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A VÍTIMA, CONTEXTUALIZAÇÃO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O EVENTO DELITUOSO

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O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 59
TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES - UMA ABORDAGEM
ANALÍTICA DO FENÔMENO CRIMINAL NO ESTADO DE MINAS
GERAIS
HÉLIO HIROSHI HAMADA
Capitão da PMMG, Pós-graduado em Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública pela UFMG.
Resumo: Aborda a atuação de traficantes de animais através de uma
visualização espacial do problema, tecendo alguns comentários para a
legislação vigente de proteção à fauna e um cenário da situação nacional.
Discute as formas de fiscalização e controle do tráfico de animais no
Brasil e o desenvolvimento de estratégias para a contenção do delito,
incluindo-se, neste contexto, a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais
na proteção do meio ambiente.
Palavras-chave: Animais Silvestres, Tráfico, Crime Organizado, Meio
Ambiente, Biodiversidade, Fauna Brasileira, Biopirataria, Inteligência
Policial.
1 INTRODUÇÃO
Segundo a WWF-Brasil, organização não governamental que realizou
uma extensa pesquisa sobre o comércio ilegal da fauna e flora, o tráfico de
animais no mundo movimenta bilhões de dólares anualmente. O Brasil é um
dos maiores fornecedores de animais silvestres comercializados ilegalmente
em grandes centros urbanos. Estima-se que, a cada ano, cerca de 12 milhões
de animais silvestres sejam retirados das matas brasileiras e vendidos
ilegalmente a países como Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Bélgica, França
e Inglaterra, entre outros.1
Animais considerados exóticos alcançam cifras milionárias, aguçando a
cobiça de quadrilhas especializadas que agem através de uma rede que possui
conexões em vários países, principalmente naqueles onde a fauna silvestre é
abundante, tanto em quantidade como em qualidade.
Seguindo o contexto nacional, o Estado de Minas Gerais traz, em seu
vasto território, características favoráveis à atuação de criminosos. Uma delas
1 WWF-BRASIL. O tráfico de animais silvestres no Brasil Um diagnóstico preliminar.
Série técnica Volume I. Brasília, 1995
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é a deficiência fiscalizatória para impedir a comercialização clandestina de
animais silvestres. A correta identificação do problema e o acompanhamento
sistemático da situação contribuem para a propositura de estratégias eficazes
de combate ao tráfico de animais silvestres por parte dos órgãos responsáveis
pela fiscalização ambiental.
2 ORDENAMENTO JURÍDICO AMBIENTAL - ASPECTOS LEGAIS
DE PROTEÇÃO DA FAUNA
A conservação da natureza passou a ser uma grande preocupação
da comunidade européia desde os anos 70, passando, a partir de então, a
constar na pauta das políticas de governo. No ano de 1973, em Washington,
nos EUA, entrou em vigor a Convenção sobre o Comércio Internacional
das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES
- atualmente contando com a participação de 152 países, cujo objetivo é
regular o comércio internacional e prevenir o declínio de espécies
ameaçadas ou potencialmente ameaçadas de extinção.
O Brasil é signatário da CITES desde a sua criação, cujas ações foram
promulgadas através do Decreto Federal nº 76.623/75. Porém, somente em
2000, através do Decreto Federal nº 3.607 é que foram definidos
procedimentos e adoção de medidas, no sentido de assegurar o cumprimento
das disposições contidas na Convenção com vistas a proteger certas espécies
contra o comércio excessivo, para assegurar sua sobrevivência e ainda a
designação de autoridades administrativas e científicas nos países signatários.
Os países europeus baseiam suas políticas relativas à fauna em dois textos
legislativos: a Diretiva 79/409/CEE, adotada em abril de 1979, que se refere à
conservação dos pássaros selvagens Directive Oiseaux e a Diretiva 92/43/
CE, adotada em maio de 1992, que dispõe sobre a conservação dos habitats
naturais e sobre a fauna e flora selvagens Directive Habitats. Essas duas
diretivas trouxeram significativa base legal para a proteção de espécimes raros
em seus habitats naturais, através da criação de zonas de proteção ecológicas.
Atualmente, o Brasil dispõe de um razoável ordenamento jurídico
voltado para a proteção do meio ambiente. Porém, vários juristas consideram
a legislação esparsa, fragmentária, e, por advir de várias fontes, de difícil acesso
aos setores mais leigos. Essa fragmentação traduz uma visão ainda pontual do
meio ambiente, que não é integrado em totalidades que abarquem aspectos
políticos, econômicos, sociais, científicos, naturais e técnicos. Com isso, tem-
se a impressão de que os temas normatizados existem independentemente.
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O grande salto de qualidade do ordenamento jurídico ocorrido no Brasil,
no que concerne à proteção ambiental, adveio com a promulgação da
Constituição de 1988. Pela primeira vez na história do País, uma legislação
pertinente ao meio ambiente foi elevada à categoria de norma constitucional e
ganhou um capítulo específico.
A Constituição Federal, com o objetivo de efetivar o direito ao meio
ambiente, estabeleceu uma gama de incumbências para o Poder Público, arroladas
nos incisos I ao VII do art. 225. A sobrevivência dos animais, independentemente
de serem ou não da fauna brasileira, contam com garantia constitucional, pois
todas as situações jurídicas devem se conformar aos princípios constitucionais.
Além do Capítulo do Meio Ambiente, a Constituição de 1988 inovou
no que tange à divisão de competências administrativas e legislativas entre os
três níveis de poder - Federal, Estadual e Municipal. Entretanto, a falta de clareza
quanto aos limites de competências entre essas esferas do poder geraram conflitos
na execução da política de proteção ao meio ambiente.
As Constituições estaduais se inspiraram na Carta Magna para dispor
sobre o tema. Vinte e quatro estados da federação incluíram na sua legislação
estadual dispositivos para a proteção da fauna, assegurando a diversidade das
espécies e dos ecossistemas, além da preservação do patrimônio genético,
protegendo as espécies animais de extinção ou crueldade.
