Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 59 TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES - UMA ABORDAGEM ANALÍTICA DO FENÔMENO CRIMINAL NO ESTADO DE MINAS GERAIS HÉLIO HIROSHI HAMADA Capitão da PMMG, Pós-graduado em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG. Resumo: Aborda a atuação de traficantes de animais através de uma visualização espacial do problema, tecendo alguns comentários para a legislação vigente de proteção à fauna e um cenário da situação nacional. Discute as formas de fiscalização e controle do tráfico de animais no Brasil e o desenvolvimento de estratégias para a contenção do delito, incluindo-se, neste contexto, a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais na proteção do meio ambiente. Palavras-chave: Animais Silvestres, Tráfico, Crime Organizado, Meio Ambiente, Biodiversidade, Fauna Brasileira, Biopirataria, Inteligência Policial. 1 INTRODUÇÃO Segundo a WWF-Brasil, organização não governamental que realizou uma extensa pesquisa sobre o comércio ilegal da fauna e flora, o tráfico de animais no mundo movimenta bilhões de dólares anualmente. O Brasil é um dos maiores fornecedores de animais silvestres comercializados ilegalmente em grandes centros urbanos. Estima-se que, a cada ano, cerca de 12 milhões de animais silvestres sejam retirados das matas brasileiras e vendidos ilegalmente a países como Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Bélgica, França e Inglaterra, entre outros.1 Animais considerados exóticos alcançam cifras milionárias, aguçando a cobiça de quadrilhas especializadas que agem através de uma rede que possui conexões em vários países, principalmente naqueles onde a fauna silvestre é abundante, tanto em quantidade como em qualidade. Seguindo o contexto nacional, o Estado de Minas Gerais traz, em seu vasto território, características favoráveis à atuação de criminosos. Uma delas 1 WWF-BRASIL. O tráfico de animais silvestres no Brasil Um diagnóstico preliminar. Série técnica Volume I. Brasília, 1995 Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2959 60 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 é a deficiência fiscalizatória para impedir a comercialização clandestina de animais silvestres. A correta identificação do problema e o acompanhamento sistemático da situação contribuem para a propositura de estratégias eficazes de combate ao tráfico de animais silvestres por parte dos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental. 2 ORDENAMENTO JURÍDICO AMBIENTAL - ASPECTOS LEGAIS DE PROTEÇÃO DA FAUNA A conservação da natureza passou a ser uma grande preocupação da comunidade européia desde os anos 70, passando, a partir de então, a constar na pauta das políticas de governo. No ano de 1973, em Washington, nos EUA, entrou em vigor a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção - CITES - atualmente contando com a participação de 152 países, cujo objetivo é regular o comércio internacional e prevenir o declínio de espécies ameaçadas ou potencialmente ameaçadas de extinção. O Brasil é signatário da CITES desde a sua criação, cujas ações foram promulgadas através do Decreto Federal nº 76.623/75. Porém, somente em 2000, através do Decreto Federal nº 3.607 é que foram definidos procedimentos e adoção de medidas, no sentido de assegurar o cumprimento das disposições contidas na Convenção com vistas a proteger certas espécies contra o comércio excessivo, para assegurar sua sobrevivência e ainda a designação de autoridades administrativas e científicas nos países signatários. Os países europeus baseiam suas políticas relativas à fauna em dois textos legislativos: a Diretiva 79/409/CEE, adotada em abril de 1979, que se refere à conservação dos pássaros selvagens Directive Oiseaux e a Diretiva 92/43/ CE, adotada em maio de 1992, que dispõe sobre a conservação dos habitats naturais e sobre a fauna e flora selvagens Directive Habitats. Essas duas diretivas trouxeram significativa base legal para a proteção de espécimes raros em seus habitats naturais, através da criação de zonas de proteção ecológicas. Atualmente, o Brasil dispõe de um razoável ordenamento jurídico voltado para a proteção do meio ambiente. Porém, vários juristas consideram a legislação esparsa, fragmentária, e, por advir de várias fontes, de difícil acesso aos setores mais leigos. Essa fragmentação traduz uma visão ainda pontual do meio ambiente, que não é integrado em totalidades que abarquem aspectos políticos, econômicos, sociais, científicos, naturais e técnicos. Com isso, tem- se a impressão de que os temas normatizados existem independentemente. Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2960 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 61 O grande salto de qualidade do ordenamento jurídico ocorrido no Brasil, no que concerne à proteção ambiental, adveio com a promulgação da Constituição de 1988. Pela primeira vez na história do País, uma legislação pertinente ao meio ambiente foi elevada à categoria de norma constitucional e ganhou um capítulo específico. A Constituição Federal, com o objetivo de efetivar o direito ao meio ambiente, estabeleceu uma gama de incumbências para o Poder Público, arroladas nos incisos I ao VII do art. 225. A sobrevivência dos animais, independentemente de serem ou não da fauna brasileira, contam com garantia constitucional, pois todas as situações jurídicas devem se conformar aos princípios constitucionais. Além do Capítulo do Meio Ambiente, a Constituição de 1988 inovou no que tange à divisão de competências administrativas e legislativas entre os três níveis de poder - Federal, Estadual e Municipal. Entretanto, a falta de clareza quanto aos limites de competências entre essas esferas do poder geraram conflitos na execução da política de proteção ao meio ambiente. As Constituições estaduais se inspiraram na Carta Magna para dispor sobre o tema. Vinte e quatro estados da federação incluíram na sua legislação estadual dispositivos para a proteção da fauna, assegurando