Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Relacionamento Interpessoal 02 1. As Relações Humanas e sua Dinâmica na Sociedade 4 As Relações Humanas e sua Dinâmica na Sociedade 4 As Relações Humanas e as Épocas: Breve Relato sobre as Eras Históricas 6 Relações Humanas: Conceitos e Teorias 10 Processos Obstrutivos das Relações Humanas: O Conflito 16 Exercícios de Fixação 18 2. Relações Humanas e os Grupos 20 Relações Familiares 22 Relações de Trabalho 24 A Dinâmica de Viver em Equipe e Processos Grupais Básicos: Percepção e Comunicação 28 Exercício de Fixação 33 3. Liderança e Relação Entre Líder e Liderados 35 Liderança e Relação entre Líder e Liderados 35 Motivação 38 A Ética nas Relações Humanas 41 Lideranças na Saúde Coletiva e Individual 44 Exercícios de Fixação 48 4. Análise de Situações Reais de Grupo por Meio das Pesquisas, Jogos, Técnicas Grupos e Vivências 50 Conhecimento Pessoal: Gráfico da Vida 56 Desenvolvimento da Consciência Crítica e das Habilidades Interpessoais Através das Atividades Coletivas 58 Inteligência Emocional 60 Resiliência 64 Exercícios de Fixação 69 5. Referências Bibliográficas 71 03 4 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL 1. As Relações Humanas e sua Dinâmica na Sociedade As Relações Humanas e sua Dinâmica na Socieda- de Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo. Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e desobediência representa respeito. Há um olhar que reconhece os curtos caminhos longos e os longos caminhos curtos. Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades perversas e traições de grande lealdade. Este olhar é o da alma. Nilton Bonder Por relações humanas compreendem-se, também, relações interpessoais, ou seja, relações que se estabelecem entre as pessoas. Quando se refere às relações humanas e sua dinâmica na sociedade, pode-se acrescentar que acontecem de um modo especial, vivo, dinâmico, com movimento e fluidez, e inseparável do social e seu contexto histórico. O indivíduo é um ser social, que, pela sua própria natureza humana, é colocado em um contexto relacional para que seu desenvolvimento ocorra, garantindo sua sobrevivência. 5 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL A palavra dinâmica, segundo Ferreira (2005, p. 319), aponta para: “[...] parte da mecânica que estuda os movimentos dos corpos, relacionando-os as forças que os produzem”. De acordo com esta definição do termo, pode-se pensar que ao falar sobre relações humanas e sua dinâmica na sociedade, está se falando de um processo de mútua relação, em movimento de constantes interações de forças que se afetam. As relações humanas têm sido alvo de vários estudos do comportamento, vêm sendo estudadas como uma ciência, a ciência do comportamento humano (MINICUCCI, 2012). As relações humanas estão presentes em diversos contextos e épocas. Elas estão na base da constituição dos vínculos familiares, de trabalho, de lazer e outros. Dentro destes contextos relacionais vários problemas podem surgir em decorrência da própria dinâmica estabelecida na relação humana, a partir daí surgem os conflitos, que podem acontecer nas relações interpessoais (entre as pessoas), entre os grupos (nações, religiosos e outros) ou entre o ser humano com ele mesmo (relação intrapessoal). Os próximos capítulos serão um convite para a aproximação com o tema, devido à sua importância, pois se imagina que um profissional de saúde saiba cuidar de seus pacientes, assim como um professor saiba ensinar, mas para que isto ocorra, deve-se lembrar de que tais tarefas também se desenvolvem dentro de um contexto relacional, e que se faz necessária uma compreensão e capacidade para lidar com o ser humano, percebê-lo, relacionar-se bem com o outro, assim como, ter capacidade empática, e compreensão de suas próprias emoções (MINICUCCI, 2012). Os pacientes apresentam melhoras, em seu quadro clínico, e atribuem algumas vezes, tal fato à capacidade do profissional de saúde em acolhê-los na hora da dor. As relações humanas exigem disponibilidade para o encontro humano, nem sempre este processo se torna fácil, mas se pode minimamente considerar que é possível um preparo, na medida em que o ser possui uma abertura para tal encontro. É importante lembrar que todo desenvolvimento das sociedades humanas depende do desenvolvimento e amadurecimento das relações humanas, assim como o futuro do planeta. 6 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL Figura 1. Relações humanas Fonte: https://www.pexels.com/ As Relações Humanas e as Épocas: Breve Relato Sobre as Eras Históricas A dinâmica das relações humanas vem mudando com o tempo. Inicialmente, os seres humanos agrupavam-se e se relacionavam em decorrência da própria sobrevivência. Desde o berço da humanidade, o homem percebeu as vantagens para sua sobrevivência ao permanecer no bando. A vivência em bando trouxe a proteção da espécie, e, consequentemente, as relações começaram a ser estabelecidas, marcando o início do processo civilizatório. A forma de comunicação utilizada, no período da Pré- História, era basicamente manifesta através de gestos e símbolos. Neste período, o homem passa a se diferenciar dos animais por viver em grupos, ou bandos com grande número de integrantes, assim como pela criação de armas para caça. A criação de armas para caça marca o início do poderio bélico como vantagem para sobrevivência. Figura 2. Homem em bando: marco inicial das relações humanas Fonte: Https://Alunosonline.Uol.Com. Br/ Historia/Paleolitico.Html Historicamente, os conflitos começam a surgir a partir deste momento, sejam eles pela dominação, do mais forte do bando sobre os outros integrantes, ou entre os diferentes bandos. O início do desenvolvimento das relações humanas, na Pré- História, fica assim marcado, desde os primórdios da humanidade, pela necessidade de sobrevivência, pelo exercício da comunicação, pelo conflito e pelo surgimento do líder, sendo que este último nasce da dominação do mais forte sobre o mais fraco, portanto, naturalmente, o líder era o mais forte do grupo fisicamente. https://www.pexels.com/ 7 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL Na Idade Antiga, surge o início da escrita e, com isso, o ser humano passa a comunicar-se de forma mais elaborada e sistematizada. Período que se inicia aproximadamente, por volta do ano de 4000 a.C., neste momento o homem passa a criar leis e regras para garantir a organização e a vida das pessoas na sociedade. O papel do líder assume outra conotação neste período histórico, através da criação do Estado, de leis e regras para serem aplicadas na sociedade, com a ideia de oferecer organização e estabilidade para os seres humanos, cabe ao mesmo governar o Estado e garantir que as leis possam ser cumpridas. Neste período da civilização, surgem também, as primeiras grandes religiões, o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo e o Budismo, marcando assim, grandes grupos, onde os integrantes se relacionavam entre si, através da relação com o divino. O divino e as leis vão surgir como Fenômenos Intermediários das relações humanas. Os Fenômenos Intermediários, neste caso, são compreendidos à luz da teoria Psicanalítica, expressa na figura de Winnicott. Tal conceito traz em si a ideia de espaço potencialmente criativo, lugar onde o interno do ser humano manifesta- se para o externo, local da cultura e criatividade, área intermediária, na qual o subjetivo do ser manifesta-se e encontra-se com a realidade externa (ABRAM, 2000). Esteperíodo, também é marcado pelo desenvolvimento da filosofia grega, e seus avanços teóricos. Pode-se pensar em um avanço evolutivo do ser humano na sociedade, a barbárie aos poucos vai sendo abandonada como forma de relação e o pensamento racional começa a criar espaço na civilização (ARIÈS; DUBY, 1989). A Idade Média, também conhecida como a Idade das Trevas, tem seu início no século V, e dura por volta de mil anos. Período em que o Império Romano tem sua ascensão e queda. Como aponta Ariès e Duby (1989. V.I p. 401) a seguir: Três séculos se passaram. Clóvis foi batizado em 499 e recebeu as insígnias de cônsul de Roma (quer dizer, de Bizâncio, capital do Império Romano amputado em suas províncias ocidentais, que os bárbaros ocuparam). Aboliuse o mundo grego - romano no Ocidente, onde começam os nossos tempos [...] Barbarização do Ocidente, porém menos sob os golpes dos germanos, admiradores da grandeza romana, que em consequência de sua tomada do poder político; humilhada por não mais deter o comando, 8 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL a velha aristocracia dos notáveis, ao mesmo tempo pais das cidades e nobreza funcional no aparelho romano, já não encontra sentido em nada, cruza os braços e perde o que fazia do mundo romano uma sociedade “civilizada”: uma vontade inconsciente de autoestilização; apenas a igreja, para seus próprios objetivos, mantém um pouco dessa vontade. As relações humanas são pautadas e manifestas pela violência, medo e por movimentos repressores na política e na religião. A Igreja Católica neste período, entre outros aspectos, destaca-se pela relação com seus fiéis, ou infiéis, e pela grande Cruzada empreendida no Oriente Médio para combater os mulçumanos. As relações neste período também são marcadas pelo exercício de poder absoluto de alguns sobre a vida de outros. Sob o domínio do medo, os