Com relação às atividades das Polícias Militares, destaca-se, conforme
a Constituição Federal, a atribuição da manutenção da ordem pública. Contudo,
ela será exercida pelo Estado através da segurança pública, sendo direito e
responsabilidade de todos. Em Minas Gerais, a Constituição Estadual preceitua
em seu artigo 142 a competência da Polícia Militar, observando-se a incumbência
particular de proteção ao meio ambiente.
Os animais da fauna brasileira são propriedade da União, considerados
bem de uso comum do povo. Isto significa que eles estão sob domínio eminente
da Nação, ou seja, estão submetidos às regras administrativas impostas pelo
Estado. O órgão responsável pelos animais da fauna silvestre brasileira é o
IBAMA que, em muitos estados, fez convênios com a Polícia Florestal, que o
auxilia na fiscalização ambiental.
Dentre as competências atribuídas ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, previstas na Lei no
7.735, de 22 de fevereiro de 1989, encontra-se a de executar e fazer executar
as leis de conservação, preservação e uso racional da flora e fauna. Conforme o
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Decreto 3.607/00, o IBAMA também foi designado para ser a
Autoridade Administrativa Científica perante a CITES2.
Já a Lei de Crimes Ambientais ou Lei da Natureza , como é chamada
a Lei nº 9.605/98, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas
de condutas, além de atividades lesivas ao meio ambiente,sendo posteriormente
regulamentada pelo Decreto nº 3.179/99.
3 O PANORAMA NACIONAL DO TRÁFICO DE ANIMAIS
SILVESTRES
O tráfico de animais silvestres faz com que exista um mercado não-
oficial milionário e é responsável pela terceira maior atividade ilícita do mundo,
ficando atrás apenas do tráfico de entorpecentes e de armas3. Especialistas das
agências governamentais estimam que o tráfico ilegal de animais silvestres
movimenta anualmente cerca de 10 bilhões de dólares. O Brasil participa com
cerca de 5% a 7% deste total.4
Neste cenário, o Brasil é o país que possui a maior biodiversidade do
planeta, considerado o seu patrimônio genético natural, e por ser o mais extenso
da América do Sul, o terceiro das Américas e o quinto do mundo com
8.511.965 Km2, perdendo apenas para a Rússia (17.075.400 km2), o Canadá
(9.970.610 km 2), a China (9.517.300 km2) e os Estados Unidos (9.372.614
km 2). Cinco diferentes ecossistemas são encontrados no Brasil: amazônico
(floresta amazônica), atlântico (mata atlântica e o sistema lagunar/restinga/
manguezal oceânicos), cerrado (centro-oeste), caatinga (nordeste) e
pantaneiro (sudoeste).
Segundo relatos obtidos pela WWF-Brasil de técnicos e ambientalistas,
depois da redução do habitat, decorrente de desmatamento, o tráfico de animais
silvestres é a segunda maior causa da redução populacional de espécies nativas.
2 Cabe à autoridade científica controlar as variações populacionais das espécies ameaçadas
de extinção, cooperar com a realização de programas de conservação e manejo, bem como
emitir pareceres acerca do destino provisório ou definitivo de espécimes apreendidas
conforme normas estabelecidas pela CITES
3 BRASIL. Relatório Final - Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o
tráfico de animais e plantas silvestres da fauna e da flora brasileiras Depoimento dado
por Ricardo Bechara Elabras, Chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Ambientais da
Superintendência Regional do Rio de Janeiro da Polícia Federal, em audiência pública
realizada em 26/11/02. Brasília: Congresso Nacional, 2002.
4 REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. Dados
sobre o tráfico de animais silvestres. Disponível em <http//www.renctas.com.br>.
Acessado em 02Dez.2002.
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Diversos mamíferos, como o tamanduá bandeira, a jaguatirica e a onça
pintada, estão na lista dos animais em extinção. O mesmo problema também é
verificado com as aves. Das 1.622 espécies existentes no país, 132 estão
ameaçadas de extinção. O jacaré, cuja pele era muito usada para a confecção
de casacos, sapatos e cintos, chegou a entrar na lista. A sua situação só melhorou
na década de 80 com a autorização da criação comercial em fazendas5.
O comércio de aves exóticas, especialmente de papagaios no Brasil,
alcança níveis tão altos na Europa e nos Estados Unidos que a Environment
Investigation Agency (EIA) publicou um relatório em que descreve as
péssimas condições do transporte clandestino. Tal relatório recebeu o título
de Flight to Extintion.
A fabricação de medicamentos tem sua parcela de responsabilidade na
degradação da biodiversidade nacional e possui grandes motivações financeiras
como pano de fundo . Somente a título de exemplo, pesquisas revelam que o
mercado mundial de hipertensivos movimenta anualmente cerca de U$ 500
milhões, sendo o princípio ativo desses medicamentos retirados de algumas
espécies de serpentes brasileiras como a jararaca. A cotação internacional de
apenas um grama de veneno de jararaca é de 600 dólares e o da cascavel de
1.200 dólares.6 A degradação ambiental revela-se no momento em que animais
são retirados de seu habitat natural, sendo traficados para esse fim, prejudicando
seriamente o equilíbrio ecológico das espécies. A coleta indiscriminada e ilegal
de animais fornecedores de substâncias químicas para a produção de
medicamentos faz parte da prática de biopirataria7.
A WWF-Brasil observou que existe uma relação entre o comércio
interno e o tráfico internacional, devido ao tipo de composição social que
alimenta e mantém esta rede de comércio clandestino, facilitado pelas
dimensões geográficas do país e interferências culturais que permeiam esta
atividade. Conclui-se, por conseguinte, que a sustentação do tráfico
internacional tem como base o comércio nacional.
