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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS Centro de Ciências Humanas Programa de Pós Graduação em Geografia - PPGEO LÍLIAN DAMARES DE ALMEIDA SILVA FREITAS MULTIFUNCIONALIDADE, ORGANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO RURAL NOS SETORES RURAIS DO MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS -MG Montes Claros/MG Julho/2016 LÍLIAN DAMARES DE ALMEIDA SILVA FREITAS MULTIFUNCIONALIDADE, ORGANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO RURAL NOS SETORES RURAIS DO MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS -MG Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia. Área de concentração: Dinâmica e Análise Espacial Linha de Pesquisa: Produção dos espaços urbanos e rurais Orientadora: Prof. Dra. Ana Ivania Alves Fonseca Montes Claros/MG Julho/2016 F862m Freitas, Lílian Damares de Almeida Silva. Multifuncionalidade, organização e desenvolvimento rural nos setores rurais do município de Montes Claros-MG [manuscrito] / Lílian Damares de Almeida Silva Freitas. – Montes Claros, 2016. 138 f. : il. Bibliografia: f. 132-137. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Montes Claros -Unimontes, Programa de Pós-Graduação em Geografia/PPGEO, 2016. Orientadora: Profa. Dra. Ana Ivania Alves Fonseca. 1. Multifuncionalidade. 2. Organização rural. 3. Desenvolvimento rural. 4. Agricultura familiar. I. Fonseca, Ana Ivania Alves. II. Universidade Estadual de Montes Claros. III. Título. Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge LÍLIAN DAMARES DE ALMEIDA SILVA FREITAS MULTIFUNCIONALIDADE, ORGANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO RURAL NOS SETORES RURAIS DO MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS -MG Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia Área de concentração: Dinâmica e Análise Espacial Linha de Pesquisa: Produção dos espaços urbanos e rurais Data de Aprovação:_____15/07/2016______ Banca: ____________________________________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Ana Ivania Alves Fonseca Universidade Estadual de Montes Claros _____________________________________________________________ Profª. Drª Maria Augusta Mundim Vargas Universidade Federal de Sergipe _____________________________________________________________ Profª. Drª Giancarla Salamoni Universidade Federal de Pelotas Dedico este trabalho a Maykon Fredson por seu amor e apoio incondicional, pela ajuda e o conhecimento compartilhados, por fazer parte dessa caminhada comigo e por ser responsável pela melhor parte de mim, pra você todo meu amor. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por ser meu porto seguro e melhor amigo com quem posso contar em todos os momentos da minha vida, agradeço a Ele a oportunidade de concluir este Mestrado. Agradeço a meus pais Dilson e Carmelita e minha irmã Liliane que sempre me apoiam e acreditam em mim. A Maykon Fredson, meu esposo e companheiro que todos os dias me dá um motivo para sorrir e que me ajuda em tudo, inclusive na construção deste trabalho. Aos meus amigos e colegas de curso pelos momentos de alegria e aprendizado que tivemos nestes dois anos, sentirei a falta de todos. Aos meus professores pelos ricos ensinamentos e contribuições para minha formação e para a vida. Em especial a minha orientadora Prof. Drª. Ana Ivânia Alves Fonseca, pela excelente orientação, pelas oportunidades que me deu e pelo trabalho que realizamos na pesquisa, também pela sua amizade em todos estes anos de convivência, o carinho, compreensão e trato de filha que sempre me dedicou. A você Ana, todo o meu carinho e gratidão sempre. Ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia Rural – NEPGeR, por me proporcionar um crescimento acadêmico e pessoal e aos meus companheiros de pesquisa pela amizade que construímos e os ensinamentos que levarei sempre comigo. À todas as Comunidades Rurais do município de Montes Claros que nos receberam, ao CMDRS e à Emater agradeço pela hospitalidade e por nos conceder a oportunidade de realizar esta pesquisa. Às professoras Giancarla Salamoni e Maria Augusta Mundim Vargas que cordialmente aceitaram nosso convite para participar da banca de defesa da dissertação, suas contribuições certamente serão agregadoras para o trabalho e para o meu crescimento pessoal. À CAPES, agência financiadora da minha bolsa de Mestrado, e à Unimontes pela oportunidade de realizar este curso de Mestrado. Enfim, a todos que de alguma forma participaram comigo desta trajetória. RESUMO O espaço rural é dinâmico e está em constante transformação. As formas de reprodução social e do trabalho, a relação campo-cidade, a história, as tecnologias inseridas no campo tanto para grandes como pequenos produtores, influenciam no modelar desse meio e traçam os perfis de cada região. Atualmente, há uma nova configuração no campo, que por muito tempo foi essencialmente agrícola e nas últimas quatro décadas têm-se percebido a incorporação de novas atividades, novos elementos e diferentes formas de convivência com a natureza e mudanças nas relações sociais, e na relação campo-cidade, traduzidas através da multifuncionalidade da agricultura familiar e da pluriatividade, na qual o agricultor diversifica suas atividades não se atendo somente ao trabalho no campo e passa a desempenhar muitas vezes atividades não agrícolas. Diante dessas reflexões, o objetivo geral deste trabalho é compreender o espaço rural do município de Montes Claros a partir do estudo da multifuncionalidade e da organização e desenvolvimento rural. A partir deste objetivo pretende-se também investigar a multifuncionalidade da agricultura e a pluriatividade nos setores rurais do município definidos pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável - CMDRS; analisar as potencialidades e dificuldades de permanência da população no campo e os aspectos da organização rural nos setores. Para tanto, utilizamos como metodologia, uma pesquisa bibliográfica sobre a temática, na qual foram contextualizados os conceitos de desenvolvimento rural, multifuncionalidade e pluriatividade, espaço rural, ruralidade, e agricultura familiar que nortearam o trabalho na perspectiva do rural. Pesquisa de campo, coleta de dados em loco, tabulação de dados colhidos na pesquisa de campo e também tabulação e tratamento de dados do Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA, registro iconográfico, consulta a documentos oficiais e entrevistas. Nos trabalhos de campo foram realizadas oficinas utilizando a matriz SWOT/FOFA que nos possibilitou uma análise diagnóstica dos setores a partir de oito tópicos que contemplaram aspectos ambientais, sociais, econômicos e estruturais. A partir da tabulação dos dados foi possível obter uma visão abrangente do município, os setores rurais pesquisados mostraram um panorama geral com informações detalhadas, o que possibilitou uma compilação de importantes informações acerca da organização e o desenvolvimento rural de Montes Claros. Palavras-chave: Multifuncionalidade, Organização Rural, Desenvolvimento Rural, Agricultura familiar ABSTRACT The countryside is dynamic and it’s constantly changing. The forms of social reproduction and labor, therelation between field and city, the history, the technologies inserted in the field, to big producers likewise to small ones, have influence on this environment modeling and draw the profiles of each region. Nowadays, there’s a new configuration in the field, which has been for a long time essentially agricultural and in the last four decades it is noticed the incorporation of new activities, new elements and different ways of living with nature and changes in social relation and in the relation field-city, translated through family agriculture multifunctionality and pluriactivity, in which the agriculturist diversifies its activities concerning not only to the field labor and often begins to perform non-agricultural activities. Upon these reflections, the main goal of this study is to understand the countryside of Montes Claros from the study of multifunctionality, organization and rural development. From this objective it is also intended to investigate the agricultural multifunctionality and the pluriactivity of the rural sectors established by the Municipal Council for Sustainable Rural Development – CMDRS; to analyze the potentialities e difficulties of the permanency of the people in the field and the aspects of rural organization in the sectors Therefore, as methodology, is used a bibliographical research about this theme, in which were contextualized the concepts of rural development, multifunctionality and pluriactivity, the countryside, rurality and family agriculture that orient the work in rural perspective. Field research, data collection in place, tabulation of data collected in the field research and also tabulation and treatment of the IBGE Automatic Recovery System – SIDRA – data, iconographic record, consultation of official documents and interviews. In the fieldwork, workshops were held using SWOT matrix that allowed a diagnostic analysis of sectors from eight topics that include environment, social, economic and structural aspects. Starting from the data tabulation it was possible to obtain a broad view of the city, the researched rural sectors showed a general panorama with detailed information, which allowed a compilation of important information