seres humanos que se encontravam em uma posição inferior ao líder, vivenciavam submissão absoluta (ARIÈS; DUBY, 1989). Figura 3. As Cruzadas Fonte: https://www.todoestudo.com. br/historia/as-cruzadas As relações familiares em sua constituição eram inicialmente formadas por interesses econômicos e de conveniência, os casamentos eram arranjados pelas famílias sem o consentimento dos filhos. Estas relações humanas que se estabeleciam não tinham como preceito para a união o sentimento ou a paixão amorosa. Passamos agora para a Idade Moderna, historicamente, período que se inicia no século XV, marcado por profundas mudanças na vida e nas concepções de mundo do Continente Europeu. As relações humanas passam por transformações neste momento. Este período também é chamado de Renascimento, pois neste momento ocorre a retomada de alguns valores desenvolvidos pelos antigos gregos na Idade Antiga. A Idade Moderna foi um 9 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL período marcado pelas grandes navegações e pela tomada de consciência de um mundo ainda por ser descoberto e explorado pelo homem, diferentemente do mundo preconizado pela religião, totalmente construído e terminado por Deus. Inicia-se nova relação do ser humano com o mundo. O conhecimento científico passa a ser uma meta em progressão, em detrimento do conhecimento religioso (ARIÈS; DUBY, 1989). O conhecimento passa a ser centrado no exercício da razão pura, ou seja, o que se inicia é um período em que os sentimentos ou os sentidos não devem ter interferência em tal exercício. Neste período, o Iluminismo apresenta a Razão como meta a ser desenvolvida e alcançada no avanço das civilizações e do conhecimento, tal movimento serve de apoio para a Revolução Francesa. Nasce a noção de progresso e reivindicação de lugares melhores na sociedade, através do trabalho e do conhecimento. Todo este movimento marca o início de grupos que se estabeleciam e se relacionavam através das reivindicações por direitos de uma parte da sociedade marginalizada e esquecida. Os grupos criam força para que as mudanças sociais ocorram; as relações humanas dentro destes grupos apresentam caráter progressista (OSÓRIO, 2004). Figura 4. Tempos modernos: a inven- ção da máquina a vapor Fonte: https://ensinarhistoriajoelza. com.br/tempos-modernos-ainda- tao-atual/ A Revolução Industrial, outro marco importante, traz profundas transformações nas relações familiares. A invenção da máquina a vapor iniciou uma revolução tecnológica e, como consequência, trouxe transformações nos hábitos, valores humanos e costumes. Com a possibilidade de ascensão financeira, as famílias passam a ser constituídas pelo amor, embora na Idade Média as uniões pudessem se constituir através dos sentimentos amorosos, isto não era considerado fator decisivo para que as pessoas se unissem através do casamento (FERRY, 2012). Pode-se pensar que, deste ponto de vista, ocorre um 10 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL enfraquecimento nas relações familiares no modelo antigo, que consistia no matrimônio dos filhos decidido pelos pais. Finalizando este breve relato, adentramos no contemporâneo, ou como alguns historiadores apontam, no período Pós-Moderno. Neste período, o grande avanço científico tem como base o amadurecimento do Iluminismo, surgem novos conhecimentos para a compreensão do homem e sua relação com o mundo (ARIÈS; DUBY, 1989). A Idade Contemporânea é marcada por grandes conflitos e eventos que abalaram o mundo, a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, mas também a Guerra Fria e a criação da bomba atômica. Por outro lado, surgem movimentos nos quais a solidariedade e o afeto são razões para as pessoas se agruparem. A forte tendência, embora a passos pequenos, do ser humano, de não mais morrer pela religião ou pela revolução, mas tentar preservar o planeta para as futuras gerações ou escolher constituir uma família através do amor, marcam uma nova forma do humano se relacionar consigo e com o mundo. Ainda que desajeitadamente, como nos comprova a história, o ser humano vem seguindo um caminho evolutivo de mudança (FERRY, 2012). Neste contexto, os próximos capítulos serão um convite para conhecermos alguns conceitos sobre as dinâmicas das relações humanas e liderança. Como nos aponta a história, tais conceitos seguem em paralelo com a evolução do ser humano no campo social e individual. Relações Humanas: Conceitos e Teorias O homem está em constante atividade transformadora, em sua relação pessoal, com o outro e com o seu mundo, relações que têm seu princípio na necessidade (RIVIÈRI, 2000). À luz da psicologia, ciência que se propõe a estudar o comportamento das espécies, humana e animal; da psicanálise, método psicodinâmico, de observação e análise do comportamento humano criado por Freud; e da sociologia, que se propõe a estudar as relações entre as pessoas que vivem em um determinado grupo social ou as relações existentes entre os distintos grupos sociais, o conceito sobre relações humanas, vem sendo construído após a revolução industrial. 11 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL As Relações Humanas podem ser: intrapessoais, ou seja, relação de comunicação, consciente ou inconsciente (Freud, 2000), estabelecida por um indivíduo com ele mesmo, ou interpessoal, que diz respeito à relação humana estabelecida entre as pessoas (MINICUCCI, 2012). A nomenclatura Relações Humanas pode ser entendida, usualmente, como relações interpessoais, que ocorrem entre as pessoas, membros de um grupo e entre os grupos dentro de uma instituição, ou organização (MINICUCCI, 2012). Podemos pensar também que essas relações interpessoais podem ter seu início desde a gestação de um bebê, na medida emque a mãe passa a imaginar como seria a criança, ou ter respostas do seu bebê, ainda em sua barriga, quando esta o acaricia. Pesquisas sobre psiquismo do bebê, na vida intrauterina, têm apontado para respostas interessantes no sentido da constituição de uma relação humana já nos primórdios da vida (SOUZADIAS, 1999). Portanto, as Relações Humanas podem ser estudas e observadas desde os primórdios da vida de um ser. Figura 5. Início das relações humanas Fonte. https://www.febrasgo.org.br/ pt/noticias/item/740-semana-nacio- nal-de-prevencao-da-gravidez-na- adolescencia O conceito, de Relações Humanas também pode ser entendido, como a interação que ocorre entre duas pessoas, no mínimo. Esta interação pode se manifestar através da forma física, mímica e verbal (SAMPAIO, 2000). As teorias sobre as Relações Humanas surgem de áreas próximas, mas, não iguais, portanto, cabem aqui algumas distinções. A Teoria das Relações Humanas surgida no campo da Sociologia das Organizações difere, por exemplo, das teorias que têm em sua base os conceitos psicanalíticos, a primeira, vale à pena lembrar, trata do homem e suas relações com os grupos sociais, enquanto a segunda revela a relação do homem com ele mesmo, seus aspetos subjetivos, e com o grupo, mas podemos pensar que embora tais teorias tenham visões sobre o homem diferentes, ambas podem 12 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL auxiliar na compreensão desta complexidade que é o ser humano. O movimento das Relações Humanas surge como reação crítica, contra a Organização Científica do Trabalho. Esta última trata-se de uma teoria administrativa, que teve seu início por volta do ano de 1903, cujo mentor, foi o engenheiro americano Frederik W. Taylor. Com ênfase nas tarefas, nos métodos de trabalho e enfoque na racionalização no nível operacional para o alcance da eficiência, tal teoria trouxe a tecnologia como fator de influência no pensamento da época, em detrimento do ser humano (CHIAVENATO, 2005). A seguir será apresentado um gráfico com as principais características do modelo da Organização científica do trabalho. Organograma 1. Organização cientí- fica do trabalho Fonte. FONSECA, 2013. Esta teoria trouxe à tona conceitos rígidos e mecanicistas, tratando o ser humano como uma máquina, sendo necessário a sua reformulação em decorrência do próprio desenvolvimento humano. Neste sentido, surge a Teoria das Relações Humanas, pode-se dizer que ela se dedica à compreensão e aos estudos das condições humanas do trabalho. Tem como seu mentor o cientista social Elton Mayo (1880-1949), dentre os seus trabalhos o que mais se destaca é a Experiência de Hawthorne. Psicólogo industrial australiano que preconizava que a monotonia conduzia a fadiga e que os aborrecimentos levavam a pensamentos depressivos, assim como acreditava que o conflito era uma ferida social, e a cooperação e a ajuda mútua trariam o bem-estar social (DAVEL; VERGANA, 2012). Figura 6. Georges Elton Mayo – escola das relações humanas: experiência de Hawthorne Fonte. Https://Www.Library.Hbs. Edu/Hc/Haw- thorne/Big/Wehe_026.Html/ A abordagem básica, ligada à engenharia, preconiza a adaptação do homem à máquina, entende a organização do trabalho como se fosse uma máquina. O modelo de homem é o econômico-racional, trabalha isolado, seu comportamento é visto como algo a ser padronizado. A motivação para o trabalho é financeira e sua fadiga está ligada a questões fisiológicas e não psocológicas. A autoridade é centralizada, e ocorre forte divisão nas tarefas. Modelo baseado na especialização e competência técnica. A figura do especialista surge acentuando a divisão de