Ressalta-se, ainda, que o tráfico interno possui um comércio varejista,
de pequena escala, e outro atacadista, praticado por grandes intermediários,
sendo ambos igualitários em nível de participação. O comércio varejista, cujo
5 REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. Dados
sobre o tráfico de animais silvestres. Disponível em <http//www.renctas.com.br>. Acessado
em 02Dez.2002.
6 Idem 5.
7 A biopirataria é o acesso, a coleta e a exploração indevida de estrangeiros a recursos do
patrimônio genético existente no território nacional para fins científicos.
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comprador é aquele que mantém animais em residências é enorme. A região
Norte possui um traço cultural característico que é favorecido pela proximidade
com a floresta. Em uma pesquisa realizada pela bióloga Meri Cristina Amaral
Gonçalves Fernandes, da Universidade Federal do Acre8, foi identificada a
presença de 19 espécies de primatas mantidas em residências particulares na
Capital daquele Estado. Já o atacadista é caracterizado pelo comércio
intermediário em grandes centros, que acaba visando ao comércio internacional.
3.1 Rotas e formas de atuação dos traficantes de animais
A estruturação das quadrilhas especializadas faz com que se
caracterize a atuação popularmente conhecida como crime organizado .
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso Nacional,
instituída no ano de 2002 com o fim de investigar o tráfico de animais e
plantas silvestres da fauna e da flora brasileira, verificou que o volume de
recursos envolvidos justifica o funcionamento da atividade consoante as
práticas das organizações criminosas, o que ficou claro nas operações de
campo e investigações realizadas pela Comissão.
As altas somas despertam o interesse de outras quadrilhas especializadas
em tráfico de drogas e armas. No 1º Workshop da Rede Sul-Americana de
Combate ao Comércio Ilegal da Fauna Selvagem, realizado no ano de 2002, na
Academia da Polícia Federal em Brasília, foi demonstrado que traficantes de
animais estão prestando serviços para narcotraficantes.
De acordo com Dener Giovanini, Coordenador da organização não-
governamental Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres 
RENCTAS, cerca de 150 quadrilhas que realizam o comércio ilegal de animais
possuem estreitas relações com o tráfico de drogas.
Diante das formas conhecidas de atuação dos criminosos, pode-se fazer
uma divisão em duas modalidades. A primeira é a atuação na captura e
intermediação de animais até a sua comercialização. A segunda forma caracteriza-
se pelas maneiras de burlar a fiscalização ambiental no transporte ilegal de animais.
No aspecto da captura e a comercialização de animais, constatou-se
que existe a utilização de pessoas de baixa renda e que possuem poucas opções
de sustento. Geralmente, o preço pago por animal capturado é baixo. Essa forma
de atuação é chamada pela WWF-Brasil como estrutura social do tráfico ,
onde o quadro de pobreza e a falta de alternativas econômicas contribui para
estimular a eclosão do delito.
8 Pesquisa descrita no Relatório da WWF-BRASIL. O tráfico de animais silvestres no
Brasil Um diagnóstico preliminar. Série técnica Volume I. Brasília, 1995
Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado
de Minas Gerais
Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2964Essa estrutura é facilmente demonstrada quando se observam os
principais pontos de captura catalogados pela CPI do tráfico de animais. De
acordo com o quadro, as regiões de menor poder aquisitivo desempenham o
papel de principais fornecedoras de espécies da fauna brasileira.
TABELA 01 - PRINCIPAIS PONTOS DE CAPTURA IRREGULAR
DE ANIMAIS SILVESTRES DO PAÍS - 2003
Fonte: Relatório da CPI do Congresso Nacional/2002.
 Bahia
 Piauí
 Pernambuco
Tocantins 
Maranhão
 Pará
 Paraíba
 Ceará
 Rio Grande do Norte
 Sergipe
Alagoas
 Rio Grande do Sul
Mato Grosso
 Mato Grosso do Sul
 Goiás
 Minas Gerais
 São Paulo
Campo Formoso; Jeremoabo; Canudos; Canché; Ribeira do
Pombal; Euclides da Cunha; Uauá; Tucano; Ibotirama; Cocos;
São João do Paraíso; Morro do Chapéu; Itaberaba e Amargosa
Floriano; Canto do Buriti; Piripiri; Corrente; Gilbues; Santa
Filomena; Barreiras; São Gonçalo do Gurguéia e Monte Alegre
Petrolândia; Serra Talhada e Salgueiro
Lizarda; Serra do Jalapão; Mateiros; Santa Rosa; Centenário;
Recursolândia; Silvanópolis; Araguanã; Ponte Alta; Araguaçu e
Ilha do Bananal
Curupá; Fazenda Falha; Alto Parnaíba; Tasso Fragoso; Balsas;
Guadalupe; Barão do Grajaú; Zé Doca e Buriticupu
Ilha de Marajó; Redenção; Xinguara; Repartimento; Parauapebas;
Conceição do Araguaia; Bragança; Santarém e Serra dos Carajás
Patos; Pombal; Souza e Cajazeiras
Crateús; São Benedito; Ubajara; Araripe e Jati
Caicó; Jardim do Seridó e Currais Novos
Tobias Barreto; Cristinápolis e Nossa Senhora da Glória
Pão de Açúcar; Palestina e Paricânia
Banhado do Taim
Poconé; Cáceres; Chapada dos Guimarães e todo o Pantanal
Bonito e Pantanal
Chapada dos Veadeiros; São Miguel do Araguaia e Bonópolis
Buritis; Serra das Araras; Serra dos Gaúchos; Parque Nacional
Grande Sertão Veredas e Urucuia
Vale do Ribeira
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Na seqüência da cadeia de comercialização ilegal dos animais silvestres,
encontram-se os primeiros intermediários, que atuam coletando os animais
capturados pelas pessoas humildes e os armazenam em depósitos, até que
consigam transportá-los para outros locais em grandes centros urbanos.
Determinadas espécies de pássaros, quando capturados ainda filhotes, são
mantidos escondidos em fornos de carvoarias, viveiros no cerrado próximo a
residências e em buracos cobertos, até atingirem o ponto ideal e quantidade
suficiente para serem transportados.