about the organization and rural development of Montes Claros. Keywords: Multifunctionality, Rural Organization, Rural Development, Family Agriculture LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS CEANORTE: Centro de Abastecimento do Norte de Minas CCZ : Centro de Controle de Zoonozes - CODEVASF: Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba CONAB: Companhia Nacional de Abastecimento CONSEP: Conselho de Segurança Pública CMDRS: Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável DAP: Declaração de Aptidão ao Pronaf DNOCS: Departamento Nacional de Obras de Combate à Seca EUA: Estados Unidos da América EJA: Educação para Jovens e Adultos EMATER: Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural ESF: Estratégia Saúde da Família FAO: Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação FIOCRUZ: Fundação Oswaldo Cruz - FNDE: Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FOFA: Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas, Ameaças IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEF: Instituto Estadual de Florestas IFNMG: Instituto Federal do Norte de Minas Gerais MA: Ministério da Agricultura MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário MST: Movimento dos Trabalhadores Sem Terra NEPGeR: Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia Rural OMC: Organização Mundial do Comércio ONG: Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PAA: Programa de Aquisição de Alimentos PDRI: Políticas de desenvolvimento rural integrado PNAE: Programa Nacional de Alimentação Escolar PNATER: Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar PRONATER: Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária RURALMINAS: Fundação Rural Mineira SAF: Secretaria de Agricultura Familiar SENAR: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SIDRA: Sistema IBGE de Recuperação Automática SDR: Secretaria de Desenvolvimento Rural SUDAM: Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia SUDECO: Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste SUDENE: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUDESUL: Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul SUS: Sistema Único de Saúde - SWOT: Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats 1 UFMG: Universidade Federal de Minas Gerias UNIMONTES: Universidade Estadual de Montes Claros 1 Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas, Ameaças LISTA DE FIGURAS Figura 01: Aplicação da Matriz SWOT/FOFA ........................................................................19 Figura 02: Participação da Agricultura Familiar na Economia Brasileira................................26 Figura 03: Elementos que compõem o desenvolvimento sustentável......................................35 Figura 04: Localização do Norte de Minas Gerais...................................................................39 Figura 05: População Rural e Urbana do Norte de Minas Gerais.............................................41 Figura 06: População do Norte de Minas por Número de Habitantes......................................42 Figura 07: Eixos Produtivos no Norte de Minas a partir da década de 1960...........................43 Figura 08: Localização do município de Montes Claros no Norte de Minas...........................46 Figura 09: Praça da Matriz......................................................................................................47 Figura 10: Mapa dos setores rurais do município de Montes Claros......................................49 Figura 11: Mapa identificando os setores pesquisados...........................................................58 Figura 12: Oficinas nas comunidades.....................................................................................59 Figura 13: Oficina em Panorâmica..........................................................................................60 Figura 14: Oficina em Tabuas.................................................................................................68 Figura 15: Vegetação na comunidade Tabuas no Verão e no Inverno....................................69 Figura 16: Barraginha para contenção de água da chuva em Tabuas......................................73 Figura 17: Gêneros agrícolas produzidos em Tabuas..............................................................75 Figura 19: Oficina em Abóboras..............................................................................................78 Figura 19: Nascente recuperada na Comunidade Planalto Rural.............................................82 Figura 20: Áreas de cultivo e áreas de reserva - Comunidade Planalto Rural.........................83Figura 21: Localização de areeiras na região da Serra Velha..................................................84 Figura 22: Associações da Comunidade Abóboras..................................................................87 Figura 23: Oficina em Marcela I..............................................................................................90 Figura 24: Oficina em Lagoa dos Freitas..................................................................................97 Figura 25: Lagoa dos Freitas: Comunidade Lagoa dos Freitas..............................................101 Figura 26: Assoreamento do Rio Mimoso..............................................................................112 Figura 27: Irrigação por Microaspersor na Comunidade Lagoinha (Setor 08).......................114 Figura 28: Áreas de Cultivo....................................................................................................118 Figura 29: Extração de Pequi na comunidade Tabuas (Setor 07)...........................................119 Figura 30: Dia de Feira na CEANORTE................................................................................121 Figura 31: Mercado Central de Montes Claros.......................................................................122 Figura 32: Feira do Bairro Major Prates...............................................................................123 Figura 33: Importância das Associações nos Setores...........................................................126 LISTA DE QUADROS Quadro 01: Comunidades Rurais do município por Setor........................................................50 Quadro 02: Dados Setor 05 - Santa Rosa de Lima e outros......................................................61 Quadro 03: Dados Setor 07 - Tabuas e outros..........................................................................70 Quadro 04: Dados do Setor 08 - Abóboras/Planalto Rural e outros.........................................79 Quadro 05: Dados do Setor 09 - Marcela e outros....................................................................90 Quadro 06: Dados do Setor 11 - Canto do Engenho e outros...................................................98 Quadro 07: Dados do Setor 03 - Campos Elízios e outros.....................................................105 Quadro 08: Dados do Setor 04 - Nova Esperança e outros.....................................................108 Quadro 09: Dados do Setor 10 - Antônio Olinto e outros......................................................110 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 15 CAPÍTULO I: O ESPAÇO RURAL: ELEMENTOS, RURALIDADES, CONCEITOS E DISCUSSÕES .......................................................................................................................... 21 1. 1 Agricultura Familiar, Multifuncionalidade e Pluriatividade .......................................... 22 1.2 Multifuncionalidade da Agricultura ................................................................................ 24 1.2.1 . Função Econômica ................................................................................................. 25 1.2.2 Segurança Alimentar ou Soberania Alimentar e Nutricional ................................... 26 1.2.3. Função Social .......................................................................................................... 27 1.2.4 Função Ambiental .................................................................................................... 28 1.3 Pluriatividade .................................................................................................................. 28 1.4. Desenvolvimento Rural Sustentável e Políticas Públicas Para Agricultura Familiar .... 29 1.4.1 Desenvolvimento e Desenvolvimento Rural ............................................................ 30 1.4.2 Desenvolvimento Rural no Brasil ............................................................................ 31 1.4.3 As Bases do Desenvolvimento Rural Sustentável.................................................... 33 1.4.4 Políticas Públicas para o Desenvolvimento Rural .................................................... 35 1.4.5 Desenvolvimento Rural no Norte de Minas ............................................................. 37 CAPÍTULO II: O MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS E O DESENVOLVIMENTO RURAL ..................................................................................................................................... 45 2.1 O Espaço Rural de Montes Claros .................................................................................. 