a diversidade das espécies e dos ecossistemas, além da preservação do patrimônio genético, protegendo as espécies animais de extinção ou crueldade. Com relação às atividades das Polícias Militares, destaca-se, conforme a Constituição Federal, a atribuição da manutenção da ordem pública. Contudo, ela será exercida pelo Estado através da segurança pública, sendo direito e responsabilidade de todos. Em Minas Gerais, a Constituição Estadual preceitua em seu artigo 142 a competência da Polícia Militar, observando-se a incumbência particular de proteção ao meio ambiente. Os animais da fauna brasileira são propriedade da União, considerados bem de uso comum do povo. Isto significa que eles estão sob domínio eminente da Nação, ou seja, estão submetidos às regras administrativas impostas pelo Estado. O órgão responsável pelos animais da fauna silvestre brasileira é o IBAMA que, em muitos estados, fez convênios com a Polícia Florestal, que o auxilia na fiscalização ambiental. Dentre as competências atribuídas ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, previstas na Lei no 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, encontra-se a de executar e fazer executar as leis de conservação, preservação e uso racional da flora e fauna. Conforme o Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2961 62 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Decreto 3.607/00, o IBAMA também foi designado para ser a Autoridade Administrativa Científica perante a CITES2. Já a Lei de Crimes Ambientais ou Lei da Natureza , como é chamada a Lei nº 9.605/98, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas, além de atividades lesivas ao meio ambiente,sendo posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 3.179/99. 3 O PANORAMA NACIONAL DO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES O tráfico de animais silvestres faz com que exista um mercado não- oficial milionário e é responsável pela terceira maior atividade ilícita do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de entorpecentes e de armas3. Especialistas das agências governamentais estimam que o tráfico ilegal de animais silvestres movimenta anualmente cerca de 10 bilhões de dólares. O Brasil participa com cerca de 5% a 7% deste total.4 Neste cenário, o Brasil é o país que possui a maior biodiversidade do planeta, considerado o seu patrimônio genético natural, e por ser o mais extenso da América do Sul, o terceiro das Américas e o quinto do mundo com 8.511.965 Km2, perdendo apenas para a Rússia (17.075.400 km2), o Canadá (9.970.610 km 2), a China (9.517.300 km2) e os Estados Unidos (9.372.614 km 2). Cinco diferentes ecossistemas são encontrados no Brasil: amazônico (floresta amazônica), atlântico (mata atlântica e o sistema lagunar/restinga/ manguezal oceânicos), cerrado (centro-oeste), caatinga (nordeste) e pantaneiro (sudoeste). Segundo relatos obtidos pela WWF-Brasil de técnicos e ambientalistas, depois da redução do habitat, decorrente de desmatamento, o tráfico de animais silvestres é a segunda maior causa da redução populacional de espécies nativas. 2 Cabe à autoridade científica controlar as variações populacionais das espécies ameaçadas de extinção, cooperar com a realização de programas de conservação e manejo, bem como emitir pareceres acerca do destino provisório ou definitivo de espécimes apreendidas conforme normas estabelecidas pela CITES 3 BRASIL. Relatório Final - Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico de animais e plantas silvestres da fauna e da flora brasileiras Depoimento dado por Ricardo Bechara Elabras, Chefe do Núcleo de Repressão a Crimes Ambientais da Superintendência Regional do Rio de Janeiro da Polícia Federal, em audiência pública realizada em 26/11/02. Brasília: Congresso Nacional, 2002. 4 REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. Dados sobre o tráfico de animais silvestres. Disponível em <http//www.renctas.com.br>. Acessado em 02Dez.2002. Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2962 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 63 Diversos mamíferos, como o tamanduá bandeira, a jaguatirica e a onça pintada, estão na lista dos animais em extinção. O mesmo problema também é verificado com as aves. Das 1.622 espécies existentes no país, 132 estão ameaçadas de extinção. O jacaré, cuja pele era muito usada para a confecção de casacos, sapatos e cintos, chegou a entrar na lista. A sua situação só melhorou na década de 80 com a autorização da criação comercial em fazendas5. O comércio de aves exóticas, especialmente de papagaios no Brasil, alcança níveis tão altos na Europa e nos Estados Unidos que a Environment Investigation Agency (EIA) publicou um relatório em que descreve as péssimas condições do transporte clandestino. Tal relatório recebeu o título de Flight to Extintion. A fabricação de medicamentos tem sua parcela de responsabilidade na degradação da biodiversidade nacional e possui grandes motivações financeiras como pano de fundo . Somente a título de exemplo, pesquisas revelam que o mercado mundial de hipertensivos movimenta anualmente cerca de U$ 500 milhões, sendo o princípio ativo desses medicamentos retirados de algumas espécies de serpentes brasileiras como a jararaca. A cotação internacional de apenas um grama de veneno de jararaca é de 600 dólares e o da cascavel de 1.200 dólares.6 A degradação ambiental revela-se no momento em que animais são retirados de seu habitat natural, sendo traficados para esse fim, prejudicando seriamente o equilíbrio ecológico das espécies. A coleta indiscriminada e ilegal de animais fornecedores de substâncias químicas para a produção de medicamentos faz parte da prática de biopirataria7. A WWF-Brasil observou que existe uma relação entre o comércio interno e o tráfico internacional, devido ao tipo de composição social que alimenta e mantém esta rede de comércio clandestino, facilitado pelas dimensões geográficas do país e interferências culturais que permeiam esta atividade. Conclui-se, por conseguinte, que a sustentação do tráfico internacional tem como base o comércio nacional. Ressalta-se, ainda, que o tráfico interno possui um comércio varejista, de pequena escala, e outro atacadista, praticado por grandes intermediários, sendo ambos igualitários em nível de participação. O comércio varejista, cujo 5 REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. Dados sobre o tráfico de animais silvestres. Disponível em <http//www.renctas.com.br>. Acessado em 02Dez.2002. 