tarefas e o trabalho isolado 13 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL A experiência de Hawthorne nasceu da necessidade de humanizar e democratizar a gestão, estava sintonizada com os avanços da psicologia e da sociologia da época, e acabou por demonstrar a inadequação dos princípios da Teoria Clássica de gestão de pessoas. Tal experiência trata-se de uma pesquisa realizada entre 1927 e 1932, sob a coordenação de Elton Mayo em indústrias americanas, com grupos de trabalhadores (DAVEL; VERGANA, 2012). Através de entrevistas e observações, tais estudos evidenciaram a importância da coexistência de uma organização formal, dentro de uma lógica de custos e eficiência, com a informalidade da lógica de sentimentos e afetos. A conduta dos trabalhadores, não poderia ser compreendida, caso fosse ignorado a constituição informal dos grupos, as relações humanas e os vínculos existentes entre os participantes do mesmo, assim como, as relações dos grupos entre si e com a empresa como um todo. Dentro deste contexto podemos observar novamente a evolução da compreensão das Relações Humanas em consonância com o desenvolvimento sócio e histórico. A seguir será apresentado um quadro com os principais tó- picos da Teoria das Relações Humanas. Organograma 2. Teoria das Relações Humanas Fonte. FONSECA, 2013. Os sentimentos e afetos passam a ser considerados na constituição das relações humanas no ambiente de trabalho. No item anterior deste capítulo, foram levantadas as mudanças nas constituições das relações familiares, as quais, também, após a revolução industrial, passam a considerar os sentimentos na construção dos vínculos, lembrando que isto poderia acontecer, mas não era necessário. Hoje podemos afirmar que para a constituição das relações humanas os sentimentos são fundantes e necessários. No próximo item serão levantados, alguns dos padrões de relação A abordagem básica está centrada nas ciências sociais. O modelo de homem é emocional, motivado pelos sentimentos. O homem possui necessidades emocionais, como as de segurança, afeto, aprovação, reconhecimento e outras. As diferenças individuais são consideradas importantes e o comportamento é entendido como algo que não pode ser padronizado. A motivação para o trabalho surge em função da satisfação de necessidades psicológicas. A fadiga também está relacionada a fatores psicológicos. A unidade de análise está centrada nas relações interpessoais e no grupo. Apresenta maior autonomia para o empregado, pois a autoridade é delegada, ocorrendo uma maior democratização nas relações. 14 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL comuns a toda a espécie humana. Os Padrões de Relação Ao falarmos sobre relações humanas, estamos nos aproximando de algo que diz respeito a todos enquanto espécie humana, embora todos sejamos portadores de singularidade, podemos também perceber aquilo que nos torna próximos uns aos outros, criando, assim, uma identificação. De acordo com Ferreira (2005, pp. 602-694), entendemos o sentido das palavras padrão e relação como: Padrão [...] 1. Modelo oficial de pesos e medidas. 2 Aquilo que serve de base ou norma para avaliação; medida. 3. Aquilo que serve de modelo à feitura de outro. [...] 5. Modelo, exemplo, protótipo. E quanto ao conceito de relação: Relação [...] 1. Ato de relatar; relato. [...] 3. Vinculação, ligação. 4. Comparação entre duas quantidades mensuráveis. 5. Ligação, contato; comunicação ou interação entre pessoas, grupos ou países. 6. Relacionamento (3). [...] Alguns estudos apontam para padrões de que se estabelecem dentro de um contexto relacional humano. Por exemplo, temos a noção de vínculo formulada por Riviere (2000), que é compreendida como uma organização, complexa, que inclui dois seres humanos e sua mútua inter-relação com os processos de comunicação e aprendizagem. Estas relações intersubjetivas acontecem em decorrência das necessidades, que podem serprimitivas, como as de sobrevivência, mais amadurecidas como as de afetos, ou ainda, as de ordem mais operacional, como as relações que se estabelecem em função de uma determinada tarefa, e outras. Na prática, as necessidades aqui descritas podem se misturarem e se agregarem. Estas necessidades são a base da motivação para que as relações humanas aconteçam e os vínculos se constituam. Dentro do processo de constituição vincular das relações do sujeito estão presentes as fantasias inconscientes ou conscientes, as vivências infantis e adultas, sejam elas também conscientes ou inconscientes. Os conteúdos inconscientes tratam de marcas mnêmicas ou construções de representações psíquicas, sejam elas de ideias ou afetos, subjacentes ao consciente, ou seja, uma parte da qual o sujeito não tem acesso consciente, a não ser através dos 15 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL conteúdos psíquicos manifestos que surgem dentro de um contexto relacional com outra pessoa, ou através dos sonhos, na relação do sujeito consigo mesmo. Não podemos esquecer que, em uma relação entre duas pessoas, também está presente a relação do sujeito com ele próprio. Quanto melhor a pessoa se conhecer, melhor será sua compreensão para com os outros (MINICUCCI, 2012). A seguir será descrito um recorte clínico de um caso para esclarecer e exemplificar alguns padrões de relação que podem surgir em um contexto relacional, sobre a importância da comunicação e da relação humana estabelecida entre uma equipe de saúde, para o auxílio da construção de uma relação humana, entre uma jovem mãe e seu bebê. O caso se passou em uma enfermaria dentro de um hospital geral, o psicólogo havia sido solicitado para fazer uma avaliação psicológica da mãe, que, apesar de ter leite, se recusava a tirá-lo para alimentar seu bebê, assim como recusava tocá-lo. Por ser prematuro, o bebê havia ficado no hospital para receber alguns cuidados, enquanto a mãe já estava de alta. O medo de todos os integrantes de equipe, inclusive do psicólogo, era com respeito à possibilidade de a mãe abandonar o bebê no hospital e desaparecer, ou ainda, a saúde do bebê ser afetada pela falta do estabelecimento de vínculo com a mãe. Toda a equipe já estava preparada para tais fatos, inclusive para uma possível adoção, caso ocorresse o abandono, por exemplo, pois, frente ao bebê e seu desamparo, um dos padrões de comportamento que surge é o de cuidar, para que ele sobreviva. Vale lembrar que isto é verdade desde a Pré-história, as pessoas se relacionavam e andavam em bandos para sobreviver. O problema é que, hoje, um bebê necessita para sobreviver, além dos cuidados físicos, de afeto, e isto só pode ocorrer no processo do estabelecimento de um vínculo, e este, a princípio, poderia ser construído através da relação da mãe com o seu bebê. A mãe não conseguia conversar com ninguém. Todos os membros da equipe suspeitavam que fosse de uma depressão pós- parto que estava guiando o comportamento da mesma, tal fato não se confirmou através de uma avaliação psicológica realizada. Com muito cuidado e delicadeza, uma das enfermeiras conseguiu estabelecer um vínculo com a mãe. Esta profissional abriu 16 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL mão de qualquer julgamento moral e a acolheu, dando atenção para suas histórias. Aos poucos, a mãe foi relatando sobre sua história de infância: havia sido abandonada em um hospital pela mãe biológica e adotada por uma enfermeira, que falecera há pouco tempo. A mãe encontrava-se em plena vivência do luto pela perda da mãe adotiva. O medo desta mãe era o de se vincular ao bebê e este morrer por ser prematuro. Novamente, é importante recordar que o medo da morte ou da perda é algo comum a todos os seres humanos. Através deste relato, a mãe, após chorar muito, se aproxima do bebê e consegue cuidar dele, até sua alta. Com relação à enfermeira, esta, por possuir uma habilidade no que diz respeito à empatia, conseguiu sensibilizar-se o suficiente para se aproximar da mãe e relatar o ocorrido em reunião de equipe, e esta por sua vez, ampliou o acolhimento para com a paciente. Todos os dias alguém da equipe se aproximava da mãe para escutá-la sobre seus medos e perdas. A mãe, naturalmente, estava revivendo, através do nascimento de seu filho, suas próprias experiências infantis. Não havia percebido o quanto tal fato a estava afetando e a impedindo de cuidar do seu bebê. Através do acolhimento oferecido pela enfermeira, a mãe pôde perceber o medo fantasioso que a estava paralisando. Neste sentido, embora o tratamento psicológico possa ser uma ferramenta importante, o que se pode pensar, além disso, é que a própria relação humana pode ser altamente terapêutica, independentemente da profissão exercida pelo membro de uma equipe de saúde, o importante é a disponibilidade para o encontro humano. A seguir, vamos observar no próximo item o que pode obstruir este tão importante processo que é o estabelecimento das relações humanas. Processos Obstrutivos das Relações Humanas: O Conflito Neste processo em construção, muitos desvios podem acontecer, alguns podem surgir da própria dificuldade de codificação da mensagem, em decorrência de vivências subjetivas, ou seja, o processo de comunicação pode falhar, seja do lado de quem comunica ou do lado de quem recebe a mensagem. Muitos processos obstrutivos podem surgir, gerando, 17 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL assim, conflitos