48 2.2 Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável: Breve histórico no Brasil e no município de Montes Claros ............................................................................................ 51 2.3. Tópicos analisados na Pesquisa ..................................................................................... 53 2.3.1. Meio Ambiente ........................................................................................................ 53 2.3.2. Saúde Rural ............................................................................................................ 53 2.3.3. Educação ................................................................................................................. 54 2.3.4. Economia Rural ....................................................................................................... 54 2.3.5. Assistência Técnica de qualidade ............................................................................ 54 2.3.6. Organização Rural ................................................................................................... 55 2.3.7. Soberania Alimentar e Nutricional .......................................................................... 55 2.4.8. Segurança Rural ...................................................................................................... 56 CAPÍTULO III: RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................. 57 3.1. Setor 05 - Santa Rosa de Lima e outros ......................................................................... 60 3.2. Setor 07 - Tabuas e outros ............................................................................................. 67 3.3. Setor 08 - Abóboras/Planalto Rural e outros ................................................................. 77 3.4. Setor 09 - Marcela e outros ............................................................................................ 89 3.5. Setor 11 - Canto do Engenho e outros ........................................................................... 97 3.6. Setores em que não foram realizadas oficinas ............................................................. 104 3.6.1 Setor 03 - Campos Elízios e outros ........................................................................ 104 3.6.2. Setor 04 - Nova Esperança e outros ...................................................................... 107 3.6.3. Setor 10: Antônio Olinto e outros ......................................................................... 109 3.7. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................................................................... 113 3.7.1 Meio Ambiente ....................................................................................................... 113 3.7.3. Educação ............................................................................................................... 115 3.7.4. Economia Rural .....................................................................................................117 3.7.4.1 A CEANORTE, o Mercado Municipal e as feiras livres ................................ 120 3.7.4.2 A CEANORTE ................................................................................................ 120 3.7.4.3 As Feiras Livres e os Mercados Municipais .................................................... 121 3.7.5. Assistência Técnica ............................................................................................... 124 3.7.6. Organização Rural ................................................................................................. 125 3.7.7. Soberania Alimentar e Nutricional ........................................................................ 126 3.7.8. Segurança Rural .................................................................................................... 127 3.7.9. Outros .................................................................................................................... 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 129 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 131 APÊNDICE: Matriz SWOT/FOFA Aplicada nas oficinas ..................................................... 137 15 INTRODUÇÃO O espaço rural é dinâmico e está em constante transformação. As formas de reprodução social e do trabalho, a relação campo-cidade, a história, as tecnologias inseridas no campo tanto para grandes como pequenos produtores, influenciam no modelar desse meio e traçam os perfis de cada região. E diante desse dinamismo existente no campo, Schneider (2010) destaca que um paradigma que tem se destacado nos estudos rurais nas últimas décadas, é o desenvolvimento rural. Kageyama (2004, p. 384) afirma que, [...] o paradigma da modernização da agricultura, que dominou a teoria, as práticas e as políticas, como a principal ferramenta para elevar a renda e o desenvolvimento das comunidades rurais, vem sendo substituído, notadamente na Europa, por um novo paradigma, o do desenvolvimento rural, no qual se inclui a busca de um novo modelo para o setor agrícola, com novos objetivos, como a produção de bens públicos (paisagem), a busca de sinergias com os ecossistemas locais, a valorização das economias de escopo em detrimento das economias de escala e a pluriatividade das famílias rurais.” (KAGEYAMA (2004, p. 384). Isso implica em uma nova configuração no meio rural, que por muito tempo foi essencialmente agrícola e nas últimas quatro décadas têm-se percebido a incorporação de novas atividades, novos elementos e diferentes formas de convivência com a natureza e mudanças nas relações sociais, e na relação campo-cidade, traduzidas através da multifuncionalidade e da pluriatividade, na qual o agricultor diversifica suas atividades não se atendo somente ao trabalho no campo e passa a desempenhar outras atividades, inclusive não agrícolas. A partir de meados do século XX, o desenvolvimento rural foi associado a um conjunto de ações do Estado e dos organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas - ONU e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO. Essas ações eram destinadas à intervenções nas regiões rurais consideradas pobres que não se integravam ao processo de modernização agrícola pela substituição de fatores de produção considerados atrasados (NAVARRO, 2001). A agricultura é uma atividade que envolve recursos naturais e processos ecológicos, como também, o desenvolvimento da técnica e o trabalho humano. Ao longo da história essa atividade se transformou, o homem agregou novas técnicas e novas tecnologias fazendo, 16 assim, com que a agricultura chegasse ao estágio atual. O período pós-guerra a partir da década de 1950 ensejou diversas mudanças no espaço agrário mundial embalado pela Revolução Agrícola e a Revolução Verde com os pacotes tecnológicos, cuja proposta era a mecanização do campo associada ao uso de agrotóxicos e insumos químicos para aumentar a produtividade em escalas gigantescas, surgem, assim, os grandes cinturões norte americanos e os grandes projetos de irrigação, os quais os modelos foram exportados para todo mundo em função do desenvolvimento rural baseado no fator econômico (NAVARRO, 2001). Dessa forma segundo Shiva (2003), Também na agricultura a mentalidade reducionista criou a safra de monoculturas. [...] Os sistemas agrícolas tradicionais baseiam-se em sistemas de rotação de culturas de cereais, de legumes, sementes oleaginosas com diversas variedades em cada safra, enquanto o pacote da Revolução Verde baseia-se em monoculturas geneticamente uniformes. (SHIVA, 2003 p. 56,57) Assim, no Brasil os enfoques desenvolvimentistas da segunda metade do século XX, seguiram essa lógica destacada por Shiva (2003) baseada em monoculturas, com a inserção das máquinas no campo, e importação de modelos de produção dos Estados Unidos como os projetos de irrigação. Esses fatores atrelados ao panorama político do país trouxeram uma nova configuração para o espaço rural brasileiro, no qual as políticas voltadas para o crescimento econômico foram implantadas de norte a sul, delineando um novo modelo de produção agrícola voltado para a exportação e a agroindústria. Nesse cenário, a imensa concentração fundiária que se destaca historicamente no Brasil, desde o período colonial, aumentou ainda mais nesse período (MAZOYER e ROUDART, 2010). A população brasileira nesse período era majoritariamente rural, e a economia baseada nas atividades da agricultura e pecuária da pequena à grande produção. Após a mecanização do campo e a industrialização das grandes cidades a situação se inverteu e o Brasil passou pelo processo de êxodo rural. Nesse período, o desenvolvimento rural foi pautado nesses moldes onde o fator econômico encabeçou a tomada de decisões em detrimento das questões sociais, culturais e ambientais. Diante dessas reflexões, o objetivo geral deste trabalho é compreender o espaço rural do município de Montes Claros a partir do estudo da multifuncionalidade e do desenvolvimento rural. A partir deste objetivo pretende-se também investigar a multifuncionalidade da agricultura e a pluriatividade nos setores rurais do município definidos pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável - CMDRS; analisar as 17 potencialidades e dificuldades de permanência da população no campo e os aspectos da organização rural. Para tanto, utilizamos como metodologia, uma pesquisa bibliográfica sobre a temática, na qual foram contextualizados os conceitos de desenvolvimento