Prévia do material em texto
Indaial – 2019 GeoGrafia rural Prof. Anselmo das Neves Bueno Prof. Carlos Odilon da Costa 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Anselmo das Neves Bueno Prof. Carlos Odilon da Costa Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: B928g Bueno, Anselmo das Neves Geografia rural. / Anselmo das Neves Bueno; Carlos Odilon da Costa. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 229 p.; il. ISBN 978-85-515-0399-7 1. Geografia rural. - Brasil. I. Costa, Carlos Odilon da. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 910.091734 III apresentação Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Geografia Rural. A partir do estudo deste livro, você conhecerá os conceitos fundamentais da Geografia Rural e entenderá as relações desta disciplina com os espaços agrários em nosso país e no mundo, bem como entenderá como os princípios humanos podem ser aplicados no gerenciamento de recursos naturais. Você perceberá que o desenvolvimento da sociedade implica a extração de produtos da natureza e, consequentemente, na sua transformação. Desta forma, ficará mais claro por que a degradação do meio ambiente, em prol do desenvolvimento, tem sido alvo de análise e importantes debates. Você entenderá que as consequências da degradação ambiental apresentam efeitos negativos também para o desenvolvimento humano, suas atividades econômicas e para a própria sociedade, decorrentes, entre outros fatores, da expansão urbana, avanço da agropecuária sobre os biomas, assim como da geração de energia e seus efeitos. Compreenderá que as atividades econômicas realizadas nos espaços agrícolas vão muito além apenas da produção de alimentos e sua distribuição, pois são questões históricas de formas de ocupação e modelos de exploração que podem desenvolver um território ou explorá-lo de maneira negativa, aumentando a desigualdade social, a miséria e intensificando os problemas ambientais como um todo, ocasionando um prejuízo generalizado para todos que habitam este planeta. No que se refere à dinâmica demográfica e à relação sociedade/ natureza, você verá que existe uma versão mais moderna que reconhece a existência de outros fatores na equação população/meio-ambiente/ desenvolvimento/atividades econômicas. A pressão demográfica, neste caso, não entraria como determinante dos problemas ambientais, como um agravante. Através dos gêneros de vida e do complexo geográfico, a Geografia Rural desenvolveu várias preocupações e linhas de análises e investigações, principalmente a dos tipos de agricultura. Dessa forma, o campo de estudo da Geografia Rural ou agrária é o estudo da atividade espacial agrícola e pecuária, que são alguns entre os diversos sistemas socioeconômicos na atualidade. O ponto de vista do geógrafo agrário é o espacial e é dirigido particularmente para o arranjo e distribuição dos padrões de atividade agropecuária, bem como para seus processos geradores, cuja dinâmica procura analisar e compreender a dimensão espaço-tempo. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! Finalmente, podemos dizer que a Geografia Rural procura principalmente contribuir para o planejamento e desenvolvimento da agricultura ou das atividades agrárias, mas em termos de bem-estar social e econômico das comunidades rurais e de todos os atores envolvidos nessa atividade socioeconômica. Boa leitura e bons estudos! Prof. Anselmo das Neves Bueno NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento. Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – GEOGRAFIA RURAL ....................................................................................................1 TÓPICO 1 – ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL ..........................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL ..............................................5 2.1 O ESPAÇO RURAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E TEÓRICOS ...............................................7 2.2 DIFERENTES FORMAS DE CLASSIFICAR O ESPAÇO RURAL ..............................................8 2.3 O ESPAÇO RURAL E A QUESTÃO DO USO DA ÁGUA ........................................................13 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................19 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................20 TÓPICO 2 – FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO ..........................23 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................23 2 ESPAÇO RURAL NO BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO ................................................................24 2.1 A FÁBULA DOS CICLOS ECONÔMICOS ..................................................................................26 2.1.1 Espaço rural no Brasil República e início do século XX ....................................................27 2.2 ESPAÇO RURAL BRASILEIRO NO PERÍODO CONTEMPORÂNEO ..................................30 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................41 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................42 TÓPICO 3 – A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL ..............................................................45 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................45 2 A QUESTÃO AGRÁRIA E O CAPITALISMONO MUNDO ......................................................46 2.1 A QUESTÃO AGRÁRIA E O CAPITALISMO NO BRASIL ......................................................52 2.2 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL – SÉCULO XXI ...............................................................55 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................62 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................63 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................64 UNIDADE 2 – ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE .....................................................................67 TÓPICO 1 – NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE .....................................69 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................69 2 PRINCIPAIS CONCEITOS E TEMAS DA NOVA RURALIDADE ............................................69 2.1 RURALIDADE CAMPO E CIDADE .............................................................................................76 2.2 DESAFIOS E POSSIBILIDADES FRENTE A NOVA RURALIDADE ......................................78 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................82 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................84 TÓPICO 2 – OS PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL ...............87 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................87 sumário VIII 2 PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E FORMAÇÃO COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO MUNDO .....................................................................87 2.1 PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL .......................93 2.2 FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL ....................................99 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................105 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................107 TÓPICO 3 – OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE ............................................................................................................109 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................109 2 SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS (GLOBAL) ..................................................109 2.1 SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS (AMÉRICA LATINA) ..............................114 2.2 SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS MECANIZADOS (BRASIL)....................117 2.2.1 Sistema Agrícola de Base Familiar .....................................................................................118 2.2.2 Sistema Plantio Direto (SPD) ...............................................................................................119 2.2.3 Agroecologia ..........................................................................................................................121 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................125 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................127 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................129 UNIDADE 3 – ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO .................................................131 TÓPICO 1 – INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL ..............................................................................................................................133 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................133 2 POLÍTICAS PÚBLICAS, INSTITUIÇÕES E DESENVOLVIMENTO RURAL ......................134 2.1 O ESPAÇO RURAL E A PRODUÇÃO ALIMENTAR ..............................................................138 2.2 AGRO TURISMO E O TURISMO RURAL .................................................................................141 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................147 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................148 TÓPICO 2 – MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL ...................................................149 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................149 2 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL MUNDIAL ..................................................152 2.1 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL LATINO AMERICANO ...........................154 2.2 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO .............................................157 2.2.1 Movimento dos Sem Terra ..................................................................................................161 2.2.2 Marcha das Margaridas .......................................................................................................163 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................167 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................169 TÓPICO 3 – ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA .........................171 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................171 2 ENSINO DE GEOGRAFIA E ESPAÇO RURAL ...........................................................................176 2.1 BNCC GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA E NO ESPAÇO RURAL ...........................180 2.2 ENSINO GEOGRAFIA RURAL NO ENSINO FUNDAMENTAL .........................................184 3 ENSINO DE GEOGRAFIA RURAL NO ENSINO MÉDIO .......................................................189 3.1 EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO MÉDIO ...............................................................191 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................194 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................201 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................202 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................205 1 UNIDADE 1 GEOGRAFIA RURAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer os conceitos pertinentes ao tema: questão agrária, questão agrí- cola, uso e a exploração da terra no Brasil e no mundo; • compreender as abordagens teóricas e históricas referentes à reprodução do camponês e do latifundiário e suas relações com o capitalismo; • saber as bases teóricas que consolidaram o capitalismo, como sistema he- gemônico, no tocante à agricultura; • entender o funcionamento do capitalismoe sua relação com a produção do capital; • compreender como se deu o desenvolvimento do Espaço Rural durante a evolução do Sistema Capitalista Financeiro e Informacional; • entender as diferenças na relação capitalista entre os países periféricos e os países centrais no que se refere à agricultura; • conhecer as origens da concentração fundiária brasileira, suas causas e consequências; • compreender que a estrutura agrária de um território (país, estado, municí- pio) está diretamente relacionada à estrutura social, política e econômica. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará atividades que o auxiliarão a fixar os conhecimentos abordados. TÓPICO 1 – ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL TÓPICO 2 – FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO TÓPICO 3 – A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 1 INTRODUÇÃO A formação histórica do meio rural brasileiro apresenta diferenças marcantes em relação à formação do meio rural europeu e norte-americano, ao mesmo tempo em que é muito parecido com o de outros países não desenvolvidos, principalmente com os da América Latina. Basta lembrar as funções específicas assumidas historicamente pelas cidades, a vinculação da grande agricultura de origem colonial do mercado externo e a possibilidade de deserção da população por um vasto território, para entender a particularidade brasileira no que se refere à constituição e composição das sociedades locais, à relação campo/cidade e às relações entre o que é “agricultura” e o que é “rural” (WANDERLEY, 1999). FIGURA 1 – RURAL X URBANO FONTE: <https://www.smartkids.com.br/content/articles/images/232/thumb/zona-urbana-zona- rural.png>. Acesso em: 13 fev. 2019. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 4 No Brasil, o meio rural foi historicamente percebido como constituindo um “espaço diferenciado”, que corresponde a formas sociais distintas: as grandes propriedades rurais (fazendas e engenhos), os pequenos aglomerados (povoados) e padrões culturais específicos. Esses espaços, juntamente com as pequenas cidades do interior, tiveram um importante papel na história do povoamento brasileiro, como “pontos de apoio da civilização” (WANDERLEY, 1999, p. 18). Contemporaneamente, as transformações introduzidas no meio rural brasileiro pelo processo de “modernização conservadora” da sociedade e da agricultura, iniciado depois da Segunda Guerra Mundial, levaram alguns autores a caracterizar esse período pela ocorrência de um “processo de urbanização do campo” (SILVA, 1997; CARNEIRO, 1998). Como unidade político-administrativa, os municípios brasileiros têm origem no modelo da República Romana que os impôs às regiões conquistadas, como a Península Ibérica, de onde, naturalmente, chegou ao Brasil-Colônia (IBAM, 2001; CIGOLINI, 2000). De acordo com Guimarães (2006, p. 119), a evolução do espaço rural brasileiro: As condições naturais do território brasileiro favorecem o desenvolvimento de uma atividade agropecuária em larga escala. Com um relevo predominantemente plano, uma significativa diferenciação climática e sendo detentor das maiores reservas de água doce conhecidas, o Brasil se consolidou no mercado internacional como um dos grandes produtores de grãos, carnes e bioenergia do mundo contemporâneo. Essa trajetória da agropecuária nacional, embora tenha seu desenvolvimento ligado a condições naturais favoráveis, é, igualmente, indissociável dos condicionantes históricos, políticos, sociais e geográficos que traçaram o processo de construção do espaço rural brasileiro. FIGURA 2 – ESPAÇO RURAL BRASILEIRO MODERNO FONTE: <https://cursoenemgratuito.com.br/wp-content/uploads/2017/09/2.jpg>. Acesso em: 17 fev.2019. TÓPICO 1 | ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 5 Foi somente com a Constituição de 1824 que iniciou a verdadeira história dos municípios brasileiros, pois “até então o que havia entre nós era o município português, transportado para cá” (CIGOLINI, 2000, p. 34). Mas, no que se refere à regulamentação das funções municipais, verifica-se que ela ocorreu somente em 1828, através de lei complementar que retirou a autonomia dos municípios. Com isso, os municípios brasileiros tiveram limitadas suas liberdades, atribuições e competências. Por outro lado, foi-lhes dada “margem para que se abrisse discussão em torno das suas disposições, originando o fantasma da autonomia que assombrou o período republicano” (CIGOLINI, 2000; BERNARDES; SANTOS; WALCACER, 1983). Também surgiam vilas e cidades sem a prévia existência de freguesias. Tanto cidades quanto vilas podiam ser sedes de municípios. Tradicionalmente, no Brasil, a decisão sobre a criação de uma vila ou cidade ou sobre a elevação de um aglomerado pré-existente a esta ou àquela condição sempre emanou de uma disposição governamental, que não se prendia a qualquer requisito formal. A sede de uma freguesia, a primitiva unidade territorial brasileira, podia ser elevada arbitrariamente à vila ou diretamente à condição de cidade, na Colônia como no Império. Também ocorreram fundações, numa ou noutra categoria, não precedidas de freguesias, a instalação de ambas sendo simultânea. Salvador, Rio de Janeiro e Filipéia foram erigidas diretamente em cidades ainda no século XVI e, nos séculos subsequentes, outras assim seriam implantadas, como Belém e São Luiz, no norte, e Cabo Frio, no Rio de Janeiro, também fundadas no início do século XVII, e Petrópolis, já em meados do século XIX” (BERNARDES; SANTOS; WALCACER, 1993, p. 25). Importante lembrar que na Colônia a Coroa se reservava o direito de elevar as vilas à categoria de cidade. Mas também podiam criar vilas os donatários ou seus representantes, desde que as terras estivessem sob sua jurisdição, sendo os limites geográficos demarcados pelos limites das freguesias, sempre que se tratasse de espaço com ocupação consolidada. Até existiam regras para que cidades e vilas pudessem exercer suas diferentes funções, mas a decisão de criar ou elevar uma localidade à categoria de vila, ou cidade, não obedecia à norma alguma. Com a República, alguns governos estaduais tomaram iniciativas de uniformizar seus respectivos quadros territoriais, mas foi só com o Estado Novo que surgiram as diretrizes básicas nacionais de divisão territorial que continuam até hoje. 2 ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL As relações entre campo/cidade e rural/urbano influenciam a agricultura, fundamentando o entendimento sobre a organização e configuração dos municípios do Brasil. Entretanto, essa realidade cogita a necessidade científica UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 6 de uma análise teórica categórica direcionada por uma perspectiva crítica, considerando a complexidade e dinamicidade das informações, sugerindo novos caminhos, de modo radical, tal como considera Domingues (2011). Dentro das escolas geográficas clássicas podemos citar a visão do determinismo geográfico de Friedrich Ratzel (séc. XIX) e o ambientalismo francês de Paul Vidal de La Blache (entre os séc. XIX e séc. XX), o que levou muitos estudiosos a desenvolverem dentro do campo da geografia humana e econômica a importância das atividades agrárias nos espaços rurais, assim como a importância da produção industrial crescente dentro desses períodos após a primeira e segunda revolução industrial. A demanda e a necessidade de matéria- prima, oriunda do campo e a transformação das indústrias nas cidades, assim como a crescente circulação de capital das atividades terciárias do comércio e das prestações de serviços, criou uma verdadeira simbiose sistêmica das relações econômicas, interligando cada vez mais as atividades econômicas entrecampo e cidade. O geógrafo deve estudar o espaço geográfico considerando as relações entre as causas e consequências no tempo e espaço. Para tanto, é preciso analisar diferentes abordagens sobre a temática e suas diferentes definições da Geografia Rural, como este livro demonstra. Precisamos analisar estes espaços de uma forma crítica, porém, nunca de maneira isolada. A Ciência Geográfica não trata ou aborda os estudos de seus espaços de maneira isolada, mas sempre interliga os espaços físicos e naturais com os aspectos humanos, pois a Ciência Geográfica é a amplitude da discussão das transformações e caracterizações dos espaços. FIGURA 3 – UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO RURAL FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/66077/>. Acesso em: 29 jan. 2019. TÓPICO 1 | ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 7 2.1 O ESPAÇO RURAL: ASPECTOS CONCEITUAIS E TEÓRICOS Em específico, destacamos a contribuição da análise para o planejamento e o ensino de geografia rural. Logo, a pesquisa se constitui numa reflexão conceitual que se estruturou por meio de distintos referenciais teóricos acerca do rural brasileiro e a sua relação com o urbano, bem como discute e apresenta formas diferenciadas de ensino da disciplina no que tange à relação rural/ urbano e campo/cidade. Para entendermos o espaço rural, precisamos entender principalmente as relações financeiras que envolvem as atividades econômicas, as atividades produtivas, desde a produção de matéria prima – oriunda do campo e dos espaços agrários – até as atividades de transformação das indústrias e da prestação de serviços e comércio como um todo, fazendo com que essa relação sistêmica seja uma ideia de compreensão entre todos os atores envolvidos na construção destes espaços geográficos e dos territórios neles envolvidos. A partir da discussão, fica evidente a justificativa que indica a relevância do desenvolvimento do conhecimento científico, particularmente para o da fragmentação geográfica sobre o espaço agrário. Baseado nesse princípio de fragmentação do espaço geográfico entre rural e urbano, por exemplo, podemos levantar o seguinte questionamento sobre a análise da fragmentação desses espaços. Veja a figura a seguir para observar a fragmentação e a caracterização destas áreas: FIGURA 4 – AS DIFERENÇAS ENTRE O URBANO E O RURAL. FONTE: <http://webquestfacil.com.br/pastas/12774/campo-cidade.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2019. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 8 Para Abramovay (2000), o meio rural caracteriza-se por sua imensa diversidade. Estabelecer tipologias capazes de captar uma grande diversidade é uma das missões mais importantes das pesquisas contemporâneas voltadas para a dimensão espacial do desenvolvimento. As diferentes paisagens, dos meios rurais e urbanos, cada vez mais desenvolvem a hinterlândia de suas atividades realizadas, não apenas a agricultura e a indústria, mas todo o processo produtivo entre as suas relações nos territórios envolvidos busca a prática do desenvolvimento regional entre esses espaços. Abramovay (2000) aborda que o peso da agricultura entre nós é e será, por um bom tempo, mais importante do que nos países desenvolvidos. Mas é óbvio também que o desenvolvimento rural não pode ser confundido com o crescimento da agricultura. O desafio (científico e político) está em descobrir as fontes e as oportunidades de diversificação do tecido social, econômico e cultural das regiões rurais e não em apostar todas as fichas num setor só, por mais promissor que seja. A diversificação do mundo rural traz consigo, inevitavelmente, aquilo que o sociólogo alemão Max Weber chamou de desencantamento do mundo, num processo acelerado de racionalização das relações humanas. O rural não é definido pelo setor agrícola, mas isso não o torna uma espécie de mundo mágico existente à margem do conjunto da sociedade e da racionalidade econômica. Seu processo de racionalização coloca-o diante de oportunidades inéditas de afirmação social, cultural e política. Que o livro de Favareto ajuda a descobrir (ABROMAVAY, 2007). 2.2 DIFERENTES FORMAS DE CLASSIFICAR O ESPAÇO RURAL O que define o espaço rural hoje? Antes de começar a responder a esta pergunta, é necessário deixar claro que diferentemente do que ocorre nos espaços urbanos em todo o planeta, onde há muitas similaridades nas formas e fenômenos que esses espaços abrigam, existem realidades rurais das mais distintas no mundo. Contudo, nos limitaremos a abordar algumas particularidades entre o rural europeu e o de países subdesenvolvidos. Respeitar a premissa das desigualdades entre os espaços rurais de países ricos e pobres é condição necessária para compreender melhor o tema, para não cair na tentação das generalizações que na maioria das vezes compromete a análise dos problemas. O conceito de territórios assimétricos ajuda na tarefa de investigação proposta para entendermos os conceitos destes espaços. Para González e Dasí (2007), ao se estudar os territórios rurais, o pesquisador se depara com uma dificuldade de análise, que consiste nas distintas formas de processos que ocorrem no espaço rural de países ricos e de países pobres, tendo em vista que a função do espaço rural nos primeiros, vai para além da produção de alimentos, enquanto nos países pobres a função do rural é, essencialmente, a produção alimentar. TÓPICO 1 | ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 9 FIGURA 5 – ESPAÇOS AGRÍCOLAS NOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS FONTE: <https://journals.openedition.org/confins/docannexe/file/8639/1460_pobreza_rural_ accroche_pi_acaua_maison_paysanne-small480.jpg>. Acesso em: 25 jan. 2019. Portanto, o rural e o agrário teriam deixado de ser sinônimos há muito tempo nos países desenvolvidos, por outro lado, nos subdesenvolvidos, os termos rural e agrário continuam sendo considerados sinônimos. FONTE: <http://clebinho.pro.br/wp/wp-content/uploads/2015/09/paulo-soja-100.jpg>. Acesso em: 25 jan. 2019. FIGURA 6 – ESPAÇOS AGRÍCOLAS PAÍSES DESENVOLVIDOS Nos países ricos da Europa observa-se uma inflexão/inversão de fluxo populacional – exceto da população jovem –, ou seja, um êxodo urbano rumo aos espaços rurais. Esse processo se deve à emergência de um renascimento rural ou uma nova ruralidade. A causa para essa inflexão seria uma percepção positiva do rural, em meio ao despertar ecológico no presente século, motivada pelas más UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 10 condições de vida enfrentadas nas cidades grandes. Uma representação espacial que obtém mais sucesso a cada dia, pois sugere uma alternativa de vida saudável, próspera, tranquila e que tem trazido mudanças significativas no imaginário do rural dos países ricos. O movimento migratório gera mudanças nesse “novo rural” – europeu –, como a criação de atividades não agrícolas no espaço rural. Tais demandas são possibilitadas pelas tecnologias de comunicação e por uma boa infraestrutura (estradas, ferrovias, telefonia etc.). Na Europa, este “novo rural” passa a ser o território das classes médias, como afirmam os autores. Essas classes médias não priorizam a produção de alimentos, mas procuram lugares amenos e belos, em que possam manter contato com a natureza e a qualidade dos alimentos. Somado a isso, há um reforço do sentimento de pertencimento (identificação) ao lugar. Realidade bem diferente é encontrada no rural dos países pobres, em que a pobreza continua concentrada nesse espaço. Resultado de um processo histórico de colonização e exploração – saque – dos recursos desses países (GONZÁLEZ; DASÍ, 2007). FIGURA 7 – POLÍTICA AGRÁRIA EUROPEIA, O NOVO RURAL FONTE: <http://ec.europa.eu/agriculture/cap-for-our-roots/index_pt.htm>. Acesso em: 25 jan. 2019. TÓPICO 1 | ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 11 Há, portanto, uma continuidade destas desigualdades entre ricos e pobres, possibilitada por um desenvolvimento desigual e combinado que promove a transferência das riquezas naturais dos últimos aos primeiros e num mundo em globalização,essa transferência se dá, sobretudo, através da negociação de commodities nas principais bolsas de valores do planeta. Cabe aqui abrir um parêntesis para citar o paradoxo enfrentado pelos países pobres e exportadores de alimentos, este que consiste na dificuldade de acesso aos mesmos alimentos que produzem, pois, significativa parte da população desses países não possui dinheiro suficiente para adquiri-los. Em resumo, a insegurança alimentar é a marca desses países. E cada vez mais estas práticas de produção de alimentos e o medo da escassez de recursos naturais traz um alerta para todos os territórios do planeta sobre como as futuras gerações sobreviverão e se sustentarão com a disputa por alimentos/nutrição de qualidade. Essa discussão abre o debate de como a produção de alimentos é diferente da distribuição e que resulta em fome, desnutrição e desigualdade entre todos os habitantes do planeta, em uma necessidade tão simples e cada vez mais difícil de combater que é o simples ato de alimentar-se dignamente. A acumulação de capital promove a coerência imposta a processos, lógicas e dinâmicas muito diversas e variadas entre os espaços territoriais envolvidos. O processo de articulação, abertura e integração dos mercados recondiciona as economias aderentes, forçando-as à convergência e à reacomodação de suas estruturas. Quando se acelera o processo interativo, acirra-se a concorrência inter e intraterritorial, por exemplo, como os espaços rurais e urbanos. Os mercados localizados passam a ser expostos à pluralidade das formas superiores de capitais estrangeiros. Na esteira da incorporação, multiplicam- se as interdependências e as complementaridades regionais, que podem acarretar o aumento tanto das potencialidades quanto de suas vulnerabilidades. Metamorfoseia-se a densidade econômica de pontos seletivos no espaço: sua capacidade diferencial de multiplicação, de reprodução e de geração de valor e riqueza; sua capacidade de articulação inter-regional; o grau e a natureza das vinculações e a densidade dos circuitos “produtivos”. Mudam e diversificam-se os fluxos, o movimento de seus eixos de circulação e seu potencial produtivo, a estrutura sócio-ocupacional de seus habitantes e etc. As conexões e desconexões são muitas vezes rápidas e facilitadas por diversos mecanismos. Diferenciam-se, ainda mais, as manifestações territoriais dos processos de produção, de consumo, de distribuição, de troca (circulação), que são, por natureza, marcadamente diversificadas espacialmente. As temporalidades dos diversos espaços, crescentemente integrados, abreviam o curso de vários processos históricos. Os espaços, tornados conexos, amplificam e adensam seus fluxos. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 12 Considerando David Harvey como o maior expoente desta vertente investigatória que procura pesquisar o desenvolvimento geográfico desigual dos espaços geográficos aqui estudados, “[...] o campo e o meio urbano ocultam um verdadeiro fermento de oposição, porém, se interligam dentro de suas atividades humanas neles envolvidos” (HARVEY, 2000, p. 102). A citação a seguir resume grande parte desta agenda: o estudo das contraposições, paradoxos e contradições entre, de um lado, a capacidade crescente que o capital tem para se apropriar e extrair excedentes (rendas diferenciais monopolistas) das diferenças locais, das variações culturais locais etc. (Harvey, 2000), de outro, das amplas possibilidades de construção dos “espaços da esperança”. Para esse autor, A busca por essa renda leva o capital global a avaliar iniciativas locais distintivas. Também leva à avaliação da singularidade, da autenticidade, da particularidade, da originalidade, e de todos os outros tipos de outras dimensões da vida social incompatíveis com a homogeneidade pressuposta pela produção de mercadorias. Para o capital não destruir totalmente a singularidade, base da apropriação das rendas monopolistas, deverá apoiar formas de diferenciação, assim como deverá permitir o desenvolvimento cultural local divergente e, em algum grau, incontrolável, que possa ser antagônico ao seu próprio e suave funcionamento. É em tais espaços que todos os tipos de movimentos oposicionistas devem se organizar [...]. O problema para o capital é achar os meios de cooptar, subordinar, mercadorizar e monetizar tais diferenças apenas o suficiente para ser capaz de se apropriar das rendas monopolistas disto. O problema dos movimentos oposicionistas é usar a validação da particularidade, singularidade, autenticidade e significados culturais e estéticos de maneira a abrir novas possibilidades e alternativas [...] construindo, de modo ativo, novas formas culturais e novas definições de autenticidade, originalidade e tradição [...]. Ao procurarem explorar valores de autenticidade, localidade, história, cultura, memórias coletivas e tradição, abrem espaço para a reflexão e a ação política, nas quais alternativas podem ser tanto planejadas como perseguidas (HARVEY, 2005, p. 238). Muitas formulações analíticas atuais sobre território estão exaltando em demasia (muitas vezes banalizando) as potencialidades e a capacidade endógena de uma única escala espacial (geralmente a menor) como inerentemente a melhor para a promoção do desenvolvimento. É certo que no âmbito local muitas ações importantes podem ser articuladas, por exemplo, as escalas dos espaços rurais na nova economia global e na sua maneira de produção, que pode ser empregada em pequenas áreas do espaço, com muita tecnologia e recursos financeiros, como ocorre nos países desenvolvidos. Desse modo, transforma os territórios devolutos em espaços transformadores e produtivos, assim como nos países subdesenvolvidos em que esses mesmos espaços, até mesmo com capacidade de maior produção agrícola e pecuária com menor produção. Esses mesmos espaços e territórios envolvidos acabam sendo mal aproveitados e ociosos, por não terem um olhar de desenvolvimento regional, focados no crescimento de seus territórios junto com seus atores envolvidos (BRANDÃO, 2004). TÓPICO 1 | ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 13 FIGURA 8 – ESPAÇOS RURAIS EM PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS FONTE: <http://jodama201.pbworks.com/f/1302001532/agricultura-familiar-1.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2019. 2.3 O ESPAÇO RURAL E A QUESTÃO DO USO DA ÁGUA Cada vez mais o espaço rural requer políticas produtivas com as práticas ambientais de sustentabilidade para o desenvolvimento, uma prática não pode mais ser separada da outra, não há como fi rmar o desenvolvimento extrativista, agrícola e da pecuária sem buscar nas ciências ambientais a teoria e prática para o crescimento econômico. O espaço rural não sobreviverá muito tempo se continuarmos a adotar políticas predatórias, de interesses mínimos das parcelas das populações, sem evitar um colapso econômico. É preciso intensifi car as relações sistêmicas de todos os espaços envolvidos e espécies de seres vivos, não apenas o ser humano, mas toda a cadeia da vida planetária, para que possamos garantir para as futuras gerações a possibilidade de existir em nosso meio ambiente e continuar a produzir alimentos sem que a desigualdade, nas formas de distribuição, agrave a sobrevivência de todas as espécies na Terra. FIGURA 9 – USO DA ÁGUA NAS ATIVIDADES ECONÔMICAS MUNDIAIS FONTE: Adaptado de Water for People, Water for Life, UNESCO, 2003 Considerado o grande mentor da ciência econômica moderna, Adam Smith, escreveu em 1776, uma obra que explica como as nações fi cam ricas e que “O marco mais decisivo da prosperidade de qualquer país é o aumento no número de seus habitantes” (SMITH, 1983, p. 56). UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 14 Alves (2014, p. 220) aponta que: “Esta visão positiva do crescimento populacional fez parte do pensamento político à luz do iluminismo e da economia clássica. Pensadores como o marquês de Condorcet e William Godwin – precursores do pensamento demográfico – tinham uma visão favorável do crescimentoeconômico e populacional”. FIGURA 10 – MAU USO DA TERRA NAS ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS FONTE: <https://farm1.staticflickr.com/529/32780880885_562c1beb4b_z.jpg>. Acesso em: 28 jan. 2019. Neste sentido, Alves (2014, p. 224) constata que: O século XX apresentou o maior crescimento demográfico de toda a história da humanidade, com a população mundial aumentando quase quatro vezes (de cerca de 1,6 bilhão de habitantes em 1900 para 6 bilhões em 2000). Mas a taxa de fecundidade total (TFT), que estava em torno de 5 filhos por mulher em meados do século, começou a cair a partir de 1965 e chegou a 2,53 filhos na virada do milênio. Desta forma, o ritmo de crescimento demográfico vai diminuir no século XXI, embora deva continuar positivo, pois existe uma certa estagnação da transição da fecundidade. A queda da fecundidade mundial foi de 31,5% nos 20 anos anteriores à CIPD de 1994 e de 18% nos 20 anos posteriores. A Divisão de População da ONU, na revisão 2012, estima uma TFT global de 2,24 filhos por mulher, no quinquênio 2045- 50, e de 2,0 filhos por mulher, no quinquênio 2095-2100. Portanto, a estabilização da população mundial só seria alcançada, caso seja, no início do século XXII. Desta forma, parece intempestiva a afirmação de Camarano (2013, p. 606) ao assinalar a ideia de que “mesmo que a fecundidade aumente em um futuro próximo, é improvável que o declínio populacional seja abortado”. TÓPICO 1 | ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 15 Ao contrário, a projeção média da ONU estima uma população mundial de 10,9 bilhões de habitantes em 2100, um acréscimo de 4,8 bilhões de habitantes no século XXI, quantidade superior, em termos absolutos, aos 4,5 bilhões do século XX. Boa parte do atual crescimento populacional é inercial e seria equivocado reforçar os argumentos dos alarmistas da superpopulação. Contudo, colocar em pauta a iminência do declínio da população mundial como se fosse uma ameaça de colapso da espécie humana, ignora o verdadeiro perigo que é o círculo infernal que se abate sobre milhares de outras espécies que estão sendo extintas e os ecossistemas que estão sendo desconfigurados. Dizer que a redução da população prejudicará o crescimento econômico é desconsiderar que, do ponto de vista mais amplo da sobrevivência da vida no Planeta, o desenvolvimento tem se tornado o problema central. O Living Planet Report (WWF, 2012) mostra que a pegada ecológica da população mundial já superava em 50% a biocapacidade do Planeta, em 2008. Ou dito de outra forma, a humanidade estava gastando em um ano o que a capacidade regenerativa da natureza consegue repor em um ano e meio. Outra metodologia que indica que as atividades antrópicas estão ultrapassando os limites da Terra é conhecida como Fronteiras Planetárias. Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo e colegas (ROCKSTRÖM et al., 2009) identificaram nove dimensões centrais para a manutenção de condições de vida decentes para as sociedades humanas e o meio ambiente: mudanças climáticas; perda de biodiversidade; uso global de água doce; acidificação dos oceanos; mudança no uso da terra; depleção da camada de ozônio estratosférico; ciclo do nitrogênio e fósforo; concentração de aerossóis atmosféricos; e poluição química. FIGURA 11 – PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO E ARENIZAÇÃO FONTE: <https://static.mundoeducacao.bol.uol.com.br/mundoeducacao/conteudo_legenda/ cb831aa5211af0d95855675c6192936d.jpg>. Acesso em: 28 jan. 2019. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 16 Por exemplo, em 2013, a concentração de CO2 na atmosfera ultrapassou 400 partes por milhão (ppm), bem acima das 280 ppm da era pré-industrial. O limiar de segurança é de 350 ppm. Está em xeque o modelo que traz muitos benefícios para poucos, poucos benefícios para muitos e nenhum benefício para a natureza e a biodiversidade. Porém, o crescimento econômico tem sido uma aspiração não só das forças capitalistas, mas também dos trabalhadores e dos governos. Para o mundo corporativo, isto certamente representa bilhões de novos consumidores ávidos por casas, carros e aparelhos de TV (CEBDS, 2009). Neste sentido, não há como discordar quando Ana Amélia diz: “Acredita-se que nenhum país deseje o declínio populacional, pois isto tem implicações de várias ordens. A primeira é a perda de poder econômico e geopolítico em relação a países onde a população ainda cresce” (CAMARANO, 2013, p. 606). Mas a autora parece cair em contradição ao considerar que a população não é um problema quando há crescimento, mas se torna um problema quando há decrescimento. Realmente, o declínio da população e da economia é um anátema do capitalismo. O desejo de acumulação de riqueza pessoal e nacional, os interesses geoestratégicos do poder político e as diversas forças pró-natalistas do mundo somam-se para manter por mais tempo possível o processo de ampliação do desenvolvimento econômico. A Escola da Economia Ecológica há muito tempo argumenta que “A economia é um subsistema do ecossistema e o ecossistema é finito, não cresce e é materialmente fechado”, como afirmou Herman Daly, que também considera que o desenvolvimento atual tem gerado um “crescimento deseconômico”, com os custos sendo maiores do que os benefícios. Ele completa: “Precisamos decrescer até chegar a uma escala sustentável que, então, procuramos manter num estado estacionário. O decrescimento, assim como o crescimento, não pode ser um processo permanente” (IHU, 2011). Sem dúvida, tem aumentado o número de pessoas que consideram o desenvolvimento o principal vetor de destruição das fontes naturais da vida e da biodiversidade (ALVES, 2014, p. 219). O capitalismo não consegue ser ao mesmo tempo socialmente inclusivo, justo e ambientalmente sustentável. Por conta disso, alguns autores falam em desenvolvimento sem crescimento, enquanto outros defendem a ideia do decrescimento (LATOUCHE, 2009; DEMARIA et al., 2013; MEDIAVILLA, 2013; ALVES, 2014b). Pouco antes da Rio+20, em 2012, a revista Estudos Avançados da USP publicou um número com diversos artigos tratando dos limites do crescimento econômico e a possibilidade do crescimento sustentável. TÓPICO 1 | ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS DO ESPAÇO RURAL 17 FIGURA 12 - MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SEUS EFEITOS FONTE: <https://abrilexame.files.wordpress.com/2016/09/size_960_16_9_mudancas- climaticas3.jpg?quality=70&strip=info&w=920>. Acesso em: 28 jan. 2019. O mau uso da água para a agropecuária por exemplo, pode ser uma amostra de como lidamos com o uso dos recursos naturais de uma forma, que sejam em nossa concepção, infinita, porém, não nos damos conta de que esses recursos são finitos e que seu mau uso pode desencadear o aumento da fome, das desigualdades sociais e mudanças climáticas cada vez mais catastróficas, em todo o planeta. A agricultura e a pecuária são as atividades humanas que mais usam por exemplo, o recurso hídrico desde o plantio e em toda a cadeia de produção. Até chegar à mesa de toda a população, milhões e milhões de metros cúbicos de água são necessários para produzir uma parcela mínima de alimentos. Se não usarmos esse recurso de maneira mais sustentável e com a consciência de que irá terminar, adiantaremos cada vez mais o colapso socioeconômico do planeta. FIGURA 13 - MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SEUS EFEITOS FONTE: <http://twixar.me/J01T> Acesso em: 27 jan. 2019. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 18 A poluição dos rios, que espalha as toxinas de cianobactérias, diminui a disponibilidade de água doce e provoca a mortandade de peixes e da vida aquática. Lagos, como o mar de Aral, estão diminuindo ou secando para atender aos interesses da irrigação a fim de alimentar uma população crescente. Aumenta a taxa de extinção de espécies e a degradação dos ecossistemas, com redução da vida selvagem. As áreas produtivas diminuem, enquanto crescem os aterros de descarte antrópico. FIGURA 14 – REDUÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS FONTE: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/03/cantareira-e1458674694213.jpg>. Acesso em: 27 jan. 2019. Três em cada quatro empregos do mundo são fortes ou moderadamente dependentes de água, segundo a estimativa do Relatório das Nações Unidas (UNESCO WWAP). Consequentemente, a escassez e os problemas de acesso à água e ao saneamento podem limitar o crescimento econômico e a criação de empregos no mundo nas próximas décadas, de acordo com o documento, que cita também a falta de investimentos em infraestrutura e os altos índices de vazamentos nos sistemas hídricos das cidades e dos espaços rurais globais, inclusive de países desenvolvidos. Diante da possibilidade de um colapso ambiental, as atividades humanas deveriam ser direcionadas para a recuperação ecológica e não para a acumulação da riqueza ostentatória em benefício de uma minoritária elite populacional. Precisamos compreender que a produção do espaço rural e o cuidado com o meio ambiente devem andar de mãos dadas. O rural não é definido pelo setor agrícola e não o torna uma espécie de mundo mágico existente à margem do conjunto da sociedade e da racionalidade econômica. Seu processo de racionalização coloca-o diante de oportunidades inéditas de afirmação social, cultural e política. http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/water_drives_job_creation_and_economic_growth_says_new_un_report-1/#.VvF-peIrJph 19 Neste tópico, você aprendeu que: • A formação e caracterização do Espaço Rural Brasileiro e mundial e o processo histórico de formação destes territórios apresenta transformação contínua com o uso das novas tecnologias adotadas no sistema de produção agrícola. • Há diferentes formas de classificar o espaço rural brasileiro, partindo pelas diferentes áreas e regiões do Brasil, assim como suas vocações e aptidões para o agronegócio. • Precisamos ter um olhar para o desenvolvimento regional, porém com respeito ao meio ambiente e foco em políticas agrárias que tragam o crescimento econômico, mas com a consciência sustentável ambiental. RESUMO DO TÓPICO 1 20 1 As condições naturais do território brasileiro favorecem o desenvolvimento de uma atividade agropecuária em larga escala. Com um relevo predominantemente plano, uma significativa diferenciação climática e sendo detentor das maiores reservas de água doce conhecidas, o Brasil se consolidou no mercado internacional como um dos grandes produtores de grãos, carnes e bioenergia do mundo contemporâneo. Como a extensão do território brasileiro contribuiu e ainda contribui para que as atividades rurais econômicas continuem a se expandir e cada vez mais tornam-se importantes na economia de nosso país? 2 As relações entre campo/cidade e rural/urbano influenciam a agricultura, fundamentando o entendimento sobre a organização e configuração dos municípios do Brasil. Entretanto, essa realidade cogita a necessidade científica de uma análise teórica categórica direcionada por uma perspectiva crítica, considerando a complexidade e dinamicidade das informações. De que maneira podemos observar o aumento das relações das atividades econômicas no campo, com a migração dos trabalhadores para os centros urbanos, chamado no século XX de êxodo rural? 