Às vezes, os intermediários possuem territórios demarcados, onde fazem
contatos com os moradores periodicamente, para posteriormente recolher os
animais. Tais pessoas obtêm grandes lucros somente com a intermediação.
Os segundos intermediários são aqueles que atuam clandestinamente
no comércio varejista, com pequenos estabelecimentos comerciais registrados.
Esse segmento desempenha papel fundamental de ligação dos pequenos
comerciantes, que transitam entre a zona rural e urbana, com os grandes
atacadistas, que possuem atuação no mercado internacional.
Os grandes comerciantes são responsáveis pelo último segmento da
cadeia, o contrabando nacional e internacional de grande porte, incluindo
traficantes brasileiros e estrangeiros especializados nesse tipo de comércio
clandestino. Alguns traficantes são proprietários de criadouros científicos e
empresários legalmente constituídos, com conexões com o mercado internacional
de animais silvestres.
Esses traficantes, por sua vez, formam suas bases no eixo Rio de Janeiro
São Paulo, onde acontece o maior volume de vendas. Em primeiro lugar está o
fluxo que parte da região Nordeste, em segundo o fluxo da região Centro-Oeste,
passando pelo Estado de Minas Gerais, e, em terceiro, o fluxo direto da região
Norte, todos convergindo para a região Sudeste.
Para alimentar o tráfico de animais, grandes redes são montadas para
burlar a fiscalização que é realizada nas rodovias do país. Essas redes são capazes
de movimentar animais por até 3.000 Km de distância.
O comércio realizado em feiras livres desempenha um papel fundamental
no atendimento à demanda varejista e, ao mesmo tempo, funciona como
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fachada para os contatos com grandes traficantes do Estado de São Paulo,
estrangeiros e traficantes locais.
Por trás das feiras estão os grandes depósitos, utilizados como pontos
de receptação e manutenção de todo o fluxo proveniente de outras regiões.
Para dificultar a ação dos fiscais, esses depósitos são móveis e chegam a estar
localizados em cidades vizinhas.
A destinação dos animais é classificada em três categorias distintas,
possuindo fins diversos. A primeira categoria é a dos colecionadores
particulares e zoológicos, onde cada animal alcança altas cotações. A
segunda é a biopirataria cujas espécies são utilizadas para fins científicos. A
última são os inúmeros pet-shops que abastecem o setor varejista nas
grandes metrópoles.
Nas grandes metrópoles, os animais ganham status de artigo de luxo,
sendo alguns exportados para países da Europa, Ásia e América do Norte.
Animais como a arara-azul e o mico-leão-dourado atingem expressivos valores.
As altas cotações atingidas no mercado internacional não significam que
os animais contrabandeados foram comercializados a preços correspondentes
no comércio local. De modo semelhante ao tráfico de drogas, o lucro obtido
pelos traficantes é altamente compensatório, o que justifica o fato das quadrilhas
terem se especializado neste tipo de comércio ilegal.
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Fonte: WWF Brasil.
Nota: Última atualização em 1995.
 Sinal convencional utilizado: (-) Dado não disponível.
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TABELA 02 - PREÇOS ESTIMADOS DE ANIMAIS COMERCIALIZADOS
NO MERCADO NACIONAL E NO EXTERIOR
Papagaio verdadeiro (Amazona aestiva) - filhote
Papagaio de Cara-Roxa (Amazona brasiliensis)
Arara Canindé (Ara ararauna)
Arara vermelha (Ara chloroptera)
Araponga (Procnias sp.)
Corrupião (Icterus sp.)
Curió, Oryzoborus angolensis
Tico-tico da Serra
Coleiro-virado
Galo de campina (Paroaria dominicana)
Tié-sangue Tanager (Ramphocelus sp.)
Saíra sete cores (Tangara seledon)
Sanhaço (Thraupis sp.)
Periquito-rico (Brotogeris tirica)
Bico de lacre (Africano)
Melro (Gnorimopsar chopi)
Tucano (Ramphastos sp.)
Tucano (Ramphastos dicolorus)
Mico-estrela (Calithrix jachus)
Mico-leão da cara dourada (Leontopithecus
chrysomelas)
Macaco prego (Cebus sp)
Cágado
Jabuti
Jaguatirica (Felis pardalis) - filhote
Animal Preço Local
 (US$)
Preço Exterior
 (US$)
93
110
120
120
100
30
50
30
30
10
15
20
25
25
5
140
70
80
30
250
220
25
35
100
2.000
4.500
10.000
12.000
-
500
1.000
1.000
1.000
-
-
-
500
500
-
13.000
2.000
2.500
1.000
15.000
8.000
-
-
5.000
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3.2 Técnicas utilizadas pelos grupos criminosos para o transporte dos
animais
Técnicas sofisticadas para burlar a fiscalização são utilizadas para a
travessia dos animais silvestres pelas fronteiras do país e muitas vezes trazem
sérios prejuízos para os animais. Apesar de não existirem dados oficiais, estima-
se que somente 10% dos animais chegam ao seu destino em decorrência dos
maus tratos e quando são pegos pela fiscalização estão tão enfraquecidos que
necessitam de um período de recuperação antes de serem libertados.