rural, multifuncionalidade e pluriatividade espaço rural, ruralidade, e agricultura familiar que nortearam o trabalho na perspectiva do rural. Pesquisa de campo, coleta de dados em loco, tabulação de dados colhidos na pesquisa de campo e também tabulação e tratamento de dados do Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA, registro iconográfico, consulta a documentos oficiais e entrevistas. A pesquisa de campo foi feita através de trabalhos de campo que visam não apenas a coleta de dados quantitativos e qualitativos, mas, também uma visão mais ampla da realidade pesquisada, como afirmam Gobbi e Pessôa (2009, p, 486), O trabalho de campo, numa pesquisa em geografia, não pode concentrar-se somente na coleta de dados que sejam expressos por meio de percentuais, tabelas e gráficos. É preciso ir além, e é necessário extrair dos envolvidos, num determinado processo ocorrente, elementos relacionados às suas visões de mundo, seus hábitos, tabus, vivências e temores. (GOBBI; PESSÔA, 2009. p, 486). Os trabalhos de campo estão sendo feitos juntamente com as oficinas para construção do Planode Desenvolvimento Rural Sustentável de Montes Claros nos setores rurais delimitados pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável - CMDRS. Os setores rurais caracterizam uma regionalização do município feita pelo CMDRS em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais - Emater que dividiu o mesmo em 14 setores com uma comunidade ou Distrito referência que é chamada de polo. As oficinas fazem parte do Projeto Dinâmicas de Desenvolvimento Rural Sustentável para o Município de Montes Claros executado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia - NEPGER da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes que juntamente com a Universidade Federal de Minas Gerias - UFMG, o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – IFNMG, o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável – CMDRS e seus conselheiros estão construindo um Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável município de Montes Claros com a participação da população rural. Dessa forma, são feitas reuniões nas comunidades indicadas pelos conselheiros do CMDRS, que articulam e mobilizam as comunidades para contribuir na construção do Plano, 18 e, paralelamente a estas reuniões foram feitos os trabalhos de campos e coleta de dados para construção deste trabalho. Assim, para a metodologia adotada foi a Pesquisa Participante que segundo Carvalho e Souza (2009, p. 143), "tem sido empregada, principalmente, em pesquisas que envolvem formas de interpretar e compreender os problemas do coletivo e é indicada para viabilizar transformações em comunidades e resolução de problemas. Ou seja, além de um levantamento de dados e informações sobre o grupo pesquisado, essa metodologia envolve a ação direta sobre a realidade do grupo pesquisado." (CARVALHO e SOUZA, 2009, p. 143). Nesse sentido, nas reuniões articuladas nos setores, são feitas oficinas com a população para coleta de dados e para maior compreensão de sua realidade, das potencialidades e fragilidades. Assim, são observados alguns elementos, desde os aspectos naturais até as características da população pertencente ao setor, isso é feito a partir de 08 tópicos que foram definidos utilizando como base a matriz SWOT: Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats ou FOFA como é denominada aqui no Brasil, cuja sigla significa: Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas, e Ameaças, respectivamente, essa metodologia foi desenvolvida na Universidade Harvard Business School nos Estados Unidos. Segundo Fuscaldi e Marcelino (2008, p. 07), A SWOT Analysis foi criada por dois professores da Harvard Business School: Kenneth Andrews e Roland Christensen e aplicada por inúmeros acadêmicos. É um instrumento muito utilizado no planejamento estratégico, no qual se relacionam as condições externas e internas relativas à organização. A análise possibilita identificar as oportunidades que a organização pode utilizar para melhorar seu desempenho e as ameaças que podem afetá-la (ambiente externo), além de suas forças e fraquezas (ambiente interno). (FUSCALDI; MARCELINO, 2008, p.07 ). Assim, a matriz SWOT/FOFA é uma ferramenta de análise diagnóstica dos aspectos internos e externos que compõem e envolvem uma empresa/organização/instituição, e pode ser aplicada em diferentes cenários para cruzamentos de dados que facilitem a compreensão da influência de fatores internos (Fortalezas e Fraquezas) e externos (Oportunidades e Ameaças) no ambiente pesquisado. E são por essas características que essa matriz é utilizada como ferramenta metodológica de pesquisa participativa em muitas ciências devido à facilidade de obtenção e organização de dados e resultados. Nesse sentido, na figura 01 está esquematizada a forma de análise dessa matriz e os aspectos que são analisados. 19 Figura 01: Aplicação da Matriz SWOT/FOFA Org: FREITAS, L. D. A. S. 2015 Nesse sentido, lançamos mão desta metodologia para analisar os aspectos internos e externos que caracterizam, influenciam e afetam os setores rurais do município de Montes Claros, e para a obtenção de dados que permitam uma visão geral do município, definimos 08 tópicos, para serem analisados nas quatro variáveis da matriz SWOT/FOFA: 1. Meio Ambiente 2. Saúde Rural 3. Educação 4. Economia Rural 5. Assistência Técnica de qualidade 6. Organização Rural 7. Soberania Alimentar e Nutricional 8. Segurança Rural Esses tópicos são apresentados à população que analisa, discute todos eles e aponta as Fortalezas, Oportunidades, Fraquezas, e Ameaças e acrescenta também o parecer de cada comunidade em uma plenária ao final da reunião. Para realização do trabalho, nos baseamos na regionalização do município em setores rurais, feita pelo Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável - CMDRS, como foi citado FORTALEZAS Pontos positivos existentes nos setores que podem melhorar o aproveitamento das oportunidades e conter as ameaças. OPORTUNIDADES Aspectos externos que podem trazer benefícios, ou potencialidades que podem trazer desenvolvimento para os setores,. AMEAÇAS São aspectos externos que podem prejudicar os setores, dificultando o aproveitamento das fortalezas e oportunidades. FRAQUEZAS Aspectos negativos existentes nos setores que podem prejudicar ou diminuir o desenvolvimento dentro da própria comunidade. AMBIENTE EXTERNO AMBIENTE INTERNO 20 anteriormente. Assim, serão realizados trabalhos de campos/oficinas em todos os setores durante a vigência do projeto ao qual se vincula este trabalho, entretanto, até o momento de finalização desta dissertação foram pesquisados os seguintes setores: 03; 04; 05; 07; 08; 09; 10; e 11. Dessa forma, os resultados aqui apresentados se referem a estes 08 setores, que representam áreas distintas do município e, assim, possibilitaram uma análise ampliada e rica do espaço rural de Montes Claros, de modo que, os resultados obtidos nesta pesquisa refletem alguns aspectos dos outros setores não visitados, como nos foi exposto pelos conselheiros nas reuniões do CMDRS e também como já observamos em experiências de pesquisas anteriores realizadas no município. Em cada oficina são reunidos representantes de todas as comunidades pertencentes àquele setor pelo conselheiro do CMDRS 2 e dessa forma colhemos os dados por amostragem. O trabalho está estruturado em três capítulos: no primeiro capítulo, fizemos uma abordagem geral dos conceitos que envolvem a temática como o desenvolvimento, desenvolvimento rural, agricultura familiar, espaço rural, ruralidades, multifuncionalidade e pluriatividade. No segundo capítulo apresentamos o município de Montes Claros e seu espaço rural, e no terceiro capítulo os resultados e discussões, seguido das considerações finais. 2 Trataremos sobre o CMDRS, sua instituição, infraestrutura, membros e atividades no Capítulo II. 21 CAPÍTULO I: O ESPAÇO RURAL: ELEMENTOS, RURALIDADES, CONCEITOS E DISCUSSÕES Os estudos rurais no Brasil desde a década de 1980 têm aprofundado as discussões sobre o espaço rural, as ruralidades, a relação campo-cidade e tudo que essas temáticas abrangem. Segundo Wanderley (2011, p. 106), [...] os estudos rurais realizam um importante salto qualitativo, que se expressa em duas orientações complementares. Em primeiro lugar, a revalorização da dimensão espacial, que traz à tona um debate centrado na compreensão do mundo rural e suas relações com as cidades, bem como nas relações da vida local com os processos de globalização. Essa compreensão alimenta uma profunda reflexão a respeito do desenvolvimento rural sustentável como projeto de sociedade. Em segundo lugar, a reiteração da centralidadedo conhecimento sobre os sujeitos rurais, em toda sua diversidade e complexidade. (WANDERLEY, 2011, p. 106 ) Nesse sentido, percebe-se um esforço de análise nos estudos rurais para além do que é determinado como rural em relação ao espaço, visto que, a definição oficial de rural estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE estabelece como "Área Rural: Área de um município externa ao perímetro urbano" (IBGE, 2000). Assim, a tipologia técnico-administrativa é vaga e imprecisa, não considerando características como contingente populacional, ocupação, ou renda, mas, é instituída a partir da falta de equipamentos e serviços urbanos (GIRARDI, 2008). As diferentes abordagens que abarcam as discussões referentes ao mundo rural, levaram a diferentes teorias de estudiosos, que, até mesmo afirmaram o fim do rural, outros contestaram e propuseram uma outra via que seja mais integradora e demonstra, assim, as novas ruralidades associadas ao espaço urbano ou ao modo de vida urbano (GIRARDI, 2008). Segundo Wanderley (2011, p. 120), ruralidade "em seu sentido geral, diz respeito às particularidades do espaço rural, às relações, às representações e aos sentimentos de pertencimento, referidos ao meio rural e aos modernos processos de integração campo- cidade", nesse sentido, expressa um importante elemento imerso na discussão e nos embates teórico-metodológicos diante das transformações do mundo atual e do processo de globalização que levaram novas possibilidades ao campo como a inserção de tecnologias na produção agrícola e na rotina das pessoas, através dos celulares, a internet, eletrodomésticos, e outros mais. Assim, a seguir apresentaremos 05 dimensões que consideramos basilares para o entendimento da organização e desenvolvimento no espaço rural, que analisaremos para a 22 apreensão da dinâmica do mesmo: agricultura familiar; multifuncionalidade; pluriatividade; desenvolvimento sustentável, e políticas públicas para agricultura familiar. 