dentro de um contexto relacional. Por conflito, entendem-se, mecanismos em ação simultânea, de impulsos antagônicos, frente aos quais o indivíduo necessita fazer uma escolha, sendo que, sem a possibilidade de fazer tal escolha, isto acarretará em frustração, (CABRAL; NICK, 1989). O conflito pode surgir na relação intrapessoal, ou seja, na relação do sujeito com ele mesmo, nas relações interpessoais entre as pessoas ou, ainda, nas relações entre os grupos. Nas relações interpessoais, os conflitos podem surgir através da busca pelo poder, de personalidades que funcionam de modo primitivo, aonde a solidariedade ainda não foi instalada como característica, e que trazem em si o germe da opressão. As situações novas, também, entre outros fatores, podem gerar conflitos entre as relações humanas. O ser humano apresenta, naturalmente, tendência à acomodação. Frente ao novo se depara com a necessidade de uma adaptação, este movimento em si gera conflito interno, entre sua tendência a permanecer na repetição e o desconforto do estresse gerado pelo novo que as situações desconhecidas, por serem novas, apresentam (ARANTES; VIEIRA, 2010). O medo da perda e o do ataque, pertinentes ao ser humano desde a sua origem, quando em desequilíbrio, geram conflitos intrapessoais e interpessoais. Estes medos surgem frequentemente frente a situações novas e se manifestam, muitas vezes, através de comportamentos ansiosos ou defensivos. No contexto das relações humanas não se pode esquecer que todos os seres carregam uma história, que se inicia na gestação humana, mas também muito antes dela, pois todos os seres fazem parte de um contexto relacional antes de nascerem, através da história de seus familiares. São histórias pessoais que estão no inconsciente, de geração em geração, desde os primórdios da espécie, e, embora o ser tenha evoluído muito, com avanços das ciências de modo geral, a alma humana ainda hoje tem muito a ser desvendada, e muitos conflitos a serem compreendidos e resolvidos. Conflitos estes que obstruem o processo do desenvolvimento das relações humanas e que podem estar vinculados a experiências traumáticas armazenadasno inconsciente, que podem, também, estar sendo passadas de geração a geração, assim como podem vir a se 18 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL manifestar nas relações intrapessoais e interpessoais (CORREA, O. B. R. (ORG.), 2001). Exercícios de Fixação 1. Defina o que são relações interpessoais. _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ 2. Como se desenvolvem as relações interpessoais? _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ 3. Diferencie o conceito de relação interpessoal do conceito de relação intrapessoal. _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ 4. Qual a base da constituição dos grupos humanos? _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ 5. Qual a razão de os seres humanos se agruparem no período da Pré-História? _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ _______________________________ 1 9 20 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL 2. Relações Humanas e os Grupos Para falar sobre relações humanas e grupos, faz-se necessário lembrar que os grupos são constituídos por seres humanos que carregam consigo sua subjetividade e trazem em si a singularidade própria de cada um. Todos os seres humanos, desde a Pré-História, vivenciaram a experiência grupal, como exemplo disso tem-se a experiência dentro dos bandos para a sobrevivência da espécie, além de outros grupos que foram surgindo com a evolução da espécie humana, como as famílias, os grupos escolares, os grupos de trabalho, os grupos de recreação e outros, os quais a criatividade humana pôde fazer emergir espontaneamente. Pode-se concluir, naturalmente, que um grupo é constituído por seres humanos, que fazem parte dele e se afetam mutuamente, a exemplo disto, pode se pensar em uma orquestra, onde todos os músicos, com seus instrumentos, estão interligados em mútua afetação para produzir o som de uma sinfonia. Do que se trata um grupo, afinal? Esta é uma excelente pergunta. Ao definir o que é um grupo, tem-se que trazer à luz a 21 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL diferença de agrupamento de pessoas e grupo. Em um grupo, ou sistema humano, como alguns autores apontam (OSÓRIO, 2003), existe uma ação interativa das quais seus integrantes, trazendo consigo sua potência, reconhecem sua própria singularidade e objetivos compartilhados por todo o grupo. Um bom exemplo disso é uma equipe de saúde, que tem como objetivo cuidar de uma enfermaria neonatal, todos tem em comum a meta de dar assistência aos bebes, mas este mesmo grupo tem também, reunião clínica semanal e após ela tomam café juntos. Durante todos estes encontros, uns acolhem os outros através das experiências compartilhadas, tanto nas reuniões clínicas como no café, tal atitude permitiu que este grupo desenvolvesse uma relação afetiva e afetuosa, facilitando, assim, a tão difícil tarefa de trabalhar em uma enfermaria pública com bebê de alto risco. Para que um grupo seja formado, vale lembrar, se faz necessária a interação entre os membros, e, naturalmente, os papéis passam a ser desempenhados, surgem, assim, líderes ou liderados, pacificadores ou agitadores. Ao esclarecer o conceito de agrupamento, vale à pena pensar em uma fila de supermercado, na qual existe um grupo de seres reunidos para pagar por suas compras, mas eles não interagem e sua singularidade não é reconhecida pelos integrantes da fila. No máximo, haverá uma interação entre o membro da fila e o funcionário do caixa. Os grupos podem ser naturais, como a família, ou espontâneos, como os que se constituem em um ambiente de trabalho. Todas as vezes que estes grupos se comportarem, segundo a própria definição de grupo e não agrupamento, pode-se dizer, por exemplo, que a família ou o grupo de trabalho realmente é um grupo ou sistema humano, do qual o ser pertence. Fica impossível separar os seres humanos dos grupos e da sociedade, os quais estão situados dentro de um contexto sócio- histórico de uma época, e isto se faz verdade desde sempre. Dentro do processo relacional que ocorre nos grupos, vários fenômenos podem ocorrer, nos próximos itens desta unidade será abordado, através da teoria e prática, alguns destes fenômenos relacionais que ocorrem em alguns grupos os quais o ser faz parte, como 22 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL a família e o trabalho. Figura 7. Grupos humanos – alta- mente conectados entre si Fonte: http://h12sse.blogspot.com/ 2018/06/economia-gig-ou- acelerando-na-direcao.html Relações Familiares O bebê, ao nascer, forma com sua mãe, ou alguém similar (aquele que vai cuidar do bebê e constituir o vínculo humano), um primeiro grupo que vai ser fonte da primeira experiência de relação humana e que acontece através desta interação, a partir desta relação, ou ao mesmo tempo, os outros membros da família vão sendo inseridos neste contexto interativo com o bebê e vão desenvolvendo o reconhecimento frente às singularidades do novo membro do grupo, a saber, o bebê. Assim, pode-se afirmar que a família, independentemente do número de seres que façam parte dela (mãe e pai; mãe e avó; pai e avó; tia e mãe e outras formações), faz parte da primeira experiência de relação humana, e que a partir destas relações familiares outras construções vão acontecer durante o desenvolvimento do ser, assim, mais tarde, a criança passa a fazer parte de outros grupos, desenvolvendo- se em um contexto relacional desde criança até a idade adulta. Este desenvolvimento fica marcado pela experiência do ser que se manifesta dentro de um contexto grupal, no qual os membros integrantes dos grupos trazem consigo seus valores, suas experiências, memórias que podem ser inconscientes ou conscientes, interagindo em mútua relação uns com os outros. Estas memórias ficam armazenadas e, mais tarde, podem se tornar padrões de comportamento, que vão surgir através do comportamento do ser e a manifestação da sua subjetividade. Pode-se pensar que, atualmente, as famílias são constituídas pelo afeto amoroso, e que tudo tem um início, ou seja, antes do bebê vem o casal que o gerou. Vale lembrar que cada integrante do casal carrega consigo suas memórias inconscientes ou conscientes de padrões de comportamento. Apresentam diferenças com relação a aspectos biológicos, psíquicos, sociais e 23 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL culturais, entre outros. Tais diferenças podem ser fonte de conflitos. Os pontos mais marcantes no desenvolvimento de um ser e dos grupos dizem respeito a estas diferenças e de como elas podem ser manifestadas, vividas, mas também esclarecidas (RIVIÈRI, 2000). As diferenças surgem e provocam mudanças no contexto grupal familiar, por exemplo, o nascimento de um bebê em uma família altera completamente os papéis desempenhados pelos membros deste grupo. A mãe, que antes era somente esposa e filha, assume o papel de mãe devido à própria singularidade do bebê, que convida para que alguém interaja com ele, ou ele pode adoecer. Esta singularidadeé biológica, mas também psíquica, pois, como nos capítulos anteriores foi descrito, o bebê tem necessidade de desenvolver um vínculo humano, isto quer dizer que não são somente os cuidados físicos que garantem a sua saúde. O próprio bebê