3 É preciso intensificar as relações sistêmicas de todos os espaços envolvidos e espécies de seres vivos, não apenas o ser humano, mas toda a cadeia da vida planetária, para que possamos garantir para futuras gerações a possibilidade de existir em nosso meio ambiente, e continuar a produzir alimentos sem que a desigualdade, nas formas de distribuição, agrave a sobrevivência de todas as espécies na Terra. Uma das preocupações que envolvem o meio ambiente e a produção agrícola é o uso da água de maneira predatória e inconsciente pelas populações mundiais e pelos governos. De acordo com o exposto, podemos afirmar que: I- Cada vez mais o espaço rural requer a necessidade das políticas produtivas com as práticas ambientais de sustentabilidade para o desenvolvimento, uma prática não pode mais ser separada da outra. II- O espaço rural não sobreviverá muito tempo se continuarmos a adotar políticas predatórias, de interesses mínimos das parcelas das populações, sem evitar um colapso econômico e cada vez mais crises humanitárias causadas pela falta de alimentos e fome. III- Precisamos voltar ao debate sobre população e desenvolvimento dentro dos diferentes espaços, bem como o uso da terra e dos recursos naturais, para criarmos boas perspectivas de futuro para o nosso Planeta. AUTOATIVIDADE 21 Assinale a resposta CORRETA: a) ( ) As alternativas I e II estão corretas. b) ( ) As alternativas II e III estão corretas. c) ( ) Somente a alternativa I está correta. d) ( ) Todas as alternativas estão corretas. 22 23 TÓPICO 2 FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A formação do espaço brasileiro aconteceu muito antes da conquista de nosso país no ano de 1500, século XV, pelos europeus. Essa ocupação ocorreu desde a expansão dos povos indígenas pré-históricos, acerca de 12 mil anos, como relatam alguns estudos arqueológicos, expressa em pinturas rupestres e fósseis encontrados em todas as regiões do Brasil. FIGURA 15 – PRIMEIROS CICLOS ECONÔMICOS DO BRASIL FONTE: <https://4.bp.blogspot.com/-F1Gcrhd0m2c/UT4WB3BF-YI/AAAAAAAAEp0/W2 Ov00gh1bI/s1600/ Economia+no+século+XVI.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2019. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 24 2 ESPAÇO RURAL NO BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO A primeira forma de ocupação do território brasileiro foi por meio das capitanias hereditárias, sistema instituído no Brasil em 1536, pelo rei de Portugal Dom João III. Foram criadas 14 capitanias, divididas em 15 lotes e distribuídas para 12 donatários, que eram os representantes da nobreza portuguesa. Em troca, esses donatários eram obrigados a pagar tributos à Coroa. Portanto, desde o início da ocupação do Brasil por Portugal, o território brasileiro foi propriedade do Estado. Nesse sentido, Faoro (2000, p. 6) argumenta que “[...] a coroa conseguiu formar, desde os primeiros golpes da conquista, imenso patrimônio rural”. FIGURA 16 – CAPITANIAS HEREDITÁRIAS FONTE: <http://professorasueli-historia.blogspot.com/2009/05/mapa-das-capitanias- hereditarias.html>. Acesso em: 13 fev. 2019. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 25 Pode-se dizer que a divisão de terras por conta das capitanias hereditárias, a primeira subdivisão do território brasileiro no espaço rural, formaram os primeiros grandes latifúndios, grandes áreas rurais com o objetivo monocultor e exportador. Foi o início de um problema fundiário, que persiste até hoje em nosso país, que é a concentração de terras nas mãos de grandes latifundiários enquanto a maioria da população não tem acesso à produção agropecuária por conta do monopólio ou dominação total desses espaços rurais. O que eram as Capitanias Hereditárias? “Era o sistema que Portugal implantou no Brasil, que realizava a divisão das terras brasileiras em longas faixas que partiam do litoral até os limites do Tratado de Tordesilhas. Cada faixa de terra era considerado uma capitania e cada capitania tinha um responsável por ela, esses responsáveis eram escolhidos pelo rei de Portugal, e ganhava o título de donatário”. FONTE: https://www.estudokids.com.br/capitanias-hereditarias/. Acesso em: 13 fev. 2019. IMPORTANT E Desde os primeiros anos do século XVI, as terras exploradas na América portuguesa se resumiam ao litoral brasileiro, sendo que o pau-brasil era o produto que mais interessava aos colonizadores. No entanto, a partir do fim da primeira metade do século XVI em diante, ocorreu uma significativa mudança na configuração do território, já que houve um aumento da interiorização da ocupação, tendo em vista a conquista dos chamados sertões, regiões distantes do litoral. Nosso país se resumia, nas primeiras décadas, das ocupações para a exploração dos benefícios do pau-brasil, bem como para os tingimentos de roupas e móveis com a resina extraída daplanta. Já a partir da segunda metade do século XVI, a cana-de-açúcar começa a ser a primeira monocultura agrícola de grande expressão na nova economia da colônia portuguesa e começa então o chamado primeiro grande ciclo econômico da economia brasileira, com o principal objetivo de abastecer o mercado europeu. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 26 FIGURA 17 – FASES OU CICLOS DA ECONOMIA BRASILEIRA FONTE: <http://3.bp.blogspot.com/-uP9J-F6JK_0/VlS1EZlzFgI/AAAAAAAAEgA/zqfv EM2WgU /s1600/Periodos%2Bda%2BHist%25C3%25B3ra%2Bdo%2BBrasil.jpg>. Acesso em: 29 jan. 2019. “Dessa forma, notamos que a fazenda açucareira representava bem mais que um mero sistema de exploração das terras coloniais. Nesse mesmo espaço rural percebemos a instituição de toda uma sociedade formada por hábitos e costumes próprios. O engenho propiciou um sistema de relações sociais específico, conforme podemos atestar na obra clássica “Casa Grande & Senzala” de Gilberto Freyre. Na qualidade de um espaço dotado de relações específicas, o engenho e o açúcar trouxeram muitos aspectos culturais da sociedade brasileira”. FONTE: https://www.portalsaofrancisco.com.br/historia-do-brasil/ocupacao-do-territorio- brasileiro. Acesso em: 29 jan. 2019. IMPORTANT E 2.1 A FÁBULA DOS CICLOS ECONÔMICOS A ideia dos ciclos econômicos, baseada na análise histórica de que o período colonial teria sido economicamente conduzido por eles, ou seja, sustentado sucessivamente pela exportação de produtos específicos em determinados períodos da história brasileira, primeiramente o pau-brasil, depois o açúcar, o ouro e o café, não se sustenta mais como definição principal do subdesenvolvimento do nosso país e do crescimento dos espaços rurais. Ao longo da colonização, observamos que a incursão pelo interior do nosso território abriu caminho para o conhecimento de novos espaços, plantas, frutas e raízes que compunham a nossa TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 27 vegetação. Nesse processo, o contato com as populações indígenas também foi de suma importância para que os colonizadores conhecessem as potencialidades curativas e culinárias das chamadas drogas do sertão. 2.1.1 Espaço rural no Brasil República e início do século XX Os primeiros traços da agropecuária brasileira agroexportadora surgiram no final do período imperial e início da velha República em meados de 1870 a 1890. Com isso, a caracterização do espaço rural brasileiro começou a se distinguir pelos latifúndios monocultores, além disso, houve também a introdução da mão de obra livre, com o objetivo de substituir a mão de obra servil e escravocrata que perdurava desde o início da ocupação do território brasileiro. Nesse período, ficava cada vez mais vigente a pressão dos segmentos urbanos, representado pela burguesia civil e as forças militares, a favor da proclamação da República. FIGURA 18 – ILUSTRAÇÃO REFERENTE À PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA EM 1889 FONTE: <https://www.cafeculturabrasil.com/wpcontent/uploads/2016/11/ proclamacao_da_republica_ by_ benedito_calixto_1893-1024x631.jpg>. Acesso em: 7 fev. 2019. Com a Proclamação da República, em 1889, nosso país começou a passar por uma desconstrução do espaço que até então era colônia de Portugal, durante os períodos colonial e imperial, e passa a deliberar sobre representatividade partidária com a nova política instalada no território. Cresceu a influência dos partidários ao desenvolvimento, sendo tomadas algumas medidas favoráveis à produção local, como por exemplo a lei do similar nacional, que proibia UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 28 a importação de produtos já fabricados no país (a abrangência dessa lei foi severamente reduzida cerca de um século depois, nos governos neoliberais de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso). Foi preciso esperar até a Revolução de 1930 para que um modelo de desenvolvimento autônomo pudesse firmar-se. Aquele movimento colocou um ponto final na República Velha e em sua política econômica liberal e pode ser considerado o marco inicial daquilo que mais tarde ficou conhecido como desenvolvimentismo nacional. “Desde meados dos anos 1940, a agricultura brasileira vem passando, de forma ininterrupta, por um profundo reajustamento produtivo, visando a sua modernização. Esse processo, caracterizado por diferentes etapas, ocorre por meio de uma contínua melhoria e ampliação do sistema logístico de infraestrutura de transporte e armazenagem, e, institucionalmente, por meio de políticas visando ao aumento e à diversificação das exportações e, principalmente, pela transformação da base técnica de produção do setor agropecuário. Com isso, em seu decorrer, o processo de modernização vai sendo permeado por um crescente aumento das trocas intersetoriais, o que implica a ampliação e a intensificação das condições de produção agrícola e, no limite, na transformação deste setor em um complexo agroindustrial mais completo, agora envolvendo um articulado sistema de interesses e de ações intersetoriais. Todas essas transformações decorrem de um rearranjo técnico-econômico e territorial em que, necessariamente, não só há uma concentração da produção em determinados produtos, como, simultaneamente, ocorre uma especialização dinâmica dos lugares em que se realiza no espaço e no tempo. A sua forma de concretização no território varia em função da época em que ocorre, do padrão técnico-científico disponível, bem como do modo de como se dá a inserção dos diferentes países na economia-mundo e, sobretudo, das políticas públicas adotadas na consecução dos objetivos almejados. Entre 1940 e 1950, era inquestionável a primazia das atividades agropecuárias sobre o conjunto da economia brasileira, aí compreendida não só o domínio econômico, como social, político e cultural. Nesse período, e sem se considerar os produtos pecuários, o valor da produção dos 20 principais produtos agrícolas, segundo Bernardes (1961), equivalia a 54% do valor de toda a produção industrial do País”. FONTE: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv97884_cap5.pdf. Acesso em: 17 fev. 2019. IMPORTANT E A abertura de novas áreas de pastagens foi uma das principais causas do aumento da área dos estabelecimentos verificados no período. Em “zonas de ocupação mais antiga” como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, esse processo se deu por “um recuo da área já cultivada” com lavouras. A grande expansão da atividade pecuária, no entanto, se deu em áreas de fronteira agrícola, sobretudo, pela “incorporação aos estabelecimentos rurais de grandes trechos de campos de cerrado na Região Centro-Oeste [...], onde se verificou o maior acréscimo relativo de área total” (BERNARDES, 1961, p. 103). TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 29 De acordo com o texto Evolução do espaço rural brasileiro de Luiz Sérgio Pires Guimarães (IBGE, 2016, p. 124): “Apesar de a expansão da pecuária predominar, havia também uma preocupação, por parte do governo brasileiro, de ocupar essas áreas da Região Centro-Oeste com colônias agrícolas para a produção de alimentos e matérias-primas a baixo custo. Com isso, criava- -se, nos “sertões brasileiros”, um mercado para produtos industrializados, direcionando-se um expressivo contingente populacional, sobretudo da Região Nordeste, para o interior do País e, ao mesmo tempo, ocupando espaços até então vazios. Visando à implantação desse projeto, foram criadas, em 1943, por iniciativa estatal, as Colônias Agrícolas Nacionais de Goiás e de Mato Grosso, que, embora não atingissem seu objetivo de criar núcleos de pequenos produtores, deram origem, respectivamente, aos municípios de Ceres e Dourados. Outra região de fronteira agrícola, cuja ocupação se baseou na criação de colônias, foi a do Paraná. Diferentemente da Região Centro-Oeste, o projeto de colonização nesse estado, que tinha um caráter empresarial, foi, em princípio, bem-sucedido. A sua ocupação se deu com base no estabelecimentode descendentes de italianos e alemães procedentes do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que ocuparam pequenos lotes de terra no sudoeste e oeste do Paraná. Cabe ressaltar que, além de uma pequena policultura de alimentos, eles cultivavam a hortelã, destinada a empresas compradoras, a menta e a soja, esta última utilizada apenas como forragem verde para alimentação de animais. Outra área de fronteira agrícola existente, na década de 1940, localizava-se no Maranhão. Diferentemente do Paraná e da Região Centro-Oeste, contudo, a frente de ocupação naquele estado apresentou um caráter “espontâneo”, absorvendo um excedente populacional proveniente do semiárido nordestino. Nessas áreas, estabeleceu-se um sistema de produção agroextrativista em que se alia a agricultura de queima e o pousio com o extrativismo das amêndoas de babaçu, principal base econômica do estado. Nesse período, começa também a se intensificar a produção de arroz, cujo cultivo precedia, em parte, a formação dos pastos para a pecuária em estabelecimentos maiores. Assim, seja em áreas consolidadas ou de expansão, a produção agropecuária dos anos 1940-1950 estava estruturada sobre uma malha fundiária extremamente desigual, na qual, ao lado de grandes estabelecimentos dedicados à pecuária e a lavouras de alto valor comercial, coexistiam pequenos estabelecimentos que praticavam uma agricultura destinada à subsistência e ao abastecimento do mercado interno. A maior parte dessa produção era obtida por meio das diferentes formas do sistema de “meação”, relação de trabalho então predominante na agricultura. O trabalho assalariado, quando empregado, restringia-se a algumas grandes lavouras, sendo mais comumente utilizado nos períodos em que a safra demandava um contingente mais elevado de mão de obra”. FONTE: IBGE. Coordenação de Geografia. Brasil: uma visão geográfica e ambiental no início do século XXI. Rio de Janeiro: IBGE, 2016. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov. br/visualizacao/livros/liv97884_cap5.pdf. Acesso em: 17 fev. 2019. IMPORTANT E UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 30 2.2 ESPAÇO RURAL BRASILEIRO NO PERÍODO CONTEMPORÂNEO Atualmente o modelo do espaço rural brasileiro está centrado nos resquícios da formação territorial passada, caracterizado pela grande concentração de terras para a minoria da população com verdadeira vocação agropecuária. Esta tornou-se uma das atividades econômicas mais importantes do nosso país e uma das mais solidificadas para cruzar grandes crises econômicas no Brasil e o no mundo, principalmente desde o início da globalização. Grande parte da atividade agropastoril de nosso país é exportador e definido como agropecuária moderna regional, pois há grandes diferenças entre as microrregiões do IBGE. As regiões se diferem por causa de suas particularidades, desprezando sua grandeza ou localização geográfica. São distintas por suas atuações com a produção agropecuária (região da soja, milho, leite, tomate entre outras). Ainda podemos destacar a subdivisão regional em 1967, em que o geógrafo brasileiro Pedro Pinchas Geiger propôs uma outra divisão regional do país, em três regiões geoeconômicas ou complexos regionais. Uma outra força do capitalismo informacional globalizado em nosso país está baseada nas exportações de commodities, que exporta matéria-prima de maneira in natura, sem que seja necessário grande ou nenhum processamento. Assim, em meados da década de 1960 e 1970 a adoção de uma série de políticas públicas específicas para a chamada “modernização conservadora” da agricultura provocou importantes transformações no setor, consolidando a grande agricultura comercial, por meio da tecnização de seus processos produtivos e de uma maior abertura ao mercado internacional. A modernização deste processo de novas técnicas agrícolas e a ampliação das máquinas, como forma de produção no campo brasileiro a partir desta década, também marca o grande início da indústria automobilística e metalmecânica em nosso país. Nesse contexto, a produção agropecuária apresentou um desempenho muito superior em comparação com as décadas anteriores, devido tanto ao aumento da sua produtividade como da diversificação das exportações agrícolas e da ampliação da produção. Ao final desse período, a situação do mercado continuava favorável, com abundância de créditos baratos, preços de insumos e bens de capital em declínio e os commodities em alta, além do aumento do mercado consumidor, fazendo com que nosso país começasse a entrar em uma nova era de produção e tecnização no espaço rural nacional. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 31 De acordo com Guimarães (2006): “Esse quadro em que o setor agropecuário se estrutura, com base na expansão e na modernização tecnológica da produção de commodities de alto valor comercial, foi consolidado ao longo da década de 1970. Nesse período, foram ampliados os investimentos públicos na infraestrutura, no armazenamento e na modernização da produção agropecuária em larga escala. Chama a atenção o aumento da mecanização do setor agropecuário entre os anos 1970 e 1980, quando a maioria dos estados mais que dobrou o número de tratores utilizados. Estados com grande produção de grãos, como, Paraná, Goiás e Mato Grosso que quintuplicaram as suas frotas nessa década. Só Mato Grosso (incluída a área do atual Mato Grosso do Sul, para efeitos de comparação) passa de um total de 4 386 tratores, em 1970, para 44 320 unidades, em 1980. Como os preços das commodities internacionais eram ainda mais favoráveis que na década anterior, ampliou-se a participação do Brasil, no mercado internacional, com o aumento das exportações de vários produtos agrícolas, entre os quais se destacam a soja, o café, o milho, a laranja (em suco), o açúcar e as carnes. Essas atividades modernizadas aumentaram, inicialmente, suas áreas na Região Sul, nos Estados de Minas Gerais e São Paulo, para, posteriormente, em meados da década, se expandirem sistematicamente por toda a Região Centro-Oeste, e, por fim, atingindo o Estado do Pará, ampliando a fronteira agrícola para áreas até então só parcialmente integradas à dinâmica de produção capitalista. Todo esse dinamismo, baseado na grande oferta de capitais existentes no mercado internacional e em uma política de crédito altamente subsidiada, deteriora-se a partir da crise do petróleo de 1979, quando ocorre uma forte retração da economia internacional. Dos anos 1980 até meados da década seguinte o crescimento da dívida externa do Brasil e das taxas de juros internacionais provocou uma significativa redução dos recursos para o financiamento rural e refletiu de imediato na redução das áreas de lavouras, pastagens e pessoal ocupado na agricultura conforme verificado no período. A política de crédito foi gradativamente substituída pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) como principal instrumento de incentivo para a expansão e desenvolvimento do setor agropecuário. Apesar disso, o quadro de hiperinflação obrigou o governo a elaborar um conjunto de políticas de ajustamento macroeconômico que materializadas em uma série de planos econômicos restringiram a plena expansão do setor agropecuário. Com a manutenção de um cenário macroeconômico desfavorável no Brasil, delineou-se na década de 1990 sobretudo a partir do segundo quinquênio, a necessidade de se construir um novo quadro institucional que permanece até o período atual e que redefiniu o espaço entre o público e o privado nos mercados agroalimentares, alinhando as novas diretrizes às exigências da Organização Mundial do Comércio (OMC). O Estado deixa, em grande medida, de ser o gestor das políticas públicas para o setor, passando a exercer o papel de principal coordenador e fiscal destas. Isso implicou a “retirada do governo de controles diretos na forma de preços ou compras e, em muitos casos, implicou no desmantelamento de serviços de extensão e, também, na eliminação de políticas setoriais maisativas” (WILKINSON, 2003, p. 12). “Tais medidas vieram acompanhadas de uma menor proteção tarifária e de uma maior abertura ao comércio internacional, levando em vários casos a um aumento no ritmo de importação de alimentos”. Visando aumentar o volume de investimentos diretos vindos do exterior, procedeu-se, conforme complementa este autor, a uma “modificação da legislação sobre os níveis de participação de capitais estrangeiros em empresas nacionais e a uma maior tolerância à remessa de lucros” (WILKINSON, 2003, p. 27). Com isso, torna possível intensificar ainda mais a modernização da agricultura, o que provocou um aumento da competitividade da produção brasileira no comércio internacional, alavancando as exportações. As consequências desse novo quadro foi a exacerbação das características do processo de modernização”. FONTE: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv97884_cap5.pdf. Acesso em: 17 fev. 2019. IMPORTANT E UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 32 Com a intensificação do processo de globalização o conceito de região passou a ser questionado, sobretudo porque alguns autores entendiam que a globalização seria responsável por uma homogeneização espacial. A discussão sobre globalização e região merecem destaque por causa da ideia do seu potencial homogeneizador, já que no mundo globalizado não haveria espaço para a diferenciação, bem como a região que guarda em sua essência a noção de singularidade. FIGURA 19 – TIPOS DE COMMODITIES FONTE: <https://academy.alvexo.com/academy-basics/basic-articles/learn-to-trade- commodities>. Acesso em: 17 fev. 2019. Os territórios e os espações geográficos na atualidade estão fragmentados pela ação e pela produção do capital globalizado, ideia centrada no discurso que prega o fim do “Estado-Nação”, pois há de um lado a emergência de uma cultura global e de outro uma economia também global (ARRAIS, 2007). Concorda-se com Pontes (2007, p. 490) que defende que “a globalização pode não significar homogeneização total, mas sim diferenciação de partes, isso ocorre devido as diferentes potencialidades regionais e dos vários agentes” que atuam com forças desiguais no território. Segundo Haesbaert e Limonad (2007, p. 40): Se muitos autores afirmam que o mundo contemporâneo vive uma era de globalização, outros, por sua vez, enfatizam como característica principal do nosso tempo a fragmentação. Globalização e fragmentação constituem de fato os dois polos de uma mesma questão que vem sendo aprofundada, seja através de uma linha de argumentação que tende a privilegiar os aspectos econômicos - e que enfatiza os processos de globalização inerentes ao capitalismo -, seja através do realce de processos fragmentadores de ordem cultural. Para Elias e Pequeno (2007) a reestruturação do agronegócio e da agropecuária não homogeneizou a produção ou os espaços agrícolas nem os espaços urbanos. O que de fato acontece é um intenso processo de fragmentação da produção e do espaço agrícola, em contraposição ao processo de globalização da produção e do consumo agropecuário. Assim, entendendo a paisagem e a TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 33 região como categorias fundamentais para a leitura e a compreensão dos processos ocorridos ao longo do tempo e da realidade atual da microrregião Ceres, propõe- se pensar na noção de paisagem regional que não seria somente a junção das duas importantes categorias, mas uma forma mais ampla e complexa de verificar ao mesmo tempo as problemáticas postas pela dinâmica sucroenergética, as diferenciações que o processo acarreta na região e que se apresenta por meio da paisagem. FIGURA 20 – AGRICULTURA E AS TENDÊNCIAS GLOBAIS FONTE: <https://slideplayer.com.br/slide/1354290/>. Acesso em: 17 fev. 2019. O processo histórico da formação do território brasileiro levou em consideração os efeitos da industrialização e a configuração dos modelos de ocupação das primeiras atividades econômicas do país, como os grandes ciclos agrícolas da cana de açúcar no período colonial, do café entre a Colônia e o Império e também o declínio da indústria cafeeira no início da Velha República e o início da industrialização a partir da segunda metade do Século XX. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 34 FIGURA 21 – DIVISÃO REGIONAL GEOECONÔMICA BRASILEIRA FONTE: <https://estudegeografia.webnode.com.br/_files/200000164-8e2898f227/regioes%20 geoeconomicas.jpg>. Acesso em: 13 fev. 2019. Legenda: 1) Amazônia 2) Centro-Sul 3) Nordeste Com base na divisão, diferente do que se perpetua nas bases do IBGE, os limites das regiões não são coincidentes com os estados. Tal fato representa a noção de que um estado em face de suas características pode ter parte do seu território em mais de uma região, como é o caso do Maranhão e de Minas Gerais. O espaço rural brasileiro atualmente concentra a maior desigualdade social e trabalhista de todas as atividades econômicas de nosso país, pois faltam legislações que garantam ao produtor rural acesso básico ao desenvolvimento humano e distribuição de renda. A produção principalmente dos pequenos produtores é pouco valorizada no mercado interno e externo, pois há pouco retorno. Hoje ainda há uma competição desleal entre o minifundiário policultor e o grande agroexportador que concentra a maior parte das terras agricultáveis e cultiváveis tanto para produção de grãos como para a produção pecuária e seus derivados. A grande agroindústria está atenta principalmente para os grandes produtores que possuem capacidade de competição e grande produção de qualidade em sua matéria-prima. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 35 FIGURA 22 – PRINCIPAIS PRODUTOS BRASILEIROS AGROPECUÁRIOS DE EXPORTAÇÃO FONTE: <https://www.infoenem.com.br/wp-content/uploads/2017/07/dados_agropec.jpg>. Acesso em: 13 fev. 2019. A agropecuária e o extrativismo não são tratados com tanta relevância, um equívoco que deve ser reparado, já que este setor apresenta grande representatividade no volume de exportações brasileiras e corresponde em torno de 8% do PIB (Produto Interno Bruto). A produção agrícola no Brasil teve início com a cultura da cana-de-açúcar pelos portugueses durante o período colonial, que foi seguida pelo cultivo do café, principalmente nos séculos XIX e XX e posteriormente pela pecuária bovina. Atualmente, a cultura mais representativa do país é a da soja, principalmente na região Centro-Oeste. Destinada à exportação, ela representa 9% da balança comercial. A cana-de-açúcar, o café e a pecuária bovina ainda possuem importância na agropecuária nacional e, além destes, também podemos encontrar produções de milho, laranja, trigo, fumo, arroz, feijão, cacau e algodão. FONTE: https://www.infoenem.com.br/geografia-no-enem-um-panorama-da- agropecuaria-brasileira/. Acesso em: 13 fev. 2019. IMPORTANT E UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 36 FIGURA 23 – COLHEITA DE CANA-DE-AÇÚCAR MECANIZADA FONTE: <http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Repositorio/ Colheita+mecanizada+sem+despontador_000fk6rupcd02wyiv80sq98yqsxy7xf9.JPG>. Acesso em: 13 fev. 2019. Os estados que mais se destacam na agropecuária no Brasil desde as primeiras décadas da segunda metade do século XX são os estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, porém, existe um crescimento na produção rumo ao norte do país. O setor também está se tornando cada vez mais dependente da tecnologia a qual gera melhorias nas máquinas, nos defensivos, nas sementes e nos fertilizantes, de modo a ampliar a produção e aperfeiçoar os produtos. “Assim, apesar de variações locais pouco significativas, o nível de concentração da estrutura fundiária manteve-se elevado em todo o espaço agropecuário. Mesmo tendo sido reduzida a área total dos estabelecimentos, estes intensificaram suas produções. Apesar de a intensificação produtiva ter caracterizado o período,registraram-se também o avanço e a abertura de novas áreas de fronteira agrícola, no sentido norte/nordeste. Com a valorização da atividade agropecuária, o predomínio dos estabelecimentos dirigidos pelos próprios proprietários aumentou. Apesar de o Brasil estar posicionado como um grande produtor mundial de alimentos e de matéria-prima, tendo por base uma produção agropecuária capitalista altamente tecnificada, era o trabalho familiar, e não o assalariado, a principal forma de emprego da mão de obra em 2006. Essa mão de obra, que representava 77% do total de trabalhadores rurais, de um modo geral, mantinha-se ligada à pequena produção. Esta última, apesar da heterogeneidade de situações no que diz respeito ao nível de modernização de seu processo produtivo, mantinha-se, em grande parte, atrelada ao mercado interno, voltando sua produção, basicamente, aos alimentos que compõem a cesta básica nacional. IMPORTANT E TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 37 Por fi m, a série histórica da informação censitária, entre 1940 e 2006, revela que a agropecuária brasileira vem se modernizando a partir de diferentes modelos produtivos que, em comum, têm o fato de privilegiar a grande produção monocultora de alto valor comercial, destinada à exportação, enquanto a pequena produção de fraca inserção no mercado e/ou voltada à comercialização continua a ter papel relevante na produção alimentar para o mercado interno. Se, em princípio, adotou-se um modelo de “substituições de importações”, a partir de meados dos anos 1960, o setor rural passa a ser reconfi gurado no padrão clássico da modernização conservadora, cujos princípios e estratégias locacionais defi nem, em grande parte, a geografi a do espaço rural brasileiro na contemporaneidade”. FONTE: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv97884_cap5.pdf. Acesso em: 17 fev. 2019. FIGURA 24 – EXPANSÃO AGROPECUÁRIA BRASILEIRA FONTE: <http://marcosbau.com.br/geobrasil-2/1211-2/>. Acesso em: 13 fev. 2019. UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 38 Existem atualmente amplas discussões sobre o tema abrangendo principalmente o efeito do uso de agrotóxicos e da produção de transgênicos. A agricultura orgânica, ou seja, aquela que não faz uso de agrotóxicos, tem sido cada vez mais defendida devido aos danos que os agrotóxicos podem causar ao organismo. Entretanto, a agricultura orgânica acontece principalmente em pequenas propriedades. Já o cultivo de transgênicos é questionado, pois não se sabe ao certo o que a alteração do DNA feito nos organismos geneticamente modificados pode causar em nossa saúde e no meio ambiente. O agronegócio é importante para a compreensão das ciências humanas por causa das transformações na história do Brasil, dos debates que pode causar, a importância na economia e as suas relações com o homem e com o meio. Para Abramovay (1999), a nova dinâmica territorial dos espaços rurais requer políticas públicas descentralizadas que valorizem os atributos locais e regionais no processo de desenvolvimento, além da visão de que a integração do agricultor com a indústria é o único caminho para a geração de empregos. O desafio está em como criar condições para valorização de um território com variedade de atividades e mercados. Para Harvey (2012), as diferenças geográficas vão além dos legados histórico-geográficos e estão relacionadas também com as estruturas político- econômicas que reconfiguram o presente. A influência do capital internacional baseado na maximização de lucros está por trás das atuais políticas. Além disso, as políticas de desenvolvimento territorial tornaram-se, principalmente após a década de 50, “fundamentalmente parte subsidiária da política econômica (cumpre lembrar, capitalista) a nível nacional” (COSTA, 2000, p. 59). Vejamos no quadro a seguir como classificar a atual estrutura agrária Brasileira. FIGURA 25 – EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA BRASILEIRA FONTE:<https://www.unicamp.br/unicamp/sites/default/files/inlineimages/img_ART_LM_ grafico_002_201 71206.jpg>. Acesso em: 13 fev. 2019. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO 39 O setor de subsistência na economia brasileira: gênese histórica e formas de reprodução Guilherme C. Delgado Caio Prado Jr., em sua obra Formação do Brasil Contemporâneo (1979), desenvolveu os capítulos “Agricultura de Subsistência” e “Pecuária” do Brasil Colonial, mas adverte antes que tais setores não constituem atividades fundamentais da economia colonial, centrada no trinômio: grande propriedade, trabalho escravo e monocultura voltado ao comércio exterior. Certamente a agricultura de subsistência e a pecuária não se encaixam neste trinômio, embora já no período colonial “ocupassem” parcela expressiva da população em extensão territorial muito vasta da colônia. Mas não podemos colocá-las no mesmo plano, pois pertencem a outra categoria, e a categoria de segunda ordem [...]. Trata-se de atividades subsidiárias destinadas a amparar e tornar possível a realização das primeiras. Não têm uma vida própria, autônoma, mas acompanham aquelas, a que se agregam como simples dependência. Numa palavra, não caracterizam a economia colonial brasileira e lhes servem apenas de acessórios [...] (PRADO, 1979, p. 124). É claro, na construção analítica da obra em questão, que o tripé grande propriedade/ trabalho escravo/monocultura, estrutura a produção da grande lavoura e da mineração na produção de mercadorias para o setor externo. Quando trata da agricultura de subsistência, da pecuária e mesmo das produções extrativistas naquela obra, o tripé não se aplica, e o autor ora recorre ao argumento de setor subsidiário residual, reflexo etc., ora faz uso de uma outra noção do setor de subsistência, na qual se destaca sua especialização na provisão de gêneros de subsistência para o consumo interno. Já apontei acima os motivos principais porque fiz esta distinção fundamental numa economia como a nossa, entre a grande lavoura que produz para a exportação e a agricultura que chamei de “subsistência” por destinar-se ao consumo e à manutenção da própria colônia [...]. Há a considerar a natureza econômica intrínseca de cada uma e outra categoria de atividade produtiva, o fundamento, o objetivo primário, a razão de ser respectiva de cada uma delas. A diferença aí é essencial, e já me ocupei suficientemente da matéria (PRADO, 1979, p. 157). Mais adiante, depois de exemplificar diversos ramos das atividades de subsistência no Brasil Colonial, o autor conclui indicando um segundo caráter específico do setor de subsistência: Assim, com maior ou menor independência do lavrador, e maior ou menor extensão da lavoura respectiva, constituem-se a par das grandes explorações, as culturas próprias e especializadas que se destinam à produção de gêneros alimentícios de consumo interno da colônia (grifo nosso). É um setor subsidiário da economia colonial, depende exclusivamente do outro, que lhe infunde vida e forças [...]. Em geral a sua mão-de-obra não é constituída de escravos: é o próprio lavrador modesto e mesquinho que trabalha. Às vezes conta com o auxílio de um ou outro preto ou mais comumente de algum índio ou mestiço [...] (PRADO, 1979, p. 160-161). IMPORTANT E UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL 40 Em síntese, a noção de setor de subsistência, na obra de Caio Prado Jr., apresenta quatro características a destacar: a) atividade subsidiária que depende ora exclusivamente, ora parcialmente da grande lavoura; b) setor produtor de bens de consumo destinados ao autoconsumo da fazenda e ao consumo interno da economia interna (da colônia), mas não à exportação; c) especialização na produção de alimentos – um valor de uso, distinto das mercadorias produzidas para o mercado externo; e d) estrutura produtiva distinta da grande lavoura, visto que no setor de subsistência praticamente não se utiliza o trabalho escravo, a produção é do tipo não monocultivo e o estabelecimento produtivo é em geral de dimensõespequenas (familiar), produzindo algum ou alguns produtos com mão-de-obra própria e/ou participação de inúmeras relações de trabalho (dependendo da atividade), que em geral não são de trabalho escravo, tampouco de trabalho assalariado. Observa-se finalmente que, de acordo com Caio Prado Jr., o setor de subsistência alberga- se na grande propriedade, geograficamente externa às zonas das grandes lavouras, sujeita às relações fundiárias de dominação impostas pelo sistema de sesmarias. Porém, diferentemente da grande lavoura, os agricultores de subsistência gozam de certa autonomia, principalmente na pecuária, na qual os contratos de parceria entre proprietários absenteístas e vaqueiros são completamente distintos dos “contratos” entre grandes proprietários e os seus “moradores de condição” na grande lavoura. FONTE: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3234/1/Livro_Questao_Social.pdf. Acesso em: 24 fev. 2019. 41 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A formação do espaço rural brasileiro desde a ocupação pelos colonizadores foi se modificando de acordo com a transformação do território nacional, caracterizando o atual modelo agrário brasileiro. • A evolução dos grandes ciclos econômicos desde a produção de cana-de- açúcar e do café entre o período imperial e da velha república, assim como a prática e a formação dos grandes latifúndios coloniais até as atuais práticas de exploração da terra na atualidade. • O espaço rural contemporâneo é o reflexo nos modelos de ocupação e exploração do espaço desde os tempos coloniais e que as desigualdades e problemas com a terra em nosso país é de cunho secular e histórico. • De acordo com a Evolução da Estrutura Fundiária Brasileira, as pequenas propriedades agrárias representam uma pequena parte na produção de alimentos tanto para a agroindústria como para as exportações, o que não acontece com as grandes áreas monocultoras exportadoras de commodities agrícolas no espaço agrário do Brasil. 42 1 A esfera produtiva sempre esteve em destaque seja na produção de produtos para exportação – que aconteceu durante a maior parte da história econômica brasileira – seja no fornecimento de matérias-primas para o surgimento e consolidação da agroindústria nacional. Atualmente é a principal responsável pelos saldos positivos na balança comercial. Descreva e explique o que são commodities. 2 Os países desenvolvidos adotaram a pequena agricultura como forma de ocupação do espaço rural. Os países subdesenvolvidos são o paraíso dos latifúndios e há a expropriação de milhões de trabalhadores rurais sem-terra que deu sustentação para uma grande desigualdade social e um pequeno mercado consumidor com baixo desenvolvimento social e econômico. Como podemos descrever a atual situação dos espaços rurais e agrários nos países subdesenvolvidos? Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Caracterizado por latifúndios familiares monocultores e exportadores, principalmente de commodities, produção de maneira in natura sem grande transformação ou nenhuma. b) ( ) Se destaca pela igualdade na distribuição de terras e pela atividade familiar em pequenas áreas produtoras e policultoras, definidos como minifúndios agroexportadores. c) ( ) Identificado por um problema sistêmico e em cadeia generalizada nos países subdesenvolvidos com concentração fundiária teremos a presença do latifúndio e, consequentemente, o aumento dos trabalhadores sem-terra, dos conflitos fundiários, das ocupações e da pobreza tanto no campo como na cidade. d) ( ) O desenvolvimento não perpassa os aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais e para que haja equilíbrio no campo será necessária uma maior distribuição da terra, ou seja, a exploração agrícola com base na pequena agricultura familiar. 3 Uma série histórica da informação censitária, entre 1940 e 2006, revela que a agropecuária brasileira vem se modernizando a partir de diferentes modelos produtivos que em comum têm o fato de privilegiar a grande produção monocultora de alto valor comercial, destinada para a exportação, enquanto a pequena produção de fraca inserção no mercado e/ou voltada para a comercialização continua a ter papel relevante na produção alimentar para o mercado interno. A produção da agricultura familiar tem perdido cada vez mais espaço com a concorrência das grandes agroindústrias em nosso país, o que leva a intensificar a exploração de terras não como um sustento do pequeno proprietário rural no campo e sim a aumentar os lucros dos grandes conglomerados industriais no setor de alimentos, o qual desfavorece o pequeno produtor por: AUTOATIVIDADE 43 I- Criar incentivos agrícolas para as famílias de pequenas propriedades rurais. II- Aumentar as diferenças dos trabalhadores rurais com os trabalhadores dos espaços urbanos, intensificando a desigualdade social nestas áreas. III- Cria concentração fundiária na mão de poucos proprietários rurais, dificultando os segmentos de produção das famílias agrícolas. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As alternativas I e II estão corretas. b) ( ) As alternativas II e III estão corretas. c) ( ) As alternativas I e III estão corretas. d) ( ) Todas as alternativas estão corretas. 44 45 TÓPICO 3 A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Atualmente vemos cada vez mais a influência da globalização e da tecnologia no modo de produzir alimentos, na extração dos recursos naturais, no aumento corrente da demanda de consumo por novos produtos, novas práticas e hábitos alimentares. A necessidade de atender cada vez mais à grande oferta na produção e diversificação de alimentos faz com que os sistemas produtivos fiquem cada momento mais complexos e dinâmicos, aumentando a dificuldade ao acesso alimentar em várias nações do planeta e transformando outras em caóticas e centralizadoras. A compreensão das transformações que aconteceram e estão acontecendo no rural brasileiro passa, necessariamente, pelo estudo do processo histórico de constituição do rural enquanto espaço de produção e reprodução social de sua população. FIGURA 26 – TECNOLOGIA E AGROPECUÁRIA FONTE: <http://cerradoeditora.com.br/cerrado/wp-content/uploads/2017/02/Drones- Agricultura.jpg>. Acesso em: 17 fev. 2019. 46 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL De acordo com o texto de Ivo Elesbão em O espaço rural brasileiro em transformação: “As mudanças observadas no espaço rural dos países desenvolvidos passam também a ser detectadas no espaço rural brasileiro que hoje é estudado à luz das mesmas transformações, ampliando o enfoque que outrora recaía somente na produção de alimentos e matérias- primas, para considerar também a relação com as atividades não agrícolas. Estas atividades, praticadas por componentes de muitas famílias rurais, ganham importância na busca da compreensão das transformações de que o rural brasileiro vem sendo palco e que se intensificaram nos últimos tempos. Neste artigo, analisam-se as transformações em curso, apoiando-nos para isso, em uma revisão bibliográfica que tem o rural como objeto de estudo e que busca compreender as mudanças que estão ocorrendo nesse espaço. Necessário se faz ressaltar que nem de longe pode ser considerada uma reflexão exaustiva, pois entendemos as limitações ao analisar um espaço que é estudado por várias áreas da Ciência e que congrega uma enorme quantidade de trabalhos produzidos sobre o tema. Nossa análise será dividida em duas partes e irá se pautar em algumas mudanças históricas e na complexidade de relações de que o rural atualmente se reveste. Na primeira parte buscaremos discorrer sobre as transformações no rural brasileiro ao longo do século XX enfocando quatro grandes acontecimentos: o fim do último grande ciclo econômico (ciclo do café); o processo de modernização da agricultura; a migração campo/cidade; e o reconhecimento da importância da agricultura familiar. Nasegunda parte nossa análise terá como base a emergência de novas atividades e novos valores no rural contemporâneo, os quais representam a diversidade de situações na teia de relações que se estabelecem entre o rural e o urbano”. FONTE: https://revistas.rcaap.pt/finisterra/article/view/1421/1117. Acesso em: 17 fev. 2019. IMPORTANT E 2 A QUESTÃO AGRÁRIA E O CAPITALISMO NO MUNDO Mesmo com o crescimento vigente das atividades de transformação e indústria no mundo, assim como a ampliação do setor de serviços, tanto na empregabilidade como nas relações econômicas mundiais, destacamos, no setor primário, o setor agropecuário que tem cada vez mais enfatizado as relações de trabalho, produção e ocupação dos espaços produtivos, levantando novos debates desde a desigualdade no campo em diversos países e continentes do planeta como até mesmo a distribuição das terras nos territórios, mostrando o agravamento e a fragilidade de determinadas nações em lidar com as questões agrárias e a política de terras no mundo. Ao trazer o debate para os dias atuais, verifica-se que muitas previsões efetuadas sobre o destino do campesinato e de sua pequena unidade de produção não se confirmaram ou sofreram alterações significativas e foram expressas inicialmente na abordagem de Veiga (1991), na qual o autor ressalta que ao contrário do que se https://revistas.rcaap.pt/finisterra/article/view/1421/1117 TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 47 previa, principalmente nas visões de Marx, Lênin e Kautsky, a classe camponesa não desapareceu, porém, sofreu mutações significativas nas suas relações produtivas e sociais, constituindo-se na base da produção agrícola nos países capitalistas centrais, como os Estados Unidos e grande parte da União Europeia. Observamos um crescente aumento da pobreza e conflitos relacionados aos espaços produtivos desde a América Latina, África e Ásia como principal foco do debate. A fome e a falta de alimentos ainda são o problema central em diversas regiões do planeta, acirrando conflitos regionais entre os povos. O modo capitalista de produção na construção da imagem da agricultura e sua representação através do conceito que passou a ser difundido como agronegócio, enfatiza o crescimento da agroindústria principalmente nos países em desenvolvimento no mundo como o Brasil e demais países agroprodutores da América Latina. O uso dos termos “agronegócio e agroindústria” se propagou tanto nos círculos acadêmicos quanto nos meios políticos e de comunicação entre as nações do planeta. Mendonça, Pitta e Xavier (2012, p. 5) situa que: A chamada industrialização da agricultura ocorre principalmente a partir dos anos 1950, em um contexto de crise de superacumulação de capital em nível mundial. No Brasil, este modelo ganha força principalmente a partir dos anos 1960 e combina a grande exploração agrícola com o estímulo ao uso de insumos industriais. É no período marcado pelo caráter monopolista ou imperialista do capital que se observa o processo de industrialização da agricultura, conhecido popularmente como agronegócio. A relação do agronegócio está ganhando força no capitalismo financeiro e informacional da atualidade, desenvolvendo uma relação do sistema de produção cada vez mais dependente das relações financeiras e econômicas da globalização. FIGURA 27 – MODELO DE UM SISTEMA DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL FONTE: <https://static.mundoeducacao.bol.uol.com.br/mundoeducacao/conteudo/evolucao- da-agricultura.