1. 1 Agricultura Familiar, Multifuncionalidade e Pluriatividade Frente às novas ruralidades, as transformações do mundo rural, os debates em torno das definições de agricultura familiar e campesinato se inserem a discussão da multifuncionalidade e da pluriatividade, que têm se apresentado como importantes elementos no meio rural e traçado novas dinâmicas no cotidiano da população do campo. A agricultura familiar é uma categoria que levanta muitas discussões acerca do conceito e aplicação, assim, na literatura é possível encontrar muitas definições e tipologias do termo, como Wanderley (1996, p. 02) que afirma que a agricultura familiar é "entendida como aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo." Para Guanziroli et al (2001, p.113), "é intenso o debate sobre a agricultura familiar, seus elementos caracterizadores, sua dinâmica, viabilidade e lógica econômica. [...] o elemento-chave mais importante para definir os produtores familiares é produzir com base na mão de obra familiar." Outro fato a ser pontuado é a discussão do conceito de agricultura familiar devido à sua utilização no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura familiar - Pronaf e na criação da Lei 11.326/2006 que fixa as bases para a categoria (BRASIL, 2006). Nesse sentido, Wanderley (2004, p. 43,44) afirma que, para uns, o conceito de agricultura familiar se confunde com a definição operacional adotada pelo Pronaf que propõe uma tipologia de beneficiários em função de sua capacidade de atendimento. Para outros, agricultura familiar corresponde a uma certa camada de agricultores, capazes de se adaptar às modernas exigências do mercado em oposição aos demais “pequenos produtores” incapazes de assimilar tais modificações. São os chamados agricultores “consolidados” ou os que têm condições, em curto prazo, de se consolidar. (WANDERLEY, 2004, p. 43,44) Percebe-se, portanto, que os pesquisadores dessa temática têm posições variadas a esse respeito, até mesmo pelas dimensões da propriedade, o tipo de trabalho desenvolvido, o enquadramento do agricultor ou não no Pronaf, entre outros pontos que permeiam esta discussão. Entretanto, todos os autores, assim como a legislação vigente concordam que a essência do termo e, não obstante, dessa categoria está na base familiar, onde a responsabilidade da gestão e do trabalho na propriedade é da família que ali reside. Dessa forma, percebe-se que a discussão gira em torno dos elementos que compõem a estrutura das unidades familiares. 23 Para Guanziroli et al (2001, p. 114) o universo dos agricultores é heterogêneo, devido às diferentes trajetórias, às relações sociais nas quais se inserem e também aos níveis de capitalização. Para esses autores, existem três tipos diferentes de agricultores familiares, conforme o nível de capitalização: I - agricultores capitalizados: inseridos no processo de acúmulo de capital, dispõem de mais recursos para produção, produzem com uso de maquinários, benfeitorias. Gradualmente podem tornar-se produtores patronais, conforme aumentam sua área de trabalho e inserem modos de produção que necessitam de mais mão de obra. II - agricultores em vias de capitalização: em um cenário favorável esses agricultores podem acumular algum capital, entretanto, isso não representa uma garantia de sustentabilidade da unidade familiar, sendo assim, os produtores dessa categoria podem seguir por dois caminhos: completar a implantação de sistemas capitalizados, ou em um cenário contrário seguir rumo à descapitalização. III - agricultores descapitalizados: encontram-se nesta categoria agricultores tradicionais descapitalizados e também outros que recorrem à rendas externas para sobreviver pois a renda obtida na propriedade é insuficiente para manter a unidade de produção e manter a família no campo. Segundo o autor há um dinamismo que se dá a partir capacidade de crescimento ou não dos agricultores, eles podem migrar de uma categoria para outra conforme a situação muda, tornando-se mais ou menos capitalizados ou até mesmo descapitalizados, variando de região pra região pelas características físicas, econômicas, sociais. E mesmo os agricultores descapitalizados como os tradicionais podem integrar-se ao mercado de alguma forma, através da pluriatividade e da venda do excedente da produção. Abramovay (1992) aponta que a agricultura familiar é altamente interligada ao mercado, capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de responder às políticas governamentais. Diante desse dinamismo, percebe-se a presença da multifuncionalidade como parte integrante deste processo. No município alvo desta pesquisa, percebemos a multifuncionalidade como um dos conceitos expressos no modo de vida e produção rural da população. 24 1.2 Multifuncionalidade da Agricultura A multifuncionalidade da agricultura é um dos temas que mais se expandiu na geografia agrária na década de 1990 segundo Alves (2010). A discussão sobre essa temática nos últimos anos tem ganhado espaço no meio acadêmico, por apresentar uma dinâmica que favorece a manutenção do homem no campo e que possibilita ao agricultor ser ao mesmo tempo trabalhador rural, detentor dos meios de produção e auxiliar na preservação do meio ambiente, procurando relacionar a produção e a preservação do solo, gerenciar os recursos naturais de modo sustentável e preservar a biodiversidade. A noção de multifuncionalidade foi desenvolvida na Europa, mas ganhou visibilidade no Brasil a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em 1992 no Rio de Janeiro (SABOURIN, 2010). Laurent (1999) apud Sabourin (2010, p. 152) define a multifuncionalidade como “conjunto das contribuições da agricultura para um desenvolvimentoeconômico e social considerado na sua globalidade.” Dessa forma, este conceito é de grande relevância no tocante a agricultura familiar no contexto brasileiro, visto que a atividade é importante para a economia do país, e para a população de uma forma geral. Como afirma Soares (2001), o debate sobre a multifuncionalidade também foi destaque nas negociações da Organização Mundial do Comércio – OMC, na Conferência de Seattle nos Estados Unidos em 1999, na qual começaram as negociações sobre a reforma de importantes temas no comércio internacional, com destaque para a agricultura. De um lado ficaram os países exportadores de comóditties, como Argentina, Austrália, Brasil, Chile, Nova Zelândia e Uruguai que buscavam a remoção de barreiras comerciais na Europa, Estados Unidos e Japão para a entrada dos produtos agrícolas. De outro lado ficaram os países europeus que defendiam a manutenção de seus subsídios agrícolas através do argumento da multifuncionalidade da agricultura, uma vez que, para eles, as funções múltiplas exercidas pela agricultura naquela sociedade exigiam que este setor não tivesse um tratamento meramente comercial. Maluf (2003) pontua que na realidade brasileira pode-se destacar quatro funções na multifuncionalidade da agricultura: a) reprodução socioeconômica das famílias rurais (Função econômica); b) promoção da segurança alimentar das próprias famílias e da sociedade; c) manutenção do tecido social e cultural (Função social); d) preservação dos recursos naturais e da paisagem rural (Função ambiental). 25 A relevância do tema para o meio rural, se dá pela representatividade de um conjunto de ações que reunidas podem contribuir de forma significativa, em nosso entendimento e avaliação, para o desenvolvimento rural sustentável, e, cada função abrange dimensões e elementos que se complementam, e influenciam nos processos endógenos e exógenos que atuam no campo, nesse sentido, apresentaremos a seguir com mais detalhes as quatro funções da multifuncionalidade. 