torna-se uma influência para a mudança e o desenvolvimento de novos papéis na família. Dentro desta visão, pode-se pensar que o grupo familiar, quando está formado ou melhor estruturado, existe a influência entre os membros e um reconhecimento das singularidades de cada um. Mais adiante, o bebê vai reconhecendo, através dos vínculos constituídos, quem desempenha o papel de mãe, pai e se reconhece no papel de filho. Estes papéis podem sofrer inversões de acordo com a subjetividade de cada um, por exemplo, pode ocorrer que o pai, pela própria imaturidade psíquica, permaneça no papel filial, esperando receber cuidados maternos da sua parceira, esta, por sua vez, pode também funcionar de modo regredido psiquicamente e esperar do marido os mesmos cuidados filiais, neste sentido, o caos está instalado, pois o bebê não pode ocupar o papel que, pela sua própria condição, se faz necessário. Tal dinâmica, muitas vezes, instaura-se no grupo familiar, trazendo conflitos e prejuízos para o desenvolvimento de todos os membros. A dinâmica familiar funcional é aquela que consegue reconhecer as diferenças individuais dos membros e está intimamente ligada ao desenvolvimento dos papéis de mãe, pai e filho, ou a possibilidade de que alguém exerça tais funções. Os papéis familiares de mãe e pai, assim como o de filho, podem ser ocupados por outros membros do grupo, não necessariamente pelos pais biológicos, por exemplo. A família também muda com a época, se por um lado, no 24 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL contemporâneo, as famílias são constituídas pelo amor, também vale lembrar que o ser humano vai se atrapalhar um bocado até que tal sentimento seja levado a sério. Alguns grupos familiares ainda funcionam como simples agrupamentos humanos sem interagir entre si e sem o reconhecimento de suas singularidades. Relações de Trabalho O homem, em sua condição humana, apresenta várias necessidades, como já foram mencionadas anteriormente, tais necessidades tornam-se fontes de motivação para as ações e vivências em grupo e com relação ao trabalho. O ser humano, frente ao trabalho, segundo Minicucci (2012), apresenta necessidades egoísticas, físicas e sociais. Por necessidades egoísticas se entende as necessidades do homem de ser útil, de ter autonomia para realizar tarefas que considera importante, as quais têm valor para ele e que trazem satisfação. As necessidades físicas ou de segurança existem desde a Pré- História, embora elas possam ter evoluído com o tempo, ainda dizem respeito à necessidade de moradia, comida, água e, mais recentemente dentro da nossa cultura, manter um padrão de vida que propicie a satisfação material compatível com as exigências de nossa sociedade. Com relação às necessidades sociais, é importante lembrar que o homem é um ser social pela sua própria natureza humana e que, quando ele se isola, pode ser indício de algum sofrimento relacionado a tal conduta, como acontece em algumas patologias psíquicas que apresentam seus primeiros sinais através do isolamento social, por exemplo, no caso das depressões. O ser humano, naturalmente, enquanto ser social, procura interagir com outros seres, ter reconhecimento de sua singularidade e fazer parte de algum grupo, sendo tal interação fonte de alegria e satisfação, ou não, estas são as necessidades sociais. Embora as necessidades do ser humano com relação ao trabalho possam ser descritas, elas não podem ser limitadas a tais descrições, pois o ser traz em si sua espontaneidade e criatividade, tornado esse processo dinâmico, mutável e interligado. Para finalizar, é importante ressaltar que as necessidades também podem ser inconscientes e tão importantes quanto àquelas que são perceptíveis e conscientes ao trabalhador. Alguns tipos de organização de trabalho trazem uma sobrecarga 25 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL psíquica para o trabalhador, em decorrência da própria insatisfação gerada pela organização do trabalho associada ao estresse da tarefa. Muitas vezes, essa insatisfação se dá no nível do inconsciente, mas os efeitos são visíveis na saúde do trabalhador, gerando doenças físicas e emocionais. Figura 8. Quadro das necessidades com relação ao trabalho Fonte. FONSECA, 2013. Para exemplificar, pode-se voltar ao caso clínico anteriormente descrito e imaginar que a enfermeira, a qual acolhera a mãe, estivesse hipoteticamente em seu segundo plantão sem folga, por conta da necessidade de sustentar sua família, mas, mesmo assim, estava motivada para acolher a mãe e o bebê. Tal motivação decorria de sua necessidade inconsciente de cuidar dos pacientes, para com pensar sua ausência frente à própria família. Caso fosse ignorada e não validada em sua percepção sobre a mãe do bebê, ou até mesmo impedida de relatar sua observação, por uma questão hierárquica, aonde seu saber é desconsiderado frente o saber de outros membros da equipe de saúde, qual seria o desfecho para a dupla mãe-bebê e qual seria o resultado final na enfermeira? Como nos aponta Dejours (1988), a relação entre o homem e o trabalho é histórica e contínua, e traz consequências tanto benéficas quanto maléficas para a vida do ser humano. Como resultado de uma organização do trabalho baseada no modelo Taylorista (Organização Cientifica do Trabalho, OCT), o indivíduo tende a vivenciar o trabalho como um causador de sofrimento mental, podendo evoluir para o adoecimento psíquico e físico. O trabalho, neste sentido, não traz satisfação, tampouco espaço para a sublimação das necessidades criativas do homem, tornando-se maçante e repetitivo, sem possibilidade de crescimento. Dentro dessa abordagem, o trabalhador praticamente vê-se inutilizado em sua capacidade de pensar, pois, somente sua atividade corporal é solicitada. A atividade do 26 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL pensar fica privilegiada a apenas algumas categorias, neste modelo a hierarquia de cargos é fortemente marcada (DEJOURS, 1988). O modelo de Organização do trabalho (OCT), ainda vigente em nossos dias apesar de todo avanço humano, influencia diretamente o ser humano no que diz respeito a sua relação com o trabalho e a felicidade. Os estudos de Dejours (1994) sobre a psicodinâmica do trabalho compreendem que o trabalhador não é uma máquina para ser padronizada ou ajustada, mas um ser humano, singular, que traz sua história e sua estrutura de personalidade. Tem suas próprias necessidades psíquicas, no que diz respeito ao trabalho e satisfação pessoal, e estas vivências se manifestarão na relação do homem com o seu trabalho. O ser humano passa uma boa parte de seu tempo exercendo sua atividade profissional e relacionando-se com outras pessoas dentro deste contexto e, embora o trabalho seja ainda hoje fonte de sofrimento para o homem, podem- se observar também alternativas ao modelo de gestão baseado na Organização Científica do Trabalho que permitem uma relação saudável com o trabalho. Estes modelos privilegiam as relações humanas, permitindo uma troca horizontalizada de saberes, sem a prevalência de um modelo teórico sobre o outro. A divisão dos saberes, até então compartimentada através das disciplinas, precisou ser revista neste aspecto, para maior compreensão dos fenômenos pesquisados (OSÓRIO, 2003). Por exemplo, como restabelecer a saúde de um paciente sem considerá-lo um ser biopsicossocial e espiritual? Pararesponder tal questão, vale lembrar o caso clínico apresentado anteriormente. A saúde do bebê estava ligada intimamente à relação com sua mãe, sendo que a história infantil da própria mãe a estava impedindo de cuidar de seu bebê. Foi necessário considerar este aspecto humano do sofrimento da mãe para estabelecer o vínculo entre ambos, mas também foi necessário ocorrer a troca de saberes entre os profissionais que compunham a equipe de saúde. Esta necessidade de inter- relação entre os profissionais de várias disciplinas trouxe avanço para diversas áreas e a necessidade do desenvolvimento de novas práticas entre os grupos de trabalho, estabelecendo novas formas de relacionamento entre os trabalhadores e o trabalho. Estas novas formas de 27 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL organização do trabalho não invalidam a necessidade de realização do ser no que diz respeito aos aspectos físicos, por exemplo, a questão do salário, que também afeta as relações humanas dentro de um contexto profissional, muitas vezes, trazendo sentimento de injustiça e falta de motivação para a realização da tarefa. Surgem conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Para a compreensão de tais conceitos, vale à pena lembrar o conceito de grupo, no qual ocorre afetação entre os membros que estão unidos por um propósito, como vimos nas unidades anteriores. Ao recordar; pode-se pensar que para ocorrer uma troca humana entre os saberes compartimentalizados surge o conceito de multidisciplinaridade, ou seja, a interação entre as diferentes disciplinas, cada uma com sua contribuição, mas, ainda neste conceito, não ocorrem mudanças no corpo teórico das mesmas (GALHEIGO, 1999). Na sequência de tal conceito nasce a interdisciplinaridade, observando que apenas juntar profissionais de diferentes disciplinas não significaria que haveria real interação entre os trabalhadores. Então, surgiu uma mudança no corpo teórico, combatendo, assim, uma prática fragmentada resultante das especialidades. A