No transporte de animais,podem-se citar várias formas utilizadas:
- Utilização de ônibus de carreira que fazem o percurso dos Estados
fornecedores e destinatários, acondicionando os animais em pequenas caixas ou
gaiolas, muita das vezes sedando-os para impedir que façam barulho;
- utilização de ônibus de turismo que transportam materiais diversos para
serem comercializados nas regiões Norte e Nordeste do país. Geralmente as
mercadorias são trocadas por pássaros e outros animais silvestres. Às vezes, os
animais são trocados por drogas e armas;
- utilização de caminhões de carga, aproveitando-se de espaços nas
carrocerias, por entre a carga, gavetas e entre os chassis. Já foram detectados
animais transportados no meio de cargas de carvão e madeira;
- carros de passeio que são transportados em cima de carrocerias de
caminhões, oriundos das regiões Norte e Nordeste do país, são utilizados para
esconder os animais;
- carros de passeio ou vans transportando pássaros em malas
carregadoras escondidas no porta-malas ou atrás dos bancos;
- as viagens nos diversos tipos de transporte são efetuadas na maioria
das vezes no período noturno, na tentativa de dificultar a ação da fiscalização
ambiental;
- um batedor segue à frente do veículo que transporta os animais,
informando da existência de fiscalização ambiental, dificultando a sua abordagem
e identificação. Nesse tipo de tática, radiotransmissores com faixas de pequena
freqüência são utilizados pelos traficantes para a troca de informações;
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- outro meio de transporte utilizado é a ambulância, pois raramente esse
tipo de veículo é abordado em barreiras ou blitzen, devido à possibilidade de
estar transportando um doente.
Certamente, a criatividade dos traficantes, não se esgota com facilidade,
o que faz com que a fiscalização esteja sempre atenta a novas modalidades de
transporte e comercialização dos animais.
4 O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO ESTADO DE MINAS
GERAIS
4.1 Análie comparativa de ocorrências registradas pela Polícia Militar
A Polícia Militar de Minas Gerais classifica a ocorrência de tráfico de
animais, segundo a DIAO-01/949 como K01-003 Comercializar, irregularmente,
espécimes de fauna silvestre10. A mesma diretriz traz, dentre as demais
providências recomendadas, a condução do infrator em flagrante e
encaminhamento para a delegacia de polícia.
Para análise dos registros de comércio ilegal de animais no Estado de
Minas Gerais, foram coletados dados correspondentes ao período de 1998 até
o mês de agosto de 2002. Todos os dados foram classificados e ordenados por
região, os quais serviram para a análise quantitativa do delito em detalhe regional,
revelando as concentrações de casos da natureza de comércio ilegal no Estado,
muito útil para a adoção de estratégias localizadas.
A concentração de ocorrências de comércio ilegal de animais no Estado
de Minas Gerais está basicamente nas regiões Norte, Leste e Sul do Estado,
totalizando 66,69% dos registros efetuados no período de 1998 a 2002. Essas
regiões compreendem justamente as rotas dos traficantes que transportam os
animais do Nordeste do país para os grandes centros, passando por Minas
Gerais pela BR-116. Interessante faz-se notar que a região Central do Estado
(Belo Horizonte e RMBH) possui registros significativos, estando à frente de
algumas regiões. Já as regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba registram
baixas incidências.
9 Diretriz Auxiliar de Operações da Polícia Militar Traz a codificação de ocorrências e
diretrizes gerais de procedimentos policiais no Estado de Minas Gerais.
10 Por comércio, entende-se a permutação de produto, troca de valores, venda, compra,
sendo comercializados animais da fauna silvestre DIAO-01/94
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TABELA 03 - QUADRO DE FREQUÊNCIA DE OCORRÊNCIAS DE
COMÉRCIO ILEGAL DE ANIMAIS EM MINAS GERAIS
POR REGIÃO. PERÍODO: 1998 - 2002(*)
Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais (SM-20).
 Nota: (*) Dados do ano de 2000 computados de janeiro a agosto.
Como metodologia para identificação do delito, também foi analisada a
ocorrência classificada como K06.000 na DIAO-01/94 Criar, reproduzir,
transportar, manter em cativeiro animal silvestre, sem guia de trânsito, registro
ou licença cuja modalidade delitual não contempla a condução do infrator,
havendo a apreensão dos animais e artefatos utilizados, sendo redigido o boletim
de ocorrência para a autoridade competente. Tal análise surgiu da necessidade
de cruzar dados com o comércio ilegal de animais de modo que o destino
dos animais capturados ilegalmente também seja rastreado dentro do Estado.
Em números absolutos, houve a confirmação de que a região em que mais
se registram ocorrências de comércio ilegal de animais também é a que mais
registra apreensões decorrentes de criação e transporte de animais sem licença,
ou seja, o Vale do Rio Doce concentra a maioria dos casos em Minas Gerais.
O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 71
REGIÃO
VALE DO RIO DOCE
ZONA DA MATA
NORTE DE MINAS
SUL DE MINAS
CENTRO-OESTE
RMBH
BELO HORIZONTE
LESTE DO TRIÂNGULO
MINEIRO
ALTO PARANAÍBA
PONTAL DO TRIÂNGULO
MINEIRO
MINAS GERAIS
OCORRÊNCIAS
58
40
28
26
21
20
11
9
8
6
 227
FREQÜÊNCIA
(%)
25,55
17,62
12,33
11,45
9,25
8,81
4,85
3,96
3,52
2,64
 100,00
FREQÜÊNCIA
ACUMULADA
(%)
25,55
43,17
55,51
66,96
76,21
85,02
89,87
93,83
97,36
100,00
Hélio Hiroshi Hamada
Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2971
A tabela seguinte revela ainda a participação de Belo Horizonte nessa
modalidade. Quando somadas as ocorrências registradas na Região
Metropolitana, reforça-se a afirmação de que Capital do Estado é um grande
pólo de receptação de animais silvestres capturados e mantidos em cativeiro
clandestinamente, oriundos muito provavelmente, na sua maioria, do tráfico
de animais.
Um fato relevante a ser observado está nas ocorrências registradas no
Norte de Minas, que se manteve em um patamar acanhado em relação à criação
e transporte ilegal de animais silvestres (Tabela 04), contrastando com o fato da
mesma região ocupar o terceiro lugar no registro de comércio ilegal (Tabela 03).
Isso indica que a região Norte de Minas serve de rota para os traficantes, porém
não é de interesse para a captura de animais.
TABELA 04 - QUADRO DE FREQUÊNCIA DE OCORRÊNCIAS
RELATIVAS À CRIAÇÃO E TRANSPORTE DE ANIMAIS
SEM LICENÇA NO ESTADO DE MINAS GERAIS, POR
REGIÃO. PERÍODO: 1998 2002(*)
Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais (SM-20).