1.2.1 . Função Econômica Esta função está relacionada aos aspectos econômicos que envolvem a renda proporcionada pelas atividades desenvolvidas na unidade familiar sendo capazes de suprir às necessidades da família. O ponto chave nesta função é capacidade de geração de emprego e renda nas propriedades rurais que permita a manutenção da população em condições dignas no campo e favoreça a reprodução dos seus modos de trabalho (MALUF, 2003). Em relação a isso pode-se também enfatizar a importância da agricultura familiar no cenário nacional, como provedora de alimentos, segundo Wanderley (2011), a agricultura familiar tem um peso considerável na produção de alimentos no Brasil. Os dados Censo Agropecuário do IBGE (2006) comprovam que o mercado brasileiro é suprido em grande parte pela produção familiar, visto que as grandes lavouras são direcionadas à exportação, como mostra a figura 02. Estima-se que no Brasil a agricultura familiar seja responsável por 75% dos alimentos que compõem a alimentação básica da população. Aproximadamente cinco milhões de famílias vivem da agricultura familiar e produzem a maior parte dos alimentos consumidos no País, como mandioca (83%), feijão (70%) e leite (58%). A agricultura familiar representa 84% dos estabelecimentos agropecuários e corresponde cerca de 38% de participação no valor bruto da produção do meio rural. Dessa forma, são 14 milhões de pessoas trabalhando, em torno de 74% do total das ocupações distribuídas em cerca de 80 milhões de hectares (25% da área total) (IBGE, 2006). 26 Figura 02: Participação da Agricultura Familiar na Economia Brasileira Fonte: Blog do Planalto. Disponível em: http://blog.planalto.gov.br/credito-para-agricultura-familiar-contribui- para-recorde-de-producao/. Acesso em 21 de setembro de 2015. Outro elemento relevante na análise no aspecto econômico é a pluriatividade que tem dado uma nova configuração às propriedades agregando novas atividades e modificado as relações socioeconômicas da população, sobre isso, trataremos à frente. 1.2.2 Segurança Alimentar ou Soberania Alimentar e Nutricional A segurança alimentar/soberania alimentar e nutricional é ainda mais abrangente pois, está diretamente ligada a relação campo-cidade. O conceito de segurança alimentar foi deliberado na Conferência Mundial de Alimentação na Itália em 1974, como o suprimento alimentar adequado a nível mundial a fim de sustentar a expansão do consumo e compensar eventuais flutuações na produção e nos preços (SOARES, 2001). Acreditava-se que a modernização da agricultura seria capaz de garantir a segurança alimentar, entretanto, ao analisar o modelo de produção proposto pela Revolução Verde, fica claro que este foi um programa idealizado por outros países e implantado no Brasil, cujo objetivo maior era a produtividade, em detrimento da segurança alimentar, bem como, a sustentabilidade. A 27 inserção da Revolução Verde no Brasil foi justificada pelo aumento significativo da produção de alimentos e do combate à fome no mundo. Entretanto, ao examinar as condições de vida e acesso a alimentos no mundo e no Brasil, enxerga-se claramente que não foi garantida a segurança alimentar da população, mas houve uma concentração de riquezas que gerou uma crescente pobreza rural, atingindo não só o campo, mas, também as cidades devido à saída de muitos agricultores da zona rural em direção aos centros urbanos. Dessa forma, as discussões regidas pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - FAO em 1983 culminaram com a redefinição do conceito de segurança alimentar como sendo “a garantia do acesso físico e econômico das pessoas à alimentação básica que necessitavam” (SOARES, 2001). O problema é que este conceito não abarca a procedência dos alimentos, e esta brecha no conceito levou movimentos sociais ligados à Via Campesina a debater junto a FAO sobre a soberania alimentar, cuja função iria além do acesso à alimentação básica, mas, visaria também alimentos de boa qualidade capazes de garantir também a segurança nutricional do ser humano. Nesse sentido, a promoção da segurança alimentar segundo Maluf (2003), compreende a disponibilidade, o acesso e a garantia da qualidade dos alimentos para os agricultores que produzem e para os consumidores, de forma, que, também seja garantida a segurança nutricional. 1.2.3. Função Social Nesta função pode-se destacar a inclusão social dos indivíduos percebida através do trabalho que assegura ao agricultor a sua permanência no meio rural, a manutenção da propriedade e a reprodução dos saberes adquiridos através de gerações, diminuindo a migração para os centros urbanos e, até mesmo, a marginalização e alienação dos conhecimentos tradicionais. Esta função também está relacionada às formas de organização social dos agricultores através de associativismo e cooperativismo. A funcionalidade social da agricultura familiar tem em sua dimensão a capacidade de intensificar essas formas de organização, através da busca pelos recursos, o acesso às políticas públicas e o desenvolvimento de novas técnicas de produção. A proximidade das famílias e a busca por objetivos comuns pode aumentar o sentimento de confiança aliada a topofilia, e dessa forma, contribui para a manutenção das famílias no campo. 28 1.2.4 Função Ambiental A função ambiental diz respeito a todos os aspectos na agricultura familiar que envolvem a preservação e conservação ambiental, desde o cuidado com o solo, a água, a mata ciliar, evitando a contaminação pelo uso inadequado de agrotóxicos, a erosão do solo e o assoreamento dos rios e nascentes pela retirada da cobertura vegetal. Para Soares (2001), a agricultura familiar pode promover um conjunto de serviços ambientais como a preservação dossolos e águas, manejo sustentável da biodiversidade e produção de biomassa. Tais atividades estão apoiadas nas características próprias a este modo de produção, pois têm como prioridade o suprimento das necessidades da família, valoriza o policultivo e aperfeiçoa a distribuição espacial e temporal das culturas, o manejo é feito com maior atenção, uma vez que quem o faz é o próprio agricultor, que conhece o bioma e o clima da região no qual está inserido podendo ser capaz de desenvolver estratégias de convivência com os mesmos. Esta função possui um direcionamento agroecológico que busca integrar o homem à natureza aproveitando de forma sustentável os recursos disponíveis para a garantia das gerações futuras. A análise destas quatro funções mostra a complexidade das relações envolvidas na agricultura familiar para além da sua função matricial que é a produção agrícola. Dessa forma, a multifuncionalidade se mostra como uma característica importante na agricultura familiar, pois, evidencia a capacidade dos agricultores de repensar e adaptar seus modos de vida e de produção, permanecendo no campo e inseridos no mercado. Paralelo à multifuncionalidade percebe-se que um novo sujeito vem compondo esse cenário rural: o agricultor pluriativo, que vem dar um novo dinamismo a esse modelo de produção. 1.3 Pluriatividade Assim como a multifuncionalidade, a pluriatividade é um dos temas que cresceu nos estudos referentes à agricultura familiar. Segundo Schneider (2003, p. 100-101), a pluriatividade refere-se a situações sociais em que os indivíduos que compõem uma família com domicílio rural passam a se dedicar ao exercício de um conjunto variado de atividades econômicas e produtivas, não necessariamente ligadas à agricultura ou ao cultivo da terra, e cada vez menos executadas dentro da unidade de produção. (SCHNEIDER, 2003, p. 100-101) 29 Devido às transformações do mundo moderno que afetaram a população do campo, algumas famílias começaram a diversificar o trabalho para manter a propriedade, inclusive exercendo atividades não agrícolas, como demonstra Graziano da Silva et al (2002, p. 41) "os produtores estão encontrando novas oportunidades de valorização de bens não tangíveis, antes ignorados, como a paisagem, o lazer e os ritos do cotidiano agrícola e pecuário." Nessa direção, podemos citar algumas das atividades exploradas pelas famílias no campo como: os produtores de hortaliças que passam a trabalhar também com venda mudas de plantas e temperos feitos a partir dos produtos da horta; criação de peixes; polpas de suco para melhor aproveitar as frutas da estação; artesanato; turismo rural, pessoas no grupo familiar que trabalham na cidade, mas residem no campo e utilizam a renda para o benefício da propriedade, e outros mais. Esses exemplos caracterizam a pluriatividade e o empreendedorismo levando novas perspectivas para os agricultores possibilitando um rural mais dinâmico e configurando novos instrumentos para criação de políticas públicas que possam ajudar nessa nova composição. Assim, alguns paradigmas se destacam nas discussões como políticas públicas e desenvolvimento sustentável que tem permeado os debates nas análises sobre a agricultura familiar na atualidade. 1.4. Desenvolvimento Rural Sustentável e Políticas Públicas Para Agricultura Familiar O espaço rural agrega uma importante diversidade na paisagem, nos modos de produção e de vida da população, seguindo essa lógica, o trabalho dos movimentos sociais, a busca pela reforma agrária, a crescente discussão sobre a sustentabilidade e a criação de políticas públicas para a agricultura familiar têm quebrado muitos paradigmas e levantado outros em relação ao mundo rural, especialmente no que tange à agricultura familiar e ao desenvolvimento rural sustentável. Nesse sentido, discutimos rapidamente, alguns desses paradigmas, a fim de aprofundar a discussão, mas, sem esgotar o assunto, evidenciando alguns pontos importantes para a compreensão do rural como espaço de transformação constante e capaz de se adaptar às diferentes realidades. 