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2019. 48 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL A propriedade monopolista pressupõe a incorporação de todos os momentos da chamada cadeia produtiva. Como exemplos de grandes conglomerados capitalistas do setor de produção de alimentos podemos citar a Bunge e a Cargil, empresas com maior parte de capital estadunidense que dominam o monopólio das grandes agroindústrias no mundo, desde o controle das matérias-primas até a circulação das mercadorias, considerando-se o papel essencial do capital financeiro. FIGURA 28 – EXEMPLO DE OLIGOPÓLIO DO AGRONEGÓCIO FONTE: <http://www.ceisebr.com/uploads/conteudo/conteudo/2018/07/86Y DL/1494545796776-20H5N9_510x400.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2019. A internacionalização deste modelo através da exportação de capitais aprofundou a especialização dos monocultivos em determinados países e a divisão internacional do trabalho, sistema que amplia a desigualdade social e as diferenças entre a base da cadeia produtiva da base de uma pirâmide financeira e produtiva, até o ápice das classes donas dos meios de produção, característica que vem desde o período das grandes navegações e conquistas dos territórios mundiais pelos europeus a partir de uma da herança colonial. TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 49 “O tempo de produção consiste de duas partes: um período em que o trabalho é realmente aplicado na produção, e um segundo período, durante o qual a mercadoria “inacabada” é abandonada à influência de processos naturais, sem se submeter simultaneamente ao processo de trabalho, tendo, como exemplos, os processos naturais, químicos e fisiológicos. Enquanto o trabalho humano normalmente desencadeia esses processos, após o ponto de partida iniciado pelo insumo-trabalho, o processo prossegue de forma independente. Esses intervalos no processo de produção não criam nem valor e nem mais-valia, é o que ressaltam os autores Mann e Dickinson (1987). A produção agrícola é caracterizada não somente por um relativo longo tempo de produção total (já que diversos cultivos são realizados anualmente), mas também por uma grande diferença entre o tempo de produção e o tempo de trabalho; há um longo período em que o tempo de trabalho é quase que completamente interrompido (exemplo disso, é o tempo em que a semente leva para se desenvolver na terra). Neste caso, a redução do tempo de produção é severamente afetada por fatores naturais e, assim, não pode ser facilmente modificada socialmente ou manipulada, como ocorre na indústria propriamente dita. Na produção pecuária, a reprodução dos animais é delimitada por processos naturais definidos. Praticamente toda a pesquisa agrícola desenvolve esforços para reduzir a preponderância do tempo de produção sobre o tempo de trabalho: inseminação artificial, processos de alimentação forçada, desenvolvimento de sementes híbridas, cultivo de plantas em soluções nutritivas e outros. Por isso, a capitalização da agricultura avança mais rapidamente nas esferas onde o tempo de produção pode ser reduzido com sucesso. Inversamente, as esferas de produção caracterizadas por uma certa rigidez da não-identidade entre tempo de produção e tempo de trabalho não exercem a mesma atratividade ao grande capital, sendo deixadas, então, ao pequeno produtor familiar. A não identidade entre o tempo de produção e o tempo de trabalho estabelece uma série de obstáculos à penetração capitalista em certas esferas da agricultura, que, pelo fundamento biológico de seu processo produtivo, opõe resistência ao avanço da divisão social do trabalho, e, assim, ao próprio domínio da socialidade capitalista, comprometendo, no médio e longo prazo, a manutenção da taxa média de lucro do capital, já que este não consegue circular e se reproduzir de maneira mais rápida e eficaz, como ocorre na indústria (ABRAMOVAY, 1992). Portanto, em razão dessas dificuldades, a grande propriedade produtora capitalista, na agricultura, cedeu espaço para a pequena unidade de produção familiar, pois esta última, preservando uma característica semelhante à das antigas unidades de produção camponesas, conseguiu se reproduzir com taxas de lucro abaixo da taxa média de lucro, porém com a utilização de instrumental produtivo altamente tecnificado e plenamente integrado ao mercado, competindo em igualdade de condições com a grande propriedade produtora capitalista, que, devido aos seus altoscustos de manutenção e seu baixo e lento retorno dos investimentos de capital, retira-se da competição e, consequentemente, da produção agrícola. Foi assim, então, que, nos países capitalistas centrais, coube à agricultura familiar o papel de grande produtora e fornecedora de alimentos e insumos para indústria, a preços mais baixos e em quantidade suficiente para garantir o abastecimento da população. Além disso, possibilitou a manutenção da renda dos agricultores familiares, colaborando para a fixação do produtor agrícola no campo, reduzindo significativamente o êxodo rural e melhorando IMPORTANT E 50 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL as condições de trabalho e de vida, tanto no campo como na cidade. Cabe ressaltar que coube ao Estado um papel extremamente importante, pois ele operou como elemento centralizador e responsável, em última análise, pela alocação da atividade dos agricultores. Apesar da ocorrência dos fatos e acontecimentos levantados pelos diversos autores acima, na qual a preponderância da agricultura familiar, nos países capitalistas centrais, surgiu como fator decisivo para a derrocada de um dos pressupostos básicos de Marx e seus seguidores, que previam o fim da pequena unidade de produção camponesa, e, por conseguinte, da classe camponesa, e a preponderância da grande exploração capitalista, em decorrência do desenvolvimento do modo de produção capitalista, outros aspectos devem ser considerados na atual discussão”. FONTE: SIQUEIRA, Oscar Graeff. O modo de produção capitalista e a agricultura. COLÓQUIO – Revista do Desenvolvimento Regional – Faccat – Taquara/RS – v. 11, n. 2, p. 113-131, jul./dez. 2014. Disponível em: https://seer.faccat.br/index.php/coloquio/article/ view/156/137. Acesso em: 12 set. 2019. Observa-se que o modo de produção capitalista não tem medido esforços para substituir ou apropriar-se de processos naturais de produção, em que a natureza dita as regras do desenvolvimento de plantas e animais, trocando-os por artificiais. A produção agrícola teve um desenvolvimento significativo nos últimos anos, com o avanço científico e tecnológico que proporcionou aos produtores ampliar seus empreendimentos, com uso de tecnologias e implementos agrícolas, tornando possível a incorporação e uso de novas terras, adubos químicos para a correção de solos para o aumento de produção. Fatores que proporcionaram uma otimização em todo o processo de produção, desde o plantio-colheita, até a exportação e comercialização (OLIVEIRA, 2007). Entretanto, sem dúvida, o avanço técnico foi impulsionado por grandes empresas multinacionais que associaram a necessidade do campo ao acúmulo de capital. Porém, o que é produzido não chega a todos de maneira igual, como nem todos têm o direito de produzir com eficiência, já que o capitalismo dita as regras de produção e comercialização. Para a compreensão da estrutura é necessário que o ensino de Geografia esteja voltado para a explicação da lógica do modo de produção capitalista. TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 51 “A concentração fundiária no Brasil é resultado de uma distribuição de terra que aconteceu no passado de forma desordenada e destinada, muitas vezes, a quem não precisava. Sem contar que os lotes de terra eram gigantescos. Atualmente, grande parte das terras brasileiras se encontra nas mãos de uma minoria de famílias, o que promove o surgimento de uma enorme quantidade de trabalhadores desprovidos de terras para cultivar o seu sustento e de sua família. A disparidade existente na estrutura fundiária brasileira gera a insatisfação de várias classes da sociedade (trabalhadores rurais, cientistas políticos, sociólogos, entidades religiosas, entre outros), que apoiam a implantação da reforma agrária. Esse pensamento está alicerçado em dois pontos determinantes: o primeiro é o fator social e o segundo, o econômico. O fator social está relacionado ao fato de que há milhares de famílias que precisam de um pedaço de terra para cultivar seu alimento, o que também, de certa forma, torna-se o seu emprego. Já o fator econômico refere-se aos objetivos ligados à produção de alimentos para o abastecimento interno, forçando a diminuição dos seus preços, que recentemente foram inflacionados diante da crise mundial de alimentos. Incluindo ainda que esses pequenos produtores podem se tornar exportadores para diversos países do mundo, o que contribuiria para a economia do país. Na tentativa de solucionar os fatores citados acima, a Nova Constituição Federal de 1988 trouxe um artigo que determina a aplicação da reforma agrária em propriedades rurais que se encontram na categoria de improdutivas. No entanto, o artigo deixou falhas por não expressar especificamente o que caracteriza uma propriedade improdutiva. O desprovimento de informações específicas quanto a esse tipo de propriedade gerou a ascensão dos problemas relacionados à luta pela terra, surgindo, inclusive, confrontos armados que deixaram mortos e feridos, como o massacre do Eldorado dos Carajás (Pará). A imprecisão de informações leva os sem-terra a interpretarem “ao pé da letra” o artigo da Constituição Federal, portanto, quando esse grupo visualiza uma propriedade improdutiva, eles se veem no direito de invadi-la. Do outro lado da questão, estão os proprietários dessas terras que sempre negam essa condição, afirmando que elas são produtivas e que a invasão não passa de um ato ilegal e criminoso. Nesse caso, o proprietário aciona o poder público, exigindo uma atitude”. FONTE: http://profisabelaguiar.blogspot.com/2014/12/voce-sabe-o-que-e-reforma-agraria. html. Acesso em: 20 fev. 2019. IMPORTANT E 52 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL FIGURA 29 – CHARGE “KOIZAS DA VIDA” – A HEREDITARIEDADE DA TERRA FONTE:<http://4.bp.blogspot.com/VzSAfIuHEBw/UsrCP728qEI/AAAAAAAADX8/Ph4Up39t7dw/ s1600/CHARGE-01-FABIANO-CARTUNISTA.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2019. Por fim, observamos que há diversas contradições no desenvolvimento do capitalismo, pois a produção do capital nunca decorre de relações especificamente capitalistas de produção, fundadas no trabalho assalariado e no capital. Para que a relação capitalista ocorra é necessário que seus dois elementos centrais estejam constituídos, ou seja, o capital produzido e os trabalhadores despojados dos meios de produção. Entre as relações não capitalistas de produção estão o campesinato ou agricultura camponesa e familiar e a propriedade capitalista da terra das grandes empresas do agronegócio atual, baseadas na sujeição da renda da terra ao capital, pois assim o capital pode subordinar a produção de tipo camponês, especular com a terra, comparando-a e vendendo-a e por isso sujeitar o trabalho que se dá na terra, sem que o trabalhador seja expulso, sem que se dê a expropriação de seus instrumentos de produção. 2.1 A QUESTÃO AGRÁRIA E O CAPITALISMO NO BRASIL No capitalismo, “[...] o processo de produção do espaço social determina as suas formas por meio das relações sociais, que são compreendidas na tríade formada pelo capital, trabalho assalariado e propriedades fundiárias [...]” (FERNANDES, 1999, p. 24). A partir da citação podemos analisar que os espaços agrários nos países desenvolvidos se deram de maneira diferente dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como é o caso do Brasil. TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 53 A desigualdade no espaço rural do Brasil torna-se muito mais acirrada nas áreas afastadas dos grandes centros urbanos do centro-sul brasileiro em direção ao interior dos estados da federação, como algumas áreas da Amazônia e do centro oeste brasileiro. Nestas áreas rurais, há uma grande gama de pobreza e difícil acesso para a produção dos pequenos agricultores familiares no qual gera um problema sistêmico e em cadeia generalizada nos países subdesenvolvidos, pois com essa concentração fundiária, teremos a presença do latifúndioe consequentemente o aumento dos trabalhadores sem-terra, dos conflitos fundiários, das ocupações e da pobreza tanto no campo como na cidade. FIGURA 30 – CONCENTRAÇÃO DE TERRAS NOS GRANDE LATIFÚNDIOS FONTE: <http://brasil.agenciapulsar.org/wp-content/uploads/2017/07/CHARGE-REFORMA- AGR%C3%81RIA-1985.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2019 De acordo com Guanziroli et al. (2001, p. 15): Os capitalistas que hoje ostentam os melhores indicadores de desenvolvimento humano, dos Estados Unidos ao Japão, apresentam um traço comum: a forte presença da agricultura familiar, cuja evolução desempenhou um papel fundamental na estruturação de economias mais dinâmicas e de sociedades mais democráticas e equitativas. A expansão e dinamismo da agricultura familiar basearam-se na garantia do acesso à terra que em cada país assumiu uma forma particular, desde a abertura da fronteira oeste americana aos ‘farmers’ até a reforma agrária compulsória na Coreia e em Taiwan [...] a agricultura familiar desempenhou um papel estratégico [...] o de garantir uma transição socialmente equilibrada entre uma economia de base rural pra uma economia urbana e industrial. O desenvolvimento perpassa os aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais e para que haja equilíbrio no campo será necessária uma maior distribuição da terra, ou seja, a exploração agrícola com base na pequena agricultura familiar e de subsistência. 54 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL No Brasil as políticas agrárias têm sido debatidas a partir da proclamação da constituição de 1988 quando um dos textos da nova carta magma, a política agrária, começou a ser debatido. Infelizmente temos pouco apoio dos três poderes da nossa República Federativa e pouco engajamento político para tratar e definir metas efetivas sobre essa questão, pois há interesses particulares de grandes produtores rurais e nos esquecemos das verdadeiras problemáticas sociais do campo. FIGURA 31 – AGRONEGÓCIO E O SOCIAL NO ESPAÇO RURAL FONTE: <http://brasil.agenciapulsar.org/wp-content/uploads/2015/03/guarani-kaiowa- agronegocio.jpg>. Acesso em: 20 fev. 2019 O Brasil é caracterizado como um dos países com a maior concentração de terras do mundo e onde a maioria dos camponeses ou pequenos agricultores continuam sem ter uma área para cultivar. As conclusões fazem parte de um balanço realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre os fatos ocorridos no período de 2011 a 2014 e mostra que no período pesquisado aconteceram os piores indicadores em matéria de reforma agrária dos últimos 20 anos. De acordo com Fernandes (2001, p. 23-24): A questão agrária é o movimento do conjunto de problemas relativos ao desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência dos trabalhadores, que são inerentes ao processo desigual e contraditório das relações capitalistas de produção [...] os problemas referentes à questão agrária estão relacionados, essencialmente, à propriedade da terra, consequentemente à concentração da estrutura fundiária; aos processos de expropriação, expulsão e exclusão dos trabalhadores rurais: camponeses e assalariados; à luta pela terra, pela reforma agrária e pela resistência na terra; à violência extrema contra os trabalhadores, http://brasil.agenciapulsar.org/mais/politica/brasil-mais/mst-pressiona-por-reforma-agraria-no-espirito-santo/ TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 55 à produção, abastecimento e segurança alimentar; aos modelos de desenvolvimento da agropecuária e seus padrões tecnológicos, às políticas agrícolas e ao mercado, ao campo e à cidade, à qualidade de vida e dignidade humana [...] a questão agrária compreende as dimensões econômica, social e política. 2.2 A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL – SÉCULO XXI A questão agrária no início de século XXI acende novas e velhas questões sobre a questão da terra no Brasil desde a época colonial, a concentração de terras e a exploração pelos grandes latifundiários monocultores. A grande diferença está na contínua modernização e mecanização do sistema de produção agrário ao longo das últimas décadas do século XX e século XXI. FIGURA 32 – OCUPAÇÃO DE TERRAS NO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO FONTE: <https://www.embrapa.br/documents/1355154/1529080/Gráfico+- +ocupação+de+terras+no+Brasil+-+apresentação+Blairo+GAF/65352537-3395-4513-ba9c- bcf794cfa478?t=1467741265151>. Acesso em: 19 fev. 2019. 56 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL Delgado (2010), sobre a questão agrária, comenta que atualmente há prevalência do agronegócio no modelo agrário brasileiro, ou seja, a antinomia “reforma agrária” versus “modernização técnica”. A abordagem de Delgado (2010) é centrada na perspectiva econômica, porém observaremos sob o olhar geográfico, abordando questões correlacionadas e que conformam o cerne da questão agrária brasileira no início de século. FIGURA 33 – MODELO AGRÁRIO E AGRÍCOLA DO BRASIL ATUAL. FONTE: <https://pt.slideshare.net/LarissaSantos19/slides-aula-11-modelo-agrrio-agrcola>. Acesso em: 23 fev. 2019. A concentração fundiária não é uma novidade na história brasileira, pois se ressignifica a cada momento e o mesmo pode ser dito sobre a internacionalização da agricultura. Se a colonização foi o marco inicial da invasão estrangeira – do ponto de vista dos povos “indígenas” (tupis, guaranis, xavantes, ynanomamis e tantos outros) – hoje vivemos uma nova onda de internacionalização da nossa agricultura, expressa no domínio dos espaços agrários por grandes empresas transnacionais e na compra de terras por empresas, fazendeiros e fundos financeiros estrangeiros. No dizer de David Harvey (2004, p. 121), estamos diante de um processo de renovação do imperialismo, baseada na acumulação por espoliação: TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 57 Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona permanecem fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo até nossos dias. A expulsão de populações camponesas e a formação de um proletariado sem-terra tem se acelerado em países como o México e a Índia nas três últimas décadas; muitos recursos antes partilhados como a água, têm sido privatizados (com frequência por insistência do Banco Mundial) e inseridos na lógica capitalista da acumulação; formas alternativas (autóctones e mesmo, no caso dos Estados Unidos, mercadorias de fabricação caseira) de produção e consumo têm sido suprimidas. Indústrias nacionalizadas têm sido privatizadas. O agronegócio substitui a agricultura familiar. E a escravidão não desapareceu (particularmente no comércio sexual). A produção agropecuária brasileira vem crescendo de forma extraordinária principalmente na segunda metade do século XX em diante. Estima-se que 80,6% do crescimento da produção agropecuária no país se referem aos ganhos de produtividade entre os anos de 1975 a 2016. O crescimento da produção e da produtividade resultou em um grande alongamento da cadeia produtiva agrícola, com a expansão de vínculos com as indústrias de fornecimento e de processamento, bem como com a crescente ligação com os serviços sofisticados de pesquisa, de experimentação e difusão, de consultorias em áreas da tecnologia da informação, da genética animal, da agricultura de precisão e demais serviços relacionados com a propriedade e indústrias da cadeia de produção. Infelizmente ainda não está reconhecida a importância e os efeitos positivos da expansão da agropecuária na economia brasileira. É conhecida a contribuição positiva da produção de biocombustíveis para o meio ambiente. Os biocombustíveis são produzidos a partir da cana-de-açúcar e são atestados internacionalmente. Práticas reconhecidamente nocivas como o despejo de vinhoto nos rios são coisas do passado. Em 2014 o setor agropecuário era um segmento muito grande. A cadeia produtiva é longa e provavelmente representa 25% do PIB. O ano de 2013 foi exemplar, pois enquanto a indústria cresceu1,3% e o setor de serviços 2%, a agropecuária expandiu 7%. FONTE: http://www.agricultura.gov.br/noticias/agropecuaria-puxa-o-pib-de-2017. Acesso em: 20 fev. 2019. NOTA 58 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL Os segmentos industriais ligados ao agro foram os que tiveram melhor desempenho: caminhões, tratores, implementos, fertilizantes, defensivos e produtos veterinários. Contrapor agricultura com a indústria é um conceito superado. Boa parte da indústria trabalha em conjunto com a produção agrícola e demonstra forte dinamismo tecnológico, compondo o que se chama de agronegócio. FIGURA 34 – DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NO CAMPO FONTE: <https://static.mundoeducacao.bol.uol.com.br/mundoeducacao/conteudo_legenda/ aceef70abc091dc82939f5ea7cb96eef.jpg>. Acesso em: 23 fev. 2019 O processo de desenvolvimento econômico caracteriza-se por uma constante mudança e uma sucessão de desafios que surgem a cada sucesso. Fatores externos sempre apresentam novas agendas como é o caso da discussão sobre o aquecimento global e os seus impactos no setor, algo inexistente há 15 anos. Apesar do enorme avanço e da mudança no crescimento agrícola a lista atual de desafios continua grande. É o que tentamos mostrar em seguida. A infraestrutura brasileira ficou pequena para acomodar o extraordinário crescimento da produção e dos mercados. Individualmente é sem dúvida o maior problema do setor, uma vez que os gastos com o complexo armazém-transporte- porto estão se tornando proibitivos e já limitam a expansão da área plantada. É uma questão conhecida e não evolui com o passar do tempo, ficando estagnada. TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 59 Novos corredores de exportação, particularmente a construção de uma saída pelo norte do país, são indispensáveis e continuarão a pressionar o sistema produtivo mesmo que amadureçam alguns projetos mais viáveis para a solução da questão. Certamente a infraestrutura só melhorará quando a confiança e a regulação possa atrair grupos consideráveis de capital privado. Na verdade, a melhor forma de aumentar a produtividade da economia brasileira nos dias de hoje é a construção de uma boa solução logística. Isso vale tanto para o campo quanto para a cidade. Ganhos nessa área implicarão mais renda e produção, mais exportações e com preços menores para os consumidores. O sucesso do pacote tecnológico desenvolvido nas últimas décadas introduz permanentes desafios agronômicos tanto para a pesquisa quanto para a produção. Neste último caso, a intensificação dos cultivos num ambiente tropical mantém a porta aberta para novas pragas como foi o caso recente da rápida expansão da ameaçadora lagarta exótica Helicoverpa armigera que ainda desafia o agricultor e acrescenta mais custos à produção. É preciso registrar que a verdadeira solução teria de passar por uma ampliação de atividades preventivas (rotação de culturas, manejo integrado de pragas, vazio sanitário e áreas de refúgio) que são atendidas apenas de forma parcial. Por sua vez, os desafios agronômicos foram apontados no excelente artigo Sete teses sobre o mundo rural brasileiro (conferir nas Referências). Do ponto de vista institucional cabe registrar que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento está muito enfraquecido (terceiro desafio). A contínua troca de titulares numa estrutura na qual operam quase 40 ministérios torna a coordenação entre unidades quase impossível. Entretanto, a maior parte da agenda que afeta o setor é multidisciplinar e extrapola a atuação do Ministério da Agricultura o que torna extraordinariamente difícil o encaminhamento satisfatório das questões regulatórias. É particularmente verdadeiro no que tange à aprovação de novas variedades geneticamente modificadas, aos novos defensivos e produtos veterinários de qualquer natureza. Por trás dessa situação existe mais do que confusão burocrática: existe uma questão ideológica não resolvida e mal acomodada no nosso presidencialismo de coalisão. A resistência hoje está fortemente concentrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que sistematicamente tenta impedir a aprovação de produtos ecologicamente equilibrados já em uso em regiões que têm grande cuidado com o meio ambiente, como a Europa. Os mecanismos de transferência de grãos não funcionaram a contento e a perda de capital dos agricultores foi enorme. O adequado manejo de água no país ainda é limitado. Buainain et al (2013, p. 20) declaram que 60 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL O caso do rio São Francisco é revelador: o rio está definhando, os prometidos programas de revitalização não ocorreram, e o projeto de transposição está inconcluso. Além disso, é possível que as outorgas de água para irrigação tenham ido além do razoável, o que estaria impedindo a recomposição dos reservatórios na região e reduzindo a produção de energia elétrica. O país simplesmente não tem ainda um bom programa de manejo integrado de água, algo que está se tornando um problema global. Uma questão antiga – as relações de trabalho na agricultura – ainda permanece tumultuada, a despeito do fato de o documento legal que estatui normas para o trabalho no campo ser datado de 1973. Questões ligadas à jornada de trabalho, ao transporte e à alimentação de trabalhadores não residentes na propriedade são objeto de disputa judicial com alguma regularidade. Esse também é o caso dos trabalhadores migrantes, aqueles provenientes de outras regiões, que são contratados temporariamente para períodos de colheita (os chamados safristas). Até hoje não existe uma regulamentação adequada para o trabalho temporário, atividade rural obrigatória no mundo inteiro, em épocas de colheita. Ademais, aqui e ali emergem denúncias de trabalho escravo nessas regiões, onde os trabalhadores são invariavelmente submetidos a situações degradantes de alimentação, habitação, saúde, higiene e segurança. Finalmente, uma questão tipicamente urbana inseriu-se no contexto rural: a disputa sobre a terceirização das atividades. Já é antiga a acusação feita por sindicatos e aceita pelo Ministério Público e pela Justiça do Trabalho de que a terceirização de atividades da forma como é tratada, é sinônimo de precarização dos serviços, o qual leva as autoridades a não aceitar a terceirização se a julgarem como atividade-fim da empresa. Como não há uma definição que discrimine com clareza a atividade-meio da atividade-fim prevalece a interpretação do juiz, o qual vira objeto de inúmeras contestações por parte dos empresários que por sua vez argumentam, com alguma razão, que no mundo moderno muitas atividades são exercidas por grupos de empresas. FIGURA 35 – SISTEMA INTEGRADO DE PRODUÇÃO FONTE: <https://3rlab.files.wordpress.com/2016/10/sistema-integrado-1.jpg?w=474&h=276>. Acesso em: 23 fev. 2019. TÓPICO 3 | A QUESTÃO AGRÁRIA NO CAPITALISMO CONT.: AS NOVAS CONCEPÇÕES SOBRE O ESPAÇO RURAL 61 Um exemplo comum de ampliação de tecnologia na produção no campo brasileiro é a da informática: para a maior parte das empresas a contratação de terceiros é decisiva, pois não possuem nem porte nem capacidade financeira para manter uma equipe própria. No caso da agricultura, existe uma ação antiga que busca evitar a atividade de terceirização de plantio, de cultivo e de colheita de laranjas, operadas pelas grandes indústrias de suco. Para Vieira, Figueiredo e Reis (2014, p. 1085), Diante dessas considerações, o futuro da agricultura no Brasil passa, primeiramente, pela manutenção dos ganhos de produtividade das regiões ricas, notadamente o aumento da produtividade da terra com ênfase na extensão da safra. Secundariamente, mas não menos importante, a agricultura do estado dependerá mais uma vez do seu principal ativo, o capital humano, para incorporação de novas produções e de áreas marginais à economia. Neste sentido, a infraestrutura deve ser considerada, especialmente a questão logística e a energética o qual requernovos modelos de participação do poder público. Deve-se incentivar a participação de fontes renováveis de energia, como etanol, biodiesel e eletricidade gerada a partir da biomassa e estabelecer rotas alternativas para o transporte das safras, cada vez maiores, com o estabelecimento de hidrovias e melhorar o acesso aos portos da região norte do país. Os investimentos, até pelo porte financeiro, não podem ficar a cargo exclusivo do poder público, no entanto, sua presença é fundamental na medida em que as soluções requerem novos arranjos institucionais que não se viabilizam sem uma firme e clara liderança do poder público. 62 UNIDADE 1 | GEOGRAFIA RURAL LEITURA COMPLEMENTAR O papel e a importância da agricultura familiar no desenvolvimento rural brasileiro contemporâneo Lauro Mattei Desde o início do processo de ocupação do território brasileiro a agricultura familiar – por muito tempo chamada de agricultura de subsistência – faz parte da rotina das atividades produtivas do país. Todavia, ao longo de todo período imperial, e também nos períodos subsequentes, este tipo de agricultura não recebeu praticamente nenhum apoio governamental para se desenvolver adequadamente. Constata-se, ainda, que durante o processo de modernização da agricultura brasileira (décadas de 1960 e 1970), as políticas públicas para a área rural, em especial a política agrícola, privilegiaram os setores mais capitalizados e a esfera produtiva das commodities voltadas ao mercado internacional e produzidas nos grandes latifúndios, com o objetivo de fazer frente aos desequilíbrios da balança comercial do país. Para o setor da agricultura familiar, o resultado dessas políticas foi altamente negativo, uma vez que grande parte desse segmento ficou à margem dos benefícios oferecidos pela política agrícola, sobretudo nos itens relativos ao crédito rural, aos preços mínimos e ao seguro da produção. De um modo geral, se pode dizer que até o início da década de 1990 não existia nenhum tipo de política pública, com abrangência nacional, voltada ao atendimento das necessidades específicas do segmento social de agricultores familiares, o qual era, inclusive, caracterizado de modo meramente instrumental e bastante impreciso no âmbito da burocracia estatal brasileira. Neste cenário foi criado, em 1996, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), para atender a uma antiga reivindicação das organizações dos trabalhadores rurais, as quais demandavam a formulação e a implantação de políticas de desenvolvimento rural específicas para o maior segmento da agricultura brasileira, porém o mais fragilizado em termos de capacidade técnica e de inserção nos mercados agropecuários. FONTE: https://ren.emnuvens.com.br/ren/article/view/500/396. Acesso em: 24 fev. 2019 63 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A questão agrária no capitalismo contemporâneo e as novas concepções sobre o espaço rural, as transformações que vem ocorrendo no meio agrário no Brasil e no mundo através da ótica do sistema econômico capitalista. • O crescimento do espaço rural brasileiro apresenta distorções no desenvolvimento, criando épocas e períodos diferentes nos níveis de crescimento econômico no campo em nosso país, acirrando as desigualdades sociais na atualidade. • Neste momento social, econômico e político aos quais o Brasil e o Mundo tem passado que a ocupação e exploração dos espaços rurais tem enfatizado a exploração do capital humano e aumentando a participação – nas economias – dos países nas atividades agropecuárias e extrativistas. • O avanço e a modernização da agropecuária e a ampliação do uso de tecnologias em nosso país e regiões, antes não exploradas, para fins agrários se tornando novos territórios agroindustriais e exportadores. 64 1 Até hoje não existe uma regulamentação adequada para o trabalho temporário, atividade rural obrigatória no mundo inteiro, em épocas de colheita. Ademais, aqui e ali emergem denúncias de trabalho escravo nessas regiões, onde os trabalhadores são invariavelmente submetidos a situações degradantes de alimentação, habitação, saúde, higiene e segurança. Finalmente, uma questão tipicamente urbana inseriu-se no contexto rural: a disputa sobre a terceirização de atividades. Como podemos descrever a atuação da terceirização do trabalho nos espaços rurais no Brasil conforme a Lei nº 13.429/2017 que alterou a Lei nº 6.019/74, pois mudanças substanciais foram estabelecidas nas relações de trabalho com a empresa de prestação de serviços a terceiros, principalmente sob o aspecto da possibilidade do contrato de trabalhadores para o exercício da atividade- fim? 2 O Brasil é caracterizado como um dos países com a maior concentração de terras do mundo e cerca de 200 mil camponeses continuam sem ter uma área para cultivar. As conclusões fazem parte de um balanço realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre os fatos ocorridos no período de 2011 a 2014 e mostra que nos quatro anos pesquisados aconteceram os piores indicadores em matéria de reforma agrária dos últimos 20 anos. Sobre o exposto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O Brasil possui uma política agrária bem estruturada e definida desde o início da Nova República. b) ( ) Os problemas referentes à questão agrária estão relacionados essencialmente com a propriedade da terra, consequentemente com a concentração da estrutura fundiária, com os processos de expropriação, expulsão e exclusão dos trabalhadores rurais. c) ( ) O crescimento da produção e da produtividade resultou em um grande alongamento da cadeia produtiva agrícola, com a expansão de vínculos entre as indústrias de fornecimento e de processamento e com a crescente ligação com os serviços sofisticados. d) ( ) O processo de desenvolvimento econômico no espaço rural brasileiro não é caracterizado por uma constante mudança e uma sucessão de desafios que surgem a cada sucesso no sistema produtivo nacional, favorecendo todo o sistema produtivo. AUTOATIVIDADE http://brasil.agenciapulsar.org/mais/politica/brasil-mais/mst-pressiona-por-reforma-agraria-no-espirito-santo/ 65 3 Para que a relação capitalista ocorra é necessário que seus dois elementos centrais estejam constituídos, ou seja, o capital produzido e os trabalhadores despojados dos meios de produção. Entre as relações não capitalistas de produção estão o campesinato ou agricultura camponesa e a propriedade capitalista da terra, baseadas na sujeição da renda da terra ao capital, pois assim o capital pode subordinar a produção de tipo camponês, pode especular com a terra, comparando-a e vendendo-a e por isso sujeitar o trabalho que se dá na terra, sem que o trabalhador seja expulso, sem que se dê a expropriação de seus instrumentos de produção. Sobre o termo campesinato ou agricultura camponesa, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Utiliza para o seu crescimento o foco na produção junto ao agronegócio e as exportações, desenvolvendo todos os segmentos de produção do espaço rural. b) ( ) Atribui-se ao campesinato à prática da agricultura familiar ou camponesa sem grandes investimentos financeiros para a produção familiar. c) ( ) O termo campesinato é utilizado para definir agricultores das cooperativas agrícolas que fornecem sua produção diretamente para as agroindústrias. d) ( ) Trata-se de agricultura camponesa ou campesinato a prática de produção agropecuária voltada para a exportação de produtos agrícolas. 66 67 UNIDADE 2 ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer os conceitos pertinentes aos temas: rural, novas ruralidades e a relação entre campo cidade; • compreender os desafios e possiblidades da nova ruralidade e observar as convergências de olhares entre o rural e o urbano; • compreender como se deu o desenvolvimento dos processos de moder- nização, industrializaçãoe formação dos complexos agroindustriais no Brasil e no mundo; • entender os sistemas agrícolas contemporâneos e a sustentabilidade em âmbito global na América Latina e no Brasil; • compreender a estrutura dos complexos industriais no decorrer do processo de modernização, industrialização e formação dos complexos agroindustriais no mundo e no Brasil. Esta unidade está dividida em três tópicos. Em cada um deles, você encontrará atividades que o auxiliarão a fixar os conhecimentos abordados. TÓPICO 1 – NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE. TÓPICO 2 – OS PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL. TÓPICO 3 – OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE. Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás melhor as informações. CHAMADA 68 69 TÓPICO 1 NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, os estudos referentes ao Espaço Rural e a sua configuração na Modernidade – caracterizado por mudança de vida, comportamento e acesso as tecnologias no campo – iniciaram pelos anos de 1970, sobretudo nos Estados Unidos da América e França. Como foi mencionado por Wanderley (2009, p. 203): “[...] os chamados países do capitalismo são frequentemente vistos, senão como modelos, pelo menos como referências que apontam os rumos das transformações econômicas e sociais que demais países tenderão de alguma forma a vivenciar”. Essa disposição é baseada nas inúmeras transformações socioeconômicas pelas quais o mundo passou ao longo do processo histórico que sucederam primeiramente nos países desenvolvidos e posteriormente nos países subdesenvolvidos. Tem-se evidenciado que nos últimos anos existe uma significativa disposição para a relação da vida em espaços rurais como a mais apropriada aos habitantes da cidade. Deste modo, ocorre a valorização do espaço rural, já que é relacionada à natureza, pois constata-se que a urbanização é ligada à industrialização, em especial a industrialização da agricultura que estava acabando com os poucos vestígios naturais de que existem na Terra. Nesse contexto, os habitantes da cidade enxergam o campo como um escape do estresse e tentam desfrutar das qualidades do espaço rural, resultando numa grande procura deste espaço para a construção de uma segunda moradia ou mesmo definitiva ou ainda para praticar o turismo rural. Esta nova configuração do Espaço Rural e a nova relação entre Rural e Urbano são nosso foco de estudo. 2 PRINCIPAIS CONCEITOS E TEMAS DA NOVA RURALIDADE O conceito de rural ou de urbano são idênticos a tantos outros que só existem em relação direta com o seu oposto tal como acontece com a pobreza e a riqueza, por exemplo. Para pensar os termos da relação entre os dois polos, a primeira dificuldade que se impõe é justamente a própria delimitação. É preciso reconhecer a especificidade do rural, não para separá-lo do urbano, mas para integrá-lo de maneira complementar. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 70 Portanto, para entendermos a questão envolvendo a Nova Ruralidade em seus aspectos de relações sociais, políticas e econômicas, é necessário também entender a construção do meio urbano e a sua relação com o campo nos últimos tempos. Nas palavras de Lobão (2018, p. 2) “[...] novas funcionalidades e novos modelos [...]” do rural tem modificado as suas relações sociais e econômicas a partir das novas necessidades da sociedade, como por exemplo, a ampliação da produtividade agrícola. Essas novas funcionalidades e novos modelos resultam na nova ruralidade”. Na base da emergência da nova ruralidade de acordo com Abramovay (2003), há pelo menos uma transformação qualitativa na articulação das três dimensões principais que admitem a definição do rural: a proximidade com a natureza, a relação com as cidades e as relações interpessoais resultantes da baixa densidade populacional. Quanto a proximidade com a natureza: os recursos naturais antes destinados à produção de bens primários, são atualmente objeto de novas formas de utilidade social, principalmente voltados à conservação da biodiversidade, o bom emprego das potencialidades paisagísticas e a procura de fontes renováveis de energia. Já a relação com as cidades: nesta dimensão os espaços rurais dão lugar a uma maior distinção e relação intersetorial de suas economias. Quanto aos relacionamentos interpessoais: trocam a homogeneidade e o isolamento pela ação crescente de distinção de um indivíduo do outro e de heterogeneização, combinada com maior mobilidade física, com a nova representação populacional e com a crescente conexão entre negócios antes nitidamente independentes no rural e no urbano, comércios de bens e serviços. Para se compreender o rural sob um aspecto não normativo é preciso adotar dois processos. No primeiro existe a necessidade de perceber o desenvolvimento (desenvolvimento não é o mesmo que crescimento da economia) não como uma ideia, mas sim pelos conceitos descritos num “[...] dever ser [...]” (RIVERO, 2003 apud FAVARETO, 2007, p. 2), porém, “[...] como evolução de configurações sociais determinadas, analisando as interdependências entre meio-ambiente, instituições e estruturas sociais a partir de um enfoque de sua trajetória em longo prazo” (RIVERO, 2003 apud FAVARETO, 2007, p. 2). Já o segundo, é a definição que consiste na peculiaridade deste “[...] tipo de espaço que é o rural [...]” (FAVARETO, 2006 apud FAVARETO, 2007, p. 2). Para entendermos na prática a nova ruralidade e os novos objetivos para a produção do desenvolvimento econômico no Brasil, precisamos entender que esses espaços de produção agrícola estão se tornando cada vez mais dinâmicos em um processo de constante mudanças devido ao consumo humano, ou seja, a nova ruralidade converte- se em espaços de consumo. O que acarreta em termos geográficos essas mudanças? ATENCAO TÓPICO 1 | NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE 71 Atualmente é quase comum adicionar o adjetivo “novo” ao se falar da característica do rural no mundo moderno. Comenta-se em “novo rural” ou em “novas ruralidades” e em muitos casos sem uma análise aprofundada em esclarecer o que é atual e o que é contínuo. Isto implica, principalmente, em conhecer qual o resultado desta nova condição, “[...] insinuada pela adjetivação crescentemente vista na bibliografia sobre estudos rurais, em termos de instâncias empíricas fundamentais e de articulações conceituais para entendê-las” (FAVARETO, 2007, p. 2). De acordo com Favareto (2006, p. 103), “[...] a oposição campo-cidade se desloca para a contradição rural-urbano”. Enquanto a primeira diz respeito: [...] ao contraste entre espaços, sendo os campos o lugar de realização de atividades predominantemente primárias, destacadamente a agricultura, na segunda o estatuto fundante da distinção desloca-se para o grau de artificialização destes espaços e seus impactos para os modos de vida, exigindo assim uma abordagem capaz de combinar critérios ecológicos com outros de caráter social e econômico. O rural mostra-se não mais uma categoria passível de ser apreendida em termos setoriais e sim territoriais (FAVARETO, 2006, apud PRADO; RIBEIRO, 2017, p. 53). O rural tem sido estudado por distintas pesquisas agrárias e estas têm comprovado nas últimas décadas a formação de uma “ruralidade contemporânea” para Carneiro (1999) ou um “novo rural” de acordo com Graziano (1999) ou segundo Wanderley (2000) uma “nova ruralidade”. Segundo estes pesquisadores, o espaço rural não pode ser mais tomado tão somente como o conjunto de atividades agropecuárias e agroindustriais em benefício da sua modernização e mecanização; da crise reprodutiva da agricultura familiar; das novas funções e novos tipos de atividades no campo; e da conformação de novas identidades sociais no ambiente rural. Existem questionamentos sobre um novo rural. A articulaçãoentre a atividade não-agrícola com a agricultura por membros de famílias camponesas é um método tão antigo quanto é o campesinato brasileiro (CARNEIRO, 2006). Deste modo, poderíamos concluir que o rural exclusivamente agrícola nunca existiu em algum período da história. Já na concepção de Veiga (2004, p. 64), “[...] o que é novo nessa ruralidade pouco tem a ver com o passado, pois nunca houve sociedades tão opulentas como as que hoje estão valorizando sua relação com a natureza”. Quanto a nova ruralidade para Wanderley (2000), é uma construção histórica que comporta uma dimensão produtiva e uma dimensão patrimonial a ser desfrutada e conservada. Em concordância com esse conceito Favareto (2006) esclarece que a nova ruralidade não se limita às travessas clássicas de concepção das dinâmicas rurais, dentre os quais se sobressaem o econômico. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 72 A ruralidade seriam as características de tudo aquilo que se está relacionada à vida rural, as condições materiais e morais da existência das populações rurais. Nesta concepção “[...] a ruralidade não é uma realidade “empiricamente observável”, no entanto uma “representação social”, determinada culturalmente por atores sociais (CARNEIRO, 1999, p. 162 apud MENEGATI; HESPANHOL, 2005, p. 2). Os autores citam o conceito de ruralidade de acordo com Abramovay (2000): [...] de natureza territorial e não setorial e o mesmo se aplica à noção de urbano. As cidades não são definidas pela indústria nem o campo pela agricultura [...] Ainda que em muitos casos a agricultura ofereça o essencial das oportunidades de emprego e geração de renda em áreas rurais, é preferível não defini-las por seu caráter agrícola. Há evidências de que os domicílios rurais (agrícolas e não-agrícolas) engajam-se em atividades econômicas múltiplas, mesmo nas regiões menos desenvolvidas. Além disso, conforme as economias rurais se desenvolvem, tendem a ser cada vez menos dominadas pela agricultura (ABRAMOVAY, 2000, p. 7 apud MENEGATI; HESPANHOL, 2005, p. 2). A partir da década de 1980 o Brasil sofreu grandes mudanças nas relações rural/urbano. Ocorreu o êxodo rural devido à Revolução Verde que estimulou uma massa de trabalhadores às grandes cidades, originando ao mesmo tempo transformações nas relações de produção no ambiente rural (VILELA, 2002), bem como crise do modelo vigente atual de acordo com Vilela (2002), de modo paralelo a um processo de desestruturação/reestruturação do ambiente rural, em que os afazeres rurais mais tradicionais apresentam sua importância econômica diminuída, cedendo lugar a outros afazeres que são criados ou recriados com uma eficácia socioeconômica significativa em relação até mesmo aos trabalhos não-agrícolas. O atendimento à demanda urbana passa a reestruturar o ambiente rural em conjunturas sociopolíticas reservadas, originando oportunidades de mercado altamente distintas para inúmeros grupos de renda (VILELA, 2002). Estão inclusas uma grande extensão de bens localizados como: residência, atividades de lazer, áreas de conservação, entre outras, servindo em grande parte para atender à classe média urbana contemporânea que procura o ambiente rural para fugir da vida urbana. Deste modo, uma grande variedade de atores novos e velhos competem por recursos nesse ambiente rural, de acordo com Vilela (2002, p. 99): [...] no qual a agricultura poderá tornar-se crescentemente residual, ainda que os agricultores mantenham uma presença social e ideológica representativas do rural e de seu caráter territorial. O espaço rural passa, assim, a ser palco do surgimento de novas categorias socioprofissionais, dotadas de experiências as mais diversas, em busca de um lugar em um velho/novo espaço revalorizado. TÓPICO 1 | NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE 73 O espaço citado por Vilela (2002), e que é o território brasileiro, torna- se revalorizado. Conforme Sabourin e Teixeira (2002), surge como componente fundamental do desenvolvimento rural por apresentar como principal característica a diversidade que resultou construções e progressos históricos, econômicos, culturais e sociais. Sabourin e Teixeira (2002, p. 23) conceituam o território como “[...] um espaço geográfico construído socialmente, marcado culturalmente e delimitado institucionalmente”. As ações direcionadas para o seu planejamento e desenvolvimento devem manifestar as intenções dos habitantes locais. Além disso, são resultados de um processo almejado, dividido, produtor de riquezas e redistributivo, a partir da declaração de parcerias entre os atores públicos, privados, nacionais, regionais ou locais envolvidos. Por esse motivo, Sabourin e Teixeira (2002, p. 28) comentam que “[...] o planejamento e o desenvolvimento dos territórios rurais passam a exprimir as dimensões de fenômenos locais, regionais, nacionais e internacionais”. Segundo os autores, nesse processo a intervenção entre os interesses individuais e coletivos é dificultada pela globalização das atividades econômicas, pela definição de objetivos, pelo estabelecimento de metas de curto e longo prazos e até mesmo pela valorização da particularidade da localidade. Segundo Vilela (2002), as relações territoriais atualmente estão marcadas pela influência que a globalização desempenha no local, bem como a importância do local perante a globalização. Schneider (2004, p. 90) considera essa influência da globalização no local como “[...] o quadro atual é profundamente marcado por um processo de ampliação da interdependência nas relações sociais e econômicas em escala internacional”. Para Schneider (2004), isto demonstra que a globalização é uma particularidade da extraordinária habilidade da adaptação que a economia capitalista tem em âmbito mundial e da relação de dependência entre as condições de tempo e espaço no processo global de produção de produtos. Nessa totalidade, Perico e Ribeiro (2005) sugerem a existência de uma nova ruralidade que nela está implantada a redefinição do rural. É necessária a reavaliação da ideia de que o rural é a população dispersa, baseada exclusivamente na produção agropecuária, para advir à reconstrução do objeto de trabalho e de política, ao determinar o setor rural como “[...] território construído a partir do uso e da apropriação dos recursos naturais, de onde são gerados processos produtivos, culturais, sociais e políticos” (PERICO; RIBEIRO, 2005, p. 19). Deste modo, os autores comentam que devido a sua potencialidade como território, o âmbito rural passa a ser estratégico no desenvolvimento absoluto e harmônico da região. Do mesmo modo, a formação de capital social, de institucionalidade e de capital político se depara, nos territórios rurais, com a oportunidade adequada, a partir do fortalecimento dos costumes tradicionais, de suas comunidades e de seus próprios modos de organização. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 74 Atualmente está acontecendo a valorização dos ambientes rurais, principalmente nos países desenvolvidos e é um acontecimento novo que pouco tem a ver com “[...] as relações que essas sociedades mantiveram no passado com tais territórios” (VEIGA, 2006, p. 334), pois nunca houveram sociedades tão ricas e nem tanta valorização da sua relação com o meio ambiente. A “revolução do espaço” que produz a “sociedade urbana” tende a renovar a ruralidade, porém mediante mutação, e não “renascimento” (VEIGA, 2004). [...] na atual etapa da globalização, a ruralidade dos países avançados não desapareceu, nem renasceu, fazendo com que as duas hipóteses fossem ao mesmo tempo parcialmente verificadas e refutadas, o que leva à formulação de uma terceira: o mais completo triunfo da urbanidade engendra a valorização de uma ruralidade que não está renascendo, e sim nascendo (VEIGA, 2004, p. 58). Essa valorização é o resultado do reconhecimento da importância das áreas rurais para a qualidade de vida e o bem-estar da humanidade globalizada por conter nelastrês vetores: a conservação do patrimônio natural e da biodiversidade, o aproveitamento econômico das amenidades naturais pelo turismo e a exploração de fontes alternativas e renováveis de energia. O rural que ainda não foi modificado ou destruído pela agressão das atividades do homem deve ser progressivamente conservado, mesmo admitindo-se no território a existência de atividades econômicas de baixo impacto. Contudo, faz com que aconteçam inéditas combinações socioeconômicas no território rural que está mais próximo ou aberto (VEIGA, 2006). Para Lefebvre (2001, p. 75), a aversão “urbanidade-ruralidade” aumenta ao invés de dissipar-se, à medida que a aversão “cidade-campo” se enfraquece. Bagli (2006, p. 82) cita que apesar das transformações sucedidas no campo estarem direcionadas a uma homogeneização dos espaços, a “[...] intensificação das relações se estabelecem justamente pela manutenção das peculiaridades”. Os espaços ampliam suas inter-relações porque as diferenças existentes em cada um deles favorecem a busca pelo outro como tentativa de suprimir possíveis ausências”, como por exemplo, a prática do turismo rural, conforme Figura 1. A valorização do espaço rural associada à natureza pelos habitantes das cidades, pois enxergam o rural como um escape para o estresse, e tentam gozar das amabilidades do espaço rural, resultando numa maior demanda do espaço rural à “[...] construção de uma segunda residência ou para a sua residência definitiva ou mesmo para a prática do turismo” (MATOS; MEDEIROS, 2011, p. 1-2). TÓPICO 1 | NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE 75 FIGURA 1 - TURISMO RURAL FONTE: <https://www.cidadeecultura.com/wp-content/uploads/2016/08/Morungaba-Turismo- Rural-Haras-Hipica-Sao-Silvano-ft-Ken-Chu-bx.jpg>. Acesso em: 24 fev. 2019. A distinção entre o rural e o urbano nos países do capitalismo avançado e nos países latino-americanos, asiáticos e africanos nos quais a urbanização se deu como ação de subdesenvolvimento, seria admissível pensar que a ruralidade se expressará de modo específico (FAVARETO, 2007). Todavia, com relação ao caso do Brasil, para Stürmer (2008, p. 45) citando Veiga (2003), existe a carência da elaboração de um “[...] plano estratégico de desenvolvimento sustentável com diretrizes, objetivos e metas, que favoreçam sinergias entre a agricultura e os setores terciários e secundários das economias locais”, de modo a cultivar as vantagens comparativas e ainda as competitivas dessas regiões. Veiga (2003) compreende que o desenvolvimento regional passa pela estabilidade entre o fortalecimento da capacidade concorrencial do território e a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes, o que é alcançado a partir da criação de novas formas de parceria entre os atores envolvidos, sejam eles públicos, privados, nacionais, regionais ou locais. O Estado e a sociedade apresentam problema em agir com a mudança de paradigma constituída na construção dessa nova ruralidade. Fazendo com que o discurso, as políticas e os programas em prol do desenvolvimento rural nem sempre congreguem os novos temas e, frequentemente, acabam alterando o aspecto dos velhos valores e práticas adotados anteriormente, minimizando à dimensão setorial dos seus aspectos agrícola e agrário (FAVARETO, 2007). Mas para que esta ideia seja vencida, há a necessidade que os líderes do agronegócio sobrepujem o discurso setorial e atuem no desenvolvimento territorial. Incluindo também a capacidade de auxiliar e de ser favorecido pelo desenvolvimento sustentável das localidades sob sua autoridade e das quais dependerá a conservação de sua própria competitividade (FAVARETO, 2007). UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 76 2.1 RURALIDADE CAMPO E CIDADE Para efeitos analíticos os municípios com menos de 20 mil habitantes não deveriam ser considerados urbanos no Brasil (VEIGA, 2004). Segundo o IBGE (2018a), baseado neste parâmetro que vem sendo usado desde a década de 1950, seria considerada rural a maior parte dos municípios brasileiros (68,4%) que possui até 20 mil habitantes em 2018 e abriga apenas 15,4% da população do país (32,1 milhões de habitantes), o que por si só seria suficiente para desmantelar a situação de urbanização do país para 70%. Não há possibilidade de falar do campo e da cidade como coisas diferentes porque: o campo está na cidade e a cidade está no campo. Portanto, é mais garantido falar sobre o rural considerando: a) o rural não mais ou não exclusivamente como divisão específica; b) o rural não mais ou não tão-somente como produção agrícola ou agropecuária; c) o rural como reprodução social e simbólica, ou seja, pode-se afirmar que o rural, independentemente de onde se habita ou do que se faz, é uma percepção de mundo, uma maneira como os indivíduos e os grupos instituem suas inclusões sociais e também bem-sucedidas (PESSOA, 2007). FIGURA 2 – CIDADE E CAMPO FONTE: <https://fotos.web.sapo.io/i/o8f0789f8/8865036_gZONM.jpeg>. Acesso em: 22 fev. 2019. No Brasil, considera-se cidade toda sede de município e área urbanizada como “[...] toda área de vila ou de cidade, legalmente definida como urbana e caracterizada por construções, arruamentos e intensa ocupação humana [...]”, apenas desconsidera-se as “[...] funções peculiares dos diferentes aglomerados [...]”, assim o urbano passa a ser “[...] definido a partir de carências e não de suas próprias características”. Para o autor, populações inferiores a 20.000 habitantes são consideradas cidades, porém, realmente seriam “[...] aldeias, povoados e vilas. Superestimação de nosso grau de urbanização” (MARQUES, 2002, p. 97- 98). TÓPICO 1 | NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE 77 A cidade é caracterizada pelo agrupamento e é espaço favorável à prática de trabalhos que demandam encontro, proximidade ou probabilidade de diálogo, especificação e complementaridade de papéis e empregos. Já o campo, é caracterizado pela extensão e disseminação, acolhe técnica e economicamente a execução de outras atividades (SPOSITO, 2006). E o espaço urbano é o território em que se estende a modernidade e a cotidianidade no mundo contemporâneo, segundo Lefebvre (2001). Logo, o campo é onde há a prevalência da natureza, embora a agricultura e outras tarefas a transformam, mas não lhe separam da sua prioridade “geográfica”. Ainda que não seja exterior à natureza, o espaço urbano é mais propriamente produzido como [...] um lugar de produção e de obras. A produção agrícola faz nascer produtos; a paisagem é uma obra. Esta obra emerge de uma terra lentamente modelada, originariamente ligada aos grupos que a ocupam através de uma recíproca sacralização que é a seguir profanada pela cidade e pela vida urbana (LEFEBVRE, 2001, p. 73). Deste modo, o espaço rural e urbano “[...] não podem ser compreendidos separadamente [...]”, para Marques (2002, p. 96). E Moreira (2012) defende que mesmo que o rural e o urbano sejam distintos não significa que os mesmos sejam desconexos, muito pelo contrário, o que comprova a existência de uma aproximação entre ambos, uma justaposição que não significa o fim deles. O “[...] rural não desapareceu neste processo tampouco parou no tempo. O rural é dinâmico, e este dinamismo cria a adaptabilidade deste modo de vida” (MOREIRA, 2012, p. 50). O espaço rural tem passado atualmente por um conjunto de modificações com expressiva força sobre seus papéis e teor social. Essas transformações estão profundamente relacionadas com as características urbanas que são absorvidas pelo espaço rural, numa conexão capitalista de consumo e produção em quantidade e de modificação dos objetos e formas em produtos (MARQUES, 2002). Segundo Wanderley (2001, p. 33), “As relações entre o campo e a cidade não destroem as particularidades dos dois polos e, por conseguinte, não representam o fim do rural; o continuum se desenha entre um polo urbano e um polo rural, distintos entre si e em intenso processo de mudança em suas relações”. Desde os anos70, sobretudo em países desenvolvidos, a urbanização do campo foi impulsionada pelo desenvolvimento do capitalismo e também pela industrialização da agricultura. E a proliferação de atividades não-agrícolas no campo, como o turismo, comércio e ainda a prestação de serviços com significado transformado, porém, com natureza diferente do urbano, também contribuiu (MARQUES, 2002). Conforme Marques (2002, p. 99), “Enquanto a dinâmica urbana praticamente independe de relações com a terra, tanto do ponto de vista econômico, como social e espacial, o rural está diretamente associado à terra, embora as formas como estas relações se dão sejam diversas e complexas”. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 78 Quanto a questão da relação cidade-campo, na contemporaneidade se transforma sendo que “Nos países industriais, a velha exploração do campo circundante pela cidade [...]”, núcleo de acúmulo “[...] do capital [...]”, abre mão do lugar para formas mais perspicazes de superioridade e de abuso, [...] tomando-se a cidade um centro de decisão e aparentemente de associação” (LEFEBVRE, 2001, p. 74). Já a divisão territorial do trabalho, “[...] o afastamento e contrassenso cidade-campo integram a divisão do trabalho social que não está nem ultrapassada nem contida [...]” (SPOSITO, 2006, p. 116). 2.2 DESAFIOS E POSSIBILIDADES FRENTE A NOVA RURALIDADE No Brasil, nos anos 1970 a população no campo alcançou seu pico com mais de 40 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 45% de habitantes do total nacional. Após este período, a população campestre entrou em total redução e em 1996 atingiu quase 34 milhões de indivíduos, alcançando somente 22% da totalidade do país, segundo Camarano e Abramovay (1999). De acordo com o IBGE (2018b), o último censo agrário apresentou a informação de que há 15 milhões de trabalhadores rurais. Comparando com o censo agrário de 2006, observa-se uma diminuição de 1,5 milhão de habitantes, inclusos agricultores, suas famílias, além da mão de obra temporária e permanente (IBGE, 2018b). As informações de cada censo do IBGE confirmam o êxodo do espaço rural, principalmente nas áreas mais pobres (CARNEIRO, 2008). Se o espaço rural for encarado como um espaço intocado, sem influência das cidades, serão construídas políticas distorcidas, [...] pela via da “urbanização do campo”, para superar a decadência e a pobreza rural, condenando-o ao esvaziamento demográfico, social e cultural. Mas, caso o rural for encarado como capaz de preencher as funções necessárias à reprodução do modo de vida de seus habitantes e útil às cidades, então será possível construir uma estratégia de desenvolvimento articulada aos anseios do meio rural. A renovação das discussões sobre a sociedade rural brasileira passa, portanto, pela superação do mito da urbanização do campo (CARNEIRO, 2008, p. 60). Para compreender as ruralidades, torna-se importante observar as convergências de olhares entre o rural e o urbano. Quando analisamos uma série de acontecimentos sequenciais e ininterruptos do rural-urbano, o fazemos a partir da história dos atores sociais, das experiências vividas e ideologias que são construídas com o caminhar das estações. Por conseguinte, as ruralidades emergem hoje exatamente diante de uma mudança do valor que o rural começa a ganhar, tanto por parte de citadinos como dos próprios agricultores que o compõe. Sobressai-se a discussão levantada por Schneider (2009), o qual afirma que por mais que ainda não consolidado, há uma alteração cognitiva sobre o espaço rural, tanto por parte de estudiosos, planejadores de políticas públicas e atores sociais. TÓPICO 1 | NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE 79 A valorização destes espaços tradicionais, não somente de ordem da natureza intocada, mas também de culturas ainda preservadas, já que elas são consideradas sobreposições históricas que acompanham uma harmonia com a natureza e a valorização da terra; apreciam sabedorias passadas historicamente; apresentam simbologias e formam um imaginário social rural; e construíram historicamente uma identificação com o território (MATOS; MEDEIROS, 2011). A marca principal dessa nova realidade (o turismo rural e a produção agroecológica) vem sendo cada vez mais apropriada pelo capital que se aproveita dessas potencialidades para progredir sobre a nova ruralidade (ALENTEJANO, 2003). Uma das razões que não pode ser negada, porém em muitas vezes é negligenciada, é o isolamento espacial destas culturas tradicionais rurais, que por um longo período da história do país persistiu. A concepção de culturas tradicionais também é produto de seu esquecimento, em que os indivíduos históricos construíam relações territoriais que permaneciam por longínquas gerações. A transformação nestes espaços era vagarosa, e o tempo e compasso de vida também (SANTOS, 2006). Embora analisar o espaço rural nacional e as ruralidades, sem entender esta maior conectividade advinda pelo processo de globalização, torna-se um erro. É imprescindível então ter um entendimento da necessidade de se analisar as culturas tradicionais a partir da relação e não do isolamento (SUZUKI, 2013). Parte-se do princípio que estas têm conexões atualmente que cada vez mais significam uma interligação com o espaço urbano, seja pelo contato físico ou por meios de comunicação. A sociedade fundada na aceleração do ritmo da industrialização passa a ser questionada pela degradação das condições de vida dos grandes centros. O contato com a natureza é, então, realçado por um sistema de valores alternativos, neoruralista e antiprodutivista. O ar puro, a simplicidade da vida e a natureza são vistos como elementos “purificadores” do corpo e do espírito poluídos pela sociedade industrial (CARNEIRO, 1999, p. 57). Assim, o movimento de modernização e a extensão deste espaço urbano para o espaço rural gera ao mesmo tempo a compreensão de novas ideias sobre distantes estruturas deste espaço, como, por exemplo, a produção alimentar; os impactos ambientais e as mudanças das maneiras de se viver (CARNEIRO,1999). UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 80 FIGURA 3 – RELAÇÃO ENTRE O CAMPO E A CIDADE FONTE: <http://2.bp.blogspot.com/-sC5mp-SkjGQ/Ud4ZOraNZXI/AAAAAAAAAIc/BItBpWrz Ddc/s640/Interdepend%C3%AAncia.jpg>. Acesso em: 23 fev. 2019. A longa evolução da relação entre o campo e a cidade denota visivelmente a permanência do fenômeno rural no mundo moderno, mesmo no período e nos países em que a urbanização foi mais atuante (PRADO; RIBEIRO, 2017). Assim, “[...] a oposição campo-cidade se desloca para a contradição rural-urbano. Enquanto a primeira diz respeito ao contraste entre espaços”. [...] sendo os campos o lugar de realização de atividades predominantemente primárias, destacadamente a agricultura, na segunda o estatuto fundante da distinção desloca-se para o grau de artificialização destes espaços e seus impactos para os modos de vida, exigindo assim uma abordagem capaz de combinar critérios ecológicos com outros de caráter social e econômico. O rural mostra-se não mais uma categoria passível de ser apreendida em termos setoriais, e sim territoriais (FAVARETO, 2006, p. 103 apud PRADO; RIBEIRO, 2017, p. 53). Mas no território rural, além de desafios também existem possibilidades frente à nova ruralidade. Pode-se considerar essas possibilidades como o “[...] conjunto de atividades não-agrícolas, as que mais vêm solicitando os espaços rurais são as ligadas ao lazer – chácaras e sítios de lazer – e ao turismo em suas mais diversas formas” (ZUQUIM, 2007, p. 108). Atividades tais como: turismo verde, turismo ecológico, agroturismo, ecoturismo, turismo rural etc. Assim o campo: TÓPICO 1 | NOVAS RURALIDADES E RELAÇÃO CAMPO CIDADE 81 [...] voltou a ser “visto”, não somente como lugar essencialmente agrário, mas também como lugar ao qual se poderiam incorporar os avanços tecnológicos, e lugar capaz de responder às novas demandas modernas sobre o campo – como atividades ruraisnão agrícolas de turismo, de lazer, da agricultura voltada a nichos de mercado especiais, de atividades de preservação e de conservação da natureza. Essas atividades, nos últimos anos, vêm solicitando muito desses espaços rurais, inclusive espaços há algum tempo esquecidos geográfica e economicamente (ZUQUIM, 2007, p. 4). Observa-se que nesse novo modelo do espaço rural é possível criar possibilidades de “[...] organização territorial e de desenvolvimento rural” (ZUQUIM, 2007, p. 5) e deste modo pode proporcionar “[...] melhores condições de fixação e de construção do habitat rural, desde que haja políticas públicas compensatórias para a moradia, a agricultura e a natureza, das populações que se encontram em graves condições de empobrecimento rural” (ZUQUIM, 2007, p. 5). Deste modo, devagar, progride a concepção de que só o urbano é ligado ao moderno e o espaço rural deixa de ser o local atrasado e obsoleto. Mas um lugar com distintas atividades, espaço em que há a articulação das novas tecnologias para a produção, habitação e o desfrutar, com o cuidado do meio ambiente (ZUQUIM, 2007). Além das possibilidades Gonçalves (1997) cita como desafios: os conflitos oriundos das modificações sobre a composição do trabalho do campo que foram fortes, com a diminuição integral dos empregos, relacionada à urbanização da força de trabalho. O autor adiciona ainda as transformações na sazonalidade e a cobrança de mão de obra qualificada. Vamos conhecer a paisagem rural? Acesse o link: http://portaldoprofessor.mec. gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=178 e veja um plano de aula da disciplina de Geografia para o Ensino Fundamental. DICAS 82 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • Para entendermos a questão envolvendo a Nova Ruralidade em seus aspectos de relações sociais, políticas e econômicas, é necessário também entender a construção do meio urbano e sua relação com o campo nos últimos tempos. • Na base da emergência da nova ruralidade, de acordo com Abramovay (2003) há pelo menos uma transformação qualitativa na articulação das três dimensões principais que admitem a definição do rural: a proximidade com a natureza, a relação com as cidades e as relações interpessoais resultadas da baixa densidade populacional que lhe é característica. • Para compreender o rural sob um aspecto não normativo é preciso adotar dois processos. No primeiro, existe a necessidade de perceber o desenvolvimento não como uma ideia, mas sim pelos conceitos descritos num “dever ser”. Já no segundo, é a definição do que consiste a peculiaridade deste “tipo de espaço que é o rural”. • O rural tem sido estudado por distintas pesquisas agrárias e estas têm comprovado nas últimas décadas a formação de uma “ruralidade contemporânea” ou um “novo rural” ou uma “nova ruralidade”. O espaço rural não pode ser mais tomado tão-somente como o conjunto de atividades agropecuárias e agroindustriais em benefício da sua modernização e mecanização; da crise reprodutiva da agricultura familiar; das novas funções e novos tipos de atividades no campo e da conformação de novas identidades sociais no ambiente rural. • A ruralidade seria as características de tudo aquilo que se está relacionada à vida rural, as condições materiais e morais da existência das populações rurais. Nesta concepção a ruralidade não é uma realidade “empiricamente observável”, no entanto, uma “representação social” determinada culturalmente por atores sociais. • As relações territoriais atualmente estão marcadas pela influência que a globalização desempenha no local, também como a importância do local perante a globalização. Nessa totalidade, sugerem a existência de uma nova ruralidade que nela está implantada a redefinição do rural. É necessária a reavaliação da ideia de que o rural é a população dispersa, baseada exclusivamente na produção agropecuária, para advir à reconstrução do objeto de trabalho e de política, ao determinar o setor rural como “território construído a partir do uso e da apropriação dos recursos naturais, de onde são gerados processos produtivos, culturais, sociais e políticos”. 83 • Atualmente está acontecendo a valorização dos ambientes rurais. Essa valorização é o resultado do reconhecimento da importância das áreas rurais para a qualidade de vida e o bem-estar da humanidade globalizada, por conter nelas três vetores: a conservação do patrimônio natural e da biodiversidade; o aproveitamento econômico das amenidades naturais pelo turismo e a exploração de fontes alternativas e renováveis de energia. • Não há possibilidade de falar do campo e da cidade como coisas diferentes porque: o campo está na cidade e a cidade está no campo. Portanto, é mais garantido falar sobre o rural considerando: a) o rural não mais ou não exclusivamente como divisão específica; b) o rural não mais ou não tão-somente como produção agrícola ou agropecuária; c) o rural como reprodução social e simbólica, ou seja, pode-se afirmar que o rural, independentemente de onde se habita ou do que se faz, é uma percepção de mundo, uma maneira como os indivíduos e os grupos instituem suas inclusões sociais e também bem- sucedidas. • No território rural, além de desafios também existem possibilidades frente a nova ruralidade. Pode-se considerar essas possibilidades como o “conjunto de atividades não-agrícolas, as que mais vêm solicitando os espaços rurais são as ligadas ao lazer – chácaras e sítios de lazer – e ao turismo em suas mais diversas formas”. Atividades tais como: turismo verde, turismo ecológico, agroturismo, ecoturismo, turismo rural etc. 84 AUTOATIVIDADE 1 Quando analisamos uma série de acontecimentos sequenciais e ininterruptos do rural-urbano, o fazemos a partir da história dos atores sociais, das experiências vividas e ideologias que são construídas com o caminhar das estações. Por conseguinte, as ruralidades emergem hoje exatamente diante de uma mudança do valor que o rural começa a ganhar, tanto por parte de citadinos como dos próprios agricultores que o compõe. Sobre a ruralidade e as novas tecnologias aplicada ao campo, podemos afirmar que: Analise as sentenças e assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As novas tecnologias no sistema de produção favorecem o aumento da produtividade, mas diminui os potenciais de exportação de insumos agrícolas. b) ( ) O sistema de produção agrícola do Brasil possui um alto sistema de produtividade independente das mudanças na ruralidade em nosso país. c) ( ) A interdependência da produção do campo com as cidades gera um sistema interdepende e constante crescimento na cadeia produtiva. d) ( ) As novas tecnologias nada impactam com a ampliação do sistema de produção e não interferem no crescimento da produção de alimentos. 2 As relações territoriais atualmente estão marcadas pela influência que a globalização desempenha no local, também como a importância do local perante à globalização, segundo Vilela (2002). Para Schneider (2004, p. 90), essa influência da globalização no local como “[...] quadro atual é profundamente marcado por um processo de ampliação da interdependência nas relações sociais e econômicas em escala internacional”. Para o autor, isto demonstra que a globalização é uma particularidade da extraordinária habilidade da adaptação que a economia capitalista tem em âmbito mundial, da relação de dependência entre as condições de tempo e espaço no processo global de produção de produtos. A globalização possui um importante papel no novo espectro da ruralidade de nosso país. Marque a afirmativa CORRETA que descreve esse cenário no Espaço Agrícola de produção nacional. a) ( ) A globalização amplia de maneira geral o sistema de produção, favorecendo todos na cadeia produtiva nacional. b) ( ) O sistema de produção de alimentos nada tem a haver com a globalização e as exportações das commodittes brasileiras. c) ( ) A globalização e as exportações nacionais favorecem principalmente o pequenoprodutor rural e as grandes agroindústrias no Brasil. d) ( ) Os grandes produtores e latifundiários são as classes rurais mais favorecidas com a globalização, com as tecnologias e com as exportações de alimentos em nosso país. 85 3 A longa evolução da relação entre o campo e a cidade denota visivelmente a permanência do fenômeno rural no mundo moderno mesmo no período e nos países em que a urbanização foi mais atuante (PRADO; RIBEIRO, 2017). Por que a ruralidade pode ser considerada como um dos novos desafios para o desenvolvimento do Espaço Rural e das áreas urbanas no Brasil? 86 87 TÓPICO 2 OS PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, o foco deste tópico é discutir as concepções que são utilizadas para análise das relações que se estabeleceram entre os setores agrícola e industrial e que caracterizaram a produção agropecuária brasileira nas últimas décadas. Paralelamente à implantação no Brasil de um setor industrial produtor de bens de produção voltado para a agricultura, ocorreu a modernização e o desenvolvimento em escala nacional de um mercado para os produtos industriais do sistema agroindustrial. Esse processo ficou conhecido como "modernização da agricultura" e nele ocorreram modificações significativas na forma de se produzir. Poder-se-ia recuperar estes estudos através de diversos recortes, mas nos pareceu mais interessante privilegiar os estudos que discutem diretamente as relações setoriais entre agricultura e indústria e a formação do Complexo Agroindustrial. O termo Complexo Agroindustrial tem sido utilizado para descrever articulações entre os setores agrícola e industrial que vêm ocorrendo na agricultura brasileira. E por último a relação destes fenômenos com os conteúdos de geografia em sala de aula. 2 PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO E FORMAÇÃO COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO MUNDO A modernização e a industrialização agrícola tiveram na Revolução Verde a sua maior causa (LOBÃO, 2018). Ela modificou as relações de produção e trabalho no ambiente rural e as inovações tecnológicas dominaram a produção, especialmente com o processo de mecanização do campo e o emprego de insumos químicos e biológicos modernos, como fertilizantes e defensivos agrícolas utilizados para o controle de seres vivos prejudiciais à plantação. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 88 Com as revoluções industriais, o espaço rural se tornou cada vez mais integrado e subordinado ao espaço urbano. O processo de modernização da agricultura desencadeou diversas transformações no campo, alterando profundamente as formas de produção agrícola dos países. O processo de modernização do campo corresponde à implantação de novas tecnologias e maquinários no processo de produção no meio rural. A modernização agrícola, para Paiva (1971, p. 178 apud LOBÃO, 2018, p. 8) é “[...] o processo de melhoria da agricultura pela adoção de técnicas modernas [...]”. Essa conceituação se restringe somente às particularidades de produção stricto sensu. Ao mesmo tempo, reconhece-se que a definição de modernização agrícola é mais ampla, especialmente quando se procura trabalhar com aspectos de origem mais limitada, por exemplo, como é a situação das unidades de produção individual ou ainda de um pequeno grupo de agricultores nativos de determinado país ou região particular que não basicamente adotam métodos novos, mas exibem um padrão moderno em relação a diversos grupos. Kageyama (1997) faz as devidas distinções analisando que em muitos casos as considerações sobre a modernização e industrialização da agricultura e formação de complexos agroindustriais são adotadas como sinônimos. Para a autora: Por modernização da agricultura se entende basicamente a mudança na base técnica da produção agrícola. É um processo que ganha dimensão nacional no pós-guerra com a introdução de máquinas na agricultura (tratores importados), de elementos químicos (fertilizantes, defensivos, etc.), mudanças de ferramentas e mudanças de culturas ou novas variedades. [...] A “industrialização da agricultura” envolve a ideia de que a agricultura acaba se transformando num ramo de produção semelhante a uma indústria, como uma “fábrica” que compra determinados insumos e produz matéria-prima para outros ramos da produção [...] Finalmente, no período pós-75, temos a constituição do que se vem chamando de complexos agroindustriais. São vários complexos que se constituem, ao mesmo tempo em que a atividade agrícola se especializa continuamente (KAGEYAMA et al., 1990, p. 113-115). O processo de modernização se torna irreversível com a industrialização da agricultura. A produção agrícola regrediria somente no caso de uma regressão da base técnica da industrialização. A situação é que o término do processo de modernização da agricultura resulta na sua industrialização. Esse atributo “[...] representa a subordinação da Natureza ao capital, que, gradativamente, liberta o processo de produção agropecuária das condições naturais dadas, passando a fabricá-los sempre que se fizerem necessárias” (KAGEYAMA, 1997, p. 114). TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 89 Sobre os complexos agroindustriais e as empresas agroindustriais, organizadas em complexos agroindustriais, com suas estruturas geralmente localizadas em regiões constituídas por municípios de pequeno e médio porte, absorvem a produção na forma de matéria-prima do seu entorno local e regional. Esta matéria-prima é produzida geralmente com especificidade e em produção de escala, junto às pequenas propriedades de predomínio de mão de obra familiar e de pequenas cooperativas agrícolas. NOTA Deste modo, a modernização da agricultura dá liberdade para a produção agrícola, tornando-a independe das condições naturais impostas pela Natureza. Assim, surge a teoria da modernização que admite entender que há a possibilidade da transformação de uma economia agrícola tradicional em uma avançada e eficaz, apta para alcançar o desenvolvimento econômico, especialmente por meio do aperfeiçoamento da tecnologia. Aspectos como o emprego de insumos de produção modernos e o melhoramento do apoio educacional permitem as transformações tecnológicas dentro do campo da agricultura. Essas transformações beneficiam a aumento da produtividade dos fatores de produção e a elevação das taxas de retorno das ações agropecuárias, sendo estes o objetivo final do desenvolvimento agrícola (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO, 2004). Mas no desenvolvimento agrícola, no mesmo país, existem disparidade entre os lavradores e por este motivo nem todos conseguem os benefícios da modernização agrícola, já que há também um custo envolvido, assim muitos ainda estão na agricultura primitiva. Paiva (1971) considera que nos países em desenvolvimento não há igualdade quanto à modernização da agricultura, uma vez que não existem agricultores rústicos e contemporâneos convivendo no mesmo território. O autor, analisa a apresentação de produtores que usam tecnologias avançadas e técnicas modernas, originários de grandes centros de estudo e experimentação e a vivência de pequenos agricultores com estado tecnológico rudimentar “[...] que se mantêm ainda no estágio da ‘agricultura de enxada’, sem aplicar quaisquer dos conhecimentos e insumos que caracterizam a agricultura moderna [...]” (PAIVA, 1971, p. 172). Para o autor, esse fato é denominado de dualismo tecnológico. Dualismo tecnológico na agricultura brasileira existe já que o presente e o passado compartilham a mesma região, ou seja, há a modernização agrícola com a mecanização do campo, e a agricultura rudimentar com instrumentos arcaicos como a enxada convivendo num mesmo local. Para Conceição e Conceição (2004), historicamente considera-se no processo de modernização agrícola, a mecanização do campo culpada pela diminuição de força de trabalhobraçal no setor agrícola. No que lhe concerne, a terra é poupada pelas inovações químico-biológicas. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 90 Portanto, para os autores, as duas transformações têm permitido a maximização da produção dentro de um próprio território, através do aumento da produtividade integral dos fatores de produção, assim sendo, uma produção capital-intensiva. Há, mesmo que em menor dimensão, redução da força de trabalho agrícola com as inovações biológicas, no decorrer da adaptação de algumas culturas. Com uma maior oposição ou mesmo as tornando padronizadas no seu processo de amadurecimento, essas culturas têm admitido o emprego cada vez maior de máquinas que supram a mão de obra (CONCEIÇÃO; CONCEIÇÃO, 2004). Os atores econômicos que agem nesse sistema sempre estão determinados a buscar inovações tecnológicas, para aumento do seu lucro e para estarem a frente da concorrência, segundo Kugizaki (1983). Assim, todas as organizações se veem acuadas na renovação das suas tecnologias e aumento da sua produtividade, sendo que isso acontece a partir do reinvestimento de fração do seu lucro no processo produtivo. O autor esclarece, contudo, o aumento do uso dos fatores de produção não uniformemente, já que o fator trabalho tende a ganhar um aumento relativamente inferior que os outros. Ou seja, o investimento no fator mão de obra é inferior aos demais, como por exemplo em tecnologia. Deste modo, favorecendo a diminuição da demanda pelo fator mão de obra e, logo, expandindo-se o contingente de indivíduos desempregados ou subempregados, no setor agrícola e não agrícola. Assim, quanto mais investimento em novas tecnologias, menos trabalho e mais desemprego e subemprego em todos os setores. Por exemplo, hoje utilizam colheitadeiras na lavoura, demandando de menos mão de obra e tempo. Albuquerque (1984) pretende em seu estudo despertar a atenção para o agroindustrial no mundo, pois ele a considera como: [...] maior ritmo de crescimento das indústrias que se relacionam com a agricultura, prescindindo da intermediação do capital comercial. É falar em indústrias especializadas em fornecer insumos para a agricultura com tal porte econômico que possam financiar diretamente os agricultores — ou forçar o Estado a lançar linhas de crédito subsidiadas para tal — e em indústrias com tal capacidade de processamento que exijam especialização da produção de um grande número de produtores rurais. É falar, por fim, num mercado monopólico, ou pelo menos claramente oligopólico, tanto para as indústrias que fornecem insumos para a agropecuária como para as que processam sua produção. Nesse sentido, as raízes de alguns subsetores do sistema agroindustrial datam do século passado e do início deste. Já "nasceram", por assim dizer, de grande porte. O caso mais conhecido, o da Nestlé, levava, em 1890, um analista econômico da época - Karl Kautsky - a declarar que "180 aldeias (da Suíça) perderam sua autonomia econômica e se tornaram caudatárias da Casa Nestlé. Os seus habitantes ainda são, exteriormente, proprietários de suas terras, mas já não são camponeses livres". No Brasil, o Grupo Matarazzo — de raízes itahanas, mas de capital nacionalizado é, desde o início do século XX, um exemplo, entre outros, de feliz integração de indústrias de aumentos, têxtil e de controle da produção agrícola de grandes glebas - particularmente de algodão. Esse grupo viria a TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 91 dividir poder com a Sanbra e a Anderson Clayton nessa mesma área de algodão e seus derivados após 1934. Estas duas empresas, aliás, já antes dos anos 50 se instalaram como complexo agroindustrial e, em 1947 e em 1948, foram, apenas as duas, responsáveis por 9,0% do total de todas as exportações brasileiras (ALBUQUERQUE, 1984, p. 162-187). Não obstante, Schuh (1973) explica que principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, muito se confiou no mecanismo de propagação das novas tecnológicas no setor agrícola, como forma de desenvolvê-la igualmente em um país ou região. Entretanto, trata de corroborar que essa confiança no poder de propagação das novas tecnológicas precisava de mais compreensões. Segundo o autor, os processos inovadores acontecem tendendo a se localizarem em espaços específicos. Portanto, acontecem em realidades diferentes e com características intrínsecas àqueles ambientes em que se desenvolvem. Do mesmo modo, os processos inovadores são de complexa mudança de uma localidade para outra, não constituindo um processo com tendência a advir tão espontaneamente. Em 1957 foi publicada a obra A Concept of Agribusiness de autoria de John Davis e Ray Goldberg (MENDONÇA, 2015), e assim agribusiness foi traduzido para o idioma português como agronegócio. A publicação traz como premissa central a ideia de que o campo estaria passando por grandes transformações a partir de uma “revolução tecnológica”, tendo como base o “progresso” científico utilizado na agricultura. Sob essa perspectiva, seria necessário formular políticas públicas de apoio à grande exploração agrícola diante do aumento dos custos de produção, transporte, processamento e distribuição de alimentos e fibras (MENDONÇA, 2015, p. 376). Davis e Goldberg (1957 apud MENDONÇA, 2015, p. 376), conceituam “[...] a agricultura como parte integrante da indústria que já teria existido há 150 anos quando os camponeses produziam alimentos, instrumentos, insumos, combustível, morada, roupagens e utensílios domésticos”. A fundamental transformação notada nas “fazendas modernas” é que deixaram de ser autossustentáveis e tornam-se comerciais, com sua produção fundamentada nos monocultivos. Deste modo, atividades como armazenamento, processamento e distribuição foram transferidas para outras organizações que ainda passaram a fabricar produtos industrializados empregados neste modelo agrícola, como tratores, caminhões, combustível, adubos, ração, pesticidas, entre outros. Assim, surge: Então a proposta de se utilizar o termo “agronegócio”, pois, segundo os autores, “nosso vocabulário não acompanhou o ritmo do progresso”. Este “progresso”, descrito no livro, significaria que “nossas fazendas não poderiam operar nem por uma semana se estes serviços fossem cortados” (DAVIS; GOLDBERG, 1957, p. 2 apud MENDONÇA, 2015, p. 376). UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 92 Os autores ainda destacam que (DAVIS; GOLDBERG; 1957, p. 7 apud MENDONÇA, 2015, p. 376) o “[...] ímpeto da mecanização agrícola [...]” expressava uma subordinação crescente de produtos fabricados por segmentos industriais, com destaque para máquinas, tratores e fertilizantes químicos, para compensar o esgotamento da fertilidade da terra. Este processo exigia grande quantidade de energia e excitou a ampliação da produção petrolífera. Do mesmo modo, a indústria genética e farmacêutica desenvolvia sementes transgênicas e processos de inseminação artificial, o que penetrava, por um lado, a segmentação da produção agropecuária e, por outro, a constituição de grandes monopólios industriais que se apropriavam da renda do solo, bem como parte do que constituiria o chamado agronegócio. Os autores incluem proprietários de terra e indústrias, associações de empresários, instituições de pesquisa, universidades, grupos de lobby, também o governo que assumiria o papel de apoiar pesquisas e políticas de regulamentação e comércio. O agronegócio representaria entre 35% e 50% da economia estadunidense. Para chegar a esses números, o estudo compara o total que os consumidores americanos gastaram em 1954, US$ 236,5 bilhões, com o que foi gasto em alimentos, bebidas, tabaco, sapatos, roupas e acessórios, que somaria cerca de US$ 93 bilhões, ou 40% do total consumido naquele ano (DAVIS; GOLDBERG, 1957, p. 8). O detalhamento deste cálculo mostra os seguintes montantes em bilhões de dólares: alimentos industrializados (26,3), alimentos não processados(10,0), gastos em restaurantes (16,4), produtos têxteis (11,0), produtos de couro (3,0), bebidas alcoólicas (1,5), lã e papel (3,0), tabaco (2,8), vendas no atacado e exportação (15,0), outros (3,0) (DAVIS; GOLDBERG, 1957 apud MENDONÇA, 2015, p. 377). Mendonça (2015, p. 378) citando Davis e Goldberg (1957, p. 376), menciona fatores “negativos” e expressam apreensão com “desajustes e desequilíbrios” em um desenvolvimento “evolutivo” que originaria problemas complicados na relação entre “fazendas comerciais” e agricultores camponeses pobres. Os autores confirmam as mudanças na estrutura econômica da agropecuária nos Estados Unidos entre os anos de 1947 a 1954. Em relação à mão de empregada, o total de trabalhadores conservou-se estável, em cerca de 24 milhões, porém, em relação ao total da força de trabalho empregada existiu uma redução de 41% para 37%. Mas houve um acréscimo considerável nas despesas de produção, sendo que, entre estes, 111% são depreciação de máquinas, 70% custo com operação de veículos, 57% com fertilizantes, 35% com sementes e 59% com mão de obra. A soma de vendas do setor em termos totais cresceu 56%, mas a margem de lucro diminuiu 19%. A pesquisa menciona dados sobre o “retorno realizado por hora de todo o trabalho e gerência das fazendas”, isto é, a taxa de mais-valia social no setor, que apresentou uma queda de 25,5% entre anos de 1947 a 1954, segundo Mendonça (2015, p. 378 citando DAVIS; GOLDBERG, 1957, p. 11-15). Os dados citados esclarecem uma tendência de crise de superprodução no processo de industrialização da agricultura, que se diferencia pelo aumento proporcional TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 93 dos custos de produção em relação ao período de trabalho necessário. Assim, tal desequilíbrio significa a desproporção entre elementos do capital fixo em relação à mão de obra agregada na agricultura. Kageyama (1997) comenta que ao final da década de 1980 um trabalho aplicou seu estudo em diversos casos de complexos agroindustriais, com base em um tratamento individualizado das relações entre suas partes componentes. Este estudo destacou algumas diferenças estruturais e relações internas, o que implica diferentes configurações matriciais (consumo intermediário, especialização/ endogenia da indústria fornecedora, etc.). Apesar de ter exposto uma periodização na qual as conformações dos diversos complexos que pesquisou também surgiram como fatos recentes. De acordo com Ramos (2007), o trabalho despertou a atenção para a carências de análises particularizadas sobre cada complexo e que tenham em conta suas distintas inserções no mercado internacional de bens (processados ou não); suas diferentes fases ou graus de agroindustrialização e, sobretudo, a necessidade de se refletir a formulação e implementação de políticas agrícolas específicas, dadas as diferentes configurações estruturais de cada um. Os processos de modernização e industrialização e a formação dos complexos agroindustriais no Brasil para o desenvolvimento rural iniciaram na década de 1950, mas somente se consolidaram nos anos 1960, conforme será visto a seguir. 