interdisciplinaridade traz a possibilidade de interação real entre as disciplinas no sentido de uma afetação da qual pode surgir trocas desierarquizadas, possibilitando, através da aprendizagem e feedbacks, mudanças em suas conceituações teóricas (OSÓRIO, 2000). Na transdisciplinaridade, conceito que complementa os anteriores, surge a possibilidade de algo muito novo, como algo que, através da inter-relação e da troca de saberes de uma equipe multiprofissional, transcenda a epistemologia singular de cada disciplina envolvida neste processo, trazendo algo que possa ser compartilhado por todas as disciplinas (OSÓRIO, 2000). Ao apresentar as formas como o ser humano se relaciona com o trabalho, assim como as mudanças ocorridas nas formas em que os grupos de trabalho vêm se organizando, se faz necessárias algumas considerações sobre a dinâmica de equipe, este processo vivo e fluído do viver em grupo. Tais considerações serão 28 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL apresentadas no próximo item desta unidade, assim como os processos que ocorrem dentro delas, como a percepção e a comunicação. A Dinâmica de Viver em Equipe e Processos Grupais Básicos: Percepção e Comunicação No contemporâneo como foi exposto anteriormente frente aos avanços, no que diz respeito à organização do trabalho, o viver em equipe merece atenção especial para aprimoramento humano, profissional e exercício da solidariedade. Todos estes aspectos podem ser oferecidos através de uma experiência do viver em uma equipe salutar. Por equipe pode-se entender um grupo de pessoas o qual está reunido em torno de uma tarefa, em um esforço coletivo, dentro de um contexto interacional que possibilita troca de vivências, compartilhamento de saberes, amparo das experiências vividas e realização da tarefa. Para que uma equipe possa funcionar de modo saudável, dinâmico, e enriquecedor frente ao coletivo, faz-se necessário considerar alguns aspectos importantes que serão ressaltados nesta sessão do livro. A disponibilidade para o encontro humano, a consideração das singularidades de cada membro, a atenção e cuidado com os movimentos humanos psíquicos e comportamentais que ocorrem antes, durante e depois do processo de realização da tarefa são aspectos importantes a serem considerados na dinâmica de uma equipe profissional. Por movimentos psíquicos se compreendem aqueles que são perceptíveis e comunicáveis, mas também, os que não são perceptíveis e que são comunicados de alguma forma. Uma boa percepção pessoal colabora na dinâmica da equipe, ou seja, quanto melhor o ser se conhecer, melhor também será sua percepção do outro, mas vale lembrar que todos carregam conteúdos e afetos inconscientes em suas mentes e que tal fato pode afetar nossa percepção com relação a nós e os outros. A percepção, segundo o dicionário técnico de psicologia (CABRAL; NICK, 2005 p. 269), diz respeito ao: “processo pelo o qual o indivíduo se torna consciente dos objetos e relações no mundo circundante, na medida em que essa consciência depende de processos sensoriais”. Os processos sensoriais são ativados frente aos estímulos e são 29 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL percebidos através da percepção sensorial. Os encontros humanos que acontecem dentro de uma equipe são naturalmente fonte de estímulos, sejam eles agradáveis ou não. A percepção sensorial aparece descrita no dicionário técnico de psicologia (CABRAL; NICK, 2005, p. 269) como: “É o produto final de uma série definida de eventos físicos, fisiológicos e psicológicos que se desenvolvem em sequência imutável e que tem por polos um estímulo e uma reação (ou resposta)”. Outra percepção importante a ser esclarecida é a percepção social, a qual se trata, em linhas gerais, da percepção de um ser com relação a outros seres humanos, seus comportamentos, sentimentos, suas ações e manifestações humanas (MINICUCCI, 2012). O viver em grupo, assim como o trabalho em equipe, traz a necessidade de uma maior atenção à percepção de si mesmo e do outro para que o ambiente interacional da equipe possa ser harmonioso. O uso da empatia, capacidade de compreender o que o outro sente, de colocar-se no lugar do outro enquanto vivência subjetiva, traz maior flexibilidade de ação nas relações humanas, e amplia na percepção do outro (MINICUCCI, 2012). A empatia denota uma sensibilidade social, tal fenômeno é muito importante para que uma equipe funcione de modo harmônico, auxiliando, assim, no desenvolvimento da tarefa. Quanto maior o número de pessoas empáticas, maior o exercício da solidariedade e do amor. Para exemplificar, será relatado um caso clínico que ocorreu em uma equipe de saúde mental que atuava em um CAPS (Centro de Reabilitação Psicossocial). Dentre os vários pacientes que eram atendidos e permaneciam na ambiência (conceito que diz respeito ao espaço físico e humano no qual os usuários do serviço circulam), um apresentou um episódio de crise com comportamento violento, tal conduta havia desestabilizado todo o ambiente e evocado vários sentimentos na equipe, inclusive os sentimentos de impotência e raiva, mas, dentro desta mesma equipe, o técnico de enfermagem percebeu que seus membros estavam ofendidos com o paciente, pois, apesar de todos os esforços e investimentos que foram realizados para sua melhora, não apresentava mudanças em seu quadro clínico e agredia a todos que se aproximavam dele. O técnico em uma atitude 30 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL empática com a equipe e com o paciente conseguiu relatar o que percebeu, sem julgarseus colegas, e acrescentou que, possivelmente, o usuário do serviço também nutria sentimento de impotência e raiva, pois recentemente sua referência técnica (conceito que diz respeito ao profissional que vai desenvolver uma relação humana com o usuário, construir seu projeto terapêutico com sua família e se encarregar de ser o guardião e o elo de comunicação entre o usuário e o serviço), havia saído do serviço, e esta era a única pessoa que conseguira estabelecer um vínculo de confiança com o usuário. Este exemplo clínico, além de demonstrar o conceito de empatia através da prática do viver em uma equipe de saúde mental, também aponta para outro conceito que diz respeito ao fenômeno da comunicação. Frente à comunicação da percepção social do técnico de um modo empático, a equipe conseguiu sensibilizar-se com o usuário e sair da sensação de impotência e do sentimento de raiva que o quadro evocava. Conseguiram perceber o que o usuário estava vivendo a partir da perda do único vínculo humano que estabelecera dentro da instituição, e, diante de tal percepção, a equipe assumiu outra postura frente à dor do paciente. Por meio do comportamento violento, o paciente estava tentando comunicar algo que, em decorrência da sua fragilidade mental, não conseguia verbalizar. A comunicação, como aponta este exemplo, vai auxiliar no processo de inter-relação humana, que, quando real, surge entre duas ou mais pessoas através um contato psicológico (MINICUCCI, 2012). Nos estudos sobre psicologia grupal, Osório (2003) ressalta as observações de Lewin sobre a comunicação. Lewin afirma que quando um grupo fica impossibilitado de evoluir, isto se deve a bloqueios entre os integrantes em sua comunicação. Comunicar, em sua essência, inclui o outro, seja outra pessoa do lado de fora, ou guardado com vivência relacional entre ambos, dentro da memória de quem comunica, por exemplo, o usuário do CAPS que, com a saída da técnica, piora seu quadro clínico e que, pela sua própria condição psíquica fragilizada, ficou impossibilitado de estabelecer uma comunicação com o que havia vivido no contexto interacional entre a técnica e ele. Apesar disso, lhe possibilitou uma experiência de relação humana nova, tranquila e sem agressões. Esta memória relacional não pôde 31 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL ser resgatada pelo próprio paciente no momento em que a técnica foi embora, e nem comunicada a ele. Da experiência vivida restou somente a separação e o abandono, e frente a estes eventos ele recorreu a suas relações anteriores e permeadas por vínculos humanos agressivos e ambivalentes. O processo de comunicação inclui, necessariamente, a noção de vínculo, como nos mostra Rivière (2012), é sempre um vínculo social, acontece dentro de um contexto relacional, mesmo sendo com uma única pessoa, através da relação pessoal se reproduz uma trajetória histórica de vínculos determinados e experienciados. Por esta razão, o vínculo se relaciona posteriormente no decorrer do desenvolvimento humano com a noção de papéis, de status e de comunicação. O paciente, neste caso, estava comunicando seus sentimentos e revivendo o papel que provavelmente ocupava frente à sua família, o de doente psiquiátrico agressivo. A aprendizagem de um novo papel ainda não havia se consolidada, apesar do olhar novo sobre ele oferecido por meio do tratamento e de novas constituições vinculares. Ele estava apenas repetindo o que já conhecia, impossibilitando uma nova aprendizagem. O processo de comunicação traz a possibilidade de aprendizagem, tanto quanto as experiências emocionais novas. Nos dois casos, pode ocorrer um efeito reparador e, muitas vezes, salutar para o ser através da vivência emocional nova. Segundo Rivière (2012), as dificuldades ou as resistências que os pacientes