6 Idem 5. 7 A biopirataria é o acesso, a coleta e a exploração indevida de estrangeiros a recursos do patrimônio genético existente no território nacional para fins científicos. Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2963 64 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 comprador é aquele que mantém animais em residências é enorme. A região Norte possui um traço cultural característico que é favorecido pela proximidade com a floresta. Em uma pesquisa realizada pela bióloga Meri Cristina Amaral Gonçalves Fernandes, da Universidade Federal do Acre8, foi identificada a presença de 19 espécies de primatas mantidas em residências particulares na Capital daquele Estado. Já o atacadista é caracterizado pelo comércio intermediário em grandes centros, que acaba visando ao comércio internacional. 3.1 Rotas e formas de atuação dos traficantes de animais A estruturação das quadrilhas especializadas faz com que se caracterize a atuação popularmente conhecida como crime organizado . A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso Nacional, instituída no ano de 2002 com o fim de investigar o tráfico de animais e plantas silvestres da fauna e da flora brasileira, verificou que o volume de recursos envolvidos justifica o funcionamento da atividade consoante as práticas das organizações criminosas, o que ficou claro nas operações de campo e investigações realizadas pela Comissão. As altas somas despertam o interesse de outras quadrilhas especializadas em tráfico de drogas e armas. No 1º Workshop da Rede Sul-Americana de Combate ao Comércio Ilegal da Fauna Selvagem, realizado no ano de 2002, na Academia da Polícia Federal em Brasília, foi demonstrado que traficantes de animais estão prestando serviços para narcotraficantes. De acordo com Dener Giovanini, Coordenador da organização não- governamental Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres RENCTAS, cerca de 150 quadrilhas que realizam o comércio ilegal de animais possuem estreitas relações com o tráfico de drogas. Diante das formas conhecidas de atuação dos criminosos, pode-se fazer uma divisão em duas modalidades. A primeira é a atuação na captura e intermediação de animais até a sua comercialização. A segunda forma caracteriza- se pelas maneiras de burlar a fiscalização ambiental no transporte ilegal de animais. No aspecto da captura e a comercialização de animais, constatou-se que existe a utilização de pessoas de baixa renda e que possuem poucas opções de sustento. Geralmente, o preço pago por animal capturado é baixo. Essa forma de atuação é chamada pela WWF-Brasil como estrutura social do tráfico , onde o quadro de pobreza e a falta de alternativas econômicas contribui para estimular a eclosão do delito. 8 Pesquisa descrita no Relatório da WWF-BRASIL. O tráfico de animais silvestres no Brasil Um diagnóstico preliminar. Série técnica Volume I. Brasília, 1995 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2964Essa estrutura é facilmente demonstrada quando se observam os principais pontos de captura catalogados pela CPI do tráfico de animais. De acordo com o quadro, as regiões de menor poder aquisitivo desempenham o papel de principais fornecedoras de espécies da fauna brasileira. TABELA 01 - PRINCIPAIS PONTOS DE CAPTURA IRREGULAR DE ANIMAIS SILVESTRES DO PAÍS - 2003 Fonte: Relatório da CPI do Congresso Nacional/2002. Bahia Piauí Pernambuco Tocantins Maranhão Pará Paraíba Ceará Rio Grande do Norte Sergipe Alagoas Rio Grande do Sul Mato Grosso Mato Grosso do Sul Goiás Minas Gerais São Paulo Campo Formoso; Jeremoabo; Canudos; Canché; Ribeira do Pombal; Euclides da Cunha; Uauá; Tucano; Ibotirama; Cocos; São João do Paraíso; Morro do Chapéu; Itaberaba e Amargosa Floriano; Canto do Buriti; Piripiri; Corrente; Gilbues; Santa Filomena; Barreiras; São Gonçalo do Gurguéia e Monte Alegre Petrolândia; Serra Talhada e Salgueiro Lizarda; Serra do Jalapão; Mateiros; Santa Rosa; Centenário; Recursolândia; Silvanópolis; Araguanã; Ponte Alta; Araguaçu e Ilha do Bananal Curupá; Fazenda Falha; Alto Parnaíba; Tasso Fragoso; Balsas; Guadalupe; Barão do Grajaú; Zé Doca e Buriticupu Ilha de Marajó; Redenção; Xinguara; Repartimento; Parauapebas; Conceição do Araguaia; Bragança; Santarém e Serra dos Carajás Patos; Pombal; Souza e Cajazeiras Crateús; São Benedito; Ubajara; Araripe e Jati Caicó; Jardim do Seridó e Currais Novos Tobias Barreto; Cristinápolis e Nossa Senhora da Glória Pão de Açúcar; Palestina e Paricânia Banhado do Taim Poconé; Cáceres; Chapada dos Guimarães e todo o Pantanal Bonito e Pantanal Chapada dos Veadeiros; São Miguel do Araguaia e Bonópolis Buritis; Serra das Araras; Serra dos Gaúchos; Parque Nacional Grande Sertão Veredas e Urucuia Vale do Ribeira O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 65 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2965 Na seqüência da cadeia de comercialização ilegal dos animais silvestres, encontram-se os primeiros intermediários, que atuam coletando os animais capturados pelas pessoas humildes e os armazenam em depósitos, até que consigam transportá-los para outros locais em grandes centros urbanos. Determinadas espécies de pássaros, quando capturados ainda filhotes, são mantidos escondidos em fornos de carvoarias, viveiros no cerrado próximo a residências e em buracos cobertos, até atingirem o ponto ideal e quantidade suficiente para serem transportados. Às vezes, os intermediários possuem territórios demarcados, onde fazem contatos com os moradores periodicamente, para posteriormente recolher