 Nota: (*) Dados do ano de 2000 computados de janeiro a agosto.
72 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004
REGIÃO
VALE DO RIO DOCE
RMBH
ZONA DA MATA
BELO HORIZONTE
CENTRO-OESTE
SUL DE MINAS
PONTAL DO TRIÂNGULO
MINEIRO
LESTE DO TRIÂNGULO
MINEIRO
NORTE DE MINAS
ALTO PARANAÍBA
MINAS GERAIS
OCORRÊNCIAS FREQÜÊNCIA
(%)
FREQÜÊNCIA
ACUMULADA
(%)
7960
2090
1639
1500
1347
1325
771
728
663
503
18526
42,97
11,28
8,85
8,10
7,27
7,15
4,16
3,93
3,58
2,72
100,00
42,97
54,25
63,10
71,19
78,46
85,61
89,78
93,71
97,28
100,00
Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado
de Minas Gerais
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4.1 Informações espaciais do tráfico de animais em Minas Gerais
As informações de mensuração no tempo e no espaço geográfico são
importantes ferramentas para o processo de pesquisa, análise e apresentação.
No caso do tráfico de animais, com os dados coletados pela base de dados da
Polícia Militar, vislumbra-sea distribuição espacial do crime em Minas Gerais.
FIGURA 01 MAPA DO COMÉRCIO ILEGAL DE ANIMAIS
SILVESTRES NO ESTADO DE MINAS GERAIS 1998
A 2002 (Até Agosto)
Nessa análise, percebe-se que os municípios com maior número de
registros foram Belo Horizonte, Governador Valadares, São Romão, Três
Marias e Curvelo. Importante ressaltar que a Capital do Estado revelou-se
como destaque justamente por ser este um dos destinos finais dos animais
para serem comercializados.
Observa-se que as cidades de Três Marias e São Romão fazem parte
dos municípios que congregam a bacia hidrográfica do Rio São Francisco, que
por sua vez faz a interligação com vários Estados do Nordeste do país. O mapa
O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 73
Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais.
Governador Valadares
Três Marias
São Romão
Belo Horizonte
Curvelo
Hélio Hiroshi Hamada
LEGENDA
PERÍODO: 98 Até agosto/2002
0 - 0 (739)
2 - 2 (19)
4 - 8 (5)
3 - 4 (11)
1 - 1 (79)
Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2973
também apresenta um forte indicador de que o município de Curvelo constitui
uma importante rota do tráfico de animais silvestres para a Capital do Estado.
FIGURA 02 MAPA DOS REGISTROS DE APREENSÃO DE ANIMAIS
SILVESTRES SEM LICENÇA NO ESTADO DE MINAS
GERAIS 1998 A 2002 (Até Agosto)
O mapeamento de apreensões de animais em situação irregular feito
pela Polícia Militar apresentou uma característica não vislumbrada nas tabelas
de freqüência. O Triângulo Mineiro apresentava uma tendência de registros
menores do que outras regiões do Estado, todavia, ao ser feito o mapeamento
por municípios, a distribuição demonstra ser mais uniforme. Tais dados indicam
que a região traz consigo importante fonte de informação sobre rota e
distribuição ilegal de animais silvestres.
Já a região central não apresentou surpresa, tendo os municípios da
RMBH, incluindo a Capital, os maiores registros de apreensões de animais
silvestres em situação irregular, vindo a confirmar as informações de tráfico
colhidas por órgãos de proteção ao meio ambiente.
74 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004
Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais.
Teófilo
Otoni
Itaobim
Governador
Valadares
Contagem
Belo Horizonte
Nova Lima
Juiz de Fora
Betim
Montes Claros
Uberlândia
Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado
de Minas Gerais
LEGENDA
PERÍODO: 98 Até agosto/2002
195 a 2,615 (10)
20 a 80 (123)
1 a 20 (257)
5 a 20 (305)
80 a 195 (26)
0 (132)
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5 ESTRATÉGIAS PARA CONTENÇÃO DO DELITO - A EXECUÇÃO DE
FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO TRÁFICO DE ANIMAIS NO BRASIL
No Brasil, o grau de integração existente entre os diversos órgãos
governamentais responsáveis pela fiscalização e proteção da fauna silvestre,
tanto em nível federal, como estadual e municipal é considerado frágil e pouco
operante. É o que constatou a WWF-Brasil nas suas pesquisas de campo. A
referida ONG ainda destaca que durante a 90ª Conferência da Convenção
sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Silvestres em
Perigo de Extinção, ocorrida em 1994, o Brasil foi classificado na categoria
III em relação ao nível de controle do comércio da fauna e flora, exercido por
81 países. Essa classificação significa que o país possui um desempenho ruim
no que concerne à fiscalização.
 Em seu diagnóstico do tráfico de animais, a WWF-Brasil revela que a
ineficácia dos órgãos encarregados de executar a legislação de controle e
fiscalização ambiental está diretamente associada à falta de vontade política para
implementar políticas públicas que permitam conciliar o crescimento econômico
do país com programas de conservação dos recursos naturais.
A impunidade é outro fator a ser considerado para que o país tenha este
mau desempenho na fiscalização do comércio ilegal de animais silvestres. Devido
à falta de uma fiscalização rigorosa, aliada à impunidade, pode-se constatar que
os mesmos traficantes que atuavam há 15 anos ainda estão na ativa, e o que é
pior, acrescidos de novos parceiros.
Na sua estrutura político-administrativa, os órgãos governamentais estão
hierarquicamente organizados, tendo em primeiro lugar o Ministério do Meio
Ambiente, encarregado de direcionar politicamente as ações do governo e de
normatizar a Política Nacional do Meio Ambiente. Em segundo plano está o
IBAMA, órgão federal responsável por coordenar a execução da política
ambiental no país. Em nível estadual estão as Secretarias de Meio Ambiente,
que desempenham seu trabalho através de seus departamentos de proteção de
recursos naturais, e a Polícia Militar, através de suas unidades especializadas.