apresentam para melhorar seu quadro clínico estão ligadas às perturbações frente ao processo de aprendizagem e dificuldades com o novo. Diante do medo do novo, podem surgir repetições de comportamentos padronizados e estereotipados. O emissor de uma comunicação espera ser compreendido e, no geral, toda comunicação diz algo além do que é verbalizado, portanto, não é verbal, além de ser inédito. Para que uma comunicação ocorra é necessário que exista um emissor da mensagem e um receptor. Osório (2003) aponta que o psicólogo Lewin, considerado um dos pioneiros nas pesquisas sobre dinâmica de grupo, denota que a integração de um grupo se dá através da autenticidade das comunicações e que tal autenticidade pode ser aprendida através do grupo. A comunicação, quando se 32 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL manifesta de forma autêntica e clara, sem ruídos e sem bloqueios, permite maior sensibilização nas relações interpessoais e favorece o trabalho em equipe. O próprio Lewin, ainda segundo Osório (2003), em seu grupo de trabalho, observou que as pesquisas não avançavam em decorrência de bloqueios que existiam na comunicação entre sua equipe. A comunicação é um processo dinâmico no qual as partes interagem para um resultado final, como mostra a figura do funil a seguir: Figura 9. Processo de comunicação Fonte. FONSECA, 2013 É importante observar o que não é dito e o que não é escutado em uma comunicação, como aponta Fernandes (2003), pois, usualmente, o que não é dito, ou o que é escutado, pode estar ligado com determinantes não considerados. No mundo interno, ou subjetivo, o ser humano pode filtrar e alterar as informações de acordo com suas vivências passadas e seus estados da mente ou ainda de acordo com o contexto grupal o qual está inserido no momento da transmissão da comunicação. A percepção da comunicação pode acontecer de modos muito diferentes, dependendo de quem recebe a mensagem, não correspondendo necessariamente ao que o emissor está transmitindo. As percepções das mensagens verbais, por exemplo, podem estar ligadas ao sentido que o indivíduo vai dar às palavras, pois, para cada ser, as palavras têm um significado específico ligado às próprias experiências vivenciais com palavras determinadas. Pelo exemplo, é possível pensar em um dos problemas que podem distorcer a comunicação, a saber, os problemas relacionados à semântica, ou seja, o sentido que é dado às palavras. Às vezes, os conflitos surgem por diferentes interpretações das mesmas palavras, quando as pessoas que estão em interação, desconsideram as diferenças individuais, ou agem através de seus preconceitos. 33 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL Para melhorar o processo da comunicação, Minicucci (2012) aponta para a possibilidade de aprendizagem e aperfeiçoamento sobre a transmissão da mensagem que se envia para a outra pessoa, assim como com relação à percepção frente às mensagens que são recebidas dentro de um processo da comunicação humana. A criatividade se faz importante ferramenta para este processo vivo e fluído que é a comunicação. A seguir será abordado o conceito de liderança, intimamente ligado aos conceitos anteriores, e, como já se apontou na primeira unidade deste livro, inerente ao desenvolvimento humano. Exercício de Fixação 1. Cite alguns tipos de grupos. ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ 2. Defina o conceito de grupos. ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ 3. Qual é a primeira experiência de relação humana? ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ 4. Quais são as necessidades que um ser humano apresenta frente ao trabalho?____________________ ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ 5. O que é empatia? ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ ____________________ 35 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL 3. Liderança e Relação Entre Líder e Liderados Liderança e Relação entre Líder e Liderados Atualmente, os conceitos liderança, líder e liderados vêm sendo muito ressaltados em decorrência da própria globalização. As pessoas vêm atribuindo, arbitrariamente, sentidos para a compreensão destas palavras produzidos pelo senso comum. Esta unidade pretende ressaltar alguns autores que se preocuparam em estudar os conceitos descritos no parágrafo anterior, para possibilitar ao leitor uma maior reflexão e compreensão sobre tais conceitos. A liderança não é um fenômeno restrito a pessoas que ocupam um cargo de gestão ou poder, embora isso também ocorra, é uma oportunidade que todos os seres podem ter de influenciar de modo maduro e solidário outros seres humanos seguindo em constante evolução. Segundo Minicucci (2012), o conceito de liderança está intimamente ligado ao de influência interpessoal, como já foi dito em unidades anteriores, interpessoal 36 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL diz respeito à relação entre as pessoas, então, pode-se dizer que a liderança é um processo de influência exercida em um contexto relacional entre as pessoas aonde ocorre uma afetação subjetiva. A liderança é um processo dinâmico que ocorre dentro de uma equipe de trabalho ou de outras formações grupais e pode-se alterar o papel do líder. Nos dois exemplos clínicos apontados neste material, a liderança da equipe multiprofissional frente à tarefa, ficou localizada nas figuras da enfermeira e do técnico de enfermagem. Esses profissionais exerceram forte influência na equipe como um todo, através da comunicação, todavia, este papel de líder, poderia ser exercido por outros profissionais em outra situação. É importante ressaltar a diferença entre liderança e poder, Minicucci (2012) aponta para tal aspecto ao demonstrar que o indivíduo pode ter poder, mas não ser reconhecido por outras pessoas como líder, exercendo pressão social, uso da força, coerção moral, entre outros, mas não ter nenhuma influência interpessoal e sim poder situacional. O poder pode ser entendido como o alcance dos objetivos de um líder mediante o exercício da força sobre o grupo ou uma pessoa. Segundo Cabral e Nick (1989), o teórico Adler aponta que as pessoas podem ser dominadas pelo complexo de poder, manifestação psicológica, que se trata de uma necessidade imperiosa de ampliação do eu ou ego, para que este último sinta-se estável e poderoso, através do domínio sobre outras pessoas ou do meio ambiente, mas também o meio intrapsíquico, ou seja, a pessoa na relação com ela mesma. Este comportamento do homem adulto trata-se de um reflexo dos sentimentos de inferioridade do período infantil não superado, portanto, passível de tratamento ou análise. O processo de liderança está intimamente ligado à relação estabelecida entre os líderes, os liderados e a situação. Liderança pode ser considerada, o exercício da comunicação, através da qual, ocorre o processo da influência interpessoal frente a uma situação e diante de um objetivo a ser atingido, segundo Minicucci (2012). Frente às diferentes movimentações que ocorrem dentro de um grupo, seja ele de trabalho ou não, o líder tem necessidade de ser flexível diante das mudanças, para poder se adaptar melhor à situação e, assim, resolvê-las. A comunicação faz parte dos 37 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL recursos utilizados por um líder para exercer influência interpessoal, retomando a unidade anterior. A comunicação é um processo que inclui o outro e, quando eficaz, pode produzir um líder eficaz no que diz respeito a exercer a influência e não o poder. Ao exercer a influência frente à determinada situação, o líder, naturalmente, atinge seu objetivo ou meta através da comunicação e não do exercício da força. Figura 10. Processo de Liderança Fonte. FONSECA, 2013 Os conceitos demonstrados na figura estão interligados e produzem resultados frente às metas. O desempenho eficaz de um bom líder está relacionado à sua sensibilidade e flexibilidade, assim como um bom desempenho de gestão situacional (MINICUCCI, 2012). Ao retomar o estudioso da psicologia, Kurtin Lewin (in p. 25, Osório, C. L. 2003), nota-se que através dos estudos de dinâmica de grupo e comunicação, naturalmente, ele se aproximou do fenômeno da liderança. Diante de suas pesquisas, conclui-se que a integração em um grupo se deve, em partes, à possibilidade do exercício da autenticidade das comunicações em um contexto interacional. Seguindo em seus avanços científicos, também observa os fenômenos da autoridade e dos estilos de liderança que surgem em seus grupos de estudo. O autor citado descreve três estilos prioritários de liderar, o líder autocrático, o Laissez-faire e o democrático. A seguir, no quadro, veremos os três estilos de liderança descritos por Lewin: Figura 11. Estilos de liderança Fonte. Adaptado de OSÓRIO, 2003 Na teoria apresentada, 38 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL dependendo do estilo de liderança, as relações entre líderes e liderados adquirirão diferentes formatos e diferentes ênfases serão dadas aos papéis assumidos pelas pessoas no contexto grupal. Vale a pena lembrar que Chiavenato (2005), aponta para as diferentes ênfases que são dadas nos diferentes estilos de liderança. No estilo autocrático a ênfase é dada ao papel do líder, no estilo democrático a ênfase é dada ao papel do líder e aos liderados ou subordinados, já no estilo liberal a ênfase é dada totalmente