a imaginar. - É, além de trabalhar junto, também necessita organi- zação... - começava a falar tio Zeca, quando viram chegar alguém. Era Joel, o coordenador do Núcleo de Base de que tia Clara e tio Zeca faziam parte. Ele veio chamar as famílias para uma reunião no dia seguinte: o fazendeiro vizi- nho estava pulverizando agro- tóxicos de avião sobre suas lavouras, atingin- do as plantações no assentamento. - É, como vocês po- dem ver, a luta não para nunca! Essa construção precisa, além de tudo, de persistência. - comentou Irene. - Vamos entrar, Joel, vamos tomar um café? - convidou Clara. Todos ficaram conver- sando até o anoitecer, contanto histórias daquele assentamento, do assen- tamento onde viviam Flora e Vital, e muitas outras histórias. Não demorou muito, foram chegando outras pessoas. Seu Joca puxou uma viola, ele e a sobrinha Matilde começaram uma cantoria de dar gosto. Naquela noite, Vital e Flora foram se deitar, mas demoraram um pouco para dormir. Pensavam no dia seguinte, em como seria gostoso tomar banho de rio e brincar com as outras crianças que iriam com suas famílias para a reunião. Pensavam também em como fazer Agroecologia quando voltassem para casa... A Revista Sem Terrinha foi elaborada coletivamente pelos Setores de Educação, Comunicação e Cultura. Os desenhos foram feitos por crianças Sem Terrinha de todo o Brasil. Agradecemos a todas as pessoas que de alguma forma con- tribuíram para este trabalho! Endereço: Alameda Barão de Limeira, 1232 - Campos Elíseos - São Paulo /SP CEP: 012020-002 - Tel/Fax: 11 3362.3866 Correio eletrônico: revistasemterra@mst.org.br 2011 MST MST
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