Por último, existem as secretarias municipais de meio ambiente, encarregadas
de regular questões afetas ao município.
5.1 Desenvolvimento de estratégias para contenção dos delitos
O desenvolvimento de estratégias eficazes para o combate ao tráfico de
animais passa por uma série de fatores que exigem atuações conjuntas de órgãos
 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 75
Hélio Hiroshi Hamada
Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2975
ligados à proteção do meio ambiente. De modo geral, alguns princípios de redução
da criminalidade já incorporados no processo de elaboração de estratégias
policiais podem ser considerados. O processo de Estatística Computadorizada
(ComStat) de Nova Iorque, que começou em 1994 na forma de reuniões onde
se discutiam estratégias de controle da criminalidade11, pode muito bem ser
aplicado no caso da contenção do tráfico de animais silvestres.
Os princípios da redução da criminalidade incorporados no processo
ComStat são: 
- Inteligência precisa e atualizada. A informação que descreve como
e onde os crimes são cometidos, bem como quem são os criminosos, deve
estar disponível em todos os níveis da polícia;
- tática eficaz. Deverão ser desenvolvidas táticas que respondam
diretamente aos fatos descobertos durante o processo de coleta da inteligência.
As táticas devem ser abrangentes, flexíveis e adaptáveis à mudança das
tendências da criminalidade identificadas e monitoradas ;
- alocação rápida de pessoal e recursos. Alguns problemas podem
envolver apenas a equipe de patrulha, mas os planos mais eficazes requerem
que as equipes de diversas unidades e funções trabalhem unidas ;
- acompanhamento e avaliação incansáveis. Para garantir que
ocorram resultados adequados, é necessário um acompanhamento rigoroso
da atividade.
Segundo a coordenadora estadual de controle e fiscalização do IBAMA
em São Paulo, Marilda Correia Heck, uma solução para coibir este tipo de
crime é a parceria entre todas as polícias Militar, Civil, Federal e Interpol 
para que o trabalho investigativo tenha continuidade, pois o fiscal do IBAMA é
apenas um agente de fiscalização civil, um técnico ambiental. A falta de
investigação faz com que haja apenas apurações de pequeno porte, que são
importantes, porém não atingem os verdadeiros traficantes.
11 Processo de gerenciamento que resultou em uma grande redução da criminalidade. O
objetivo do ComStat é aumentar o fluxo de informação entre os executivos da organização
e os comandantes das unidades operacionais . HARRIES, Keith Mapeamento da
criminalidade: Princípios e prática.
76 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004
Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado
de Minas Gerais
Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2976
 A especialização de policiais para a operacionalização de fiscalizações
ligadas ao meio ambiente também é fator indispensável, pois existe uma
diversidade muito grande nas atuações, exigindo um trabalho de inteligência e
celeridade nas investigações. A operacionalizaçãode ações deve ser incentivada
com o apoio de entidades e a colaboração de ambientalistas e ONGs como a
RENCTAS e a WWF-Brasil, além de estreitamento de relações com órgãos
que detêm conhecimento técnico específico.
Mesmo sabendo que as espécies devam ser preservadas, velhos hábitos
continuam. Grande parcela da população ainda acredita que manter animais em
cativeiro, fora de seu habitat natural, não irá causar mal ao meio ambiente. A
origem dessa cultura está justamente nas comunidades rurais, caracterizadas
pela pobreza e frágeis meios de sustentabilidade. Nesses locais, existe ainda o
pensamento de que os recursos disponíveis na natureza são infinitos, capazes de
suportar qualquer grau de exploração.
Na perspectiva de soluções voltadas para o lado social do tráfico de
animais, a elaboração de políticas públicas voltadas para a educação ambiental
e o desenvolvimento sustentável com utilização e conservação racional dos
recursos naturais, traria resultados mais duradouros do que a própria repressão
ao delito. Pela pesquisa realizada, as regiões Norte e Nordeste do país possuem
o maior número de pontos de captura e depósito do tráfico.
Viver de forma sustentável implica a aceitação do homem em harmonia
com a natureza. O desenvolvimento baseado na conservação da vitalidade e
biodiversidade deve incluir providências no sentido de proteger a estrutura, as
funções e a diversidade dos sistemas naturais existentes. O trabalho de prevenção
passa então por uma conscientização de que os recursos naturais não são tão
perenes e que os prejuízos decorrentes do tráfico de animais são irreparáveis,
além, é claro, das penalidades legais a que estão sujeitos os autores. A educação
ambiental destina-se a despertar a consciência ecológica e o exercício da
cidadania, sendo instrumento valioso para a geração de atitudes, hábitos e
comportamentos que concorrem para garantir a qualidade do ambiente como
patrimônio da coletividade.
5.2 A Polícia Militar de Minas Gerais na proteção do meio ambiente
Recentemente foi desencadeado um trabalho conjunto envolvendo o
IBAMA, Ministério Público e a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.
O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 77
Hélio Hiroshi Hamada
Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2977
Esta é a segunda edição da campanha que tem o slogan Quem ama não
compra cujo principal objetivo é o de impedir a captura de aves, principalmente
as araras, maritacas e papagaios.
O foco da campanha compreende as regiões Norte e Noroeste do
Estado, em locais previamente identificados via satélite como sendo de maior
captura, protegendo os animais silvestres em período de reprodução.
Este é um tipo de intervenção que surte bons resultados, onde recursos
de última geração são empregados pelos meios fiscalizadores. Importante frisar
ainda a participação de outros órgãos, principalmente o Ministério Público
que já entrou com ações na justiça contra autoridades públicas envolvidas
com o tráfico de animais.