2.1 PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL O projeto de desenvolvimento rural brasileiro teve o objetivo da expansão e da concretização do agronegócio que resultou na ampliação da produtividade e investimentos para o Brasil pela exportação, e as implicações dos custos sociais e ambientais crescentes, de acordo com Marques (2002). No país, muitas das modificações estão ligadas ao projeto de desenvolvimento rural seguido pelo mesmo. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 94 FIGURA 4 – AGROINDUSTRIAL FONTE: <https://agrivence.com.br/agroindustria-se-recupera-e-impulsiona-pib-do-agronegocio- em-2018/>. Acesso em: 3 mar. 2019. No Brasil, o processo de modernização da agricultura iniciou-se na década de 1950, e teve como base as importações de meios de produção mais avançados daquele período. Entretanto, a sua consolidação aconteceu somente na década de 1960, com a implantação no país de um setor industrial direcionado à produção de equipamentos e insumos para o campo. Na década de 1960, depois da industrialização pesada agenciada pelo Plano de Metas (1956-1960), o governo brasileiro se deu conta da imprescindibilidade de instalar novas políticas que objetivassem a modernização da agricultura nacional, dado a necessidade econômica do país. Essa ânsia era evidenciada pelas pretensões de setores agrários que eram dados como atrasados em relação ao setor industrial recém-implantado, sendo que esse, por sua vez, preocupava-se com uma apropriada oferta interna de alimentos e matérias-primas. O Plano de Metas ocorreu durante o governo de Juscelino Kubitschek, membro do Partido Social Democrático (PSD). Os maiores objetivos do plano eram de construir uma infraestrutura básica à integração do sistema industrial brasileiro, antecipando-se à demanda, sendo o eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Minas Gerais o mais importante. Tal plano compreendia os setores de energia, transportes, indústrias de base, alimentação e educação, no qual os três primeiros foram os mais beneficiados. Para cada setor havia metas, sendo que o de energia possuía cinco; de transportes sete; de indústria de base onze; de alimentação seis e de educação somente um. Também existia a chamada meta-síntese, que compreendia a construção de Brasília. As fontes para esse financiamento advinham de recursos externos (OLIVEIRA, 2016, p. 27). Sobre o “maior número de metas do plano”, segundo Oliveira (2016, p. 27) citando Rangel (2000, p. 42), comenta “[...] a introdução de novas técnicas, por sua vez, supondo o emprego de um equipamento muito diferente do anteriormente usado, exige a criação das indústrias correspondentes – as indústrias de base”. https://agrivence.com.br/agroindustria-se-recupera-e-impulsiona-pib-do-agronegocio-em-2018/ https://agrivence.com.br/agroindustria-se-recupera-e-impulsiona-pib-do-agronegocio-em-2018/ TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 95 Essas indústrias surgem para concretizar a modernização da agricultura com a inserção de um novo padrão tecnológico no país. Apesar disso, no Plano de Metas as políticas direcionadas para a agricultura ainda eram modestas, com apenas 3,2% dos investimentos planejados voltados ao setor alimentício. Todo o crescimento ocorrido no período do governo Kubitschek pode ser entendido como um modelo direcionado à concretização de um “[...] desenvolvimento econômico acelerado [...]” (OLIVEIRA, 2016, p. 26). De tal modo, o Estado deveria desempenhar a função de agente indutor desse processo, quer comprovando às direções da economia e direcionando os investimentos, quer investindo em setores básicos, como infraestrutura. (RANGEL, 2000 apud OLIVEIRA, 2016). A propósito da “mecanização da agricultura”, a meta do plano era aumentar o número de tratores para 72.000, no entanto, “em meados de 1960 já passava de 77.000 tratores”, deste modo, superando-a, segundo Oliveira (2016, p. 27 citando Lafer, 1975). Segundo Martine (1991), 69% da frota de tratores do país estavam concentrados nos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, já em outras regiões a proporção era ínfima. Até meados da década de 1960 a tecnologia agrícola empregada na maior parte do país era rudimentar, mesmo estando em processo de modernização desde o final da II Segunda Guerra Mundial. Em relação a proporção de todos os estabelecimentos, a maioria possuía pouca maquinaria moderna. Para o autor, no Brasil a agricultura apresentava como objetivo aumentar a produção agrícola e regularizar o fornecimento de alimentos e não se modernizar. Ao mesmo tempo, existia o fato de que o país não possuía um parque industrial apto para tal dinamismo, já que os países desenvolvidos detinham a tecnologia. Comparando os países desenvolvidos com o Brasil,o processo de modernização da agricultura do país foi tardio. Conforme Oliveira (2016, p. 28), “[...] esse processo não se deu do mesmo modo e nem na mesma intensidade em todos os estados, tendo o período mais lento de modernização entre os anos de 1965 e 1967, graças ao período de reorganização política que o Brasil confrontava- se, o Regime Militar”. A economia brasileira passou por um período particular da sua história após o golpe militar de 1964. O panorama de crise dos primeiros anos da década de 1960 foi transmudado, de modo que a partir de 1967 o crescimento rápido do Produto Interno Bruto (PIB) foi permitido, caracterizando o chamado “Milagre Econômico Brasileiro” que persistiu até por volta de 1973 (OLIVEIRA, 2016). O Milagre Econômico Brasileiro foi fruto das várias políticas de investimentos produtivos que vinham desde o governo de Juscelino Kubitschek, continuando por toda década de 1960, gerando deste modo grandes estruturas produtivas e também a modernização da agricultura. De acordo com Resende (1990), a inflação no começo da década de 1960 chegou a alcançar 83,2% a.a., todavia foi combatida por um programa de estabilização econômica implementado entre 1964 e 1968. No primeiro trimestre de 1964 chegou em aproximadamente UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 96 100% a.a., já em 1969 estava em torno de 20%. Concomitantemente, o aumento do PIB que em 1963 era de 0,6%, recuperou-se após 1966, e já em 1968 atingia a taxa de 9,8% (RESENDE, 1990). Tal desempenho do aglomerado econômico nessa fase foi acompanhado por transformações na estrutura produtiva do país. Segundo Cordeiro Neto (2007, p. 2), “no que concerne ao setor primário, por meio do processo denominado modernização conservadora, a agricultura incorporou mudanças significativas” (OLIVEIRA, 2016, p. 29). Para Martine (1991), a transformação da agricultura camponesa numa agricultura moderna era um dos focos dessa modernização, ajustando o país às exigências do mercado externo, frente à expansão industrial e a necessidade cada vez maior de produção de matéria-prima. No entanto, a oligarquia rural nunca foi adepta à modernização e aos investimentos pesados, sendo forçada pelo Estado congregado ao capital industrial e financeiro. Para o autor, a principal questão envolvendo a agricultura estava no abastecimento urbano em quantidade e preços adequados. E com o êxodo rural rápido no momento, havia a diminuição da mão de obra no meio rural, porém, um crescente avanço de consumo de mantimentos nas áreas urbanas, acontecimentos que instigaram a intuição de políticas direcionadas para a lavoura. Fica evidente que a questão da modernização da agricultura não se resumia ao aspecto produtivo em si, mas na armazenagem, transporte e comercialização, buscando quebrar o isolamento do produtor e criar meios mais eficientes para que os produtos agrícolas chegassem ao consumidor final. Esse modelo adotado nas décadas de 1960 e 1970 era direcionado ao consumo de capital e tecnologia externa, ou seja, grupos especializados passavam a abastecer os produtores com insumos, desde maquinários, sementes, adubos, agrotóxicos e fertilizantes (BALSAN, 2006 apud OLIVEIRA, 2016, p. 29-30). Neste contexto, Graziano Neto (1985) percebe uma modificação significativa no cenário agrícola brasileiro analisando os indicadores de modernização nesse período. A utilização de fertilizantes cresceu a uma taxa média de 60% ao ano e 25% dos agrotóxicos. Mesmo não sendo tão alto em outros anos, esse crescimento se estendeu pelas décadas posteriores. O crescimento do cenário agrícola resultou das inovações tecnológicas no meio rural, já que os agricultores buscavam um maior rendimento, expandindo as áreas cultivadas e também melhorando sua produtividade, mas para que pudessem obter os maquinários e os insumos necessários para esse aumento, a “[...] opção de aquisição era facilitada pelo acesso ao crédito rural, determinando o endividamento e a dependência dos agricultores” (BALSAN, 2006, p. 126). Segundo o autor, devido a demanda, em 1965 foi criado pelo governo o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), assim provando a importância de um tratamento distinto do setor público em relação à agricultura, comparativamente aos demais setores produtivos brasileiros. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 97 Tal medida foi instituída pelo presidente Castelo Branco (1964-1967), no qual direcionou os recursos financeiros para os setores econômicos conforme o grau de necessidade de cada. Esse conjunto de medidas faziam parte de reformas institucionais implementadas pelo Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), que buscava integrar um panorama adequado à retomada dos investimentos e à superação da crise dos primeiros anos da década de 1960 (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JUNIOR., 2007 apud OLIVEIRA 2016, p. 30). Durante o governo militar ainda foram criadas várias instituições direcionadas ao desenvolvimento das atividades produtivas, conforme relata Benites (2000), como o Organismo de Coordenação de Crédito Rural (CNCR), o Fundo de Democratização do Capital das Empresas (FUNDECE), o Fundo de Financiamento para a Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (FINAME) e o Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas (FINEP). Além das transformações na base técnica, também foram sentidas nas relações sociais de produção, especialmente pela modificação no processo da atividade agrícola, em que o trabalhador deixa de ser o agente ativo, o controlador do processo de trabalho, para se tornar um complemento das máquinas. (GRAZIANO, 1996). Assim, as tentativas de transformar o rural do Brasil: [...] tinham como metas alcançar um crescimento econômico em um país em desenvolvimento, que possuía nítidas diferenças em comparação com outros países que tiveram uma industrialização menos tardia, acarretando assim um desequilíbrio econômico e social. A incessante busca pelo crescimento da economia brasileira, além do esforço para a superação dos pontos críticos que abocanhava o crescimento, levou a identificar quais os motivos do adiamento no desenvolvimento da agricultura nacional. Deste modo, a nova política agrícola brasileira deveria considerar um processo de modernização, aumentar e diversificar a produção e ganhos na produtividade. Em suma, essas transformações na base produtiva deveriam incluir, desta maneira, o surgimento de modernos setores produtores de máquinas, implementos e insumos agrícolas (OLIVEIRA, 2016, p. 31). No final da década de 1960, a agricultura inicia vínculos com outros setores de produção, tornando-se dependente dos insumos que recebe de distintos segmentos industriais. A produção não mais se limita exclusivamente a bens de consumo final ou na comercialização de mercadorias in natura, mas, ao mesmo tempo, na produção de bens intermediários ou matérias-primas para outras indústrias de transformação. E existiam outras características importantes provenientes da modernização que não foram apenas referentes as técnicas de produção, mas também a modernização da circulação, da armazenagem e da comercialização da produção. Além disso, compreendia toda uma estrutura de acompanhamento de colheitas, de financiamento, de extensão rural e ainda da pesquisa agropecuária (MESQUITA, MENDES, 2009 apud OLIVEIRA, 2016). Na década de 1970, a modernização na agricultura modificou as relações produtivas agregando o campo com a cidade, agricultura e indústria. A propósito da modernização e a geografia agrária: UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 98 Considerando que o sentido das mudanças foi dado em direção à consolidação das relações campo-cidade, evidenciadas pelos papéis que passaram a exercer a agricultura e a indústria na economia nacional, os estudos de Geografia Agrária deixaram de ser tipicamente agrícolas e incorporaram de forma definitiva a vertente social como definidora da posturageográfica sobre o assunto (FERREIRA, 2002, p. 288). Após os anos 1990, muitas pesquisas na geografia agrária e urbana partiram para as interpretações das inter-relações dos espaços contínuos: O espaço rural foi altamente alterado com esse incremento de tecnologias e a aproximação das relações industriais em boa parte do campo brasileiro, mas esta mudança vem sendo realizada paulatinamente desde a década de 1960, sendo acelerada pós 1990. Nesse sentido, as temáticas sobre a relação campo e cidade ou urbanização do campo vem ganhando força no discurso geográfico brasileiro (ALVES; FERREIRA, 2011, p.11). Os assuntos a respeito da multifuncionalidade dos espaços rurais, como a pluriatividade (turismo rural, camping, pesque e pague etc.) são discutidos a partir dos anos 90, principalmente depois dos estudos realizados por Graziano (1999) sobre o “Novo Rural Brasileiro”. O referido estudo demonstrou a crescente participação dessas atividades na renda das famílias camponesas e também dos empresários rurais. Porém, o estudo sofreu várias críticas de outros autores como Alentejano (2003), já que a renda não-agrícola é presente no orçamento das famílias rurais antes da década de 1990, ou seja, não há nada de novo nesta situação. Essas novas ruralidades no urbano são observadas por meio de hortas urbanas ou agricultura urbana, além das questões sociológicas pelos migrantes nativos de áreas rurais que residem na cidade e cultivam tradições e culturas tradicionais. As cidades do agronegócio são cidades organizadas numa perspectiva da agropecuária. Dessa visão o campo é quem determina os processos e estruturas da cidade (ELIAS; PEQUENO, 2005). É importante frisar que a reestruturação da agropecuária não homogeneizou a produção ou os espaços agrícolas, nem tão pouco os espaços urbanos que crescem com este processo. O que ocorre em contraposição ao processo de globalização da produção e do consumo agropecuário é um intenso processo de fragmentação da produção e do espaço agrícola. Assim sendo, como recurso de método para compreensão da urbanização brasileira, do espaço agrário e das cidades do agronegócio, temos que considerar esta fragmentação, que torna cada vez mais diferenciados os espaços agrícolas e as cidades do agronegócio (ELIAS; PEQUENO, 2005, p. 30). “O processo de modernização da agricultura tornou forte a distinção do campo brasileiro, uma vez que aumentou as lacunas existentes entre os produtores rurais demandadores de inovações mecânicas, físico-químicas e biológicas” e os produtores mais simples (OLIVEIRA, 2016, p. 31). Dessa inclusão TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 99 do aprimoramento tecnológico, procedeu um processo irreversível, instituindo, portanto, os Complexos Agroindustriais (CAIs) (OLIVEIRA, 2016), conforme será analisado a seguir. 2.2 FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL Na década de 1950 não existia conceito próprio do inter-relacionamento das funções afins da agricultura ou das atividades com produtos agropecuários como o armazenamento, o processamento e a industrialização, conforme explica Araújo (1982, p. 238) citado por Cavalcante (2018, p. 30), nem os americanos tinham, mas o prof. John Davi que apresentou em 1955 o seu trabalho no Congresso de Distribuição de Produtos Agrícolas, em Boston, pela primeira vez disse a palavra agribusiness, conceituando como “[...] a soma total de todas as operações envolvendo a produção e distribuição de insumos agrícolas; operações de produção na fazenda; armazenamento, processamento e distribuição de produtos agrícolas e dos produtos deles derivados”, de acordo com Araújo (1982, p. 238) citado por Cavalcante (2018, p. 30). Deste modo, o agribusiness compreenderia, contemporaneamente, “[...] todas as funções que o termo agricultura abrangeria à época da agricultura tradicional”, Araújo (1982, p. 238) citado por Cavalcante (2018, p. 30). A concepção de agribusiness é “[...] uma das denominações dadas aos Complexos Agroindustriais (CAI) e foi desenvolvida inicialmente nos Estados Unidos (EUA.). [...] Essa definição generalizou a utilização do termo agribusiness para explicitar a crescente inter-relação setorial entre a agricultura e a indústria” (OCNER FILHO, 2017, p. 12). Além da tradução do termo agribusiness para o português, também se traduziu “[...] para o francês como filière (cadeias) e a dimensão histórica foi considerada no contexto do desenvolvimento capitalista do setor agropecuário”. Graziano da Silva (1998, p. 68) citando Malassis (1973), [...] considera a cadeia agroalimentar como o setor da economia agrícola constituído por um conjunto de empresas que estão envolvidas na produção agrícola e na sua transformação. A sua estrutura é caracterizada por um subsetor a montante (que fornece os bens de produção), o subsetor agrícola e o subsetor que transforma e distribui os produtos agrícolas e alimentares. NOTA UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 100 O conceito original de agronegócio tem a ver com uma origem estática (GRAZIANO, 1996). O conceito se destina então unicamente ao aumento da noção de agricultura, que nos Estados Unidos dos anos 50 não poderia ser abordada como setor primário, porque na sua dinâmica produzia insumos e também estava em crescente interligação de setores. Deste modo, conforme a tradução, a expressão tornou-se Complexo Agroindustrial (GRAZIANO, 1996). Entende-se por Complexo Agroindustrial: [...] o conjunto de relações entre indústria e agricultura na fase em que esta mantém intensas conexões para trás, com a indústria para a agricultura e para frente, com as agroindústrias e outras unidades de intermediação que exercem impactos na dinâmica agrária. O Complexo Agroindustrial é uma forma de unificação das relações entre os grandes departamentos econômicos com os ciclos e as esferas de produção, distribuição e consumo, relações estas associadas às atividades agrárias (MÜLLER, 1989, p. 41). Segundo Marafon (1998), foi Müller (1989) quem mais contribuiu para a definição de complexo agroindustrial no Brasil. Sendo que neste processo a economia natural é substituída pelas por atividades agrícolas associadas à moderna industrialização, a intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais, a especialização da agricultura e a troca do comércio pelo interno e externo. Kageyama (1987), Graziano (1996) e outros estudiosos, analisam a existência de um Complexo Rural, precedente à constituição dos intitulados Complexos Agroindustriais (CAIs), numa condição em que haveria uma dinâmica muito simplória no qual o setor rural ou a atividade agrícola, sustentava poucas ou quase nenhuma relação com atividades externas às fazendas, a não ser com o comércio externo para um exclusivo produto, geralmente, em todo o circuito produtivo com valor mercantil como o caso da cafeicultura desde o século XIX. Em 1950 o Complexo Rural chega ao seu apogeu e submerge num processo de colapso e desarticulação. FIGURA 5 – LAVOURA DE CAFÉ FONTE: <http://museudaimigracao.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Foto-cafe-123.jpg>. Acesso: 15 mar. 2019. TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 101 Para o fim do predomínio do Complexo Rural, no cenário econômico brasileiro, foi decisivo uma forte atuação estatal que visava a industrialização e a modernização da agricultura, processo impulsionado, principalmente, depois da Segunda Guerra Mundial. Na década de 1950, as mudanças na base técnica da produção agropecuária surgiram com a importação de máquinas, tratores, adubos e outros insumos, concretizando-se quando esses bens de capital e insumos agrícolas começam a ser produzidos no mercado interno substituindo às importações (LOPES, 1993). A agricultura perdeu território para a industrialização na década de 1950. Esse processo, para ser viabilizado, demandou políticas que alteravam os preçosna economia e também gerou uma transferência ampla da renda agrícola para diversos setores. O Brasil ocupa posições importantes no ranking mundial de produção e exportação de bens provenientes do complexo agroindustrial, sendo o agronegócio a atividade econômica mais aberta e competitiva no mercado externo (LOPES, 1993). Já no século XX iniciou o processo de apropriação da agricultura pelo capital. A análise indica o surgimento da inter-relação que passaria a incidir entre a agricultura e a indústria e originaria o processo de industrialização da agricultura. Contudo, somente a agroindústria não era o bastante para a existência de um complexo agroindustrial. Para que isso acontecesse era preciso analisar alguns condicionantes econômicos que do mesmo modo são estruturais e temporais, isto é, um nível elevado de uniões entre distintas esferas e atividades econômicas (KAUTSKY, 1980). FIGURA 6 – DISTRIBUIÇÃO DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL FONTE: <https://meioambiente.culturamix.com/blog/wp-content/gallery/desvendando-o- agronegocio-no-brasil2/desvendando-o-agronegocio-no-brasil-15.jpg>. Acesso: 16 mar. 2019. UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 102 Costuma-se dividir o estudo do agronegócio em três partes. A primeira parte aborda os negócios agropecuários propriamente ditos, que representam desde os pequenos até os grandes produtores rurais, constituídos na forma de pessoas físicas, ou seja, fazendeiros ou camponeses, ou de pessoas jurídicas, isto é, empresas. Já na segunda parte, os negócios montantes aos da agropecuária, representados pelas indústrias e comércios fornecedores de insumos para a produção rural, como os fabricantes de fertilizantes, defensivos químicos, equipamentos etc. E por último, na terceira parte, estão os negócios à jusante dos negócios agropecuários, desde a compra, o transporte, o beneficiamento, a venda dos produtos agropecuários até o consumidor final. Estão nesta definição os frigoríficos, as indústrias têxteis e de calçados, os empacotadores, os supermercados e os distribuidores de alimentos, segundo o Agrocomunica (2018). Para melhor compreensão do conceito de complexo agroindustrial é necessário conhecer a definição. A agroindústria como “[...] todo o segmento industrial de produtos alimentícios, as indústrias que transformam matéria-prima agropecuária em produtos intermediários para fins alimentares e não alimentares como casos especiais, as indústrias de óleos vegetais não comestíveis, de insumos agropecuários” segundo Dorighello (2003, p. 37 apud Lourenço (2010). Segundo Araújo (2005), citado por Lourenço (2010), a agroindústria apresenta dois grupos distintos de agroindústrias: as alimentares e as não alimentares. Gonçalves (2005) comenta que essas organizações se transformaram em operações altamente especializadas. Além disso, foi criado um novo arranjo de funções externas à fazenda: a produção de insumos agrícolas e fatores de produção, compreendendo máquinas e implementos, tratores, combustíveis, fertilizantes, suplementos para ração, vacinas e medicamentos, sementes melhoradas, inseticidas, herbicidas, fungicidas entre outros itens, ainda serviços bancários, técnicos de pesquisa e informação. Conforme Araújo (2005, p. 93 apud LOURENÇO 2010, p. 27) “[...] na agroindústria existem dois grupos distintos de agroindústrias”. As “Agroindústrias não alimentares: como fibras, couros, calçados, óleos vegetais não comestíveis e outras; Agroindústrias alimentares: voltadas para a produção de alimentos (líquidos e sólidos), como sucos, polpas, extratos, lácteos, carnes e outros” (ARAÚJO, 2005, p. 93 apud LOURENÇO 2010, p. 27). Nas agroindústrias alimentares e não alimentares os procedimentos industriais são bem distintos uns dos outros, enquanto que os cuidados são maiores e bastante específicos nas agroindústrias alimentares, nas não alimentares os procedimentos industriais gerais são bastante similares aos de indústrias de outros setores. Sendo assim, os cuidados adotados pelas agroindústrias alimentares se justificam, pois elas tratam da produção de alimentos e têm uma preocupação muito maior, que é a segurança alimentar dos consumidores, com o objetivo de fornecimento de alimento seguro para a saúde do consumidor (LOURENÇO, 2010, p. 27). TÓPICO 2 | OS PROCESSOS DE MODER., INDUSTRI. E FORMAÇÃO DOS COMPLEXOS AGROINDUSTRIAIS NO BRASIL 103 A propriedade agrícola alterou seu trabalho de subsistência para uma operação comercial enquanto os agricultores consomem cada vez menos a própria produção. Este moderno agricultor é um especialista, preso nas operações de cultivo e também de criação. Todavia, as funções de armazenar, processar e distribuir alimento e fibra vão se transferindo, em ampla escala, para instituições que estão fora da fazenda (ARAÚJO, WEDEKIN; PINAZZA, 1990). Fora da fazenda constituiu-se complexas estruturas e armazenamento, transporte, processamento, industrialização e distribuição ainda melhores. Os complexos agroindustriais atualmente exercem significativa importância na economia do Brasil, citando-se todas as organizações que desenvolvem atividades no processo de produção, elaboração e distribuição dos produtos da agricultura e pecuária, abrangendo desde a produção e fornecimento de recursos até que o produto final chegue aos consumidores. De acordo com Gonçalves (2005), as instituições que incorporam o Complexo Agroindustrial são: aquelas diretamente envolvidas no processo, aquelas de apoio indireto à realização das atividades na tomada de decisões, tais como o governo e suas políticas e o sistema financeiro e de crédito. Os setores que compõem o Complexo agroindustrial são: produção agropecuária: engloba os inúmeros tipos de cultivo e criações; instituições: envolve os vários serviços prestados ao setor agropecuário, como: crédito, assistência técnica, extensão, pesquisa, entre outros; indústria de insumos: abrange os ramos industriais e comerciais que se orientam para o atendimento das necessidades produtivas agropecuárias, por exemplo: corretivos, fertilizantes, defensivos, implementos, equipamentos, entre outros; comercialização: diz respeito aos serviços de estocagem e comercialização dos produtos agropecuários, como: cooperativas, atacadistas, varejistas, redes de comercialização, entre outros; indústria de processamento: inclui os setores industriais com produção predominantemente baseada em matérias-primas de origem agropecuária (GONÇALVES, 2005). Os Complexos Agroindustriais são considerados o novo modo de organização da atividade agrícola depois da sua modernização e industrialização, período em que a agricultura passa a ser inter-relacionada com outras atividades, estabelecendo relações diretas com a indústria. Nos CAI completos a agricultura vincula-se diretamente com os fornecedores de insumos, maquinário e equipamentos, e ainda com as agroindústrias processadoras dos seus produtos. Os processos produtivos modificaram com a introdução das inovadoras tecnologias, portanto, a agricultura deixa de ser um setor separado e autônomo e se incorpora a um complexo produtivo (GONÇALVES, 2005). UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 104 BNCC: GEOGRAFIA AGROINDUSTRIA MODERNA E COMPLEXOS AGRO INDUSTRIAIS Caro acadêmico, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a Geografia é incorporada desde os anos iniciais do Ensino Fundamental. Na nova abordagem proposta, o foco recai sobre o pensamento espacial e o raciocínio geográfico. Para se aproximar dos objetivos de aprendizagem, o professor também precisa se apropriar de conteúdos procedimentais. A Base reforça a ideia da Geografia como um componente importante para entender o mundo, a vida, o cotidiano, o mundo do trabalho. Essa é a grande contribuição da Geografia para os alunos da Educação Básica: desenvolver o pensamento espacial, estimulando o raciocínio geográfico para representar e interpretar o mundo em permanente transformação, relacionando componentes da sociedade e danatureza. Importante também destacar e relacionar a BNCC no componente curricular Geografia com o assunto estudado neste livro de estudos. Caro acadêmico, para saber mais e relacionar com o assunto estudado, acesse: http:// basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/. Sucesso em seus estudos! DICAS 105 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Com as revoluções industriais, o espaço rural se tornou cada vez mais integrado e subordinado ao espaço urbano. O processo de modernização da agricultura desencadeou diversas transformações no campo, alterando profundamente as formas de produção agrícola dos países. O processo de modernização do campo corresponde à implantação de novas tecnologias e maquinários no processo de produção no meio rural. • O processo de modernização se torna irreversível com a industrialização da agricultura. A produção agrícola regrediria somente no caso de uma regressão da base técnica da industrialização. A situação é que o término do processo de modernização da agricultura resulta na sua industrialização. • No desenvolvimento agrícola, no mesmo país, existem disparidades entre os lavradores e por este motivo nem todos conseguem os benefícios da modernização agrícola, já que há também um custo envolvido, assim muitos ainda estão na agricultura primitiva. • Dualismo tecnológico na agricultura brasileira existe, já que o presente e o passado compartilham a mesma região, ou seja, há a modernização agrícola com a mecanização do campo e a agricultura rudimentar com instrumentos arcaicos como a enxada convivendo num mesmo local. • O projeto de desenvolvimento rural brasileiro teve o objetivo da expansão e da concretização do agronegócio que resultou na ampliação da produtividade e investimentos para o Brasil pela exportação e as implicações dos custos sociais e ambientais crescentes. • No Brasil, o processo de modernização da agricultura iniciou-se na década de 1950 e teve como base as importações de meios de produção mais avançados daquele período. Entretanto, a sua consolidação aconteceu somente na década de 1960, com a implantação no país de um setor industrial direcionado à produção de equipamentos e insumos para o campo. • No final da década de 1960, a agricultura inicia vínculos com outros setores de produção, tornando-se dependente dos insumos que recebe de distintos segmentos industriais. A produção não mais se limita exclusivamente a bens de consumo final ou na comercialização de mercadorias in natura, mas, ao mesmo tempo na produção de bens intermediários ou matérias-primas para outras indústrias de transformação. 106 • Na década de 1970 a modernização na agricultura modificou as relações produtivas, agregando o campo com a cidade, agricultura e indústria. A propósito da modernização e a geografia agrária, após os anos 1990, muitas pesquisas na geografia agrária e urbana partiram para as interpretações das inter-relações dos espaços contínuos. • Os assuntos a respeito da multifuncionalidade dos espaços rurais, como a pluriatividade (turismo rural, camping, pesque e pague etc.) são discutidos a partir dos anos 90, principalmente depois dos estudos realizados por Graziano (1999) sobre o Novo Rural Brasileiro. O referido estudo demonstrou a crescente participação dessas atividades na renda das famílias camponesas e também dos empresários rurais. • As novas ruralidades no urbano são observadas por meio de hortas urbanas ou agricultura urbana, além das questões sociológicas pelos migrantes nativos de áreas rurais que residem na cidade e cultivam tradições e culturas tradicionais. As cidades do agronegócio são cidades organizadas numa perspectiva da agropecuária. Nessa visão o campo é quem determina os processos e estruturas da cidade. • Entende-se por Complexo Agroindustrial: “[...] o conjunto de relações entre indústria e agricultura na fase em que esta mantém intensas conexões para trás, com a indústria para a agricultura e para frente, com as agroindústrias e outras unidades de intermediação que exercem impactos na dinâmica agrária. O Complexo Agroindustrial é uma forma de unificação das relações entre os grandes departamentos econômicos com os ciclos e as esferas de produção, distribuição e consumo, relações estas associadas às atividades agrárias” (MÜLLER, 1989, p. 41). • Os setores que compõem o Complexo Agroindustrial são: produção agropecuária: engloba os inúmeros tipos de cultivo e criações; instituições: envolve os vários serviços prestados ao setor agropecuário, como: crédito, assistência técnica, extensão, pesquisa, entre outros; indústria de insumos: abrange os ramos industriais e comerciais que se orientam para o atendimento das necessidades produtivas agropecuárias, por exemplo: corretivos, fertilizantes, defensivos, implementos, equipamentos, entre outros; comercialização: diz respeito aos serviços de estocagem e comercialização dos produtos agropecuários, como: cooperativas, atacadistas, varejistas, redes de comercialização, entre outros; indústria de processamento: inclui os setores industriais com produção predominantemente baseada em matérias-primas de origem agropecuária (GONÇALVES, 2005). 107 AUTOATIVIDADE 1 Os Complexos Agroindustriais são considerados o novo modo de organização da atividade agrícola depois da sua modernização e industrialização, período em que a agricultura passa a ser inter-relacionada com outras atividades, estabelecendo relações diretas com a indústria. Como podemos verificar a ligação do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) com a produção industrial e o crescimento do setor agroindustrial em nosso país? Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O crescimento do PIB está diretamente ligado com as importações dos insumos agrícolas e com a diminuição do consumo interno de produtos agrícolas. b) ( ) Os complexos agroindustriais ampliam as exportações e a velocidade do segmento de produção dos pequenos e médios produtores rurais. c) ( ) Os complexos agroindustriais apenas favorecem o grande produtor rural não havendo crescimento no PIB nacional. d) ( ) O crescimento do PIB não tem nada a ver com o crescimento dos complexos agroindustriais, pois as exportações do setor primário de nosso país é apenas feito por commodity. 2 No Brasil, o processo de modernização da agricultura iniciou-se na década de 1950 e teve como base as importações dos meios de produção mais avançados daquele período. Entretanto, a sua consolidação aconteceu somente na década de 1960, com a implantação no país de um setor industrial direcionado à produção de equipamentos e insumos para o campo. Sobre a modernização no campo em nosso país, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O Brasil é considerado um país de agricultura e pecuária moderna, mas essa condição só começou a ocorrer a partir do início do século XXI, pois até então não havíamos passado por nenhum processo de modernização agropastoril. b) ( ) A modernização no campo em nosso país é desigual quando observamos os complexos regionais brasileiros que favorecem mais as regiões norte e nordeste com espaços mais modernos e o centro-sul com o predomínio de minifundiários com agricultura familiar e extrativista. c) ( ) Os espaços agrários seguem a mesma dificuldade de desenvolvimento regional de muitas áreas de nosso país, caracterizado ainda como um país com regiões mais desenvolvidas que outras, favorecendo o mau uso da terra e aproveitamento dos potencias de produção alimentar. d) ( ) As desigualdades regionais se restringem apenas as regiões extrativistas do norte do país, mais precisamente as famílias coletoras da floresta Amazônica. 108 3 O agronegócio ou em inglês agribusiness tem o conceito que se destina unicamente ao aumento da noção de agricultura que nos Estados Unidos dos anos 50 não poderia ser abordada como setor primário, porque na sua dinâmica, produzia insumos e também estava em crescente interligação de setores. O que se entende então por ComplexoAgroindustrial no agronegócio? 109 TÓPICO 3 OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico! Os sistemas produtivos baseados unicamente no uso de insumos e na utilização intensiva de máquinas para o preparo do solo, como arados e grades mostraram-se inadequados e insustentáveis para a produção. Com outro direcionamento surgiram no Brasil e no mundo movimentos de agricultura alternativos ao convencional, contrapondo-se ao uso abusivo de insumos agrícolas industrializados, da dissipação do conhecimento tradicional e da deterioração da base social de produção de alimentos. Os sistemas sustentáveis de produção agrícola (agricultura, pecuária e silvicultura) podem ser conceituados como o conjunto de técnicas e práticas que visam à produção de alimentos, fibras, madeira e agroenergia, de forma a atender três requisitos fundamentais: ser economicamente viável, ambientalmente correto e socialmente justo. Esses sistemas têm como objetivo a produção com mínimo impacto aos recursos naturais, através do uso racional dos insumos, do respeito à legislação ambiental e trabalhista. A partir desses movimentos surgiram correntes de atuação com diversas denominações para diferentes sistemas de produção empregados em diferentes condições ambientais, apresentando resultados satisfatórios do ponto de vista ecológico, agronômico, econômico e social. A agroecologia é uma ciência surgida na década de 1970 como forma de estabelecer uma base teórica para esses diferentes movimentos de agricultura não convencional. A agroecologia propõe alternativas para minimizar a artificialização do ambiente natural pela agricultura e apresenta uma série de princípios e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas. Esse será nosso foco de estudo no tópico a seguir. 2 SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS (GLOBAL) A agricultura como um todo abrange elementos e processos conectados que propiciam a oferta de produtos aos seus consumidores finais, pela transformação de insumos originados pelos seus elementos. Este conjunto de processos e instituições interligadas por objetivos comuns forma um sistema que, por sua vez, engloba diversos sistemas menores, ou subsistemas (OSORIO et al., 110 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE 2017). Os sistemas agrícolas compõem um arranjo de elementos que funcionam como uma unidade. E na sua composição há animais, plantas e um conjunto da flora e fauna de uma região (HART, 1979). O surgimento da Revolução Verde teve uma boa atuação em termos produtivos em áreas favorecidas de um clima estável e energia barata. A partir deste período, “Milhões de hectares foram transformados em sistemas agrícolas de larga escala, especializados e dependentes de insumos industriais” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 14). Existindo poucos investimentos para a ampliação da “[...] capacidade de adaptação da agricultura industrial às mudanças climáticas ou aos eventos climáticos extremos, a não ser por ações baseadas em ‘fórmulas mágicas’, como a transgenia, com a qual se espera que as culturas produzam mesmo em condições de estresse ambiental” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 14). Apresentam-se poucos trabalhos “[...] na elaboração de práticas de manejo que aumentem a resiliência da agricultura às mudanças climáticas” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 14). Mas existem inúmeras constatações que provam “[...] que os manejos de base agroecológica contribuem enormemente nesse sentido”. Vários estudos que revelaram “[...] que agricultores familiares que adotam esses manejos conseguem lidar com as alterações climáticas, minimizando as quebras de safra” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 14). E os resultados de diversos estudos recomendam que esses manejos atribuem “[...] maior capacidade de resistência a eventos climáticos, proporcionando menor vulnerabilidade e maior sustentabilidade aos sistemas agrícolas no longo prazo” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 14). Com base nessas evidências, vários especialistas têm sugerido que o resgate de sistemas de manejo tradicionais, juntamente com o emprego de estratégias de manejo de base agroecológica, pode representar o único caminho viável e robusto para aumentar a produtividade, a sustentabilidade e a resiliência da produção agrícola (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 14). Foram citados poucos “[...] exemplos de como agroecossistemas complexos” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 15) apresentam a capacidade de se moldarem e resistirem as implicações das transformações do clima. Já os sistemas agroflorestais são capazes de suavizar o choque das grandes flutuações de temperatura sobre as culturas, conservando-as do mesmo modo em condições mais próximas dos reais. “Cultivos de café mais sombreados protegem as culturas da queda nos índices de precipitação e da redução da disponibilidade de água no solo em função de seu estrato superior florestal, reduzindo a evaporação do solo e aumentando a infiltração de água no solo” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 15). Há a união consente que os agricultores produzam diversas culturas ao mesmo tempo, reduzindo os riscos. Ou seja, os policultivos proporcionam maior equilíbrio de rentabilidade e menor declínio de produtividade durante temporadas de seca. Segundo Carvalho (2018, p. 25-26) citando ALTIERI et al., (2003): TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 111 [...] sistemas agrícolas mais diversificados dispõem de mais recursos que podem estimular a ação de inimigos naturais, além de garantir maior resiliência ao ambiente, devido à quantidade de interações ocorrendo no sistema, diferente do que ocorre nos cultivos sob regime de monocultura, onde a presença de uma única espécie pode gerar desequilíbrios e instabilidades ambientais, além de favorecer o surgimento de inimigos naturais, pragas ou doenças. Os sistemas silvipastoris intensivos são outro exemplo “[...] que combinam arbustos forrageiros plantados em altas densidades, árvores, palmeiras e pastagens. Nesses sistemas, é possível manter uma alta lotação animal e ainda produzir leite e carne por meio do pastejo rotacionado” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 15). Os exemplos citados apresentam uma combinação de benefícios produzidas pelos sistemas distintos de produção “[...] como regulação da água, microclima favorável, biodiversidade e estoques de carbono, não só fornece bens e serviços ambientais para os produtores, mas também proporciona uma maior resiliência às mudanças climáticas” (NICHOLLS; ALTIERI, 2012, p. 15). SISTEMAS AGRÍCOLAS TRADICIONAIS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS (REVOLUÇÃO VERDE) Complexos e extremamente diversos (cultivos diversificados com sementes nativas milenares de grande variabilidade genética). Monoculturas geneticamente uniformes (cultivos homogêneos de variedades de laboratório); perda de variedades antigas e a perda irrecuperável de material genético e de alternativas alimentícias. A cada ciclo produtivo da agricultura de base camponesa, são utilizadas sementes nativas, solo fertilizado por processos ecológicos da natureza manejados pelos agricultores, água do ambiente, que são recursos endógenos que foram mantidos por gerações, visto que a agricultura nativa tem como base em seu conhecimento tradicional a interação solo–planta– água–ecossistema. A cada safra novos insumos externos, como sementes, adubos químicos, agrotóxicos, petróleo e irrigação são necessários e precisam ser adquiridos. QUADRO 1 – DISTINÇÕES ENTRE SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS (REVOLUÇÃO VERDE) E SISTEMAS AGRÍCOLAS TRADICIONAIS 112 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE São utilizadas sementes nativas. As sementes “melhoradas” somente são produtivas com base no pacote tecnológico. Sem os insumos adicionais, seu desempenho é inferior ao das variedades nativas. Portanto, o termo “variedades de alto rendimento” pode ser considerado enganoso, pois não é pelas características intrínsecasque as variedades apresentam alta produtividade. Além disso, com o estreitamento das bases genéticas da agricultura, as culturas ficaram fragilizadas e vulneráveis a desequilíbrios, as chamadas “pragas” e doenças (que decorrem de aumento da população de uma ou outra espécie por causa de desequilíbrios ecológicos nas interações ecológicas da cadeia alimentar) e as variações climáticas. A base dessa agricultura é sustentável, responsável pela conservação das condições de produtividade. Não conserva as condições de produtividade. O solo é visto como uma unidade viva, rico em organismos que fazem a aeração e a decomposição da matéria orgânica, renovam os nutrientes e fertilizam o solo de um ciclo para o outro. Considera o solo como substrato, adiciona adubo químico e água, e prepara-o com o uso de máquinas. As variedades nativas não são produzidas somente para o mercado: são cultivadas para produzir comida, forragem para os animais e fertilizantes orgânicos para o solo, e podem ser consideradas, sob vários aspectos, melhores do que as chamadas “melhoradas cientificamente por seleção de certas características que respondem bem ao pacote”. As monoculturas que privilegiam algumas variedades ameaçam a grande diversidade de espécies nativas e seus usos múltiplos. O pacote da Revolução Verde foi criado para substituir a diversidade em dois níveis: monoculturas de grãos que substituíram os cultivos mistos e a rotação de culturas diversas e base genética limitadíssima, priorizando a produção como mercadoria para venda. FONTE: PEREIRA (2012, p. 687-689). No Quadro 1, observamos várias diferenças entre os sistemas agrícolas contemporâneos (Revolução Verde) e os sistemas agrícolas tradicionais. Outra diferença a destacar: os sistemas agrícolas contemporâneos são amplamente dependentes de combustíveis a base de petróleo, pois utilizam nos seus maquinários e para produzirem fertilizantes, diferente dos sistemas agrícolas tradicionais, já que a maioria das pequenas propriedades emprega um ínfimo de insumos derivados de combustíveis fósseis, ocasionando vários benefícios e gerando um impacto ambiental reduzido, menos dinheiro gasto e aumento da resiliência com relação às flutuações no preço dos combustíveis fósseis (NIELSEN, 2012). TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 113 Observa-se que a dinâmica do sistema agrícola contemporâneo e alimentar mundial é menos tumultuado e confuso que os sobressaltos dos preços, das penúrias, da fome e das ferozes negociações mercantis internacionais permitem compreender. Os movimentos na superfície dos mercados e nas diretrizes agrícolas se esclarecem pelo arranjo, o funcionamento e a dinâmica do sistema agrícola e alimentar mundial. Este foi um sistema que se formou, realmente somente ao longo das últimas décadas, por constituir relação entre agriculturas bem distintas, produzidas no decorrer dos 10.000 anos de uma história agrária incrivelmente distinguida segundo as regiões do globo (MAZOYER; ROUDART, 2010). Ora, esse sistema agrícola e alimentar mundial, composto por subsistemas regionais relativamente especializados, concorrentes e muito desiguais na eficiência, se desenvolve de maneira contraditória e divergente. Por um lado um número reduzido de propriedades e de regiões do mundo sempre acumula mais capitais, concentra os cultivos e as criações mais produtivas e conquista, sem cessar, novas partes de mercado. Por outro lado, regiões muito extensas e a maioria dos camponeses do mundo mergulham na crise e na indigência até serem excluídas. De um lado, uma agricultura que pode pecar por excesso de meios; de outro, uma agricultura que, na falta de meios, não renova a fertilidade dos ambientes que explora. Essa colossal distorção do sistema agrícola e alimentar mundial está na base das enormes desigualdades de renda e de desenvolvimento que existem entre os países (MAZOYER; ROUDART, 2010, p. 551-552). Segundo os autores, se infelizmente a Terra estivesse numa lei desenvolvimentista tão impetuosamente conflitante, não constituiria dúvida de que o destino fosse mais parecido com um conjunto de ilhas prósperas e guarnecidas, espalhadas em um mar de pobreza, num mundo próspero que aos poucos vai absorvendo cada ilha, uma depois da outra com resquício de miséria. Para Foley (2011), a demanda mundial de alimentos está crescendo velozmente, como também os impactos ambientais da ampliação agrícola. Ao intensificar a agricultura, o homem fez dela uma dominadora ameaça à Terra, já que consome 38% da extensão do mundo. Além da extensão do mundo que os sistemas agrícolas consomem, também precisarão de água, porém, sofrerão com a escassez de água e com as alterações climáticas que podem aumentar o risco de problemas de produção. As reivindicações daí decorrentes da água, alimentos e energia irão fortificar os conflitos da utilização do solo e aumentar os impactos ambientais. Por este motivo devemos com urgência harmonizar nossas crescentes necessidades consumistas com a proteção do meio ambiente. Também devemos produzir mais alimentos com o mínimo de recursos e isso pode acontecer por meio da agricultura sustentável (BROOKS, 2014). 