os animais. Tais pessoas obtêm grandes lucros somente com a intermediação. Os segundos intermediários são aqueles que atuam clandestinamente no comércio varejista, com pequenos estabelecimentos comerciais registrados. Esse segmento desempenha papel fundamental de ligação dos pequenos comerciantes, que transitam entre a zona rural e urbana, com os grandes atacadistas, que possuem atuação no mercado internacional. Os grandes comerciantes são responsáveis pelo último segmento da cadeia, o contrabando nacional e internacional de grande porte, incluindo traficantes brasileiros e estrangeiros especializados nesse tipo de comércio clandestino. Alguns traficantes são proprietários de criadouros científicos e empresários legalmente constituídos, com conexões com o mercado internacional de animais silvestres. Esses traficantes, por sua vez, formam suas bases no eixo Rio de Janeiro São Paulo, onde acontece o maior volume de vendas. Em primeiro lugar está o fluxo que parte da região Nordeste, em segundo o fluxo da região Centro-Oeste, passando pelo Estado de Minas Gerais, e, em terceiro, o fluxo direto da região Norte, todos convergindo para a região Sudeste. Para alimentar o tráfico de animais, grandes redes são montadas para burlar a fiscalização que é realizada nas rodovias do país. Essas redes são capazes de movimentar animais por até 3.000 Km de distância. O comércio realizado em feiras livres desempenha um papel fundamental no atendimento à demanda varejista e, ao mesmo tempo, funciona como 66 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2966 fachada para os contatos com grandes traficantes do Estado de São Paulo, estrangeiros e traficantes locais. Por trás das feiras estão os grandes depósitos, utilizados como pontos de receptação e manutenção de todo o fluxo proveniente de outras regiões. Para dificultar a ação dos fiscais, esses depósitos são móveis e chegam a estar localizados em cidades vizinhas. A destinação dos animais é classificada em três categorias distintas, possuindo fins diversos. A primeira categoria é a dos colecionadores particulares e zoológicos, onde cada animal alcança altas cotações. A segunda é a biopirataria cujas espécies são utilizadas para fins científicos. A última são os inúmeros pet-shops que abastecem o setor varejista nas grandes metrópoles. Nas grandes metrópoles, os animais ganham status de artigo de luxo, sendo alguns exportados para países da Europa, Ásia e América do Norte. Animais como a arara-azul e o mico-leão-dourado atingem expressivos valores. As altas cotações atingidas no mercado internacional não significam que os animais contrabandeados foram comercializados a preços correspondentes no comércio local. De modo semelhante ao tráfico de drogas, o lucro obtido pelos traficantes é altamente compensatório, o que justifica o fato das quadrilhas terem se especializado neste tipo de comércio ilegal. O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 67 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2967 Fonte: WWF Brasil. Nota: Última atualização em 1995. Sinal convencional utilizado: (-) Dado não disponível. 68 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 TABELA 02 - PREÇOS ESTIMADOS DE ANIMAIS COMERCIALIZADOS NO MERCADO NACIONAL E NO EXTERIOR Papagaio verdadeiro (Amazona aestiva) - filhote Papagaio de Cara-Roxa (Amazona brasiliensis) Arara Canindé (Ara ararauna) Arara vermelha (Ara chloroptera) Araponga (Procnias sp.) Corrupião (Icterus sp.) Curió, Oryzoborus angolensis Tico-tico da Serra Coleiro-virado Galo de campina (Paroaria dominicana) Tié-sangue Tanager (Ramphocelus sp.) Saíra sete cores (Tangara seledon) Sanhaço (Thraupis sp.) Periquito-rico (Brotogeris tirica) Bico de lacre (Africano) Melro (Gnorimopsar chopi) Tucano (Ramphastos sp.) Tucano (Ramphastos dicolorus) Mico-estrela (Calithrix jachus) Mico-leão da cara dourada (Leontopithecus chrysomelas) Macaco prego (Cebus sp) Cágado Jabuti Jaguatirica (Felis pardalis) - filhote Animal Preço Local (US$) Preço Exterior (US$) 93 110 120 120 100 30 50 30 30 10 15 20 25 25 5 140 70 80 30 250 220 25 35 100 2.000 4.500 10.000 12.000 - 500 1.000 1.000 1.000 - - - 500 500 - 13.000 2.000 2.500 1.000 15.000 8.000 - - 5.000 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2968 3.2 Técnicas utilizadas pelos grupos criminosos para o transporte dos animais Técnicas sofisticadas para burlar a fiscalização são utilizadas para a travessia dos animais silvestres pelas fronteiras do país e muitas vezes trazem sérios prejuízos para os animais. Apesar de não existirem dados oficiais, estima- se que somente 10% dos animais chegam ao seu destino em decorrência dos maus tratos e quando são pegos pela fiscalização estão tão enfraquecidos que necessitam de um período de recuperação antes de serem libertados. No transporte de animais,podem-se citar várias formas utilizadas: - Utilização de ônibus de carreira que fazem o percurso dos Estados fornecedores e destinatários, acondicionando os animais em pequenas caixas ou gaiolas, muita das vezes sedando-os para impedir que façam barulho; - utilização de ônibus de turismo que transportam materiais diversos para serem comercializados nas regiões Norte e Nordeste do país. Geralmente as mercadorias são trocadas por pássaros e outros animais silvestres. Às vezes, os animais são trocados por drogas e armas; - utilização de caminhões de carga, aproveitando-se de espaços nas carrocerias, por entre a carga, gavetas e entre os chassis. Já foram detectados animais transportados no meio de cargas de carvão e madeira; - carros de passeio que são transportados em cima de carrocerias de caminhões, oriundos das regiões Norte e Nordeste do país, são utilizados para esconder os animais; - carros de passeio ou vans transportando pássaros em malas carregadoras escondidas no porta-malas ou atrás dos bancos; - as viagens nos diversos tipos de transporte são efetuadas na maioria das vezes no período noturno, na tentativa de dificultar a ação da fiscalização ambiental; - um batedor segue à frente do veículo que transporta os animais, informando da existência de fiscalização ambiental, dificultando a sua abordagem e identificação. Nesse tipo de tática, radiotransmissores com faixas de pequena freqüência são utilizados pelos traficantes para a troca de informações; O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 69 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2969 - outro meio de transporte utilizado é a ambulância, pois raramente esse tipo de veículo é abordado em barreiras ou blitzen, devido à possibilidade de estar transportando um doente. Certamente, a criatividade dos traficantes, não se esgota com facilidade, o que faz com que a fiscalização esteja sempre atenta a novas modalidades de transporte e comercialização dos animais. 