Um dos trabalhos referentes ao tratamento gerencial de dados de meio
ambiente que está sendo realizado pela Polícia Militar é o Mapeamento de
Crimes e Infrações Ambientais . Assim como o Geoprocessamento Criminal,
já em uso pela PMMG, a utilização desta ferramenta nas atividades ligadas ao
Meio Ambiente é considerado fundamental no processo de controle das
ocorrências afetas a crimes e infrações ambientais.
No desenvolvimento deste trabalho, o tratamento computacional de
dados geográficos, denominado de Sistema de Informação Geográfica (SIG),
analisa as ocorrências atendidas pelo Policiamento de Meio Ambiente, através
das imagens de satélite.
As áreas de atuação das frações de Polícia de Meio Ambiente são, em
sua totalidade, bastante extensas, ocasionando grandes deslocamentos das
viaturas em patrulhamento que, em grande parte, é feito em meio rural, onde as
estradas e os acessos são precários e mal sinalizados, ocorrendo constantemente
erros de percurso. Com o SIG, o policial pode aferir, de maneira fácil e clara, os
fatos ocorridos no espaço territorial sob sua responsabilidade, oferecendo
informações importantes para melhor emprego do efetivo.
Está em fase de estudos também a criação de um Laboratório de Análise
de Crimes e Infrações Contra o Meio Ambiente, que terá como missão o
desenvolvimento do Sistema apresentado para aplicação em todo o Estado de
Minas Gerais, através das frações de Polícia Militar de Meio Ambiente.
78 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004
Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado
de Minas Gerais
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6 CONCLUSÃO
A fatídica realidade exige que os órgãos fiscalizadores do meio
ambiente adotem posturas repressivas, através de estratégias eficazes de
combate ao tráfico de animais. Para tanto, o Policiamento Ambiental deve
traçar estratégias de controle do tráfico e, sempre que possível, com o apoio
dos demais órgãos de fiscalização.
A conscientização da população utilizada para a captura de animais
silvestres e o incentivo à formação de grupos específicos, em locais de incidência
de delitos, para a formulação de denúncias é uma ótima alternativa para a adoção
de medidas de intervenção com a utilização de organismos não governamentais
ligados à proteção do meio ambiente.
As informações coletadas, preferencialmente através de serviços de
inteligência, necessitam do desenvolvimento de uma rotina de análise de padrões
de criminalidade que pode ser feita a partir de um banco de dados específico
com informações georeferenciadas, capaz de identificar e mapear o cometimento
de delitos e pessoas ligadas ao tráfico de animais.
Para a especialização do homem, de modo que ele possa atuar de uma
forma mais eficaz na execução da fiscalização, os cursos de capacitação para
conhecimento da fauna podem ser coordenados pelo Ministério do Meio
Ambiente ou pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente,
responsáveis pela definição de políticas no âmbito governamental.
A atual política de intervenção da Polícia Militar de Minas Gerais para
inibir o tráfico de animais, apesar de não significar diretamente a redução de
ocorrências conforme os registros de ocorrências nos últimos cinco anos, é
apresentada por técnicos e estudiosos como corretas. Ocorre que, representando
a parcela repressiva do combate ao tráfico de animais por ser, dentre os órgãos
fiscalizadores e de proteção ao meio ambiente o que possui maior poder de
persuasão, sua atuação ainda depende de fatores externos, como a atuação
eficaz do IBAMA, Ministério Público, Polícia Federal e Interpol. O ponto-chave
da questão está exatamente na integração de esforços para o combate
sistêmico. Aliado à correção nas deficiências de alocação de recursos humanos
e materiais suficientes para a fiscalização das rotas e meios de transporte ilegal
dos animais traficados, a Polícia Militar terá condições de implementar suas
ações com total eficácia.
O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 79
Hélio Hiroshi Hamada
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É claro que a parte preventiva não deve ser desprezada, pelo contrário,
é igualmente eficiente para coibir delitos, porém é um trabalho que pode ser
melhor aproveitado pelas ONGs e nas campanhas publicitárias das Secretarias
de Meio Ambiente dos Estados e Municípios, cabendo à Polícia Militar a
adoção e direcionamento de esforços para um caráter mais ostensivo e de
repressão ao delito.
Abstract: Accost the action of the animals trafficker through the
space visualization of the problem, its telling some comments to
current legislation of protection of the fauna and the scene of
the national situation. It discusses the ways of fiscalization and
control the animals traffic in the Brazil and development of
strategies to containment of the delict, including itselfin this
context, the Military Police of the State of Minas Gerais in the
protection of the environment.
Key words: Animals Sylvesters, Traffic, Organized Crime,
Environment, Biodiversity, Brazilian Fauna, Biopirataria, Police
Intelligence.
80 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004
Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado
de Minas Gerais
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Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e
aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 02Set81.
BRASIL. Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 17Fev98.
BRASIL. Relatório Final - Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a
investigar o tráfico ilegal de animais e plantas silvestres da fauna e da
flora brasileiras . Brasília: Congresso Nacional, 2002.
CESARINO, Letícia. Mapeameto da Criminalidade: Princípios e prática.
Tradução do livro Mapping Crime de autoria de Keith Harries. Disponível em
meio eletrônico no site <http//www.crisp.ufmg.br> acessado em 20Nov2002.
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às atividades de Polícia Militar de Meio Ambiente no Estado de Minas
Gerais Estudo de Caso Lagoa Santa/MG. Monografia (Especialização) 
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2002
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Mandamentos Editora, 2000.
MINAS GERAIS. Constituição do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte,
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POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Anuário Estatístico Operacional
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O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 81
Hélio Hiroshi Hamada
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POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Diretriz Auxiliar de Operações
01/94-CG, (DIAO/01) . Belo Horizonte. 1994.
REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS
SILVESTRES. Dados sobre o tráfico de animais silvestres. Disponível em
<http//www.renctas.com.br>. Acessado em 02Dez2002.
WWF-BRASIL. O tráfico de animais silvestres no Brasil Um diagnóstico
preliminar. Série técnica Volume I. Brasília, 1995
82 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004
Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado
de Minas Gerais
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