ao papel do liderados ou subordinados. Além da teoria sobre os estilos de liderança, existem, também, outras abordagens teóricas sobre o mesmo conceito, dentre elas destacam-se as teorias de liderança que dizem respeito aos traços de personalidade de um líder, ou seja, as características marcantes de sua personalidade e as teorias situacionais de liderança, que dizem respeito às adequações dos comportamentos de um líder frente às diferentes circunstâncias das situações e dos liderados (CHIAVENATO, 2005). As teorias sobre os traços de personalidade de um líder dizem respeito a quem o líder é, enquanto ser humano. Os traços de personalidade dizem respeito a certos padrões de comportamentos persistentes de uma pessoa que aparecem em situações diversas e as suas características pessoais como, por exemplo, seus traços físicos e psicológicos. Na teoria situacional de liderança, diante das diferentes situações, um líder pode alternar seu estilo de liderança para melhor se adaptar e realizar a tarefa, este movimento vai depender das características de sua personalidade. Vale à pena lembrar, como exemplo, que quando o líder funciona psiquicamente de acordo com o conceito de complexo de poder, suas atitudes serão controladoras, inflexíveis e autoritárias. As teorias sobre liderança situacional revelam que o líder e os liderados possuem necessidades a serem satisfeitas e que estas são importantes ingredientes no contexto interacional de um grupo (MARQUIS; HUSTON, 2005). As relações humanas estabelecidas entre líderes e liderados influenciarão diretamente as necessidades e motivações de um grupo. Motivação A motivação é um fenômeno importante a ser considerado na dinâmica das relações humanas e da 39 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL liderançaa seguir serão apresentados alguns autores e suas abordagens teóricas que apontam considerações sobre o tema. Por motivação se compreende um conjunto de fatores complexos inconscientes e conscientes que determinam um comportamento que pode ser pessoal ou social, contínuo, persistente e dirigido para uma recompensa e com uma finalidade ou objetivo (CABRAL e NICK, 2005). Pode-se entender motivação como um aspecto originado de dentro do ser humano, ou seja, um aspecto subjetivo, e que tem correspondência com suas necessidades, sejam elas conscientes ou inconscientes, e que levam o ser a um comportamento ou ação. Segundo Rivière (2000), as motivações são forças que dirigem o ser humano para um comportamento e, através da análise das motivações, ocorre uma compreensão maior e abertura para a possibilidade de intervenções e ações sobre o indivíduo, ele ainda ressalta que as necessidades motivantes não se limitam às básicas de subsistência e seus efeitos são variados. A motivação para Rivière (2000, s/p.) é descrita como: [...] atividade persistente do organismo que planeja, por meio da aprendizagem e da comunicação, o comportamento dirigido a satisfazer suas necessidades. Certas formas de motivação incluem também os estados internos que acompanham a emoção. As tensões que surgem da ira, do ódio e do medo levam o indivíduo a protagonizar condutas que lhe produzirão alivio. Os estados emocionais agem de modo entrelaçado, em conflitos ou sem eles, sendo que o resultado dessa inter-relação dialética é uma gama de condutas significativas e variáveis. Partindo do ponto de vista de Riviere (2000), as motivações também estão ligadas aos sentimentos. Pode-se pensar, então, a partir dessa conceituação, em alguns exemplos históricos de seres humanos altamente motivados pelo sentimento do amor e a grande contribuição que trouxeram para a humanidade, como Madre Teresa de Calcutá, Gandhi, Martin Luther King e outros que simplesmente eram motivados pelo amor e suas ações e estilos de liderança, tornaram-se provas vivas disto. Os comportamentos e ações do homem são sempre frutos de motivações e podem ser fontes de 4 0 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL motivação para outros. Os seres humanos reagem aos estímulos, em consonância com sua constituição biológica, suas emoções, com as suas condutas anteriores apreendidas e o momento específico do aqui e agora de seus processos psicológicos internos, segundo Riviere (2000). Além das abordagens sobre motivação que levam em consideração as emoções, existem outras que advêm em decorrência das teorias das Relações Humanas, como sinaliza Chiavenato (2005), ele ressalta, através destas teorias, a existência de um ciclo motivacional inter-relacionado com as necessidades. Na compreensão de Chiavenato (2005), as necessidades estão ligadas a um ciclo de etapas motivacional. Figura 12. Ciclo motivacional Fonte. FONSECA, 2013 As necessidades surgem a partir de estímulos que podem ser intrínsecos ou extrínsecos ao ser, estas vão gerar um nível de tensão que buscará o alívio, para que o aparelho psíquico ou o corpo volte ao seu estado de homeostase ou equilíbrio anterior ao início da tensão. Para que haja a satisfação das necessidades e consequente alívio das tensões originadas pelas mesmas, o ser providenciará uma ação ou comportamento que trará o equilíbrio do organismo até que ocorra novo estímulo ou incentivo. O problema nessa cadeia de ciclo motivacional surge quando o ser vivencia o impedimento do alívio da tensão e, consequentemente, a vivencia de insatisfação frente às necessidades. A frustração das necessidades pode levar o homem a reações generalizadas, tanto as comportamentais como as psicológicas e podem, também, adoecer se a frustração tornar-se prolongada e associada a sentimentos de desesperança. Outro importante conceito associado às satisfações ou insatisfações das necessidades é o de moral. A moral aqui é compreendida como um conjunto de atitudes 41 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL mentais ligadas ao grau de satisfação ou insatisfações das necessidades individuais, trata-se de um estado de espírito, um conceito abstrato, entretanto, perceptível. Os níveis de moral estão intimamente associados às atitudes que o homem pode manifestar frente ao grupo e a ele próprio (CHIAVENATO, 2005), por exemplo, um membro da equipe de saúde pode ter seu nível de moral extremante afetado, caso seja tratado com insistência frente às suas observações técnicas, com descaso. Não tendo sua necessidade de reconhecimento atendida, tal situação pode levar a pessoa a ter atitudes agressivas diante de todos os outros membros da equipe, demonstrando o nível de moral baixo, decorrente da insatisfação de suas necessidades sociais. A seguir, no próximo item deste capitulo, outro importante conceito será abordado, conceito fundamental para se pensar sobre a posição que o ser humano ocupa frente aos outros seres humanos no contemporâneo, este conceito, a saber, é o da ética nas relações humanas. A Ética nas Relações Humanas Ao falar sobre ética, naturalmente, remete-se ao ser humano, suas relações com outros seres humanos e com o meio o qual vive. Através do exercício da ética, as relações humanas tornam-se saudáveis, cria-se um ambiente solidário, construtivo, rico em aprendizagem e crescimento para todos. Esta temática é antiga, porém, extremamente contemporânea e trata de um recurso indispensável para a vida em sociedade. Tanto em um contexto familiar quanto de trabalho, a ética permeia ou não as relações, não se pode pensar que há o exercício da ética quando, por exemplo, na relação entre líder e liderados, existe assédio moral, ou quando em uma família ocorre a desvalorização de um dos membros através de escárnios ou gozações contínuas, ou, ainda, quando em uma equipe de saúde um de seus membros tem sua subjetividade ignorada através do não reconhecimento de suas percepções técnicas e humanas. Para que o conceito seja melhor compreendido e aplicado à prática do dia a dia, se faz necessária uma busca histórica desde a origem da palavra e seus sentidos até sua atual compreensão nos dias de hoje. Para esclarecer o significado da 42 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL palavra “ethos”, em grego, Boff (1999, p. 195) apresenta no glossário de sua obra o que veremos a seguir: Ethos: em grego significa a toca do animal ou a casa humana; conjunto de princípios que regem, transculturalmente, o comportamento humano para que seja realmente humano no sentido de ser consciente, livre e responsável; o ethos constrói pessoalesocialmente o habitat humano; veja moral. No que se refere ao significado do termo moral, que tem sua origem no latim “mores”, Boff (1999, p. 197) mostra da seguinte forma: Moral: formas concretas pelas quais o ethos se historiza; as morais são diferentes por causa das culturas e dos tempos históricos diferentes. Mas todas as morais remetem ao ethos do humano fundamental que é um só. Nesta apresentação de Boff (1999), a palavra ethos e a palavra moral apresentam-se em íntima associação, um conceito contendo o outro, embora suas origens sejam diferentes, elas se encontram em seu significado. Pode-se pensar que este conjunto de comportamento humano, ethos, que basicamente diz respeito à consciência da necessidade de humanização do ser, está em ligação processual e dinâmica com a moral. Esta última constrói-se também, assim como ethos, com o tempo, e suas características estão intimamente ligadas à época de seu surgimento. Assim, cada época tem seus preceitos morais distintos e
Compartilhar