4 O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES NO ESTADO DE MINAS GERAIS 4.1 Análie comparativa de ocorrências registradas pela Polícia Militar A Polícia Militar de Minas Gerais classifica a ocorrência de tráfico de animais, segundo a DIAO-01/949 como K01-003 Comercializar, irregularmente, espécimes de fauna silvestre10. A mesma diretriz traz, dentre as demais providências recomendadas, a condução do infrator em flagrante e encaminhamento para a delegacia de polícia. Para análise dos registros de comércio ilegal de animais no Estado de Minas Gerais, foram coletados dados correspondentes ao período de 1998 até o mês de agosto de 2002. Todos os dados foram classificados e ordenados por região, os quais serviram para a análise quantitativa do delito em detalhe regional, revelando as concentrações de casos da natureza de comércio ilegal no Estado, muito útil para a adoção de estratégias localizadas. A concentração de ocorrências de comércio ilegal de animais no Estado de Minas Gerais está basicamente nas regiões Norte, Leste e Sul do Estado, totalizando 66,69% dos registros efetuados no período de 1998 a 2002. Essas regiões compreendem justamente as rotas dos traficantes que transportam os animais do Nordeste do país para os grandes centros, passando por Minas Gerais pela BR-116. Interessante faz-se notar que a região Central do Estado (Belo Horizonte e RMBH) possui registros significativos, estando à frente de algumas regiões. Já as regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba registram baixas incidências. 9 Diretriz Auxiliar de Operações da Polícia Militar Traz a codificação de ocorrências e diretrizes gerais de procedimentos policiais no Estado de Minas Gerais. 10 Por comércio, entende-se a permutação de produto, troca de valores, venda, compra, sendo comercializados animais da fauna silvestre DIAO-01/94 70 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2970 TABELA 03 - QUADRO DE FREQUÊNCIA DE OCORRÊNCIAS DE COMÉRCIO ILEGAL DE ANIMAIS EM MINAS GERAIS POR REGIÃO. PERÍODO: 1998 - 2002(*) Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais (SM-20). Nota: (*) Dados do ano de 2000 computados de janeiro a agosto. Como metodologia para identificação do delito, também foi analisada a ocorrência classificada como K06.000 na DIAO-01/94 Criar, reproduzir, transportar, manter em cativeiro animal silvestre, sem guia de trânsito, registro ou licença cuja modalidade delitual não contempla a condução do infrator, havendo a apreensão dos animais e artefatos utilizados, sendo redigido o boletim de ocorrência para a autoridade competente. Tal análise surgiu da necessidade de cruzar dados com o comércio ilegal de animais de modo que o destino dos animais capturados ilegalmente também seja rastreado dentro do Estado. Em números absolutos, houve a confirmação de que a região em que mais se registram ocorrências de comércio ilegal de animais também é a que mais registra apreensões decorrentes de criação e transporte de animais sem licença, ou seja, o Vale do Rio Doce concentra a maioria dos casos em Minas Gerais. O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 71 REGIÃO VALE DO RIO DOCE ZONA DA MATA NORTE DE MINAS SUL DE MINAS CENTRO-OESTE RMBH BELO HORIZONTE LESTE DO TRIÂNGULO MINEIRO ALTO PARANAÍBA PONTAL DO TRIÂNGULO MINEIRO MINAS GERAIS OCORRÊNCIAS 58 40 28 26 21 20 11 9 8 6 227 FREQÜÊNCIA (%) 25,55 17,62 12,33 11,45 9,25 8,81 4,85 3,96 3,52 2,64 100,00 FREQÜÊNCIA ACUMULADA (%) 25,55 43,17 55,51 66,96 76,21 85,02 89,87 93,83 97,36 100,00 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2971 A tabela seguinte revela ainda a participação de Belo Horizonte nessa modalidade. Quando somadas as ocorrências registradas na Região Metropolitana, reforça-se a afirmação de que Capital do Estado é um grande pólo de receptação de animais silvestres capturados e mantidos em cativeiro clandestinamente, oriundos muito provavelmente, na sua maioria, do tráfico de animais. Um fato relevante a ser observado está nas ocorrências registradas no Norte de Minas, que se manteve em um patamar acanhado em relação à criação e transporte ilegal de animais silvestres (Tabela 04), contrastando com o fato da mesma região ocupar o terceiro lugar no registro de comércio ilegal (Tabela 03). Isso indica que a região Norte de Minas serve de rota para os traficantes, porém não é de interesse para a captura de animais. TABELA 04 - QUADRO DE FREQUÊNCIA DE OCORRÊNCIAS RELATIVAS À CRIAÇÃO E TRANSPORTE DE ANIMAIS SEM LICENÇA NO ESTADO DE MINAS GERAIS, POR REGIÃO. PERÍODO: 1998 2002(*) Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais (SM-20). Nota: (*) Dados do ano de 2000 computados de janeiro a agosto. 