114 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE A agricultura sustentável busca a assistência aos agricultores, recursos e comunidades por meio da promoção de práticas de cultivo e técnicas que são lucrativas, ambientalmente benéficas e boas para as comunidades. Há necessidade da proteção da biodiversidade e dos solos cultiváveis para o futuro da produção de alimentos. E também existe a necessidade da proteção da variedade genética para salvaguardar a resiliência dos ecossistemas (BROOKS, 2014). Podemos citar o exemplo do Centro de Sistemas de Conhecimento Tradicional (CIKS), localizado na Índia que busca garantir que os saberes tradicionais sobre diversas espécies sejam revalorizados nos sistemas agrícolas contemporâneos, de acordo com Nicholls e Altieri (2012). Por meio da agrobiodiversidade estão conhecendo uma abundância de espécies que resistem as secas, as pragas e também as doenças. Ainda os auxiliou na produção de alimentos de modo adaptado às condições da localidades, tradições e culturas. Além disso, proporcionam produtividades maiores. Os autores consideram que um dos maiores desafios no século XXI é produzir mais para suprir as necessidades alimentares da comunidade que a cada dia cresce mais, porém, reduzindo os desperdícios gerados pelo consumo e consequentemente os prejuízos à natureza. 2.1 SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS (AMÉRICA LATINA) Segundo os indicadores do Inter-American Development Bank (IADB, 2014), a América Latina deve crescer 80% até 2050 no setor agrícola, já a sua população teve um aumento de mais de 35% no mesmo período. Os indivíduos pobres deste território consumem entre 50% e 80% de sua renda com alimentação, sendo que aproximadamente 2/3 da população rural total ainda vive na pobreza de acordo com a IADB (2014) citado por Ferreira et al. (2016). A agricultura Latino-Americana está num lento desenvolvimento produtivo, sendo que a taxa de crescimento anual da produtividade total dos fatores aumentou somente 1,9% entre os anos de 1961 a 2007, comparado com o percentual de 2,4% nos países da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD). Já nas nações da América Central e do Caribe, em que há limitação de terras, é um fator determinante da ampliação da produção, a taxa de crescimento é ainda inferior, 1,1% para o mesmo período (IADB, 2014 citado por FERREIRA et al., 2016, p. 439). De acordo com Agroanalysis (2014, apud FERREIRA et al., 2016, p. 440): Contudo, a América Latina e o Caribe já se estabeleceram como a maior região exportadora líquida de alimentos do mundo. A produção quase que total é destinada à exportação. De acordo com o IADB (2014), a América Latina e o Caribe alcançaram só uma fração de seu potencial para aumentar a produção agrícola,tanto para o consumo regional como para a exportação mundial. Entretanto, o cenário de concentração de terras férteis nas mãos de poucos proprietários e a falta de terras para que todos possam cultivar levaram ao surgimento de áreas de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032016000300437#B20 TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 115 intenso conflito nesses países. A relação fundiária conturbada fez com que, em vários países, fossem criados projetos de reforma agrária com o objetivo de fazer melhor distribuição das terras. Países que já adotaram reformas nesse sentido são México, Cuba, Peru e Chile. Considera-se que 28% da terra agricultável tem uma potencialidade alta para a ampliação sustentável da superfície cultivada no planeta e 36% da terra está cerca de seis horas dos comércios locais o que corrobora com a real potencialidade agrícola desses países em extensão de terras, bem como o acesso ao escoamento dessa produção (ZEIGLER; TRUITT NAKATA, 2014). Mas, esses fatores são reunidos a uma série de condições desfavoráveis para o progresso de novas formas de agricultura produtiva e sustentável com o meio ambiente da região, por exemplo. Ainda carecem ser priorizados para melhorar o desenvolvimento da região as operações de organismo os créditos internacionais, investimentos públicos e privados, políticas de ação e ciência agrícola (ZEIGLER; TRUITT NAKATA, 2014). O aumento da produtividade e da produção alimentar regional na América Latina e no Caribe são oriundos das contribuições dos investimentos em infraestrutura rural. E os organismos internacionais, como o Inter-American Development Bank (IADB), são responsáveis pelo financiamento sobretudo da construção e da reabilitação da irrigação, drenagem e controle de enchentes. Além disso, quanto aos projetos de desenvolvimento produtivo, o IADB ainda apoiou a infraestrutura regional ou nacional e na área rural apoiou estradas, eletricidade e água, para o desenvolvimento da pecuária (IADB, 2014 apud FERREIRA et al., 2016). O Programa de Serviços Agrícolas Provinciais (PROSAP) em 2004, financiou outros projetos de desenvolvimento agropecuário, como nas regiões do norte da Argentina e em 2006 com inversões em irrigação, estradas rurais e eletrificação, ainda investimentos em assuntos pertinentes à gestão da água. Outro exemplo, em 2008 na Bolívia, foi efetivado um programa nacional de irrigação, com destaque na bacia hidrográfica (IADB, 2014 apud FERREIRA et al., 2016). “O IADB também financiou programas de irrigação para o Brasil, no estado de Tocantins, em 2010. Os demais países latino-americanos também foram contemplados por esse programa, como Guatemala (2006), Guiana (2004), Haiti (2005 e 2007) e Jamaica (2004)” (FERREIRA et al., 2016, p. 440). Em 2010, no Brasil, no estado de Tocantins, o IADB financiou programas de irrigação. Já em 2004 a Guiana e a Jamaica, em 2005 e 2007 o Haiti e a Guatemala em 2006, também foram contemplados por esse programa (FERREIRA et al., 2016). Referenciado as transferências de dinheiro aos produtores rurais, isso pode contribuir com a garantia de certo nível de renda para os agricultores, observando que esses programas também podem ser empregados como política para maximizar a produtividade, para a ampliação das transferências condicionais de renda para a adoção de tecnologias por meio da melhor gestão das propriedades rurais. Como exemplo, no Brasil, os créditos de custeio, de investimento ou de comercialização podem ser solicitados ao Governo Federal mediante cooperativas de crédito ou por mediação dos bancos, ambos financiados pelo Banco Nacional 116 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bem como pelos Fundos Constitucionais de Financiamento (IADB, 2014). “O Patca (Proyecto de Apoyo a la Transición Competitiva Agroalimentaria) e o Procampo do México e da República Dominicana também são exemplos de transferência de renda ao setor agrícola” (IADB, 2014, apud FERREIRA, 2016, p. 440). Na América Latina observa-se de forma intensa dois tipos de agricultura: a de subsistência e a de caráter comercial (quase sempre predomina a monocultura). Exemplo disso é o café, base de grande parte das rendas de exportação dos países latino-americanos como: Costa Rica, Colômbia, El Salvador e Guatemala. E a banana também apresenta grande importância econômica para países como Panamá e Honduras, segundo CEPAL (2014) citado por Ferreira (2016). Segundo CEPAL (2014 apud FERREIRA, 2016, p. 441), as monoculturas [...] que se estabeleceram nos países da América Latina possuem índices de produtividade bastante elevados. Dentre as culturas que se destacam estão soja, cana-de-açúcar, frutas, trigo e cacau. Contudo, muitos países são responsáveis ainda pela exportação de carne bovina, abastecendo os mercados da Europa, por exemplo. O Brasil enquadra-se na “primeira economia desse bloco de países, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior” (MDIC, 2014 citado por FERREIRA, 2016, p. 441), pois considera o Brasil como um dos país mais produtivos do globo, tanto em quantidade, quanto por ser produtivo (MDIC, 2014 citado por FERREIRA, 2016, p. 441). Segundo os autores, nas últimas três décadas “[...] a área plantada de grãos cresceu 42% [...]” (MDIC, 2014 citado por FERREIRA, 2016, p. 441), crescendo cerca de 230%. Ou seja, enquanto a área plantada prosseguiu cerca de 20 milhões de hectares, a produção ampliou em cerca de 135 milhões de toneladas e resultou num rendimento produtivo de em torno de 3,5% ao ano. Caso os outros países da América-Latina apresentassem a produtividade semelhante ao Brasil, a área cultivada seria de quase 20% inferior e assim a economia seria de cerca de 8,5 milhões de hectares, segundo MDIC (2014) citado por Ferreira (2016). Quanto aos sistemas agrícolas contemporâneos da América Latina podemos destacar a Agroecológica como um movimento com o objetivo de preservar o meio ambiente e ao mesmo tempo promover o crescimento socioeconômico dos pequenos lavradores. “Em face da exclusão política e social desses agricultores, esse movimento caracterizou-se por uma clara orientação de fazer crescer seu insignificante peso político nas sociedades latino-americanas” (KHATOUNIAN, 2001, p. 28) Já os sistemas agrícolas brasileiros são fundamentais para a economia do país e existem vários relacionados a sustentabilidade, como será abordado a seguir. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032016000300437#B20 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032016000300437#B26 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032016000300437#B26 TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 117 2.2 SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS MECANIZADOS (BRASIL) A partir da manifestação da chamada Revolução Verde, nas décadas de 1960 e 1970, o espaço rural brasileiro vem passando por inúmeras mudanças “[...] a qual se baseia no aumento da produtividade agrícola, [...] e do uso intensivo de insumos químicos, mecanização e irrigação” (SALAMONI, 2000, p. 51). A discussão sobre a Revolução Verde surge com uma expectativa do Primeiro Mundo a respeito das inovações tecnológicas e desenvolvimento, principalmente o econômico direcionado ao “Terceiro Mundo”, como expressa Gómez (2006, p. 185): O discurso da Revolução Verde estava repleto de uma perspectiva ocidental sobre a ciência, o progresso e a economia, que deviam promover-se (impor-se, se for preciso) nos países do chamado Terceiro Mundo. Em consonância com a teoria da modernização, que era o modelo de desenvolvimento próprio desses anos [...] a Revolução Verde identificava no Terceiro Mundo uma série de carências que deviam ser satisfeitas, à base de aumentar quantitativamente os bens e os serviços. Ao mesmo tempo, essa febre produtivista, que em teoria beneficiaria os paísespobres, servia tanto para aumentar a produção de matérias-primas baratas, destinadas às agroindústrias do denominado Primeiro Mundo que as beneficiavam, incrementando seu valor, como para aumentar a produção de maquinário e insumos químicos desses países ricos que vendiam para os países pobres. A Revolução Verde tinha por finalidade a dominação dos meios naturais “[...] com base na indústria química de adubos sintéticos e de agroquímicos, bem como no uso intensivo de energia, pesquisa genética, máquinas e equipamentos”, segundo Mazzoleni e Oliveira (2010) citado por Maciel (2014, p. 502). Assim, esse modelo de agricultura é facilitado até adaptar alguma natureza para o acompanhamento uniformizado por medidas tecnológicas. A partir dos anos 1980 surgem novas formas de organização das atividades no meio rural brasileiro, características que podem ser associadas ao processo de modernização da agricultura (GRAZIANO; GROSSI; CAMPANHOLA, 2002, p. 39). O “novo rural” para Graziano, Grossi e Campanhola (2002) é dividido em três grandes grupos: agropecuária moderna, atividades não agrícolas relacionadas com a habitação e o lazer e as novas atividades impulsionadas por nichos de mercado. O autor pondera sobre uma provável segmentação das atividades no espaço rural, em vista que existem diversas atividades realizadas ao mesmo tempo no rural do Brasil, devido especialmente a sua proporção. Este aspecto acende um debate sobre quais seriam realmente os papéis e/ou os “novos” papéis da agricultura. Nesse período de exaltação pela contemporaneidade pensava- se que nenhuma “[...] pesquisa poderia ser feita fora da modernidade química, nenhum financiamento poderia contemplar sistemas agrícolas rudimentares, nenhum consumidor mereceria um produto que não fosse seguro e moderno” (MAZZOLENI; OLIVEIRA, 2010, p. 571). 118 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE Com a maximização da produção de alimentos através do emprego intenso de adubos químicos e da mecanização, surgiram sérias implicações em relação ao seu uso na natureza. Logo a sociedade questiona sobre a relação dos efeitos ocasionados pelo uso de agroquímicos com os riscos à saúde. A partir dessa forma de pensar descobriram a necessidade da aquisição de alimentos que não prejudicasse a saúde e deste modo modificou o mercado consumidor e também as suas exigências. Deste modo, o produto agrícola produzido de forma tradicional, antes desvalorizado por não ser produzido de forma moderna com a agricultura química padronizada, torna-se o preferido e o mais valorizado com uma recompensa no preço por ser orgânico (MAZZOLENI; OLIVEIRA, 2010). Neste contexto surgem os inúmeros sistemas agrícolas contemporâneos voltados à sustentabilidade. A seguir apresentaremos três sistemas agrícolas empregados no Brasil. 2.2.1 Sistema Agrícola de Base Familiar Agricultura familiar é uma alternativa produtiva que gera trabalho e renda, diminuindo a pobreza e a desigualdade da renda rural. Desse modo, a produção familiar rural, dada sua amplitude, possui uma importante função para o desenvolvimento da sociedade de forma generalizada, sobretudo quando se destacam as pequenas propriedades rurais (MACIEL et al., 2014). A agricultura familiar exerce um importante papel na economia brasileira, pois ela “[...] é a 8ª maior produtora de alimentos do mundo. Se considerada a produção agrícola nacional, o país salta para a 5ª posição, com faturamento anual de US$ 84,6 bi” (BRASIL, 2018). FIGURA 7 – AGRICULTURA FAMILIAR FONTE: <http://genjuridico.com.br/wp-content/uploads/2014/11/roca_agrifamiliar.jpg>. Acesso em: 31 mar. 2019. TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 119 A agricultura familiar se caracteriza quando a família é ao mesmo tempo a proprietária dos modos de produção e trabalha nas próprias unidades produtivas. Assim, todos os procedimentos usados na produção são decididos pelos próprios agricultores que empregam seus conhecimentos tradicionais em todos os tratos culturais, começando pela seleção do local onde será o plantio, o modo de preparação do solo, as formas de colheita, finalizando com o plano de como será a comercialização do produto final (WANDERLEY, 2001). Algumas vantagens desse modo de produção são: a utilização do conhecimento puramente tradicional dos produtores, a “[...] gestão da foça de trabalho, particularmente relevantes em processos de produção intensivos em trabalho que exigem tratos culturais delicados e cuidadosos que dificilmente podem ser compensados pela firma patronal” (GUANZIROLI et al., 2001, p. 6). A agricultura familiar gera trabalho local e reduz o êxodo rural, além de diversificar os sistemas de produção, permitindo uma atividade econômica em maior equilíbrio com o meio ambiente, contribui para o desenvolvimento das localidades e exerce um importante papel na economia brasileira (MACIEL et al., 2014). 2.2.2 Sistema Plantio Direto (SPD) O Sistema Plantio Direto (SPD) é o modelo de “[...] manejo conservacionista que envolve todas as técnicas recomendadas para aumentar a produtividade [...]” e gera a conservação ou melhoramento continuo do ambiente. O SPD baseia-se na “[...] ausência de revolvimento do solo, em sua cobertura permanente e na rotação de culturas” (SALTON; HERNANI; FONTES, 1998, p. 16-17). Implica, ao mesmo tempo, uma modificação no modo de ponderar a “[...] atividade agropecuária a partir de um contexto socioeconômico com preocupações ambientais” (SALTON, HERNANI; FONTES, 1998, p. 16-17). “A rotação de culturas é fundamental para se obter os efeitos esperados desse sistema” (SALTON; HERNANI; FONTES, 1998, p. 16-17). Este sistema exige adaptação local do método, pois acata três condições mínimas: “[...] não revolvimento do solo, rotação de culturas e uso de culturas de cobertura para formação de palhada, associada ao manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas” (EMBRAPA, 2004, p. 2 apud HOFF, et al., 2011, p. 488). 120 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE FIGURA 8 – PRINCÍPIOS BÁSICOS QUE REGEM O SISTEMA PLANTIO DIRETO FONTE: <http://blog.agropro.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Plantio-direto-diagrama.jpg>. Acesso em: 30 mar. 2019. O plantio direto na palha foi introduzido primeiramente nos estados do Sul do Brasil por volta da década de 70, numa tentativa de minimizar as perdas de solo, fertilizantes, corretivos, sementes, combustível e trabalho, sem considerar os custos ambientais e as perdas de rendimentos das culturas provocadas principalmente pela erosão hídrica, pelo relevo ondulado e pelo mau gerenciamento das propriedades. Os primeiros estados que adotaram o Sistema Plantio Direto foram os estados do Paraná e do Rio Grande do Sul que também desenvolveram a tecnologia no mesmo período do tempo (HOFF, et al., 2011). FIGURA 9 – SISTEMA PLANTIO DIRETO FONTE: <http://blog.agropro.com.br/wp-content/uploads/2015/08/DSC_1778.jpg>. Acesso em: 30 mar. 2019. TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 121 Há no país uma escala crescente na adoção do Sistema Plantio Direto. O sistema em 2004 [...] ocupava quase 22 milhões de hectares dos 42,5 milhões de hectares destinados à produção de grãos no Brasil, segundo os dados estimados pela Febrapdp (2004). Em 2007, segundo Rocher (2009), este número chegou a 26 milhões de hectares, mais de 50% do total plantado no País. A expansão das áreas exploradas sob o SPD teve um crescimento, da safra 1992/1993 para a safra 2003/2004, de mais de 1000%, o que permite inferir que as áreas sob o sistema ainda possuem uma taxa de crescimento positiva. Segundo dados ainda da Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha (2004), os Estados pioneiros na difusão do SPD, Rio Grande do Sul e Paraná, são também os Estados com a maior área de adoção do SPD, respectivamente, 3.593 mil hectares e 4.961 mil hectares, no período 2000-01, seguidos, na ordem, por Mato Grosso do Sul (1.699 mil ha), São Paulo (1.017 mil ha) e SantaCatarina (986 mil ha). Os Cerrados, e especificamente Mato Grosso do Sul, são os que apresentaram a maior taxa de crescimento da área em SPD: cerca de 20% entre as safras 1999/2000 e 2000/2001, sendo estas as áreas de maior possibilidade de ampliação na adoção do sistema, mas que ainda dependem de uma maior intensificação da pesquisa centrada nas plantas de cobertura que possam resistir aos períodos secos (HOFF et al., 2011, p. 489-490). A instituição que se destaca na pesquisa do Sistema Plantio Direto no Paraná e no Brasil é o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) com uma linha de pesquisa direcionada ao pequeno produtor, “[...] desenvolvendo equipamentos que utilizam tração animal” (HOFF et al., 2011, p. 489-490). 2.2.3 Agroecologia A agroecologia é uma vertente agronômica que engloba técnicas ecológicas de cultivo com sustentabilidade social, incorpora fontes alternativas de energia e sua principal preocupação é “[...] sistematizar todos os esforços num modelo tecnológico socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente sustentável” (AMBIENTA BRASIL, s. p., 2019). Segundo Dabrowska (2012, p. 7), agroecologia é Um conjunto significativo e crescente de redes, movimentos e organizações da sociedade civil em todo o mundo vem se organizando para afirmar a perspectiva agroecológica perante a opinião pública e os órgãos oficiais nacionais e supranacionais. Tomando como referência o relatório da Avaliação Internacional sobre Conhecimento, Ciência e Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento (IAASTD, na sigla em inglês), argumentam que esse é o caminho para o enfrentamento da crise sistêmica global que tem na agricultura uma de suas principais causas e vítimas. A mensagem principal do manifesto Tempo de Agir, assinado por organizações da sociedade civil de todo o mundo, é que agricultura de base agroecológica pode produzir comida suficiente para alimentar uma população humana crescente e contribuir para a criação de sistemas sociais mais justos e adaptados às mudanças climáticas. 122 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE A partir dos anos 60 e 70, o movimento ambientalista passou a interagir com a agroecologia. “Porque os assuntos do ambientalismo coincidiam com a agroecologia, eles infundiram ao discurso agroecológico uma atitude crítica em relação à agronomia orientada para a produção e sensibilizaram para um grande número de assuntos relacionados aos recursos” (HECHT, 1993, p. 11). Ao mesmo tempo, as críticas do movimento ambientalista foram gradativamente influenciando posições políticas em áreas estratégicas, como no caso da reavaliação das metas de desenvolvimento agrícola nos Estados Unidos e dois tipos de consequências resultaram no conflito da crise ambiental da agricultura global: nas regiões tecnológica e industrialmente mais evoluídas houve um escasso comprometimento da intensidade do uso de produtos agroquímicos na agricultura e a confiança em seu emprego, bem como não reduziu significativamente a utilização de recursos energéticos. Mas, “[...] nas situações em que tanto os camponeses como a nação estavam pressionando pelos recursos, onde prevaleciam estruturas distributivas regressivas e onde o enfoque das regiões temperadas não era apropriado às condições ambientais locais, a perspectiva agroecológica parecia de especial relevância” (HECHT, 1993, p. 13). A agroecologia tem uma forte aplicabilidade por grande parte de famílias camponesas e também por estar amarrada a movimentos sociais, além de abordar questões referentes a agricultura e ao meio ambiente, tanto no Brasil quanto na América Latina, constituindo um sistema agrícola importante para a sociedade e a ciência. A proposição da agroecologia está sendo aplicada fortemente no universo da agricultura familiar, onde a família desempenha um papel fundamental na gestão e na condução das atividades agroecológicas. A agroecologia se desenvolve também ancorada em movimentos sociais e aborda questões de desenvolvimento através de redes sociotécnicas que legitima um conjunto de formas de agricultura, transformando a paisagem agrária contemporânea. A agroecologia desencadeia uma ruptura paradigmática e promove a emergência de debates e de críticas à agricultura convencional e consequentemente defende um conjunto de valores políticos e sociais associados ao ideário de uma sociedade justa e igualitária. A agroecologia é legitimada no Brasil e na América Latina por sua forte relação com o movimento social. O tema agroecologia coloca no debate público a questão do poder da ciência sobre o desenvolvimento da sociedade, destacando a natureza política do que está por trás das opções tecnológicas dos diferentes modelos utilizados na agricultura, portanto, a agroecologia coloca a questão mais geral da importância da relação entre sociedade e ciência (ABREU; BELLON, 2014, p. 12). Abreu, Bellon e Torres (2016), definem o movimento para a conservação da agroecologia “de desenvolvimento rural de dimensões múltiplas” que surgem refazendo o meio campestre, enquanto também recupera e conserva cenários da natureza, resgatando conhecimentos relacionados à produção alimentar, dinamiza a fabricação de fibras, técnicas artesanais e moda ecológica empregando fontes recuperáveis e assim, reinventando a “consciência ética e humanista no espaço rural”. TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 123 A agroecologia é resultado da ruptura cultural das comunidades científicas e de grupos envolvidos no desenvolvimento rural, ou seja, a crítica ao modelo produtivista mostra-se concretamente na busca de práticas agrícolas de natureza ecológica e na introdução de inovações alternativas como, por exemplo, o manejo ecológico dos solos e a aplicação de princípios sociais da agroecologia. Essa atitude social crítica, reflexiva, é necessária em contextos em evolução, em particular tendo em vista a regulamentação da produção, que faz com que agroecologia passe a ser uma disciplina de referência, do ponto de vista das práticas agrícolas e da busca por equidade social, podendo servir de exemplo para outras formas de agricultura. A análise indica que a evolução da agroecologia depende da força da interação entre os movimentos sociais, redes científicas e construção de políticas públicas, tal como demonstramos no caso brasileiro, com avanços, mas pleno de incertezas no campo político e institucional (ABREU; BELLON, 2014, p. 12). FIGURA 10 – A AGROECOLOGIA COMO RESULTADO DA ARTICULAÇÃO ENTRE AS DIMENSÕES TÉCNICO-PRODUTIVA, SOCIOCULTURAL, ECONÔMICA E POLÍTICA FONTE:<http://twixar.me/9j1T> Acesso em: 30 mar. 2019. Observamos, consequentemente, como a agroecologia estabelece que se relacionem em seu campo os conhecimentos de sistemas científico-tecnológicos, agricultura tradicional, social e culturalmente dependente, ambiente e ecologia (HECHT, 1993). 124 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE Acadêmico, você quer ler um exemplo de plano de aula sobre Agricultura orgânica: uma alternativa viável de sustentabilidade? Então acesse o link: http:// portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=25764. NOTA TÓPICO 3 | OS SISTEMAS AGRÍCOLAS CONTEMPORÂNEOS E A SUSTENTABILIDADE 125 LEITURA COMPLEMENTAR Especialistas imaginam o futuro dos alimentos na América Latina e no Caribe Flore de Preneuf Banco Mundial lidera iniciativa que busca garantir que os sistemas agrícolas e alimentares da ALC conduzam ao crescimento inclusivo, gerem empregos e contribuam para alimentar parte da população mundial de maneira sustentável, nutritiva e segura. Especialistas em agricultura se reuniram na Costa Rica esta semana para identificar oportunidades e ameaças que poderiam afetar os sistemas alimentares e agrícolas na América Latina e no Caribe (ALC). O workshop reuniu a formuladores de políticas, pesquisadores e representantes de grupos de produtores, empresas do agronegócio, organizações da sociedade civil e agências de desenvolvimento,para examinar cenários futuros prováveis e identificar ações que poderiam ser realizadas para facilitar o surgimento de sistemas agrícolas e alimentares dinâmicos, produtivos e modernos. As conclusões do workshop servirão como insumos para um importante relatório sobre o futuro dos sistemas agrícolas e alimentares na ALC. "Os resultados deste workshop serão usados para moldar as mensagens- chave do relatório e assegurar que estas mensagens sejam pertinentes para uma ampla gama de atores e principais parceiros", disse Michael Morris, economista agrícola líder do Banco Mundial. 126 UNIDADE 2 | ESPAÇO RURAL E MODERNIDADE O objetivo do relatório é melhorar a compreensão das oportunidades de transformação oferecidas pelos sistemas agrícolas e alimentares da ALC para contribuir para o crescimento, emprego e a segurança alimentar, enquanto se mantêm as dotações de capital natural nos âmbitos mundial e local. A elaboração do relatório vem de uma aliança liderada pelo Grupo Banco Mundial, da qual participam o Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares (IFPRI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), McKinsey & Company (McKinsey) e The Nature Conservancy (TNC). Com base nos resultados de trabalhos analíticos anteriores, os participantes do workshop construíram uma série de cenários futuros que refletiram diferentes combinações de fatores impulsionadores, como as mudanças climáticas, mudanças nas dietas humanas, o surgimento de tecnologias disruptivas e o aumento da escassez de terras agrícolas e água para irrigação. Depois de elaborar uma descrição detalhada de cada cenário e imaginar seus impactos no crescimento, na pobreza, na segurança alimentar e no meio ambiente, os participantes identificaram as ações necessárias para salvaguardar o desempenho dos sistemas agrícolas e alimentares em cada um dos cenários, se estes se tornaram realidade. Algumas das ações são projetadas para a proteção contra riscos potencialmente catastróficos, outras para permitir aos atores chave aproveitar as oportunidades que poderiam surgir, e outras, conhecidas como "grandes apostas", para alterar a trajetória de todo o sistema agrícola e alimentar. Durante o evento realizado em 19 de fevereiro, os participantes chegaram ao consenso de que a ALC pode desempenhar um papel fundamental na contribuição à segurança alimentar mundial e na geração de serviços ambientais de importância no âmbito global. Em seus comentários, Eugenio Díaz-Bonilla, chefe do Programa da América Latina e no Caribe do IFPRI, enfatizou que é vital gerenciar o desenvolvimento de sistemas agrícolas, rurais e de alimentares de uma forma que se permita equilibrar os objetivos de crescimento inclusivo, a redução da pobreza e a sustentabilidade. O anfitrião da atividade e diretor-geral do IICA, Manuel Otero, destacou o papel que a agricultura da ALC desempenha no mundo. "A agricultura está em nosso DNA, e cabe a nós aproveitar a oportunidade para nos tornarmos aqueles que irão garantir a segurança alimentar mundial", disse. A partir de uma perspectiva de longo prazo, o relatório, que deverá estar pronto até o final de 2019, analisa as ações necessárias, hoje e nos próximos anos, para garantir que sistemas agrícolas e alimentares da ALC levem a um crescimento inclusivo, gerem empregos e contribuam para alimentar as cerca de 9,5 bilhões de pessoas em todo o mundo em 2050, de forma sustentável, nutritiva e segura. FONTE: https://www.grupocultivar.com.br/noticias/especialistas-em-agricultura-imaginam-o- futuro-dosalimentos-na-america-latina-e-no-caribe. Acesso: 20 mar. 2019. 127 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • A agricultura como um todo abrange elementos e processos conectados que propiciam a oferta de produtos aos seus consumidores finais, pela transformação de insumos originados pelos seus elementos. Este conjunto de processos e instituições interligados por objetivos comuns forma um sistema que, por sua vez, engloba diversos sistemas menores ou subsistemas (OSORIO et al., 2017). Os sistemas agrícolas compõem um arranjo de elementos que funcionam como uma unidade. E na sua composição há um conjunto da flora e fauna de uma região (HART, 1979). • Observa-se que a dinâmica do sistema agrícola contemporâneo e alimentar mundial é menos tumultuado e confuso que os sobressaltos dos preços, das penúrias, da fome e das ferozes negociações mercantis internacionais permitem compreender. Os movimentos na superfície dos mercados e das diretrizes agrícolas se esclarecem pelo arranjo, funcionamento e dinâmica do sistema agrícola e alimentar mundial. • Além da extensão que os sistemas agrícolas consomem, também precisarão de água, porém, sofrerão com a sua escassez e com as alterações climáticas que podem aumentar o risco de problemas de produção. As reivindicações decorrentes da água, alimentos e energia fortificarão os conflitos da utilização do solo e aumentarão os impactos ambientais. • A agricultura sustentável busca a assistência aos agricultores e comunidades por meio da promoção de práticas de cultivo e técnicas que são lucrativas, ambientalmente benéficas e boas para as comunidades. Há a necessidade da proteção da biodiversidade e dos solos cultiváveis para o futuro da produção de alimentos. • Quanto aos sistemas agrícolas contemporâneos da América Latina podemos destacar a Agroecológica como um movimento que tem o objetivo de preservar o meio ambiente e ao mesmo tempo promover o fator socioeconômico dos pequenos lavradores. Em face da exclusão política e social desses agricultores, o movimento caracterizou-se por uma clara orientação de fazer crescer seu insignificante peso político nas sociedades latino-americanas. 128 • A partir dos anos 1980 surgem novas formas de organização das atividades no meio rural brasileiro, características que podem ser associadas ao processo de modernização da agricultura (GRAZIANO; GROSSI; CAMPANHOLA, 2002). O “novo rural” para Graziano; Grossi; Campanhola (2002) é dividido em três grandes grupos: agropecuária moderna, atividades não agrícolas relacionadas com a habitação e lazer e as novas atividades impulsionadas por nichos de mercado. • Agricultura familiar é uma alternativa produtiva, pois gera trabalho e renda, diminuindo a pobreza e a desigualdade de renda rural. A produção familiar rural, dada sua amplitude, possui uma importante função para o desenvolvimento da sociedade de forma generalizada, sobretudo quando se destacam as pequenas propriedades rurais. • A agricultura familiar se caracteriza quando a família é ao mesmo tempo a proprietária dos modos de produção e trabalha nas próprias unidades produtivas. Assim, todos os procedimentos usados na produção são decididos pelos próprios agricultores que empregam seus conhecimentos tradicionais em todos os tratos culturais, começando pela seleção do local onde será o plantio, o modo de preparação do solo, as formas de colheita, finalizando com o plano de como será a comercialização do produto final. • O Sistema Plantio Direto (SPD) é o modelo de “manejo conservacionista que envolve todas as técnicas recomendadas para aumentar a produtividade” e que gera a conservação ou o melhoramento contínuo do ambiente. O SPD baseia-se na “ausência de revolvimento do solo, em sua cobertura permanente e na rotação de culturas”. • A agroecologia é uma vertente agronômica que engloba técnicas ecológicas de cultivo com sustentabilidade social. Ela também incorpora fontes alternativas de energia e sua principal preocupação é “sistematizar todos os esforços num modelo tecnológico socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente sustentável”. 129 1 Os sistemas agrícolas do planeta cada vez mais sofrerão com a escassez de água e alterações climáticas que podem aumentar o risco de problemas de produção. As reivindicações daí decorrentes em relação a água, os alimentose a energia fortificarão os conflitos da utilização do solo e aumentarão os impactos ambientais. Por esse motivo devemos com urgência harmonizar nossas crescentes necessidades consumistas com a proteção do meio ambiente. Também devemos produzir mais alimentos com o mínimo de recursos e isso pode acontecer por meio da agricultura sustentável, já que busca a assistência aos agricultores, os recursos e as comunidades por meio da promoção de práticas de cultivo e técnicas que são lucrativas, ambientalmente benéficas e boas para as comunidades (BROOKS, 2014). De acordo com o exposto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A escassez de água e toda a alteração no meio natural impactará cada vez mais a produção de alimentos, tornando cada vez mais caro e competitivo os mercados internos e externos. b) ( ) A produção de alimentos está pouco relacionado com as questões naturais, pois hoje com o nível tecnológico avançado podemos produzir em qualquer lugar do mundo. c) ( ) A produção de alimentos deve ser feita de maneira sustentável, porém utilizando o máximo dos recursos hídricos disponíveis. d) ( ) A abundância de recursos hídricos de nada adianta na produção de alimentos se as comunidades e as empresas não ampliarem a promoção de práticas de cultivo e técnicas que são lucrativas, porém, ambientalmente benéficas ao mercado externo. 2 A agricultura familiar é uma alternativa produtiva que gera trabalho e renda, diminuindo a pobreza e a desigualdade de renda rural. A produção familiar rural, dada a sua amplitude, possui importante função para o desenvolvimento da sociedade de forma generalizada, sobretudo quando se destacam as pequenas propriedades rurais. O que pode corroborar com as técnicas agrícolas de agricultura familiar? De acordo com o exposto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O incentivo de políticas públicas aos grandes produtores rurais e as agroindústrias. b) ( ) O crescimento da agroindústria para a compra de produtos fornecidos por agricultores familiares a baixo custo de produção. c) ( ) O incentivo de políticas públicas para a agricultura familiar como a criação de cooperativas produtoras para os pequenos e médios produtores agrícolas. d) ( ) O crescimento da agricultura familiar não favorece o crescimento da produção das agroindústrias, pois as matérias primas deste segmento é oriundo dos grandes produtores rurais. AUTOATIVIDADE 130 3 Os sistemas agrícolas mais diversificados dispõem de mais recursos que podem estimular a ação de inimigos naturais, além de garantir maior resiliência ao ambiente, devido à quantidade de interações ocorrendo no sistema, diferente do que ocorre nos cultivos sob regime de monocultura, em que a presença de uma única espécie pode gerar desequilíbrios e instabilidades ambientais, além de favorecer o surgimento de inimigos naturais, pragas ou doenças. Cite uma característica de cada um dos sistemas agrícolas tradicionais e contemporâneos da Revolução Verde: a) Sistemas Tradicionais: b) Sistemas Contemporâneos: 131 UNIDADE 3 ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • entender a atuação das Instituições e políticas públicas para o desenvolvi- mento rural nos espaços agrários de nosso país; • entender as funções e as finalidades da produção alimentar familiar e in- dustrial nos espaços agrários tanto para atender a demanda de alimentos nacional como para o agro comércio nacional e internacional; • entender o crescimento e as práticas cada vez mais frequentes do turismo rural como atividade econômica aplicada nestas áreas, antes de produção apenas agropecuária, e atualmente como ampliação das atividades do terceiro setor das atividades econômicas; • entender a importância dos movimentos sociais no campo e suas articu- lações sociais para a melhoria da qualidade de vida das populações mais carentes nos espaços rurais do Brasil; • compreender que os movimentos sociais vão além da revindicação de ter- ras no Brasil e no mundo, mas sim ao direito à produção de renda através das atividades agropecuárias e exploração digna e sustentável nos espa- ços agrários. • enteder a importância da abordagem deste tema desde o Ensino Funda- mental e Médio Básico de acordo com as Bases Nacionais Curriculares para Educação, como também no Ensino Superior; • compreender também o papel da Ciência Geográfica na construção do es- paço agrário e a influência na construção da sociedade moderna e crítica dos espaços econômicos e na produção de renda familiar e de subsistência. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL TÓPICO 2 – MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL TÓPICO 3 – ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás melhor as informações. CHAMADA 132 133 TÓPICO 1 INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Neste primeiro tópico serão abordados os temas: Políticas Públicas, Instituições e Desenvolvimento Rural; O espaço rural e a produção alimentar; e por último, Agroturismo e o Turismo Rural. Pode-se conceituar políticas públicas como intervenções realizadas pelo Estado com a finalidade da promoção do crescimento econômico e do bem-estar, no seu sentido ampliado, segundo Lima (2014). E os Ministérios da Agricultura e Desenvolvimento Rural, formulam as políticas de geração de bem-estar e promoção humana na área rural, e produtivistas, que segundo Lima (2014, p. 86), os sindicatos rurais intermediam, “[...] estas políticas estão mudando seus sistemas produtivos e melhorando as condições de vida”. Quanto ao termo desenvolvimento, há uma diversidade de concepções para este, devido a existência de diversos autores que estudam o tema, tais como: Furtado, Sem e Sachs, segundo Gonçalves e Pedroso (2016). Para estes autores, para compreender a concepção de desenvolvimento deve-se considerar as liberdades individuais, o bem-estar e o respeito da sustentabilidade ambiental. Neste contexto, Schneider (2007 apud GONÇALVES, PEDROSO, 2016) destaca que, ao mesmo tempo, é uma construção política e ideológica, que se está amarrada em certos condicionantes da história. E que a comprovação da existência entrelaçada a um determinado território somente é provável em face da existência de outro em situação diversa. “Logo, há, em um e no outro caso, uma construção social, uma crença decorrente de uma valoração da realidade” (SCHNEIDER, 2007 apud GONÇALVES, PEDROSO, 2016, p. 4). Já as discussões acerca do desenvolvimento rural têm revelado várias particularidades importantes da população campestre, segundo Gonçalves e Pedroso (2016). Essas particularidades intrínsecas ao espaço rural fazem com que as questões e direitos básicos dos agricultores desenvolvam um difícil conjunto de relações que aumentam sobremaneira os problemas de cooperação e intervenção. Demandas de ordem social, econômica e produtiva facilmente desempenham uma influência determinante sobre o modo como o Estado intervirá no centro daquele grupo. UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 134 E o meio que o Estado intervém neste setor é pelas políticas públicas que beneficiam os interesses do agro turismo, do turismo rural e principalmente dos pequenos produtores rurais, já que as fomentações desses segmentos geram renda, decrescimento do êxodo rural e incremento no desenvolvimento rural. Segundo o Ministério do Turismo (MTur) o turismo rural é “[...] o conjunto das atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometidas com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio culturale natural da comunidade” (BRASIL, 2003). Segundo Araújo, Bahia e Ferreira (2011), o Turismo Rural na Agricultura Familiar (TRAF) e o agroturismo são segmentos reconhecidos legitimamente pelo MTur e têm como características principais o maior contato dos turistas com as atividades nas propriedades campestres. Contudo, o TRAF distingue-se pela inclusão no conjunto do turismo do segmento da agricultura familiar. 