30 1.4.1 Desenvolvimento e Desenvolvimento Rural O desenvolvimento está no centro das discussões de diversas ciências que compreendem diferentes áreas, mas, não existe consenso quanto ao seu real significado ou finalidade. Segundo Guimarães (2013), “Desenvolvimento” é um termo polissêmico e, como tantos outros, sujeito a interpretações controversas e objeto de disputas ideológicas. A Constituição do Brasil fala de “desenvolvimento” em seu preâmbulo, mas não o define em nenhum outro lugar. Seu entendimento depende de elementos explicativos ou, com mais frequência, do sentido que lhe é dado pelo poder que o usa como argumento. (GUIMARÃES, 2013, p. 11) Dessa forma, percebe-se a complexidade do termo e por este motivo a dificuldade de definição epistemológica para o mesmo. Este fato pode ser percebido também pela definição encontrada no Dicionário Aurélio Ferreira (1986, p. 561), de.sen.vol.vi.men.to sm (desenvolver+mento 2 ) 1 Ato ou efeito de desenvolver. 2 Crescimento ou expansão gradual. 3 Passagem gradual de um estádio inferior a um estádio mais aperfeiçoado. 4 Adiantamento, progresso. 5 Extensão, prolongamento, amplitude. 6 Mús Elaboração de um tema, motivo ou ideia musicais por modificações rítmicas, melódicas ou harmônicas. 7 Mús Parte em que tal elaboração ocorre. 8 Mat Expressão de uma função qualquer na forma de uma série. 9 Mat Transformação de uma expressão em outra equivalente, mais extensa, porém mais acessível ao cálculo. D. direito, Biol: desenvolvimento sem metamorfose. Sin: desenvolução. (FERREIRA, 1988, p. 561 ). Nesse sentido, podemos constatar como diversas ciências se apropriam do termo desenvolvimento para os seus devidos fins, o que evidencia a amplitude do tema, sendo necessária uma análise diferenciada conforme cada área do conhecimento. Kageyama (2004, p. 380) afirma que, "O desenvolvimento - econômico, social, cultural, político - é um conceito complexo e só pode ser definido por meio de simplificações, que incluem decomposição de alguns de seus aspectos e aproximação por algumas formas de medidas." De forma geral, o desenvolvimento está relacionado a crescimento, e este é o elemento que vem movendo os debates relacionados ao tema quando se trata de aspectos econômicos, sociais e ambientais. O desenvolvimento atrelado à ideia de crescimento econômico foi a prerrogativa do Estado para que o Brasil deixasse de ser um país de terceiro mundo em meados do século XX, e para tirar o país do atraso, frentes desenvolvimentistas foram espalhadas por todo país, com o objetivo de industrializar as cidades e mecanizar o campo para aumentar a produtividade. 31 Dessa maneira, o que se refere ao desenvolvimento tanto nas áreas urbanas como rurais no Brasil, foi pautado nesta concepção. E, em relação ao desenvolvimento rural, especificamente, as ações e projetos pensados pelo Estado seguiram este modelo até a década de 1990 quando políticas públicas começam a ser pensadas de maneira diferenciada, buscando a inclusão da agricultura familiar. Sobre isso Navarro (2001, p. 88) argumenta que, o conceito de desenvolvimento rural, [...] altera-se também ao longo do tempo, influenciado por diversas conjunturas e, principalmente, pelos novos condicionantes que o desenvolvimento mais geral da economia e da vida social gradualmente impõem às famílias e às atividades rurais (NAVARRO, 2001, p. 88). Diante disso, Schneider (2010) afirma que os estudos sobre desenvolvimento rural na atualidade se voltam para o contexto das discussões da agricultura familiar, da intervenção do Estado no meio rural através de políticas para agricultura familiar, as mudanças no cenário político e ideológico no Brasil após o fim do regimemilitar e também a emergência da sustentabilidade ambiental nos anos 1990 com a Rio-92 e a Agenda 21 que levantaram os debates em torno do aquecimento global, a poluição e muitos outros temas relacionados à sustentabilidade. 1.4.2 Desenvolvimento Rural no Brasil No Brasil o desenvolvimento rural passou por momentos distintos, considerando a história recente do país. Após a década de 1950, a concepção de desenvolvimento rural no país seguiu o padrão norte americano, seguindo os parâmetros da Revolução Agrícola e da Revolução Verde que levou para o campo em várias partes do mundo, conforme Mazoyer e Roudart (2010, p. 421) [...] novos meios de produção agrícola originários da segunda revolução industrial: a motorização (motores a explosão ou elétricos, tratores e engenhos automotivos cada vez mais potentes), a grande mecanização (máquinas cada vez mais complexas e eficientes); e a quimificação (adubos minerais e produtos de tratamento). (MAZOYER e ROUDART, 2010. p, 421) E assim, se deu no Brasil a implantação dessas formas de produção agrícola voltadas para cultivos em larga escala, baseados na concepção progressista do Estado que preconizava o crescimento econômico do país naquela época para tirá-lo do "atraso", não levando em 32 consideração as particularidades de cada região e os modos de vida da população rural brasileira. Segundo Schneider (2010, p. 512), Esta foi a tônica da intervenção no meio rural do Brasil e de outros países na America Latina no período conhecido pela vigência da ideologia da “revolução verde”, que preconizava ações de intervenção dirigidas e orientadas, geralmente de caráter compensatório, que eram vistas como a solução para os agricultores que não conseguiam se modernizar tecnologicamente nem integrar-se ao conjunto da economia através da industria, comercio e serviços. No Brasil, as políticas de “desenvolvimento rural integrado” (PDRI) eram apontadas como a solução viável para as regiões atrasadas, sendo exemplos eloquentes as ações de colonização e assentamento humano na Amazônia e as frentes de trabalho de combate à seca no Nordeste (SCHNEIDER, 2010 p. 512). Nesse sentido, percebe-se que o modo de reprodução dos meios de produção rural no país eram considerados insuficientes pra promoção do crescimento econômico do país e, assim, a Revolução Verde seria a solução para superar o atraso do espaço rural brasileiro. Dessa forma, a ideia era padronizar os modos de produção da agricultura, e dessa forma, a agricultura familiar também foi inserida neste processo. O período que se estende da década de 1960 até o fim dos anos 1980 foi marcado pela gestão dos governos militares, cuja intenção era promover o crescimento econômico do país através de várias ações como descreve Navarro (2001, p. 84) A noção de desenvolvimento rural, naqueles anos, certamente foi moldada pelo "espírito da época", com o ímpeto modernizante (e seus significados e trajetórias) orientando também as ações realizadas em nome do desenvolvimento rural. No Brasil, por exemplo, já nos anos 70, sob a condução dos governos militares, um conjunto de programas foi implementado nas regiões mais pobres, o Nordeste em particular, sob a égide do desenvolvimento rural (pois em outras regiões o modelo era o da "modernização agrícola") (NAVARRO, 2001, p. 84). Nesse sentido, a agricultura patronal 3 foi contemplada em várias partes do país através de perímetros de irrigação, projetos agropecuários, reflorestamentos, e dessa forma, muitos agricultores familiares tornaram-se assalariados dos grandes empreendimentos rurais ou optaram pela aquisição dos pacotes tecnológicos que potencializariam a produção e supririam a demanda por emprego no campo, segundo a propaganda veiculada na época. De outro lado, várias agências de fomento foram criadas para promover o crescimento econômico e o desenvolvimento no país. A busca pela diminuição das disparidades regionais foi materializada na criação de superintendências regionais: Superintendência de 3 Agricultura patronal é um conceito econômico e jurídico adotado no Brasil, que se contrapõe à agricultura familiar, e que conta, em sua produção, com empregados assalariados permanentes ou temporários. A produção se baseia em monoculturas, Barros (2010). 33 Desenvolvimento da Amazônia - Sudam; Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul - Sudesul; Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste - Sudeco; Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - Sudene. Como afirma Goularti Filho; Almeida; Messias (2011), essas agências tinham por objetivo promover ações de estímulo ao crescimento econômico e combate à seca que é um fenômeno recorrente e buscar maior integração regional. Entretanto, o Brasil possui dimensões continentais, e, por possuir um território tão grande, é um país muito heterogêneo. Sendo assim, as particularidades de cada região, sejam elas físicas, culturais, sociais e/ou econômicas, contribuíram para que os resultados das intervenções que visavam o desenvolvimento rural se dessem de forma muito diferente em cada região. E, nesse sentido, muitos agricultores que conseguiram se inserir no modelo importado dos países desenvolvidos, modernizaram sua produção e passaram a trabalhar de forma diferente, seguindo a lógica da produtividade, no entanto, Fonseca (2012, p. 62), argumenta que "a agricultura passa por momentos, às vezes, localizados, às vezes, generalizados, de saída do campo, quando as famílias abandonam as atividades agrícolas e partem em busca de outra forma de vida nas cidades considerada socialmente mais atrativa." Foi o que aconteceu com um grande número de agricultores que não se adaptou ao uso dos pacotes tecnológicos e acabaram se endividando, perdendo, em muitos casos, a terra e sendo obrigados a migrar para as cidades. A partir da década de 1980, os debates sobre a noção de desenvolvimento rural no Brasil