72 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 REGIÃO VALE DO RIO DOCE RMBH ZONA DA MATA BELO HORIZONTE CENTRO-OESTE SUL DE MINAS PONTAL DO TRIÂNGULO MINEIRO LESTE DO TRIÂNGULO MINEIRO NORTE DE MINAS ALTO PARANAÍBA MINAS GERAIS OCORRÊNCIAS FREQÜÊNCIA (%) FREQÜÊNCIA ACUMULADA (%) 7960 2090 1639 1500 1347 1325 771 728 663 503 18526 42,97 11,28 8,85 8,10 7,27 7,15 4,16 3,93 3,58 2,72 100,00 42,97 54,25 63,10 71,19 78,46 85,61 89,78 93,71 97,28 100,00 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2972 4.1 Informações espaciais do tráfico de animais em Minas Gerais As informações de mensuração no tempo e no espaço geográfico são importantes ferramentas para o processo de pesquisa, análise e apresentação. No caso do tráfico de animais, com os dados coletados pela base de dados da Polícia Militar, vislumbra-sea distribuição espacial do crime em Minas Gerais. FIGURA 01 MAPA DO COMÉRCIO ILEGAL DE ANIMAIS SILVESTRES NO ESTADO DE MINAS GERAIS 1998 A 2002 (Até Agosto) Nessa análise, percebe-se que os municípios com maior número de registros foram Belo Horizonte, Governador Valadares, São Romão, Três Marias e Curvelo. Importante ressaltar que a Capital do Estado revelou-se como destaque justamente por ser este um dos destinos finais dos animais para serem comercializados. Observa-se que as cidades de Três Marias e São Romão fazem parte dos municípios que congregam a bacia hidrográfica do Rio São Francisco, que por sua vez faz a interligação com vários Estados do Nordeste do país. O mapa O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 73 Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais. Governador Valadares Três Marias São Romão Belo Horizonte Curvelo Hélio Hiroshi Hamada LEGENDA PERÍODO: 98 Até agosto/2002 0 - 0 (739) 2 - 2 (19) 4 - 8 (5) 3 - 4 (11) 1 - 1 (79) Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2973 também apresenta um forte indicador de que o município de Curvelo constitui uma importante rota do tráfico de animais silvestres para a Capital do Estado. FIGURA 02 MAPA DOS REGISTROS DE APREENSÃO DE ANIMAIS SILVESTRES SEM LICENÇA NO ESTADO DE MINAS GERAIS 1998 A 2002 (Até Agosto) O mapeamento de apreensões de animais em situação irregular feito pela Polícia Militar apresentou uma característica não vislumbrada nas tabelas de freqüência. O Triângulo Mineiro apresentava uma tendência de registros menores do que outras regiões do Estado, todavia, ao ser feito o mapeamento por municípios, a distribuição demonstra ser mais uniforme. Tais dados indicam que a região traz consigo importante fonte de informação sobre rota e distribuição ilegal de animais silvestres. Já a região central não apresentou surpresa, tendo os municípios da RMBH, incluindo a Capital, os maiores registros de apreensões de animais silvestres em situação irregular, vindo a confirmar as informações de tráfico colhidas por órgãos de proteção ao meio ambiente. 74 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais. Teófilo Otoni Itaobim Governador Valadares Contagem Belo Horizonte Nova Lima Juiz de Fora Betim Montes Claros Uberlândia Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais LEGENDA PERÍODO: 98 Até agosto/2002 195 a 2,615 (10) 20 a 80 (123) 1 a 20 (257) 5 a 20 (305) 80 a 195 (26) 0 (132) Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2974 5 ESTRATÉGIAS PARA CONTENÇÃO DO DELITO - A EXECUÇÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO TRÁFICO DE ANIMAIS NO BRASIL No Brasil, o grau de integração existente entre os diversos órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização e proteção da fauna silvestre, tanto em nível federal, como estadual e municipal é considerado frágil e pouco operante. É o que constatou a WWF-Brasil nas suas pesquisas de campo. A referida ONG ainda destaca que durante a 90ª Conferência da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Silvestres em Perigo de Extinção, ocorrida em 1994, o Brasil foi classificado na categoria III em relação ao nível de controle do comércio da fauna e flora, exercido por 81 países. Essa classificação significa que o país possui um desempenho ruim no que concerne à fiscalização. Em seu diagnóstico do tráfico de animais, a WWF-Brasil revela que a ineficácia dos órgãos encarregados de executar a legislação de controle e fiscalização ambiental está diretamente associada à falta de vontade política para implementar políticas públicas que permitam conciliar o crescimento econômico do país com programas de conservação dos recursos naturais. A impunidade é outro fator a ser considerado para que o país tenha este mau desempenho na fiscalização do comércio ilegal de animais silvestres. Devido à falta de uma fiscalização rigorosa, aliada à impunidade, pode-se constatar que os mesmos traficantes que atuavam há 15 anos ainda estão na ativa, e o que é pior, acrescidos de novos parceiros. Na sua estrutura político-administrativa, os órgãos governamentais estão hierarquicamente organizados, tendo em primeiro lugar o Ministério do Meio Ambiente, encarregado de direcionar politicamente as ações do governo e de normatizar a Política Nacional do Meio Ambiente. Em segundo plano está o IBAMA, órgão federal responsável por coordenar a execução da política ambiental no país. Em nível estadual estão as Secretarias de Meio Ambiente, que desempenham seu trabalho através de seus departamentos de proteção de recursos naturais, e a Polícia Militar, através de suas unidades especializadas. Por último, existem as secretarias municipais de meio ambiente, encarregadas de regular questões afetas ao município. 5.1 Desenvolvimento de estratégias para contenção dos delitos O desenvolvimento de estratégias eficazes para o combate ao tráfico de animais passa por uma série de fatores que exigem atuações conjuntas de órgãos O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 75 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2975 ligados à proteção do meio ambiente. De modo geral, alguns princípios de redução da criminalidade já incorporados no processo de elaboração de estratégias policiais podem ser considerados. O processo de Estatística Computadorizada (ComStat) de Nova Iorque, que começou em 1994 na forma de reuniões onde se discutiam estratégias de controle da criminalidade11, pode muito bem ser aplicado no caso da contenção do tráfico de animais silvestres. Os princípios da redução da criminalidade incorporados no processo ComStat são: - Inteligência precisa e atualizada. A informação que descreve como e onde os crimes são cometidos, bem como quem são os criminosos, deve