2 POLÍTICAS PÚBLICAS, INSTITUIÇÕES E DESENVOLVIMENTO RURAL As políticas públicas são fomentadas por instituições como os governos: federal, estadual e municipal que investem em pesquisas e deste modo promovem o desenvolvimento rural. Segundo Stumpf Júnior e Balsadi (2015), para o desenvolvimento rural há a necessidade da “[...] adoção e apropriação dos resultados da pesquisa pública pelos agricultores, assim como os impactos (econômicos, sociais e ambientais) dessa incorporação [...]”, também são dependentes expressivamente “[...] das políticas de crédito, de preço mínimo, de armazenamento, de seguro agropecuário, de comercialização e de infraestrutura, como estradas e acesso à água e energia elétrica”. São dependentes, além disso, “[...] da condição de saúde, de moradia, de alimentação e de acesso à educação” (STUMPF JÚNIOR; BALSADI, 2015, p. 522). Há um enorme leque de leis, políticas públicas e programas que apoiam o desenvolvimento rural e corroboram com esta “indissociabilidade”, segundo Stumpf Júnior e Balsadi (2015, p. 523), tais como: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); Programa Nacional de Biodiesel (PNB); Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater); Seguro da Agricultura Familiar (SEAF); Lei da Agricultura Familiar; Lei Orgânica de Segurança Alimentar; Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF); Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat); Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Programa de Garantia de Preços Mínimos (PGPM); Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC); Plano ABC (agricultura de baixa emissão de carbono); Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF); Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor); Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) e Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo); e Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PSAN). TÓPICO 1 | INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL 135 Stumpf Junior e Balsadi (2015) comentam que a maior parte das ações do governo iniciaram depois dos anos 2000, exceto o Pronaf, já que neste período ocorreu “[...] um maior compromisso dos formuladores de políticas públicas com o desenvolvimento rural, ao mesmo tempo em que “[...] expandiram-se os espaços de diálogo, participação e interlocução das organizações da sociedade civil [...]” com as três esferas governamentais: “[...] federal, estadual e municipal [...]”, conforme afirmam Stumpf Junior e Balsadi (2015, p. 523). Essa expansão de ações evidencia que “[...] as agendas para o desenvolvimento rural e as formas de superação dos legados históricos de exclusão e pobreza se fortaleceram a partir deste reconhecimento do protagonismo dos territórios e da realidade dos atores locais [...]”, de acordo com Stumpf Júnior e Balsadi (2015, p. 523). Entretanto, ocasionou “novos e complexos desafios no sentido de melhor coordenação” destas ações, de modo a realizar a implementação e seu “papel transformador”. Sobre “à integração interinstitucional”, para o autor, há necessidade de observar a inclusão de distintos “atores, dentre os quais se destacam”, conforme ressaltam Stumpf Júnior e Balsadi (2015, p. 523): [...] o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), as instituições de assistência técnica e extensão rural, instituições internacionais, instituições de fomento à pesquisa e de financiamento da atividade agropecuária, ministérios, prefeituras, instituições de desenvolvimento regional e empresas privadas. “Essa integração” objetiva basicamente o estabelecimento da colaboração “entre os atores envolvidos em prol da geração de conhecimentos e tecnologias que contribuam para a solução de problemas concretos da sociedade brasileira, potencializando os resultados de processos de inovação aberta” (STUMPF; BALSADI, 2015, p. 523). Na configuração atual, a ação da pesquisa pública na resolução de questões é: [...] buscada por meio da sua associação a políticas públicas nos âmbitos dos órgãos ligados a Ciência, Tecnologia e Inovação; Agricultura; Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente e Desenvolvimento Social. Além dos recursos próprios alocados nas instituições de pesquisa, ao longo do tempo, instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa e vários Ministérios têm estabelecido editais de financiamento à pesquisa, alguns em parceria com a Embrapa e com as Oepas (STUMPF JÚNIOR; BALSADI, 2015, p. 524). Por meio do Decreto nº 8.252, de 26 de maio de 2014, foi criada a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). “Somos um Serviço Social Autônomo, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública” (BRASIL, 2014a). Os objetivos da Anater são: UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 136 Promover, estimular, coordenar e implementar programas de assistência técnica e extensão rural, com vistas à inovação tecnológica e à apropriação de conhecimentos científicos de natureza técnica, econômica, ambiental e social; Promover a integração do sistema de pesquisa agropecuária e do sistema de assistência técnica e extensão rural, fomentando o aperfeiçoamento e a geração de novas tecnologias e a sua adoção pelo público previsto no artigo 3° do Decreto n° 8.252, de 26 de maio de 2014; Apoiar a utilização de tecnologias sociais e os saberes tradicionais pelo público previsto no artigo 3° do Decreto n° 8.252, de 26 de maio de 2014; Credenciar e acreditar pessoas físicas e jurídicas prestadoras de serviços de assistência técnica e extensão rural; Promover programas e ações de caráter continuado para a qualificação de profissionais de assistência técnica e extensão rural que contribuam para o desenvolvimento rural sustentável; Contratar serviços de assistência técnica e extensão rural conforme disposto em regulamento; Articular-se com os órgãos públicos e pessoas jurídicas de direito público e privado, incluindo consórcios municipais para o cumprimento de seus objetivos; Colaborar com as unidades da Federação na criação, implantação e operação de mecanismo com objetivos afins aos da ANATER; Monitorar e avaliar os resultados das pessoas físicas e jurídicas prestadoras de assistência técnica e extensão rural com que mantenha contratos ou convênios; Envidar os esforços necessários para universalizar os serviços de assistência técnica e extensão rural para o público previsto no artigo 3° do Decreto n° 8.252, de 26 de maio de 2014; Envidar os esforços para ampliar os serviços de assistência técnica às organizações econômicas do público previsto no artigo 3° do Decreto n° 8.252, de 26 de maio de 2014; Promover a articulação prioritária com os órgãos públicos estaduais de extensão rural visando a compatibilizar a atuação em cada unidade da Federação e ampliar a cobertura da prestação de serviços aos beneficiários (BRASIL, 2014b). Para Stumpf Júnior e Balsadi (2015), o objetivo principal é expandir os serviços da Anater e promover sua união com o estudo agropecuário para assegurar que a maior parte dos camponeses acessem as informações e tecnologias desenvolvidas no Brasil pelas diversas instituições científicas, contribuindo para o aumento da produtividade, da renda, da qualidade de vida das famílias rurais e expandiro acesso dos camponeses às políticas públicas. De acordo com o parágrafo (§) 3º da Lei nº 12.897, de 18 de dezembro de 2013: “As competências previstas nos incisos II e V do § 2º serão realizadas em estreita colaboração com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA”. Já o Art. 2º deixa claro que “A Anater dará prioridade às contratações de serviços de assistência técnica e extensão rural para o público previsto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, e para os médios produtores rurais”. E no Parágrafo único diz que: “A contratação dos serviços de assistência técnica e extensão rural para o público previsto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, observará o disposto nos arts. 3º e 4º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010 (BRASIL, 2013). TÓPICO 1 | INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL 137 Outro dado importante é que cerca de 85% dos estabelecimentos do espaço rural no Brasil pertencem aos agricultores familiares. E estes produzem “[...] 70% do feijão nacional, 34% do arroz, 87% da mandioca, 46% do milho, 38% do café e 21% do trigo. O setor também é responsável por 60% da produção de leite e por 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos [...]” (FENATA, 2019). Outra situação constatada pela Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo: “[...] o governo trabalha com uma série de políticas públicas para reduzir o êxodo rural e tornar a produção dessas famílias mais eficiente. Entre elas, uma das mais importantes é da titulação da terra. Com esse título, esses trabalhadores ganham acesso a crédito rural e a programas como os de assistência técnica” (FENATA, 2019). Lima (2014, p. 99) em sua pesquisa observa que o “meio rural brasileiro” está em evolução permanente, inclusive como resultado das várias políticas públicas que vêm sendo executadas há anos, gerando [...] alguns casos em benefícios em termos de qualidade de vida e melhoria significativas na produção. Há em certos casos também o registro da adoção de novas tecnologias”. Para Lima (2014, p. 99), as interferências do “Estado brasileiro por meio de políticas públicas específicas ao meio rural, principalmente programas como o PRONAF [...] reestruturam a agricultura, especialmente [...] os grupos de agricultores excluídos socialmente e que desenvolvem atividades tipicamente familiares” (LIMA, 2014, p. 99) que colaboram para a manutenção das populações no campo e assim minimizam o êxodo rural e cooperam com a ampliação da produção “[...] de alimentos e matérias primas [...]” (LIMA, 2014, p. 99). E certamente na ausência dessas intervenções do Estado haveria mais pobreza atualmente, segundo informam Gonçalves e Pedroso (2016, p. 13): As Políticas Públicas que incidem sobre o meio rural constituem-se em espaço de grande importância para o fortalecimento do grupo social dedicado à produção em regime familiar. Dentre as medidas implementadas, é imprescindível evidenciar políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos, por meio do qual ocorre a aquisição de gêneros alimentícios que serão, posteriormente, repassados para pessoas em situação de vulnerabilidade através da rede socioassistencial ou usadas pelos serviços públicos na merenda escolar. Aparece, deste modo, a questão da verificação de “[...] quais políticas públicas agrícolas, pesqueiras, agrárias e de promoção social têm sido ofertadas pelo Estado brasileiro, ao meio rural, tendo os Sindicatos como parceiros permanentes” (LIMA, 2014, p. 99), sobretudo a ação destas no campo. Para o autor os Sindicatos Rurais são: “[...] organizações sociais, que se dedicam a defender os interesses de seus associados, interesses econômicos, culturais, públicos e sociais nas diversas esferas públicas. Seus principais interesses se voltam para a defesa da categoria a qual representa, pensando no bem comum e na organização coletiva” (LIMA, 2014, p. 86). UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 138 Por meio dos Sindicatos Rurais muitos programas e projetos do Governo Federal são aplicados ao campo, com vistas ao aumento da produção e obtenção de melhorias nas condições de vida de toda à população que está em atividade no campo. Olá, acadêmico! Você percebeu que neste tópico encontramos diversas siglas e muitas delas estão relacionadas com o ambiente escolar, por isso, destacamos duas siglas: • Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf): O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) financia projetos individuais ou coletivos, que geram renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O programa possui as mais baixas taxas de juros dos financiamentos rurais, além das menores taxas de inadimplência entre os sistemas de crédito do País. O acesso ao Pronaf inicia-se na discussão da família sobre a necessidade do crédito, seja ele para o custeio da safra ou atividade agroindustrial, seja para o investimento em máquinas, equipamentos ou infraestrutura de produção e serviços agropecuários ou não agropecuários. FONTE: http://www.ceplac.gov.br/radar/Artigos/artigo26.htm. Acesso em: 12 nov. 2019. • Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública. O governo federal repassa, a estados, municípios e escolas federais, valores financeiros de caráter suplementar efetuados em 10 parcelas mensais (de fevereiro a novembro) para a cobertura de 200 dias letivos, conforme o número de matriculados em cada rede de ensino. FONTE: https://www.fnde.gov.br/programas/pnae. Acesso em: 12 nov. 2019. NOTA 2.1 O ESPAÇO RURAL E A PRODUÇÃO ALIMENTAR O espaço rural como alvo de análise tem na sua produção uma moral e uma constituição de modos e vida expressivos que acabam gerando atrativos à população da cidade. Entretanto, um dos apoios do designado turismo rural está no conceito de multifuncionalidade da agricultura, tendo como suposição que a pedra angular que distingue esta prática socioespacial são as técnicas agrárias e o simbolismo originado por estas. Froehlich et al. (2004) destaca que aparecem na atualidade pesquisas que propendem a analisar os múltiplos papéis do rural que tendem a romper com a visão do rural segmentado. TÓPICO 1 | INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL 139 Em primeiro lugar, o espaço rural não se define mais exclusivamente pela atividade agrícola. Como já foi observado, é significativa a redução de pessoas ocupadas na agricultura, dado que se associa ao aumento do número de pessoas residentes no campo exercendo atividades não- agrícolas e ao aparecimento de uma camada relevante de pequenos agricultores que combinam a agricultura com outras fontes de rendimento (GRAZIANO DA SILVA, 1996 apud CARNEIRO, 1998, p. 56). Para Graziano da Silva (2002), a partir da década de 1980 emergem novos modelos de organização das atividades no meio rural no país, com distinções que podem ser relacionadas ao processo de modernização da agricultura. Para o autor, o “novo rural” divide-se em três grandes grupos: agropecuária moderna, atividades não agrícolas ligadas à moradia e lazer e novas atividades impulsionadas por nichos de mercado. Graziano da Silva (2002) pondera sobre uma provável divisão em segmentos das atividades no espaço rural, em vista que existem várias atividades realizadas simultaneamente no rural do Brasil, devido sobretudo a sua amplitude. Esta situação gera uma discussão sobre quais seriam verdadeiramente os papéis e/ou os novos papéis da agricultura. Na percepção de Carneiro e Maluf (2003, p. 19): A abordagem da multifuncionalidade da agricultura se diferencia por valorizar as peculiaridades do agrícola e do rural e suas outras contribuições que não apenas a de bens privados, além dela repercutir as críticas às formas predominantesassumidas pela produção agrícola por sua insustentabilidade e pela qualidade duvidosa dos produtos que gera. Portanto, para os agricultores a multifuncionalidade seria uma das estratégias de reprodução socioespacial, de maneira que valoriza as práticas características de cada recorte espacial, rompendo com o conceito dos três setores da economia: primário, secundário e terciário, conforme relata Carneiro e Maluf (2003, p. 19): A noção de multifuncionalidade rompe com o enfoque setorial e amplia o campo das funções sociais atribuídas à agricultura que deixa de ser entendida apenas como produtora de bens agrícolas. Ela se torna responsável pela conservação dos recursos naturais (água, solos, biodiversidade e outros), do patrimônio natural (paisagens) e pela qualidade dos alimentos. A partir deste contexto, Carneiro e Maluf (2003, p. 19) consideram que os papéis da agricultura familiar estão centrados especialmente em quatro dimensões básicas da multifuncionalidade: UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 140 1º Reprodução socioeconômica das famílias, onde se analisa as fontes geradoras de renda, as condições de permanência no campo e as práticas de sociabilidade. 2º Promoção da segurança alimentar da sociedade em geral e das próprias famílias rurais, abrangendo a produção para o autoconsumo e para a comercialização. 3º A manutenção do tecido sociocultural, se referindo as condições de vida e da reprodução das culturas locais. 4º Preservação e conservação dos recursos naturais e da paisagem rural, entendido como o uso e gestão da natureza e as relações com as atividades produtivas. Estas múltiplas funções constituídas no espaço rural consentem, respectivamente, com o estabelecimento de atividades não agrícolas que diversificam a possibilidade de geração de renda entre as famílias camponesas, e também valorizam os saberes e práticas dos agricultores (CARNEIRO; MALUF, 2003). Segundo os autores, dentro desta percepção multifuncional da agricultura familiar o turismo rural vem se desenvolvendo como mais uma opção de aquisição de renda complementar e propicia a conservação das culturas e de modos de uso e gestão das riquezas naturais. FIGURA 1 – AGRICULTURA FAMILIAR FONTE: <http://appsuma.com.br/wp-content/uploads/2018/12/blog-07.jpg>. Acesso em: 15 maio 2019. Um desafio encontrado, foi o espaço rural brasileiro, que no decorrer dos anos de 1970 e 1980 “[...] sofreu um intenso processo de êxodo rural. A mecanização da produção agrícola expulsou trabalhadores do campo que se deslocaram para as cidades em busca de oportunidades de trabalho” (IBGE, 2019). Atualmente, o deslocamento do espaço rural para o espaço urbano permanece, entretanto, “em percentuais menores”. (IBGE, 2019). Conforme as informações do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2015 (IBGE, 2019), observou-se que cerca de 85% da população do Brasil residem no espaço urbano. E cerca de 15% residem no espaço rural. TÓPICO 1 | INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL 141 Além disso, segundo o Censo Agro 2017 citado pelo Instituto Humanitas Unisinos (2018), “[...] nos últimos anos houve uma intensificação do domínio do agronegócio sobre a agricultura brasileira resultando, entre outras coisas, nesse processo de expulsão da população do campo e na redução do emprego”. Paulo Alentejano em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (2018), declarou que houve ampliação: “[...] das culturas que são controladas mais diretamente pelo agronegócio em detrimento das culturas alimentares básicas. Então, a área cultivada com soja, com milho, com cana, que são produtos que vão virar ração, combustível, deu uma ampliada. E caiu a área destinada à produção de alimentos básicos: arroz, feijão, mandioca”. Podemos observar que há múltiplas atividades econômicas desenvolvidas no espaço rural e algumas geram renda aos camponeses como a agricultura familiar e outras como o agronegócio, além disso, existem o agroturismo e o turismo rural, que são abordados a seguir. Um Tema complexo e polêmico foi tratado neste tópico: a questão da alimentação. Ao tratar sobre alimentação, tratamos também sobre a fome. Na geografia, um autor que pesquisou e escreveu sobre a fome foi Josué de Castro. Aos 38 anos de idade, Josué de Castro publica sua obra de maior repercussão: Geografia da fome que foi traduzida em mais de 25 idiomas. Este livro, de 1946, é uma referência fundamental no estudo do tema e logo foi reconhecido com o Prêmio Pandiá Calógeras, da Associação Brasileira dos Escritores e com o Prêmio José Veríssimo, da Academia Brasileira de Letras. Assim, Josué explica o objetivo de seu trabalho. O mapeamento do Brasil a partir de suas características alimentares deixou clara a trágica situação da fome no país, que não poderia mais ser atribuída a fenômenos naturais, mas a sistemas econômicos e sociais que poderiam ser transformados para o benefício da população. FONTE: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro/cont_pens1.htm. Acesso em: 29 out. 2019. NOTA 2.2 AGRO TURISMO E O TURISMO RURAL Quando se fala em turismo em áreas não urbanas, de acordo com a definição de Schneider (2007 apud GONÇALVES, PEDROSO, 2016) há necessidade de refletir o espaço rural como uma área de sociabilidade, ambiente promissor para manifestações culturais variadas, um espaço onde incide a interação do homem com o meio ambiente, acontecimentos que vão além da mera produção de alimentos e ingredientes para alimentação. http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro/cont_pens1.htm UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 142 FIGURA 2 – O TURISMO RURAL FONTE: <http://twixar.me/vR1T>. Acesso em: 15 maio 2019. Segundo Niederle (2007), o espaço rural deixa de ser considerado apenas um fator econômico e passa a obter valor por outros fatores, como o cenário, tradição, gastronomia, artesanato entre outros. Mas o reconhecimento ofi cial no turismo do campo como opção de exploração econômica das propriedades rurais para fi ns de tributação somente ocorreu em 2015 por meio da Lei nº 13.171, de 21 de outubro de 2015 (BRASIL, 2015, p. 2): Dispõe sobre o empregador rural; altera as Leis nos 8.023, de 12 de abril de 1990, e 5.889, de 8 de junho de 1973; e dá outras providências. [...] A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º (VETADO). Art. 2º O § 1o do art. 3o da Lei no 5.889, de 8 de junho de 1973, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 3º ..................................................................................... § 1º Inclui-se na atividade econômica referida no caput deste artigo, além da exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, a exploração do turismo rural ancilar à exploração agroeconômica........................................" (NR) Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Assim, começaram a ser consideradas como atividade rural a administração e hospedagens, o fornecimento de alimentação e bebidas em hotéis e restaurantes, organização de eventos artísticos e religiosos relacionados ao campo, também a promoção de visitas a propriedades rurais produtivas ou importantes historicamente, bem como a exploração do dia a dia da área rural. No Brasil vários autores pesquisaram o turismo e Beni (2001) foi o primeiro a conceituar uma tipologia. Ele dividiu o turismo em 15 tipos e somente 5 se desenvolvem com maior amplitude em espaços rurais: turismo de aventura, turismo ecológico e ecoturismo, que se destacam por deslocamentos, em regra, a espaços naturais, e agro turismo e turismo rural, particularmente para o deslocamento a áreas rurais. TÓPICO 1 | INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL 143 Na distinção entre Agroturismo e o Turismo Rural, para Beni(2001), o agroturismo é o deslocamento de indivíduos a espaços rurais com roteiros planejados ou espontâneos, com ou sem pernoite. Já o turismo rural é o deslocamento de indivíduos a espaços rurais com roteiros planejados ou espontâneos, com ou sem pernoite, para desfrute de paisagens e acomodações rurais. Para Beni (2001) o agroturismo e turismo rural são como atividades com praticamente os mesmos atributos, entretanto diferenciando-se somente na questão do comportamento do turista. No agroturismo o visitante é convidado a participar dos trabalhos rurais desenvolvidos na propriedade e no turismo rural o hóspede exclusivamente desfruta do ambiente agrícola. O autor cita outra distinção entre as duas modalidades: no turismo rural a estrutura pode ser construída ou transformada para receber o visitante, já no agroturismo as acomodações e equipamentos podem ser adequados para atender o passeante desde que as particularidades originais e arquitetônicas sejam conservadas. Para Pereira et al. (2007, p. 2) citando Ribeiro (1998) o agro turismo é: [...] o conjunto de “atividades internas à propriedade, que geram ocupações complementares às atividades agrícolas, as quais continua a fazer parte do cotidiano da propriedade, em menor ou maior intensidade. Devem ser entendidas como parte de um processo de agregação de serviços aos produtos agrícolas e bens não-materiais existentes nas propriedades rurais (paisagem, ar puro etc.) a partir do” tempo livre “das famílias agrícolas, com eventuais contrações de mão de obra externa. São exemplos de atividades associadas ao agroturismo: a fazenda-hotel, o pesque-pague, a fazenda de caça, a pousada, o restaurante típico, as vendas diretas do produtor, o artesanato, a industrialização caseira e outras atividades de lazer associadas à recuperação de um estilo de vida dos moradores do campo”. Para Schneider (2006) o agro turismo é uma das modalidades de turismo rural exercidas no país, ao lado do ecoturismo, turismo cultural, esportivo e ecológico. Sendo que todas essas modalidades unem ações centradas em espaços rurais tais como: hotéis fazenda que oferecem serviços e atividades de acolhimento, hospedagem, transporte, alimentação, lazer, diversão e entretenimento, entre outros. Já Campanhola e Graziano da Silva (2000) conceituam agroturismo como a totalidade de atividades incrementadas dentro da propriedade que fazem parte das tarefas agrícolas, tais como hotel fazenda, pesque-pague, pousada, restaurante típico, vendas diretas do produtor. Isto é, todas as tarefas que se relacionam com o dia a dia dos camponeses. Quanto ao turismo rural, segundo Elesbão (2014), apareceu por todo o país e por este motivo há a necessidade de abordar a temática considerada a variedade do espaço rural do país, em que a atividade de turismo rural vai se estabelecendo devido as características de cada local, aparecendo então o problema em determinar um modelo único. UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 144 O Ministério do Turismo define o turismo rural como “[...] o conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometidas com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade” (BRASIL, 2003, p. 11). Na década de 1980, o turismo rural surgiu no Brasil, Argentina e Uruguai, conforme corroboram Roque (2009) e Tiscoski (2011). E em meados do século XX, como atividade econômica, surgiu na Europa e nos Estados Unidos. Na Europa iniciou por meio da criação do Programa LEADER, que era um programa de desenvolvimento rural em 1991, fez com que muitos países implementassem políticas públicas de apoio ao Turismo Rural e à outras atividades não-agrícolas capazes de revitalizar os territórios rurais. Seguindo o exemplo europeu e acreditando no desenvolvimento do Turismo Rural também como forma de criar postos de trabalho e valorizar o patrimônio natural e histórico, hoje, esse segmento do turismo é trabalhado por países de todas as partes do mundo. Na década de 1990, na Europa, sobressai-se os empreendimentos no turismo rural dos países: Alemanha, Espanha, Portugal, Suíça, Suécia, França, Itália, Áustria, entre outros, segundo Tiscoski (2011). Ainda na mesma década, as primeiras ações brotaram no Japão, na África e na Oceania. E a partir dos anos 2000 surgiram também na Mongólia, Madagascar e Ucrânia, de acordo com Tiscoski (2011). FIGURA 3 – TURISMO RURAL NA EUROPA OCIDENTAL FONTE: <https://meioambiente.culturamix.com/blog/wp-content/gallery/agricultura-na- europa-3/Agricultura-na-Europa-7.jpg>. Acesso em: 15 maio 2019. No Brasil, embora a visitação a propriedades rurais seja uma prática conhecida em algumas regiões, apenas na década de 1980 passou a ganhar status de atividade econômica. Nessa época, começou a ser encarada com profissionalismo e caracterizada como Turismo Rural, quando determinadas propriedades em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e Espírito Santo, principalmente devido às dificuldades do setor agropecuário, decidiram diversificar suas atividades e receber turistas. Desde então, esse segmento vem crescendo gradativamente nas diferentes regiões do Brasil, favorecido pela diversidade cultural resultante dos processos de colonização (TISCOSKI, 2011, p. 75-76). TÓPICO 1 | INSTITUIÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO RURAL 145 Quanto às mudanças oriundas pelo turismo rural no local em que está inserido, Tiscoski (2011) considera os gastos financeiros realizados pelo turista como a primeira fase de um resultado propagador que pode ser analisado sob duas perspectivas: a presença do turista desencadeia a circulação monetária em determinada localidade à medida que gasta dinheiro com hospedagem e produtos comercializados no local, este dinheiro é reinvestido em aquisição de bens a serem processados e consumidos outra vez, e o estímulo ao surgimento de novas empresas à medida que a atividade gera chances de negócio. Para a Associação Brasileira de Turismo Rural (ABTR, 2019), são quatro os pilares do Turismo Rural: “Incremento de Receita”, “Geração de Empregos”, “Preservação do Meio Ambiente” e “Preservação do Patrimônio Rural”. Para Trzaskos, Baum e Trobia (2010) se desenvolvidos esses fatores em união com a população da área, surgirão vários benefícios como emprego e renda aos camponeses, além da proteção da área natural, aliada à preservação das tradições deste povo. Assim, atualmente, o turismo rural brasileiro é considerado como segmento da economia que aparece como uma possibilidade de reconsiderar o rural no país. Não oponente, este conforma-se ainda como uma promessa, tendo observado que sua organização se encontra em um processo, apesar de ínfimo, de planejamento no âmbito nacional (BRASIL, 2013). Em razão do caráter dinâmico da atividade turística, somado à necessidade de promoção do desenvolvimento, surgem novos segmentos turísticos, dentre os quais vem despontando, de forma promissora e com incontestável potencial em nosso país, o Turismo Rural (BRASIL, 2013, p. 3). Várias discussões surgem como tentativa para a compreensão desta prática espacial. O desenvolvimento do setor torna-se expressivo a tal ponto que obriga o Ministério do Turismo a lançar algumas documentações com a finalidade de direcionar o turismo rural no país. Mesmo com este movimento e a importância deste em termos de interiorização do turismo brasileiro, ainda existem questões conceituais em conjunto com falta de estudos neste setor, os quais evidenciam a necessidade urgente de se analisar este segmento. Principalmente através de um planejamento territorial, conforme relata Souza (2006). Souza (2006) defende a concepção de que o planejamento territorial do turismo rural deve se estruturar diretamente a partir da identidade territorial local para ponderar o rural e consequentemente, o turismo. Centrada na identidade territorial construída historicamente em cada microescala, oEstado em conjunto com os agentes privados pode criar estratégias que desenvolvam a atividade do turismo rural. Assim, para o autor, o planejamento do turismo rural deve estar pautado na constituição de políticas públicas que valorizem os atores locais e seus saberes transmitidos pelos seus antepassados. Se assim estiver, o experimento prático cotidiano e o “saber local” dos camponeses deverão ter liberdade de expressão e ser congregados “à analise planejadora”, segundo Souza (2006, p. 69). Apenas a partir da premissa de redefinição dos saberes locais e da valorização das características da identidade UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 146 como estrutura, para apreciar o turismo rural, é que poderemos ponderar em um planejamento territorial que viabilize o desenvolvimento regional, de acordo com a afirmação do autor. Kanitz (2010) completa que para o planejamento territorial viabilizar o desenvolvimento regional, por meio do turismo rural, há a necessidade de seguir os Planos Nacionais de Turismo, os quais tem sua constituição em 2003 e configuram-se como o fundamental documento no Brasil para gerir estas atividades, já que apontam diretrizes para que os governos estaduais, secretarias e outros atores envolvidos possam implementar suas políticas públicas. Plano de aula de Geografia com atividades para o 6º ano do Ensino Fundamental sobre compreender a importância da agricultura sustentável como uma alternativa para o uso inadequado do solo na agricultura: A agricultura sustentável como alternativa para o mau uso do solo na agricultura. Acesse: <https://novaescola.org.br/plano-de-aula/6319/a- agricultura-sustentavel-como-alternativa-para-o-mau-uso-do-solo-na-agricultura>. DICAS 147 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu que: • Para o desenvolvimento rural há a necessidade da adoção e apropriação dos resultados da pesquisa pública pelos agricultores, assim como os impactos (econômicos, sociais e ambientais) dessa incorporação, também são dependentes expressivamente das políticas de crédito, de preço mínimo, de armazenamento, de seguro agropecuário, de comercialização e de infraestrutura, como estradas e acesso à água e energia elétrica. São dependentes, além disso, da condição de saúde, de moradia, de alimentação e de acesso à educação. • O espaço rural como alvo de análise tem na sua produção uma moral e uma constituição de modos e vida expressivos que acabam gerando atrativos à população da cidade. Entretanto, um dos apoios do designado turismo rural está no conceito de multifuncionalidade da agricultura, tendo como suposição que a pedra angular que distingue esta prática socioespacial são as técnicas agrárias e o simbolismo originado por estas. • As múltiplas funções constituídas no espaço rural consentem, respectivamente, o estabelecimento de atividades não agrícolas que diversificam a possibilidade de geração de renda entre as famílias camponesas e também valoriza os saberes e práticas dos agricultores. Dentro desta percepção multifuncional da agricultura familiar, o turismo rural vem se desenvolvendo como mais uma opção de aquisição de renda complementar e também de propiciar a conservação das culturas e de modos de uso e gestão das riquezas naturais. • Há múltiplas atividades econômicas desenvolvidas no espaço rural e algumas geram renda aos camponeses como a agricultura familiar e outras como o agronegócio, além destas, existem o agroturismo e o turismo rural. • As distinções entre o Agroturismo e o Turismo Rural dependem do comportamento do turista. No agroturismo o visitante é convidado a participar dos trabalhos rurais desenvolvidos na propriedade e as acomodações e equipamentos podem ser adequados para atender ao passeante desde que as particularidades originais e arquitetônicas sejam conservadas. E no turismo rural, o hóspede exclusivamente desfruta do ambiente agrícola e a estrutura pode ser construída ou transformada para receber esse visitante. 148 1 As múltiplas funções constituídas no espaço rural consentem, respectivamente, com o estabelecimento de atividades não agrícolas que diversificam a possibilidade de geração de renda entre as famílias camponesas e valorizam os saberes e práticas dos agricultores. Dentro desta percepção multifuncional da agricultura familiar, o turismo rural vem se desenvolvendo como mais uma opção de aquisição de renda complementar. Podemos afirmar como produção de renda no campo, principalmente em rendas complementares as seguintes atividades: a) ( ) Desenvolver conservação das culturas locais e regionais como modos de uso e gestão das riquezas naturais e dos recursos locais para a produção agropecuária. b) ( ) Aprimorar as importações de insumos agrícolas para o aumento da produção agrária, pois a qualidade de produtos importados é superior aos nacionais. c) ( ) Enfocar nos incentivos fiscais para o aumento de produção agropecuária, pois o grande problema do desemprego no campo ser maior que das cidades é exclusivamente das questões tributárias. d) ( ) Desenvolver apenas o turismo rural como única e atual forma de renda dos trabalhadores do campo. 2 O espaço rural deixa de ser considerado apenas um fator econômico e passa a obter valor por outros fatores, como: cenário, tradição, gastronomia, artesanato entre outros. Uma atividade econômica nos Espaços Rurais que vem crescendo é o Turismo Rural ou o Ecoturismo, essas atividades entram como opções de exploração econômica das propriedades rurais e os potenciais que possam ser desenvolvidos para aprimorar a aquisição da renda familiar dos proprietários rurais e dos moradores das áreas rurais. Sobre esse tema, podemos afirmar que: a) ( ) O turismo rural é irrisório na produção e aprimoramento da renda dos proprietários rurais. b) ( ) As práticas de aprimoramento da renda nas áreas rurais em nosso país têm atualmente como grande aliado o turismo rural sustentável. c) ( ) O turismo rural é apenas uma complementação da renda das famílias nos espaços rurais, nunca serão a principal atividade de produção de renda. d) ( ) As propriedades agrárias que investem no turismo rural não podem se tornar competitivas no mercado externo, por isso há uma desaceleração na produção de renda nestas áreas e prejuízo para os proprietários rurais que investem nesta modalidade econômica. AUTOATIVIDADE 149 TÓPICO 2 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO No Tópico 2 serão abordados os seguintes temas: movimentos sociais no espaço rural mundial, movimentos sociais latino-americanos e movimentos sociais brasileiros. Segundo a teoria dos Novos Movimentos Sociais, atos coletivos armam-se a partir de repertórios criados sobre assuntos e dificuldades em circunstâncias conflituosas e de contestação. Para Melucci (2001), esses atos coletivos são produzidos por orientações propositadas desenvolvidas dentro de um campo de oportunidades e reservas. Desta maneira, a formação de ações coletivas depende da mediação das capacidades cognitivas dos atores individuais e de suas estratégias. Ribeiro e Cleps Júnior (2011, p. 78), consideram os movimentos sociais rurais: [...] processos de luta social e política protagonizada por organizações representativas de agricultores familiares, camponeses e trabalhadores rurais sinalizam uma problemática que ganha espaço no debate de atualização da questão agrária: as disputas territoriais e conflitualidades entre os modelos de desenvolvimento do agronegócio e da agricultura camponesa/familiar. Os movimentos sociais são a ação de conflito oriundo de atores dos grupos sociais que lutam pelo domínio do sistema de ação da história, segundo Touraine (2006). E em toda sociedade há um movimento social que representa não uma básica mobilização, mas uma concepção de transformação social. O autor completa que nenhum movimento social é definido apenas pelo conflito, e sim pelo seu anseio de dominar o movimento histórico. Nestecontexto, Touraine (2006) define que o movimento social acontece por meio de três princípios: princípio de identidade; princípio de oposição: princípio de totalidade. Pedon (2009, p. 10) em sua tese conceitua movimentos sociais como um: [...] tipo de mobilização coletiva de caráter perene, organizada e que realiza, por meio de suas ações, uma crítica aos fundamentos da sociedade atual, baseada nos processos de acumulação da riqueza e concentração do poder manifestados na forma do território. Esses processos têm como resultado a exclusão e a subordinação das classes populares. A proposta de conceituação dessas manifestações numa perspectiva geográfica baseia-se na formulação e emprego dos conceitos de movimentos socioespaciais e movimentos socioterritoriais, inserindo, dessa forma, a perspectiva geográfica no campo da teoria social crítica. 150 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO Já o movimento socioterritorial, Fernandes (2000, p. 60) considera uma reflexão essencial para a compreensão dos movimentos sociais para “[...] além de suas formas de organização, mas também pelos processos que desenvolvem, pelos espaços que constroem, pelos territórios que dominam”. Isto é, um modo de considerar os movimentos sociais a partir de uma visão geográfica por meio das dimensões espacial e territorial. O autor, observa que não há distinção prática entre um movimento social ou socioterritorial, deste modo, podendo o mesmo ser visto como um movimento social ou como um socioterritorial. FIGURA 4 – OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO ESPAÇO RURAL FONTE: <http://agroecologia.redelivre.org.br/files/2012/06/mato%20grosso.jpg>. Acesso em: 15 maio 2019. A partir dos anos 60, em várias regiões acadêmicas do mundo ocidental, o estudo dos movimentos sociais ganhou espaço, densidade e status de objeto científico de análise e mereceu várias teorias. Tudo isso ocorreu porque, em parte, os movimentos ganharam visibilidade na própria sociedade, enquanto fenômenos históricos concretos (GOHN, 1997, p. 10). Os atos e táticas de resistência dos movimentos sociais rurais instituem condições para que as suas questões sejam propagadas e atinjam inclusive as instâncias de decisão do Estado. Os movimentos sociais apresentam, na sua constituição, a característica de contestação da existência na qual fazem parte e se formam para gerar o rompimento de uma condição de ausência de direitos. No Brasil, os movimentos sociais rurais são transformações sociais no campo que têm incidido tanto através da luta por terra quanto nas valorações estabelecidas aos trabalhadores rurais (TOURAINE, 2006; MELUCCI, 2001). TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 151 Delgado e Bergamasco (2017, p. 10) afirmam que os movimentos sociais, em conjunto com a iniciativa do Estado e da Academia, exerceram uma função importante na demarcação da Agricultura Familiar como um exemplo de agricultura, como segmento agregador “[...] de direitos e como identidade política unificadora de uma diversidade de unidades familiares no campo. Para Delgado e Bergamasco (2017), encontram-se dentre os movimentos que se destacam as lutas das mulheres rurais pela conquista de seus direitos e de seus “[...] espaços de autonomia [...]”. (DELGADO; BERGAMASCO, 2017, p. 10). Ao mesmo tempo, observa-se a importância do registro das questões como o êxodo rural dos mais jovens, “[...] tendencialmente definitiva, as migrações sazonais e ou pendulares, que se apresentam como desafios, tanto na avaliação da dinâmica da própria Agricultura Familiar quanto na formulação de políticas públicas para o setor [...]”, segundo Delgado e Bergamasco (2017, p. 10). Fabrini (2007, p. 15) completa que há um conjunto distinto de movimentos sociais rurais que resistem e lutam contra as estruturas de desapropriação e subordinação dos quais se destacam os seguintes: “[...] movimentos dos assalariados temporários, posseiros, mulheres agricultoras, e agora, camponesas, atingidos por barragem, indígenas, sem-terra”. Esses movimentos estão espalhados pelo mundo, cada um com sua importância. Alguns movimentos sociais no espaço rural serão abordados, inicialmente os de nível mundial. Olá, acadêmico! Ainda sobre os movimentos sociais é importante saber que: os movimentos sociais brasileiros ganharam mais importância a partir da década de 1960, quando surgiram os primeiros movimentos de luta contra a política vigente, ou seja, a população insatisfeita com as transformações ocorridas tanto no campo econômico e social. Mas, antes, na década de 1950, os movimentos nos espaços rural e urbano adquiriram visibilidade. As ações coletivas mais conhecidas no Brasil são o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MSTS) e os movimentos em defesa dos índios, dos negros e das mulheres. FONTE: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/movimentos-sociais-resumo/. Acesso em: 29 out. 2019. NOTA 152 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 2 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL MUNDIAL Com a crise mundial na área agrícola nas décadas de 1970 e 1980, ocorreram pactos multilaterais, como na Rodada Uruguaia do GATT, antecessor da Organização Mundial do Comércio (OMC) e nos blocos regionais como o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), inserindo a agricultura latino-americana no contexto dos mercados globalizados (SCHERER-WARREN, 2000). Segundo Favero (1998 apud SCHERER-WARREN, 2000, p. 36), este contexto dos mercados globalizados originou “[...] três categorias de agricultores: os integrados, que se organizam em sindicatos, cooperativas e associações especializadas; os precários, que participam de associações locais e redes; e os excluídos, que formam movimentos” (FAVERO, 1998 apud SCHERER-WARREN, 2000, p. 36). FIGURA 5 – MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO PELO MUNDO FONTE: <https://marxcio.fi les.wordpress.com/2011/03/1131_bolivia-movimentos-sociais.gif>. Acesso em: 15 maio 2019. Em 1980, surge o movimento social o Karnataka State Farmers Union (KRRS), traduzindo Associação de Agricultores do Estado de Karnataka, localizado na Índia. Surgiu como um movimento de fazendeiros. Eles veem o movimento como parte de um processo muito longo de construção de uma nova sociedade, que deve ser conduzida por pessoas em nível local até o nível global, mas o envolvimento ativo e direto da sociedade como um todo, de acordo com Via Campesina (2017). O KRRS é um movimento gandhiano e é incorporado pela Via Campesina. TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 153 Em 1983, no auge da construção de grandes projetos de barragens, foi criada em São Francisco/EUA a International Rivers Network. A Rede contava com a “[...] participação de agricultores e ecologistas [...]”, e o espírito de integração na heterogeneidade registrou-se “[...] pelos participantes do Primeiro Encontro dos Povos Afetados pelas Barragens [...]”, concretizado no ano de 1997: “[...] e somos fortes, diversos e unidos e nossa causa é justa. Para simbolizar nosso crescimento, declaramos que o dia 14 de março será, a partir de agora, o Dia Internacional de Ação contra Barragens e Rios, Água e Vida” (SOCIAL MOVEMENT LIST, 2000 apud SCHERER-WARREN, 2000b, p. 36, tradução nossa). FIGURA 6 – MOVIMENTO DA VIA CAMPESINA FONTE: <https://viacampesina.org/en/wp-content/uploads/sites/2/2007/09/2007-09-28%20 KRRS.jpg>. Acesso em: 24 maio 2019. Quanto ao surgimento da Via Campesina, aconteceu em 1992, “[...] quando os líderes de movimentos camponeses de diversas regiões reuniram-se no II Congresso da UNAG – Unión Nacional de Agricultores y Granaderos de Nicarágua”, realizado na cidade de Manágua, Nicarágua (RIBEIRO, SOBREIRO FILHO, 2012, p. 2). Mas somente em 1993 é oficializado o movimento, conforme relatam Ribeiro e Sobreiro Filho (2012). Podemos compreender com a espacialização da Via Campesina Brasil a importância desse movimento na luta por um projeto contra hegemônicodesafiando as organizações dominantes. Vimos que a manifestação é a forma fundamental para a construção e expansão do movimento. A Via Campesina é um movimento articulador de movimentos camponeses e não camponeses, sendo uma expressão da conflitualidade da reprodução das relações capitalistas (RIBEIRO; SOBREIRO FILHO, 2012, p. 14). Para Ribeiro e Sobreiro Filho (2012, p. 1) a Via Campesina articula organizações em nível global e regional, com a finalidade de se afrontar “[...] ao atual modelo de desenvolvimento no campo: o agronegócio: e também, constitui- se como um dos principais movimentos que lutam contra o modelo neoliberalista”. 154 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO Atualmente considera-se a Via Campesina como a maior articulação de trabalhadores em nível mundial, pois conta “[...] com articulações em 70 países de todos os continentes”. Assim, as populações rurais procuram a construção da solidariedade internacional, por meio “[...] das lutas e articulações de base [...]”, segundo afirmação de Egon Heck, secretariado nacional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) (MST, 2016, s. p.). Segundo Heck (MST, 2016, s. p.): Dentre as principais bandeiras de luta levantadas estão: terra/território, luta pela demarcação das terras indígenas, quilombolas e populações tradicionais, juntamente com acento na reforma agrária ampla e popular; luta pela soberania alimentar e alimentação saudável, sem agrotóxicos e sementes transgênicas; além disso, estarão em pauta questões mais conjunturais como a defasa da Previdência, do petróleo e contra a violência. Segundo Ribeiro e Sobreiro Filho (2012, p. 1), o movimento se particulariza partindo “[...] de manifestações, ocupações de terras e das propostas alternativas questionando sobre temas relevantes da nossa sociedade, tais como: reforma agrária; soberania alimentar; campesinato; agricultura camponesa sustentável; questão de gênero; direito humanos e outros”. Além dos movimentos sociais citados existem inúmeros outros, como os movimentos sociais latino-americanos, os quais serão abordados a seguir. 