reacenderam, a partir das discussões e debates de entidades da sociedade civil como Organizações Não Governamentais - ONG’s, sindicatos, universidades, políticos e a Conferência da Organização das Nações Unidas Para o Meio Ambiente, a Rio-92, conforme Schneider (2010), e a partir daí crescem as discussões envolvendo o desenvolvimento rural sustentável no país. 1.4.3 As Bases do Desenvolvimento Rural Sustentável O desenvolvimento rural sustentável tem suas bases nas discussões acerca da sustentabilidade que foi protagonista de relatórios produzidos pela ONU como o Relatório de Brundtland - Nosso Futuro Comum (Our Common Future) e a Agenda 21 na Conferência Rio-92. Segundo o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1991, p. 46) “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente 34 sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”. Este conceito largamente difundido pelo mundo também foi destacado na Agenda 21 que prevê ações voltadas para diversas áreas, inclusive para a agricultura que é uma atividade impactante para o meio ambiente. Diante do panorama traçado anteriormente, o desenvolvimento rural sustentável segundo Navarro (2001, p. 89) surgiu em meados dos anos 80 a partir da crescente difusão da expressão mais geral, “desenvolvimento sustentável” (apoiada em crescente e copiosa literatura). Embora muitos autores e instituições pretendam atribuir a esta um sentido politicamente mais conseqüente do que a anterior (desenvolvimento rural), incorporando noções, por exemplo, de eqüidade social ou, mais ambiciosamente, atribuindo alguma suposta relação entre formas de organização social das famílias rurais mais pobres, fruto de “conscientização”, e desenvolvimento rural sustentável, o foco central, nestecaso, é bastante claro e mais limitado (NAVARRO, 2001, p. 89) Para este autor, o elemento "sustentável" está relacionado exclusivamente à questão ambiental e direciona as ações de desenvolvimento rural para agrupar as dimensões ambientais de modo a cumprir sua função no espaço rural, visto que as questões sociais, econômicas e culturais já estão inclusas no conceito de desenvolvimento rural, para a construção de um processo que contemple de maneira mais concreta a população rural. Assim, o desenvolvimento sustentável deve ser o resultado da combinação do desenvolvimento social, econômico e da preservação ambiental (SACHS, 2002). Dessa maneira na figura 03, pode-se ver o processo em que se dá a construção do desenvolvimento sustentável, cujas bases também corroboram para o desenvolvimento rural sustentável. 35 Figura 03: Elementos que compõem o desenvolvimento sustentável Org: Freitas, L. D. A. S. 2015 Nesse sentido, as ações e estratégias pensadas para o desenvolvimento rural sustentável perpassam por este processo, através da implementação de políticas públicas que podem fortalecer e possibilitar maior dinamismo à agricultura familiar. As bases da noção de desenvolvimento rural sustentável vão de encontro aos conceitos de multifuncionalidade e pluriatividade, ambos vem explicar essa agricultura que se insere no mercado, mas, não perde sua característica familiar. 1.4.4 Políticas Públicas para o Desenvolvimento Rural O paradigma do desenvolvimento rural passa pela construção de políticas públicas voltadas para o campo e para a população rural, a fim de promover o fortalecimento da agricultura familiar que segundo Grisa e Shneider (2014, p, 126), Desenvolvimento Sustentável Desenvolvimento Econômico Preservação Ambiental Desenvolvimento Social 36 Historicamente, a agricultura familiar ou “os pequenos agricultores” – como eram denominados até cerca de duas décadas atrás – sempre estiveram às margens das ações do Estado brasileiro, não raro incrementando sua fragilidade diante das opções de desenvolvimento perseguidas no País. (GRISA e SHNEIDER. 2014, p, 126) Esses autores afirmam que após a Constituição de 1988 possibilitou maior participação social e direitos à categoria, e foi reconhecida a necessidade de se pensar o desenvolvimento rural de forma diferenciada, nesse sentido, Carneiro (1997) afirma que a agricultura familiar foi a categoria escolhida para protagonizar as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural no Brasil. Em 1995 é implantado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf e a partir dele, várias políticas voltadas para agricultura familiar são desencadeadas, como a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 1999, a Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) em 2001 e a Lei 11.326/2006 também chamada de Lei da Agricultura Familiar que fixa as bases para a categoria e baliza as políticas voltadas para este segmento (GRISA E SHNEIDER, 2014). Nesse sentido, a seguir faremos uma rápida análise da conjuntura de algumas políticas implantadas no Brasil com foco na agricultura familiar. A implantação do Pronaf na década de 1990, gerou muitas discussões e divergências a respeito do conceito de agricultura familiar. Sobre isso, Wanderley (2004), aponta que para uns a agricultura familiar e o Pronaf se confundem a ponto do termo ser entendido como uma tipologia de beneficiários em função da capacidade de atendimento do programa, para outros, o termo corresponderia a uma categoria de agricultores, capazes de responder as atuais exigências do mercado em detrimento dos agricultores que não se encontram nas mesmas condições. Entretanto, apesar das muitas discussões a respeito do programa, segundo Mattei (2007, p.144) "o Pronaf se transformou rapidamente em uma alternativa concreta para diversos segmentos da agricultura familiar brasileira." O PRONAF é um programa que se propõe a apoiar o desenvolvimento rural, tendo por fundamento o fortalecimento da agricultura familiar, como segmento gerador de emprego e renda. É um programa de parceira que envolve os governos municipais, estaduais e federal e a iniciativa privada, executado de forma descentralizada, tendo como protagonistas os agricultores familiares e suas organizações (MA/SDR/PRONAF, 1996, p. 6). Esta política pública oferece um programa de crédito rural para financiar projetos que gerem renda para os agricultores familiares e assentados da Reforma Agrária. Existem várias linhas de crédito para serem aplicadas em custeio da safra ou atividade semelhante e investimento em equipamentos, máquinas ou infraestrutura de produção e serviços 37 agropecuários ou não agropecuários na propriedade familiar. Ao longo dos anos o Pronaf sofreu várias modificações e abriu novas linhas de crédito a fim de contemplar uma faixa maior de agricultores, como a linha específica para mulheres, outra para agricultores agroecológicos, para jovens, e outras mais. Outras políticas públicas foram desenvolvidas para agricultura familiar como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE que representam oportunidades de crescimento para o produtores, e também um desafio pois é necessário planejamento, gestão e organização eficientes, além de assistência técnica de qualidade (SANTOS; EVANGELISTA e OLIVEIRA, 2012). O PAA possibilita aos agricultores e suas associações/cooperativas o acesso a editais para oferta de seus produtos para as compras públicas e através do PNAE que disponibiliza 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, os agricultores fornecem alimentos para as creches e escolas públicas (LEITE, 2013). Dessa forma, percebe-se a existência de políticas voltadas para a agricultura familiar, entretanto, nem todos os agricultores têm acesso devido à burocracia e a falta de informação. Regionalmente pode-se perceber novas perspectivas sobre o desenvolvimento rural, o Norte de Minas tem passado por uma transição entre o tradicionalismo no modo de produção para um formato com base nas políticas públicas e na organização das unidades familiares como uma estratégia de permanência no campo e manutenção do seus modos de vida. E nesse sentido, as políticas públicas são fundamentais para dar suporte aos agricultores. 1.4.5 Desenvolvimento Rural no Norte de Minas O Norte de Minas Gerais é a maior mesorregião do estado, e possui um total de 89 municípios, é subdividida em 07 microrregiões, como mostra o mapa na figura 04, e se caracteriza pela maioria de municípios com cidades pequenas de características rurais, polarizados pelo município de Montes Claros que concentra a oferta e distribuição de produtos e serviços de diversos tipos, desde comércio (atacado e varejo), indústria, logística, saúde e educação. No tocante aos aspectos naturais, é uma área de transição entre o Cerrado e a Caatinga, segundo Belém (2008, p. 61), 38 O Norte de Minas possui uma rica biodiversidade que se reflete na existência das inúmeras fitofisionomias vegetais inseridas dentro dos dois grandes biomas que ocorrem no Norte do Estado: o Cerrado e a Caatinga. Entre elas, destacam-se o Cerrado Típico, o Cerradão, a Vereda, os Campos, as Matas Ciliares, a Caatinga Arbustiva, a Caatinga Arbórea e a Floresta Estacional Decidual (BELÉM, 2008, p. 61). Encontramos nessa região, desde solos férteis e propícios a agricultura até solos extremamente inférteis que para produzir precisam do aparato de maquinários e correção de solo. O clima em grande parte do Norte de Minas de acordo com a classificação de Köppen é o Aw com invernos secos e verões chuvosos (Belém, 2008). Todos esses aspectos produzem uma região com fatores singulares no
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