estar disponível em todos os níveis da polícia; - tática eficaz. Deverão ser desenvolvidas táticas que respondam diretamente aos fatos descobertos durante o processo de coleta da inteligência. As táticas devem ser abrangentes, flexíveis e adaptáveis à mudança das tendências da criminalidade identificadas e monitoradas ; - alocação rápida de pessoal e recursos. Alguns problemas podem envolver apenas a equipe de patrulha, mas os planos mais eficazes requerem que as equipes de diversas unidades e funções trabalhem unidas ; - acompanhamento e avaliação incansáveis. Para garantir que ocorram resultados adequados, é necessário um acompanhamento rigoroso da atividade. Segundo a coordenadora estadual de controle e fiscalização do IBAMA em São Paulo, Marilda Correia Heck, uma solução para coibir este tipo de crime é a parceria entre todas as polícias Militar, Civil, Federal e Interpol para que o trabalho investigativo tenha continuidade, pois o fiscal do IBAMA é apenas um agente de fiscalização civil, um técnico ambiental. A falta de investigação faz com que haja apenas apurações de pequeno porte, que são importantes, porém não atingem os verdadeiros traficantes. 11 Processo de gerenciamento que resultou em uma grande redução da criminalidade. O objetivo do ComStat é aumentar o fluxo de informação entre os executivos da organização e os comandantes das unidades operacionais . HARRIES, Keith Mapeamento da criminalidade: Princípios e prática. 76 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2976 A especialização de policiais para a operacionalização de fiscalizações ligadas ao meio ambiente também é fator indispensável, pois existe uma diversidade muito grande nas atuações, exigindo um trabalho de inteligência e celeridade nas investigações. A operacionalizaçãode ações deve ser incentivada com o apoio de entidades e a colaboração de ambientalistas e ONGs como a RENCTAS e a WWF-Brasil, além de estreitamento de relações com órgãos que detêm conhecimento técnico específico. Mesmo sabendo que as espécies devam ser preservadas, velhos hábitos continuam. Grande parcela da população ainda acredita que manter animais em cativeiro, fora de seu habitat natural, não irá causar mal ao meio ambiente. A origem dessa cultura está justamente nas comunidades rurais, caracterizadas pela pobreza e frágeis meios de sustentabilidade. Nesses locais, existe ainda o pensamento de que os recursos disponíveis na natureza são infinitos, capazes de suportar qualquer grau de exploração. Na perspectiva de soluções voltadas para o lado social do tráfico de animais, a elaboração de políticas públicas voltadas para a educação ambiental e o desenvolvimento sustentável com utilização e conservação racional dos recursos naturais, traria resultados mais duradouros do que a própria repressão ao delito. Pela pesquisa realizada, as regiões Norte e Nordeste do país possuem o maior número de pontos de captura e depósito do tráfico. Viver de forma sustentável implica a aceitação do homem em harmonia com a natureza. O desenvolvimento baseado na conservação da vitalidade e biodiversidade deve incluir providências no sentido de proteger a estrutura, as funções e a diversidade dos sistemas naturais existentes. O trabalho de prevenção passa então por uma conscientização de que os recursos naturais não são tão perenes e que os prejuízos decorrentes do tráfico de animais são irreparáveis, além, é claro, das penalidades legais a que estão sujeitos os autores. A educação ambiental destina-se a despertar a consciência ecológica e o exercício da cidadania, sendo instrumento valioso para a geração de atitudes, hábitos e comportamentos que concorrem para garantir a qualidade do ambiente como patrimônio da coletividade. 5.2 A Polícia Militar de Minas Gerais na proteção do meio ambiente Recentemente foi desencadeado um trabalho conjunto envolvendo o IBAMA, Ministério Público e a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 77 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2977 Esta é a segunda edição da campanha que tem o slogan Quem ama não compra cujo principal objetivo é o de impedir a captura de aves, principalmente as araras, maritacas e papagaios. O foco da campanha compreende as regiões Norte e Noroeste do Estado, em locais previamente identificados via satélite como sendo de maior captura, protegendo os animais silvestres em período de reprodução. Este é um tipo de intervenção que surte bons resultados, onde recursos de última geração são empregados pelos meios fiscalizadores. Importante frisar ainda a participação de outros órgãos, principalmente o Ministério Público que já entrou com ações na justiça contra autoridades públicas envolvidas com o tráfico de animais. Um dos trabalhos referentes ao tratamento gerencial de dados de meio ambiente que está sendo realizado pela Polícia Militar é o Mapeamento de Crimes e Infrações Ambientais . Assim como o Geoprocessamento Criminal, já em uso pela PMMG, a utilização desta ferramenta nas atividades ligadas ao Meio Ambiente é considerado fundamental no processo de controle das ocorrências afetas a crimes e infrações ambientais. No desenvolvimento deste trabalho, o tratamento computacional de dados geográficos, denominado de Sistema de Informação Geográfica (SIG), analisa as ocorrências atendidas pelo Policiamento de Meio Ambiente, através das imagens de satélite. As áreas de atuação das frações de Polícia de Meio Ambiente são, em sua totalidade, bastante extensas, ocasionando grandes deslocamentos das viaturas em patrulhamento que, em grande parte, é feito em meio rural, onde as estradas e os acessos são precários e mal sinalizados, ocorrendo constantemente erros de percurso. Com o SIG, o policial pode aferir, de maneira fácil e clara, os fatos ocorridos no espaço territorial sob sua responsabilidade, oferecendo informações importantes para melhor emprego do efetivo. Está em fase de estudos também a criação de um Laboratório de Análise de Crimes e Infrações Contra o Meio Ambiente, que terá como missão o desenvolvimento do Sistema apresentado para aplicação em todo o Estado de Minas Gerais, através das frações de Polícia Militar de Meio Ambiente. 78 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2978 6 CONCLUSÃO A fatídica realidade exige que os órgãos fiscalizadores do meio ambiente adotem posturas repressivas, através de estratégias eficazes de combate ao tráfico de animais. Para tanto, o Policiamento Ambiental deve traçar estratégias de controle do tráfico e, sempre que possível, com o apoio dos demais órgãos de fiscalização. A conscientização da população utilizada para a captura de animais silvestres e o incentivo à formação de grupos específicos, em locais de incidência de delitos, para a formulação de denúncias é uma ótima alternativa para a adoção de medidas de intervenção com a utilização de organismos não governamentais ligados à proteção do meio ambiente. As informações coletadas, preferencialmente através de serviços de inteligência, necessitam do desenvolvimento de uma rotina de análise de padrões de criminalidade que pode ser feita a partir de um banco de dados específico com informações georeferenciadas, capaz de identificar e mapear o cometimento de delitos e pessoas ligadas ao tráfico de animais. Para a especialização do homem, de modo que ele possa atuar de uma forma mais eficaz na execução da fiscalização, os cursos de capacitação para conhecimento da fauna podem ser coordenados pelo Ministério do Meio Ambiente ou pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente, responsáveis pela definição de políticas no âmbito governamental. A atual política de intervenção da Polícia Militar de Minas Gerais para inibir o tráfico de animais, apesar de não significar diretamente a redução de ocorrências conforme os registros de ocorrências nos últimos cinco anos, é apresentada por técnicos e estudiosos como corretas. Ocorre que, representando a parcela repressiva do combate ao tráfico de animais por ser, dentre os órgãos fiscalizadores e de proteção ao meio ambiente o que possui maior poder de persuasão, sua atuação ainda depende de fatores externos, como a atuação eficaz do IBAMA, Ministério Público, Polícia Federal e Interpol. O ponto-chave da questão está exatamente na integração de esforços para o combate sistêmico. Aliado à correção nas deficiências de alocação de recursos humanos e materiais suficientes para a fiscalização das rotas e meios de transporte ilegal dos animais traficados, a Polícia Militar terá condições de implementar suas ações com total eficácia. O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 79 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2979 É claro que a parte preventiva não deve ser desprezada, pelo contrário, é igualmente eficiente para coibir delitos, porém é um trabalho que pode ser melhor aproveitado pelas ONGs e nas campanhas publicitárias das Secretarias de Meio Ambiente dos Estados e Municípios, cabendo à Polícia Militar a adoção e direcionamento de esforços para um caráter mais ostensivo e de repressão ao delito. Abstract: Accost the action of the animals trafficker through the space visualization of the problem, its telling some comments to current legislation of protection of the fauna and the scene of the national situation. It discusses the ways of fiscalization and control the animals traffic in the Brazil and development of strategies to containment of the delict, including itselfin this context, the Military Police of the State of Minas Gerais in the protection of the environment. Key words: Animals Sylvesters, Traffic, Organized Crime, Environment, Biodiversity, Brazilian Fauna, Biopirataria, Police Intelligence. 80 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2980 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. BRASIL. Lei n. 5.197 de 03 de janeiro de 1967. Dispõe sobre a proteção da fauna. Diário Oficial da União. Brasília, 05Jan67. BRASIL. Lei n. 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 02Set81. BRASIL. Lei n. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 17Fev98. BRASIL. Relatório Final - Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o tráfico ilegal de animais e plantas silvestres da fauna e da flora brasileiras . Brasília: Congresso Nacional, 2002. CESARINO, Letícia. Mapeameto da Criminalidade: Princípios e prática. Tradução do livro Mapping Crime de autoria de Keith Harries. Disponível em meio eletrônico no site <http//www.crisp.ufmg.br> acessado em 20Nov2002. COSTA, Marckleuber Fagundes. Sistema de Informação Geográfica aplicado às atividades de Polícia Militar de Meio Ambiente no Estado de Minas Gerais Estudo de Caso Lagoa Santa/MG. Monografia (Especialização) Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2002 DIAS, Edna Cardoso. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte. Livraria Mandamentos Editora, 2000. MINAS GERAIS. Constituição do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, Assembléia Legislativa, 1989. PORTAL AMBIENTE BRASIL. Tráfico de animais silvestres. Disponível em <http//www.ambientebrasil.com.br>. Acessado em 02Abr2003. POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Anuário Estatístico Operacional - 2001. Belo Horizonte. 2002. O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 81 Hélio Hiroshi Hamada Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2981 POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS. Diretriz Auxiliar de Operações 01/94-CG, (DIAO/01) . Belo Horizonte. 1994. REDE NACIONAL DE COMBATE AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. Dados sobre o tráfico de animais silvestres. Disponível em <http//www.renctas.com.br>. Acessado em 02Dez2002. WWF-BRASIL. O tráfico de animais silvestres no Brasil Um diagnóstico preliminar. Série técnica Volume I. Brasília, 1995 82 O Alferes, Belo Horizonte, 19 (56): 59-82, jul./dez. 2004 Tráfico de animais silvestres - uma abordagem analítica do fenômeno criminal no Estado de Minas Gerais Alferes 56 .pmd 31/05/2016, 13:2982
Compartilhar