2.1 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL LATINO AMERICANO A América Latina abrange a maior parte das nações das Américas do Sul e Central. Ela engloba Cuba, Haiti, República Dominicana, México, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela, como é possível visualizar na Figura 7: Costa Rica El Salvador Guatemala México https://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rica_do_Sul https://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rica_Central TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 155 FIGURA 7 – MAPA DA AMÉRICA LATINA FONTE: <https://www.researchgate.net/figure/Figura-1-Mapa-dos-paises-componentes-da- America-Latina-onde-esta-situado-o-Brasil-Fonte_fig1_321282199>. Acesso em: 16 maio 2019. Argentina Chile Peru Equador Panamá Costa Rica El Salvador Guatemala México Belize Honduras Nicarágua Venezuela Suriname Guinea Francesa Brasil Bolívia Paraguai Uruguai Durante anos a “luta pela reforma agrária” se estende com “[...] outras lutas na América Latina [...]”, os movimentos sociais, de acordo com Oliveira Neto (2015, p. 198), debatem a necessidade da ampliação das políticas com a finalidade de assegurar tanto a terra, quanto a qualidade de vida dos agricultores, e também as políticas relacionadas à produção, que comportem a entrada destes produtos rurais a outros mercados. Todo este desenvolvimento conduzido pelo capitalismo globalizado e pela lógica capitalista financeira mundial nas décadas de 1990 e de 2000 “[...] transformou países em desenvolvimento como o Brasil e outros da América Latina, ao impor medidas de ajuste estrutural às economias nacionais e ao Estado” (RIBEIRO; CLEPS JUNIOR, 2011). Estes “[...] ajustes abriram caminho para a globalização, que afetou o mundo da agricultura e os sistemas agroalimentícios na América Latina” (TEUBAL, 2008 apud RIBEIRO, CLEPS JUNIOR, 2011, p. 85). Após os anos 2000 ampliaram-se as discussões sobre os movimentos sociais rurais na América Latina (RIBEIRO; CLEPS JÚNIOR, 2011). E a discussão sobre o tema ampliou-se por meio de eventos, tais como: “[...] o Simpósio Internacional de Geografia Agrária (2009; 2007; 2005; 2003) e o Grupo de Trabalho sobre Desenvolvimento Rural vinculado ao Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO)” (RIBEIRO; CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 78). 156 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO Por meio dos movimentos sociais rurais, a agricultura do capital “[...] passou a ter papel central na economia de países como Brasil” (PAULINO, 2008 apud RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 85). Porque foi escolhida para a geração de “[...] saldos comerciais [...]” (PAULINO, 2008 apud RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 85) por meio das exportações. E ao mesmo tempo, o Estado garantiu “[...] condições ao avanço e à consolidação desse modelo agrícola, mediante subsídios de várias ordens, em particular creditícios” (PAULINO, 2008 apud RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 85). Consequentemente, brotaram resultados sociais claros na agricultura, produzidos por um “[...] caminho de desenvolvimento concentrador e excludente em que camponeses e trabalhadores rurais não se veem incluídos, exceto sob a égide da expropriação e exploração, nessa nova etapa de modernização técnica da agricultura” (PAULINO, 2008 apud RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 85). Organizações de trabalhadores rurais, agricultores familiares e camponeses de vários países, em especial na América Latina, ante as mudanças advindas pela globalização, defendem-se por meio da atualização de sua “[...] agenda política e reorientando seu campo de conflitos; nela, o enfrentamento e a luta política contra o modelo do agronegócio surgem como elemento central”, de acordo com Teubal (2008, p. 148-149 apud RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 86). Teubal (2003 apud RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 86) analisam esse fenômeno: Até fins do milênio, em todo o continente latino-americano, manifesta- se o ressurgimento de importantes movimentos sociais camponeses, incluindo movimentos que intercalam comunidades indígenas, movimentos de médios e pequenos produtores e/ou trabalhadores rurais. Como consequência, a questão da terra e a reforma agrária adquirem uma nova identidade. As consequências dos movimentos e das suas discussões e ações “[...] podem ser visualizados como uma reação contra a consolidação de um sistema de agronegócios sob a égide do neoliberalismo” (RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 86). Outro movimento importante foi o Zapatista, localizado na região mexicana de Chiapas, em 1994 e que ocupou diversas cidades numa “[...] manifestação contra a NAFTA (North American Free Trade Agreement)”. Além disso, “[...] contestava as novas formas de dominação global do capital, defendia o direito e o respeito a manutenção das diversidades culturais, no caso a indígena (SOCIAL MOVEMENT LIST, 2000 apud SCHERER-WARREN, 2016, p. 36, tradução nossa)”. Com o auxílio da internet constituiu uma rede de apoiadores internacionais, segundo Gadea (1999) e Rossiaud (1999) apud Scherer-Warren (2016, p. 32-33). E em 1996, aconteceu o Encontro Internacional em Chiapas, realizado pelos zapatistas: TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 157 [...] com a presença de cerca de 6.000 ativistas e intelectuais, onde se deu continuidade a um novo desenho para a atuação da sociedade civil nos problemas globais. Um ano após, num encontro na Espanha, esta articulação foi denominada de Ação Global dos Povos (Peoples Global Action), passando a ser coordenada por dez movimentos sociais amplos e inovativos, dentre os quais o Movimento Sem-Terra (MST do Brasil) e o Karnataka State Farmers Union (KRRS da Índia) (SCHERER-WARREN, 2000, p. 32-33). Na região de Chiapas, no México conviviam grupos indígenas e camponesesde modo simplório de acordo com suas culturas. A principal atividade da região de Chiapas é a agrária e a partir da efetivação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio entre México e Estados Unidos passou a ser discutida em âmbito internacional, segundo Simonetti (2012). Nos anos 90, essas comunidades foram mais afetadas visto que a entrada em vigor no NAFTA contemplava mudanças de alguns artigos na Constituição Mexicana. Aquela que mais alterava a vida dessas comunidades foi o artigo 27 que prevê a regulamentação agrária, propriedade da terra e bem-estar dos camponeses. A alteração proposta visava destruir a propriedade coletiva da terra – Ejidos – principal conquista da Revolução de 1910. Ao incentivar o livre mercado da propriedade rural, com prejuízo dos pequenos lavradores que, sem infraestrutura agrícola e sem incentivos econômicos, encontram-se em absoluta desvantagem no mercado agrícola. A reforma favoreceu o renascimento de uma estrutura agrícola do latifúndio, inimigo principal da revolução de Emiliano Zapata, intensificando o conflito no campo. Tal mudança teve um impacto em Chiapas, onde as milícias privadas armadas a serviço do grande latifundiário, levaram as organizações camponesas e indígenas à luta armada pela defesa do chão, do sustento e da própria cultura (FELICE, 1998 apud SIMONETTI, 2012, p. 126-127). Além do Movimento Zapatista (SIMONETTI, 2012), podemos citar como exemplos de movimentos sociais rurais na América Latina: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), movimento brasileiro de base rural, tendo como preocupação principal o mapeamento da formação de redes transnacionais, numa definição amplificada (RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011). O MST será apresentado posteriormente. 2.2 MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL BRASILEIRO No Brasil existem diversas pesquisas acerca do papel ativo dos movimentos sociais na luta por direitos e garantias de grupos excluídos dentro da sociedade. A articulação de atuações coletivas que operam como oposição à exclusão e que geram novas dinâmicas sociais, sendo na cidade ou mesmo no campo, vem se restabelecendo e conquistando novos contornos sociais, segundo Picolotto (2007). http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032017000100123#B26 158 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO E as atuações e estratégias de oposição dos movimentos sociais rurais surgem cunhando condições para que as suas questões sejam divulgadas para que alcancem as instâncias decisórias do Estado. Os movimentos sociais apresentam na sua origem a característica de contestação da realidade na qual estão fundamentados e se constituem para a promoção da ruptura de uma circunstância de falta de direitos. (PICOLOTTO, 2007). Uma das batalhas materiais de emergência, do dia a dia de bases dos movimentos sociais rurais, é a terra. Pois ela “[...] constitui um dos elementos centrais a partir do qual deriva a atuação dos movimentos de resistência” (MIRANDA; FIUZA, 2017, p. 128). Porém, existem movimentos predominantes que reivindicam o domínio da terra, e já outros que resistem pela utilização sustentável desta (MIRANDA; FIUZA, 2017). Deste modo, nota-se que “[...] as lutas dos movimentos sociais já não mais se voltam para a conquista do poder do Estado, mas contra o próprio poder, na medida em que reconhecem uma crise do Estado e do poder na sociedade atual” (MIRANDA; FIUZA, 2017, p. 128). A história dos movimentos sociais do campo no território brasileiro surgiu a partir de duas principais frentes: as Ligas Camponesas, entre as décadas de 1940 e 1960, localizadas na Região Nordeste, e nos anos 1980 surgiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conforme explicam Miranda e Fiúza (2017). Mas a partir dos anos 90, a agricultura mundial passou por mudanças importantes perante os novos padrões de acumulação e exploração sob a égide do capitalismo monopolista mundializado, segundo Oliveira (2004b apud RIBEIRO, CLEPS JUNIOR, 2011). Segundo Ribeiro e Cleps Júnior (2011, p. 76), nesse período, [...] a atuação de corporações transnacionais ligadas aos negócios agrícolas nas etapas de produção, processamento, pesquisas e difusão de biotecnologia e no setor alimentício ganhou relevo, num movimento de expansão da agricultura capitalista que delineou, desde então, uma nova etapa de modernização técnica da agricultura no país, designada como agronegócio. Esse acontecimento marca o espaço rural e o trabalho agrícola no Brasil, e ainda abrange distintos esferas da sociedade. Este método envolve até “[...] subordinações, resistências e respostas dos trabalhadores rurais, camponeses e suas organizações políticas, frente a esse novo cenário desenhado para a agricultura brasileira [...]”, segundo Ribeiro e Cleps Junior (2011, p. 77). Para eles, no país, o modelo mais evidente desse aspecto de mobilização social advém das principais organizações relacionadas à Via Campesina, tais como: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032017000100123#B26 TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 159 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Destes, o MST se destaca graças ao alcance expressivo de sua atuação, manifestada em discursos, notas públicas, entrevistas e demais estratégias, que se propagam no cenário público nacional, como também por ações diretas em que a pauta de denúncia e contestação ao agronegócio se pronuncia (RIBEIRO, CLEPS JÚNIOR, 2011, p. 77). Segundo Touraine (2006, p. 175), neste contexto os movimentos sociais são “[...] atores de um conflito, agindo com outros atores organizados, que lutam pelo uso social dos recursos culturais e materiais, aos quais os dois campos atribuem, tanto um com o outro, uma importância central”. Para o autor, os movimentos sociais exibem uma forte característica, na medida em que focam diretamente no sistema político, e tratam de estabelecer uma identidade que lhes comporte atuar sobre si próprios e sobre a sociedade em completo, através de técnicas, importâncias e regras sociais que formam um sistema de conhecimento. No Brasil, os movimentos sociais rurais apresentaram grande evidência nos anos 1950 com as Ligas Camponesas, especialmente na Região Nordeste. Elas caíram na clandestinidade nas décadas de 1960 e 1970 e nos anos 1980 retornaram aos manifestos com a colaboração da igreja católica e também de partidos esquerdistas, tal como o Partido dos Trabalhadores (PT). De acordo com Grybowsky (1994), as dificuldades vivenciadas pela maior parte da população camponesa, especialmente os trabalhadores assalariados, os agricultores e as suas famílias, estavam presos a exploração e a marginalização gerada pela modernização agrária no campo. Porém, o campo, a partir da década de 1970, suportou as decorrências deste desenvolvimento excludente, corroborado na deterioração dos recursos naturais, na centralização fundiária, no êxodo rural, nas modificações dos sistemas de produção e ainda de relações sociais. Neste contexto, os diversos atores sociais, como trabalhadores rurais, boias-frias, mulheres, jovens e pequenos produtores rurais, começaram a se organizar, demonstrando resistência aos problemas decorrentes deste processo de modernização. Nesta totalidade, Martins (1989) alega que a resistência campestre é uma batalha pela terra e pela preservação de uma história. Ela é fundamentada no trabalho coletivo do mutirão, também na preservação da agricultura familiar e ainda na sociabilidade entre vizinhos, parentes e compadres como uma opção concreta à degradação e à miséria. Uma parte considerável dos movimentos sociais rurais possui uma história injusta, já que a ideia que prevaleceu até o final dos anos 1980, de tentar novas práticas políticas e também sociais, foi se misturando ao processo de instrumentalização do Estado por meiopartidário, conforme comenta Ricci (2005). Deste modo, diversos movimentos sociais se legitimaram pelos partidos políticos. E os movimentos sociais ao se legitimarem, segundo Cohen e Arato (2000), também se racionalizam, procurando resguardar os seus direitos, além de se aprovisionar com novas e criativas forças sociais. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032017000100123#B19 160 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO Neste caso, para Cohen e Arato (2000), os movimentos sociais as vezes são defensivos e já outras ofensivos. Defensivos quando se posiciona no desenvolvimento de identidades, de base local, que atuam sobre a consciência e a tradição dos grupos. Já em seu aspecto ofensivo, estão as estratégias no jogo de poder entre atores externos, visando se incluir institucionalmente no sistema político e intervir nas políticas públicas. Para Miranda e Fiuza (2017, p. 17), os movimentos sociais apresentam a capacidade de combinar uma pluralidade de modelos de ação que vão de estratégias duvidosas e interruptivas, tais como: [...] os protestos públicos, passeatas e ocupações, até ações formais de encaminhamento de demandas. O conjunto dessas ações e formas de resistência é contingente e dinamizado pela relação com a sociedade civil e com o Estado em cada contexto histórico específico. No que diz respeito aos movimentos sociais rurais, estes têm intensificado a sua participação nas disputas que envolvem a luta pela terra e o controle social das políticas públicas relacionadas ao campo, buscando fortalecer a agricultura familiar. No entanto, segundo Miranda e Fiuza (2017, p. 17), “[...] nas últimas décadas os movimentos sociais rurais [...]” exibem-se com outras compreensões e técnicas, mais associadas ao habitual, das atitudes e dos anseios das pessoas que dependem da lavoura. Observa-se várias entidades religiosas articuladas com os movimentos sociais rurais, como a igreja católica, que movimentavam atividades religiosas e também políticas comunitárias desenvolvidas através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) de acordo com a história relacionadas à agricultura familiar. “As CEBs, como se analisa posteriormente, introduziram elementos culturais e simbólicos que cimentaram a confiança e a solidariedade nas conexões entre os agricultores locais” (FREITAS; FREITAS, 2013 apud FREITAS; FERREIRA; FREITAS, 2019, p. 18). FIGURA 8 – CEBS DO BRASIL FONTE: <http://cebsdobrasil.com.br/wpcontent/uploads/2018/08/20799461_753044231550121 _1812877185126960276_n-665x365.jpg>. Acesso em: 11 set. 2019. TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 161 Para Freitas, Ferreira, Freitas (2019, p. 18) que citam Petrini (1984) as CEBs são: [...] grupos de cristãos que se reuniam regularmente na casa das famílias rurais ou nos centros comunitários, a fim de discutirem a Bíblia e debaterem sobre as questões sociais, econômicas e políticas que os afligia. A ideia de comunidade posta pela CEBs vinha de sua organização por grupos formados por indivíduos de uma mesma identificação geográfica: as comunidades rurais. O elemento “comunidade” e o debate em torno das “relações fraternas” reforçavam, entre os participantes [agricultores familiares], a proximidade social e a solidariedade. Quanto ao “[...] trabalho desenvolvido pelas CEBs [...]”, Cintrão, 1996 citado por Freitas; Ferreira; Freitas, (2019, p. 18), observa a desaprovação da prática social vivida ao destacar as questões econômicas e sociais oriundos da distinção e do abuso dos trabalhos dos desafortunados. Outro pilar que sustentava a atuação das CEBs, conforme citado pelo autor, era a crença cristã, com base em apegos éticos e de assistência. “A atuação das CEBs, como descrito, marcadamente tenta romper com a grande correlação de forças que existia com o Estado e entre grandes fazendeiros e pequenos agricultores, promovendo mais autonomia e consciência crítica”, de acordo com Freitas, Ferreira, Freitas (2019, p. 19). 2.2.1 Movimento dos Sem Terra A organização do MST surgiu em 1979 e nos anos 1980 se fortaleceu. Na década de 1990 começou a participar ativamente do movimento cidadão planetário, conforme explica Scherer-Warren (2016, p. 35). E a partir dos anos 2000, o MST reúne três níveis principais de participação no movimento, propagando, concomitantemente, as mediações da igreja católica, “marxista-leninista” e também do “movimento cidadão”, de acordo com Scherer-Warren (2016, p. 37). Os níveis do MST são três, as bases, as lideranças e as articulações/redes transindenitárias: a) As bases – os membros dos acampamentos ou assentamentos (os sem- terra propriamente ditos), sujeitos aos processos de conscientização a partir da prática e da convivência no movimento ou, conforme BOGO (1998b), quando afirma que uma das linhas de ação do MST "é para formar novos seres humanos, [pois]... a transformação de um latifúndio em pequenas propriedade privadas... não leva a nada... o que constrói uma sociedade é a mudança de caráter das pessoas e a mudança de conduta das pessoas". Há uma grande diversidade cultural-regional destas bases, e frequentemente, os processos de formação política não são facilmente assimilados pelas culturas locais e geram resistências ou conflitos (QUEIROZ, 1999 apud SCHERER-WARREN, 2016, p. 37). http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20032019000100009&script=sci_arttext#B31 162 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO b) As lideranças – participam na estrutura organizativa do MST, que compreende coordenações locais (de assentamento e acampamento), regionais, estaduais e nacional e direções estaduais e nacional, todas sob a forma de coletivos sem presidência" (BERGER, 1998, p. 98). Nos quadros políticos do movimento e busca da uniformidade de atuação, seguindo princípios organizativos da segunda mediação mencionada acima (as lutas de massa). Neste caso, discursivamente o sujeito individual se dilui no coletivo como, por exemplo, no uso da expressão "a gente" em lugar de "eu", "evidenciando o desejo de apresentar o lugar do líder como um lugar de apagamento da individualidade e de submissão ao coletivo" (QUEIROZ, 1999, p. 2000 apud SCHERER- WARREN, 2016, p. 37-38). c) As articulações/redes transindenitárias – referem-se ao nível da participação conjunta do MST com outros movimentos sociais e cidadãos simpatizantes em redes de informação, de vigília e de resistência e manifestações massivas locais, regionais, nacionais e transnacionais. Aqui encontramos redes mais horizontalizadas, menos estruturadas e na qual a discursividade sobre o direito a participação e vigília cidadã sobre decisões públicas que lhe dizem respeito, toma vulto (SCHERER-WARREN, 2016, p. 38). Simonetti (2012, p. 128) ressalta que em esfera global, o MST participa da Via Campesina, que articula organizações camponesas dos diversos países e que “[..] lutam por terra, reforma agrária e política agrícola adequada a pequena produção’”. Quanto ao Setor de Direitos Humanos, o movimento, segundo Simonetti (2012, p. 128): [...] desenvolve um trabalho de formação e divulgação dos direitos básicos e essenciais do cidadão brasileiro, da legislação geral e específica da questão agrária, nos diversos cursos e encontros do MST. Organiza as denúncias em âmbito nacional e junto aos órgãos internacionais. Recentemente na ONU, o MST foi representado pela Franciscan and Dominicans Fundation denunciando os constantes desrespeitos aos Direitos Humanos por parte do governo brasileiro. FIGURA 9 – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) FONTE: <https://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2010/06/050524mst.jpg>. Acesso em: 16 maio 2019. TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 163 Quanto às mulheres do MST, elas participam e em muitos casos lideram ativamente as lutas em prol das terras, porém, não eram reconhecidas e nem favorecidas pelos Planos e Projetos de Reforma Agrária, segundo Sales (2007). O Instituto Nacionalde Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por meio da Portaria nº 981/2003, tornou obrigatória os títulos das terras em nome do homem e da mulher, em casos de casamento ou união estável (SALES, 2007). Quanto às desigualdades de gênero, sobre os direitos das agricultoras, criaram-se projetos que consideram as suas demandas. Sales (2007, p. 441) comenta que para: A ampliação significativa da cidadania feminina no campo desencadeou-se principalmente com a Constituição de 1988, quando no artigo 226, § 5°, foi reconhecida a igualdade entre homens e mulheres na família, e no artigo 189, parágrafo único, estabelecida a igualdade de direitos entre homens e mulheres na obtenção de título de domínio ou de concessão de uso de terras para fins de reforma agrária. Essas conquistas são fundamentais, expressam a luta das mulheres, no entanto elas esbarram em outros obstáculos, como a falta de documentos e escolaridade. A dificuldade de lidar com atividades do mundo público, como abrir conta bancária, por exemplo, é reforçada pelas práticas e costumes sexistas, que colaboram com a perpetuação da subordinação das mulheres rurais. Porém, para o reconhecimento legítimo das camponesas nas atividades da agricultura há a necessidade de leis e de diversas atuações, unidas para o empoderamento destas mulheres, assim elas poderão desfrutar os direitos adquiridos. 2.2.2 Marcha das Margaridas Um olhar sobre os movimentos de mulheres rurais de um modo geral nos faz ver que houve transformações tanto na sua forma organizativa como no seu aparecimento público. Vários movimentos, representando identidades sociais e políticas diversas, emergiram no espaço público, através de ações e mobilizações que, ao se fazerem crescentes, deram visibilidade às mulheres rurais. Uma dessas ações, a Marcha das Margaridas, propõe, mediante suas reivindicações, mudanças que podem ser entendidas tanto como econômico-estruturais quanto simbólico- culturais, ao apresentar demandas que incluem tanto o reconhecimento cultural, o reconhecimento da diferença, quanto a redistribuição econômica (AGUIAR, 2016). As reivindicações históricas das mulheres rurais, como as previdenciárias e de direitos sociais, dirigidas ao Estado, somaram- se outras, relacionadas a temas produtivos e vinculados a um projeto estratégico de desenvolvimento rural, o qual, na sua concepção, questiona a ação do agronegócio, reafirma a importância do papel da agricultura familiar e questiona o lugar das mulheres na sociedade. Além disso, a Marcha das Margaridas vem mostrando, a cada ano em 164 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO que ocorre, uma extraordinária capacidade de ampliar as dimensões constitutivas da identidade das trabalhadoras rurais, ao se nomearem mulheres do campo, da floresta e das águas, de ampliarem as suas bandeiras de lutas e de reafirmarem os seus direitos, ao propor a construção de políticas públicas que respondam as suas reivindicações. Tal feito é potencializado pelo contínuo processo de crescimento da sua capacidade articulatória e de mobilização, o que determina a força e o alcance das reivindicações, bem como o poder de negociação das Marchas das Margaridas no decorrer desses 15 anos (AGUIAR, 2016, p. 289-290). Silva (2017, p. 2) ressalta que a Marcha das Margaridas congrega vários movimentos de mulheres rurais e urbanas, nas esferas “regional, nacional e internacional”, tais como: Contag – Confederação dos Trabalhadores na Agricultura, Cut – Central Única dos Trabalhadores, CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros e movimentos autônomos de mulheres e feministas, como a Marcha Mundial de Mulheres, o MIQCB – Movimento de Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu, o MMTR – NE – Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste, Redelac – Rede de Mulheres Rurais da América Latina e Caribe e outros. Por fim, diante dos processos de transformação em curso no campo, incluindo as florestas e as águas em toda a sua diversidade e dinâmica, e dos conflitos e resistências em que vivem suas populações, principalmente, diante da expansão do agronegócio e dos impactos dos grandes projetos que norteiam o modelo de desenvolvimento vigente, e que impactam sobremaneira a vida as mulheres que ali vivem, talvez o grande desafio que se apresenta hoje paras as mulheres rurais, camponesas, mulheres do campo, da floresta e das águas, enfim, seja a construção da unidade (AGUIAR, 2016). FIGURA 10 – MARCHA DAS MARGARIDAS FONTE: <http://www.marchamundialdasmulheres.org.br/wp-content/uploads/2015/08/ marchamargaridas-300x190.jpg>. Acesso em: 16 maio 2019. TÓPICO 2 | MOVIMENTOS SOCIAIS NO ESPAÇO RURAL 165 Para Aguiar (2016), o progresso da articulação dos movimentos numa mesma constituição é um desafio aos movimentos de mulheres de uma maneira geral, porém, principalmente, a Marcha das Margaridas, devido a sua função de articuladora. Para Aguiar (2016): Enfrentar esse desafio significa se desvencilhar das identidades protegidas e impulsionar processos dialógicos que promovam um amplo debate sobre a realidade das mulheres do campo, da floresta e das águas no contexto atual, e sobre as bases de um projeto político de sociedade (ou de desenvolvimento) a partir da perspectiva feminista (AGUIAR, 2016, p. 290). Segundo o Caderno de Apresentação da Marcha Mundial das Mulheres (2019, p. 5): Desde 2000 até agora, já aconteceram 5 Marchas das Margaridas. É a maior manifestação de mulheres rurais da América Latina. As principais bandeiras das mulheres dos campos, das águas e das florestas são: justiça social, democracia, autonomia, igualdade e liberdade. As Margaridas elaboram plataformas políticas pautando: reforma agrária; soberania alimentar; valorização do trabalho das mulheres; direitos trabalhistas, sociais e previdenciários; valorização do salário mínimo; educação e saúde pública no campo; combate à violência; agroecologia e sustentabilidade; economia solidária etc. Em 2019, a Marcha das Margaridas tem sua 6ª edição. A Marcha acontece em agosto, mas sua preparação e mobilização se inicia muitos meses antes, em um processo amplo e contínuo por todo o país. A Margarida que os poderosos quiseram calar espalhou sua semente. Silva (2017) menciona como precursoras dos movimentos sociais: Elizabeth Teixeira e Margarida Alves: “Elizabeth Teixeira foi uma das primeiras mulheres que se destacou na defesa dos direitos dos(as) trabalhadores(as) rurais”, presidiu a Liga Sapé no final dos anos 1950. “Margarida Alves associa-se às lutas em defesa dos direitos dos/as trabalhadores rurais”, presidiu o Sindicato no início da década de 1980 e fundou o CENTRU – Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural. Além dos movimentos sociais de mulheres rurais, existem os movimentos sindical rural e também os de jovens rurais, entre outros, todos com os mesmos objetivos: melhores condições de vida, reconhecimento da identidade e terras para trabalhar. 166 UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO Leia sobre a realidade da reforma da Previdência no campo no Brasil. Disponível em: http://www.ctb.org.br/site/noticias/rurais/a-cruel-reforma-da-previdencia- para-as-mulheres-rurais: Acesso em: 2 abr. 2019. Plano de aula – Movimentos sociais brasileiros urbanos e rurais Plano de aula de Geografia com atividades para o 8º ano do Ensino Fundamental sobre distinguir as ações de movimentos sociais urbanos e rurais no Brasil, a partir de suas localizações e lógicas espaciais de atuação. Para saber mais acesse: https://novaescola.org. br/plano-de-aula/6039/movimentos-sociais-brasileiros-urbanos-e-rurais. Acesso em: 2 abr. 2019. DICAS DICAS 167 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Os movimentos sociais são a ação de conflito oriunda de atores dos grupos sociais que lutam pelo domínio do sistema de ação da história. E que em toda sociedade há um movimento social que representa não uma básica mobilização, mas uma concepção de transformação social. • A ViaCampesina articula organizações em nível global e regional, com a finalidade de afrontar o atual modelo de desenvolvimento no campo: o agronegócio, e também, constitui-se como um dos principais movimentos que lutam contra o modelo neoliberalista. Atualmente, considera-se a Via Campesina como a maior articulação de trabalhadores em nível mundial, pois conta “com articulações em 70 países de todos os continentes” (MST, 2016). • Organizações de trabalhadores rurais, agricultores familiares e camponeses de vários países, em especial na América Latina, ante as mudanças advindas pela globalização, defendem-se por meio da atualização de sua “agenda política e reorientando seu campo de conflitos; nela, o enfrentamento e a luta política contra o modelo do agronegócio surgem como elemento central”, conforme Teubal (2008, p. 148-149 apud RIBEIRO, CLEPS JUNIOR, 2011, p. 86). • Outro movimento importante é o Zapatista, localizado na região mexicana de Chiapas, em 1994, que ocupou diversas cidades numa manifestação contra a NAFTA (North American Free Trade Agreement). Além disso, contestava as novas formas de dominação global do capital, defendia o direito, o respeito e a manutenção das diversidades culturais, no caso a indígena. • A história dos movimentos sociais do campo no território brasileiro surgiu a partir de duas principais frentes: as Ligas Camponesas, entre as décadas de 1940 e 1960, localizadas na Região Nordeste e nos anos 1980 surgiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conforme explicam Miranda e Fiúza (2017). Mas a partir dos anos 1990, a agricultura mundial passou por mudanças importantes perante os novos padrões de acumulação e exploração sob a égide do capitalismo monopolista mundializado. • A organização do MST surgiu em 1979 e nos anos 1980 se fortaleceu. Na década de 1990 começou a participar ativamente do movimento cidadão planetário. E a partir dos anos 2000, o MST reuniu três níveis principais de participação no movimento, propagando, concomitantemente, as mediações da igreja católica, marxista-leninista e também do movimento cidadão. 168 • Um olhar sobre os movimentos de mulheres rurais de um modo geral nos faz ver que houve transformações tanto na sua forma organizativa como no seu aparecimento público. Vários movimentos, representando identidades sociais e políticas diversas, emergiram no espaço público, através de ações e mobilizações que ao se fazerem crescentes, deram visibilidade às mulheres rurais. Uma dessas ações: a Marcha das Margaridas propõe mediante suas reivindicações, mudanças que podem ser entendidas tanto como econômico- estruturais quanto simbólico-culturais, ao apresentar demandas que incluem tanto o reconhecimento cultural, o reconhecimento da diferença, quanto à redistribuição econômica. 169 AUTOATIVIDADE 1 Delgado e Bergamasco (2017, p. 10) afirmam que os movimentos sociais, em conjunto com a iniciativa do Estado e da Academia, exerceram uma função importante na demarcação da Agricultura Familiar como um exemplo de agricultura, como segmento agregador “[...] de direitos e como identidade política unificadora de uma diversidade de unidades familiares no campo”. Para os autores encontram-se entre os movimentos que se destacam as lutas das mulheres rurais pela conquista de seus direitos e de seus “[...] espaços de autonomia [...]”. Ao mesmo tempo, observa-se a importância do registro das questões como o êxodo rural dos mais jovens, “[...] tendencialmente definitiva, as migrações sazonais e ou pendulares, que se apresentam como desafios, tanto na avaliação da dinâmica da própria Agricultura Familiar quanto na formulação de políticas públicas para o setor [...]”. De acordo com o texto e sobre as migrações do campo para cidade podemos afirmar que: a) ( ) Os movimentos migratórios do campo para cidade, conhecido Êxodo Rural, é a melhor alternativa para melhorar a renda familiar para determinados membros de famílias agrícolas, pois se torna uma opção de ampliação e melhoria da qualidade de vida dos indivíduos que tem sua origem de trabalho e produção de renda oriundas do campo. b) ( ) A melhor opção para diminuir os direitos dos trabalhadores do campo em nosso país é praticar a migração para as áreas urbanas como forma de busca de atividades laborais e renda familiar. c) ( ) Os direitos dos trabalhadores do campo devem ser iguais os dos trabalhadores urbanos, a luta por igualdade e qualidade de vida e serviços nos espaços rurais facilita a permanência dos trabalhadores rurais nas áreas agrícolas de nosso país e fortalece a produção de renda no campo. d) ( ) As lutas pelos direitos dos trabalhadores rurais devem ser diferenciadas entre as mulheres e os homens, pois ambos executam atividades produtivas diferentes no campo e essa prática corrobora com a ampliação dos direitos entre os gêneros. 2 O desenvolvimento conduzido pelo capitalismo globalizado e pela lógica capitalista financeira mundial nas décadas de 1990 e de 2000 “[...] transformou países em desenvolvimento como o Brasil e outros da América Latina ao impor medidas de ajuste estrutural às economias nacionais e ao Estado”, ressaltam Ribeiro e Cleps Júnior (2011, p. 85). Deste modo, segundo Ribeiro e Cleps Júnior (2011, p. 85), a agricultura do capital “[...] passou a ter papel central na economia de países como o Brasil [...]”, porque foi escolhida para a geração de “saldos comerciais” por meio das “exportações”, ao mesmo tempo, o Estado garante “condições ao avanço e à consolidação desse modelo agrícola. As exportações se tornaram uma importante forma de 170 ampliação da produção interna e ampliação do desenvolvimento do PIB – Produto Interno Bruto de nosso país. Sobre essa questão das exportações, podemos afirmar que: a) ( ) As exportações dos produtos agropecuários de nosso país se tornaram importante fonte de renda para pequenos e grandes produtores rurais e auxiliou na ampliação da balança comercial brasileira. b) ( ) As exportações não devem ultrapassar as importações, pois o saldo da balança comercial nacional ficará positivo apenas se houver um equilíbrio deste indicativo da balança. c) ( ) As importações devem sempre ser mais atrativas no setor agropecuário no Brasil, pois apresentam melhor qualidade dos insumos agrícolas que os nacionais, não tendo capacidade de concorrência com os produtos nacionais. d) ( ) O equilíbrio da balança comercial só ocorrerá se nós exportamos mais que importarmos, pois quanto maior as exportações mais lucro haverá para nosso país principalmente no setor industrial, não havendo concorrência e consequentemente a diminuição dos preços dos produtos que compõem a estrutura dos insumos agropecuários. 171 TÓPICO 3 ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Para o embasamento teórico deste tema foram realizados levantamentos bibliográficos e históricos sobre a educação escolar no meio rural e sobre o ensino de Geografia. Também foram analisados documentos oficiais como a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB). Para compreender a educação do espaço rural brasileiro se faz necessário estabelecer uma relação entre as políticas educacionais direcionadas para essa modalidade de ensino. No Brasil, somente a partir dos anos 1920 a educação para os sujeitos do campo assume a centralidade das discussões e debates acadêmicos, devido principalmente ao aumento do movimento migratório interno. Anteriormente, a escola ofertada no espaço rural se caracterizava por sua descontinuidade e desordenamento, não existindo uma legislação que embasasse a sua organização. Neste período (1930) consolida-se o que diversos autores denominaram de “Ruralismo Pedagógico”. Esta denominação refere-se a uma corrente de pensamento influenciada pelas discussões promovidas pelos chamados pioneiros da Nova Escola, iniciada nos anos de 1920 (RIBEIRO, 2010, p. 172). Foram implantados programas de extensão rural e currículosespecíficos para as escolas rurais visando manter os sujeitos no campo e evitar problemas, como por exemplo, o êxodo rural. Com o fim do Estado Novo (1945), durante a redemocratização brasileira, a educação para a população que residia no campo tinha continuidade através de diversos projetos, entre eles destacava-se a Comissão Brasileiro- Americana de Educação das Populações Rurais (CBAR), a qual buscava o “[...] desenvolvimento de regiões campestres com a criação de programas de extensão de Centros de Treinamentos para professores” (BELTRAME; CARDOSO; NAWROSKI 2011, p. 112). Os programas criados pela CBAR tinham como finalidade conter o êxodo rural ou do fluxo migratório da população do campo para os espaços urbanos e assim, estimular o desenvolvimento econômico das comunidades rurais. O alto índice de analfabetos evidenciava o fracasso da educação rural que fundamentava a ideia defendida pelo “ruralismo pedagógico”, o qual sugeria uma escola que atendesse à demanda rural associando a sua formação com a produção agrícola para que os filhos dos agricultores permanecessem no campo. UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 172 FIGURA 11 – A EDUCAÇÃO NO CAMPO FONTE: <https://image.slidesharecdn.com/aeducaonocampo2-160925000314/95/a-educao- no-campo-2-1-638.jpg?cb=1474761888>. Acesso em: 24 maio 2019. Nessa perspectiva, compreende-se que a escola rural foi um instrumento significativo para a expansão do capitalismo no Brasil, acompanhando a desconstrução do modo de vida dos trabalhadores rurais, principalmente no que diz respeito ao trabalho, aos saberes construídos historicamente e a sua cultura. Aliado a esta perspectiva, em 1950 realizou-se a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER). Não obstante, mesmo com o trabalho da CBAR e da CNER os anos que seguiram foram marcados pela intensificação do êxodo rural, embora houvesse a convicção de que a educação pudesse conter os problemas relacionados com a migração das populações para o espaço urbano. Essas novas ideias aprofundaram o afastamento dos povos do campo de sua realidade, pois a proposta de uma educação regionalizada não dialogava com a realidade desta população, não só desconsiderando a sua cultura e seus valores, mas também evidenciando a rigidez dos projetos destinados ao espaço rural, de acordo com Ribeiro (2010). A escola rural está profundamente distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores, uma vez que a educação tem sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada aos seus interesses. Por essa razão, “[...] a escola rural continua hoje, como sempre esteve, a mercê de modelos urbanos, distante, muito distante das necessidades do trabalho e da produção de vida camponesa e até mesmo de seus valores básicos mais profundos” (RIBEIRO, 2010, p. 176). TÓPICO 3 | ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA 173 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 4.024/61 favoreceu em parte os projetos que vinham sendo propostos para as escolas rurais brasileiras deixando a educação rural a cargo das administrações municipais. Estas por sua vez não contavam com grandes recursos, o que implicava na falta de infraestrutura das escolas. A referida lei contribuiu para a “[...] manutenção da dicotomia da formação de professores para o campo e para a cidade” (BELTRAME, 2011, p. 113), comprovando a percepção de que o homem do campo não precisa de escola, pois, “[...] para plantar não é necessário saber ler e escrever com fl uência, tampouco ser profi ciente nas ciências e na matemática” (BELTRAME, 2011, p. 113). Diante do contexto histórico da educação brasileira observa-se que até o período de redemocratização (1985) as escolas rurais haviam sido contempladas por políticas de ensino. É a partir da Constituição Federal de 1988, que a pauta passa a ser a educação, mesmo não citando diretamente a educação do/no campo (BELTRAME, 2011). Para Mancebo (2009), a Constituição de 1988 é um marco importante, pois destaca a ruptura com um modelo ditatorial que minimizava os direitos dos cidadãos, denotando que a partir desse período que os movimentos sociais encontram espaço para reivindicar os direitos garantidos por lei. A Educação do Campo surge com o propósito de construir uma escola engajada em um projeto popular, a qual vem ressignifi cando a teoria e a prática da educação rural. Destaca-se no processo histórico de consolidação da educação do campo a Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo (1998), a qual contou com a contribuição do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, reafi rmando a pertinência da luta por políticas públicas e um projeto educativo adequado à demanda dos sujeitos que vivem e trabalham no campo, estabelecendo a partir deste momento um novo referencial para discussão e mobilização popular: Substituía-se a denominada educação rural pela educação do campo. FIGURA 12 – O CRESCENTE ACESSO DA TECNOLOGIA NO CAMPO FONTE: <https://www.portal.ufpa.br/images/Educacao_no_campo.jpg>. Acesso em: 24 maio 2019. UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 174 A Educação do Campo que vem sendo discutida no âmbito acadêmico põe em debate a sua matriz formativa. Muito se discute sobre a sua formação e consolidação. Nas palavras de Fernandes (2012) entende-se que: Não existe outra fonte de nascedouro da Educação do Campo, embora diversas pessoas e instituições tenham se apropriado dessa ideia, mas jamais se apropriarão do movimento de luta e resistência que marca a identidade camponesa no seu fazer-se do dia a dia que possibilita a todos nós compreendermos o Paradigma Originário da Educação do Campo. Esta luta é uma semeadura. Plantamos nos campos dos desafios as esperanças e as resistências (FERNANDES, 2012, p. 15). Frigotto (2010) complementa quando afirma que denominação de Educação do Campo: [...] engendra um sentido que busca confrontar, há um tempo, a perspectiva colonizadora extensionista, localista e particularista com concepções e métodos pedagógicos de natureza fragmentária e positivistas. Esse confronto, que se expressa na forma semântica, só é possível de ser entendido, social e humanamente, no processo de construção de um movimento social e de um sujeito social e político – Movimento dos Sem Terra (MST) – que disputa um projeto social e educacional contra-hegemônico (FRIGOTTO, 2010, p. 36). A Educação do Campo no cenário da educação brasileira se propõe como uma educação emancipatória e atua no sentido de superar as relações sociais capitalistas. Conforme proposto pela Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), “[...] torna-se fundamental para reivindicação de políticas educacionais a elaboração das diversas práticas educativas” (SILVA, 2006, p. 61). A partir de Christóffoli (2006) entende-se que a escola do campo tem por meta preparar o sujeito que vive e almeja melhorar as suas condições de vida no meio rural, pois trata desde os interesses ligados à política, à cultura e à economia dos diversos grupos de trabalhadores do campo. Nesse cenário, de busca por melhoras na qualidade da educação do campo, surgem as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas com o intuito de promover avanços no sentido de tornar o ensino voltado para esta população, adequado as suas especificidades, pois historicamente não passava de uma adaptação do ensino ofertado no espaço urbano. FONTE: Revista Interface, n. 9, jun. 2015, p. 111. NOTA TÓPICO 3 | ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA 175 FIGURA 13 – O ACESSO À EDUCAÇÃO NO CAMPO FONTE: <https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/e/educacao-campo.jpg>. Acesso em: 24 maio 2019. Nosso país possui atualmente um parecer técnico para o estudo definido como as Diretrizes Operacionais para a Educação nas Escolas Básicas do Campo, de acordo com os novos parâmetros da Base Curricular Nacional, a BNCC, que a partir de 2020 entrará em vigor em todo território nacional paraa educação Básica e Profissionalizante. As Diretrizes Operacionais para a Educação nas Escolas Básicas do Campo (BRASIL, 2002a) garantem a universalização do acesso da população na Educação Básica e a Educação Profissional de Nível Técnico (BRASIL, 2002a, Art. 3º), bem como o desenvolvimento social economicamente justo e ecologicamente sustentável (BRASIL, 2002a, Art. 4º). Contemplando a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia (BRASIL, 2002a, Art. 5º). O projeto institucional das escolas do campo busca garantir a gestão democrática construindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre a escola, a comunidade local, os movimentos sociais, os órgãos normativos do sistema de ensino e os demais setores da sociedade (BRASIL, 2002a, Art. 10), consolidando desta forma a autonomia das escolas, o fortalecimento dos conselhos (BRASIL, 2002a, Art. 11), promovendo o aperfeiçoamento dos docentes (BRASIL, 2002a, Art.12). Assim, as diretrizes estabelecem a identidade da escola do campo: Pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando- se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede da ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (BRASIL, 2002a, p. 37). UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 176 O Ensino da Geografia, tanto para o Ensino Fundamental como para o Ensino Médio, tem um papel importante no resgate não apenas do conhecimento do território nas atividades econômicas primárias, mas para a compreensão da interrelações que o campo e os espaços urbanos possuem em nosso país, que as atividades tanto nos espaços rurais como nos espaços urbanizados estão cada vez mais relacionados ao desenvolvimento e promove a necessidade da igualdade social nestas áreas. O ensino de geografia tem como papel resgatar identidades, fomentar criatividades, colaborar na construção de personalidades equilibradas, capazes de atuar nos diversos espaços da sociedade com o diferencial da ética e da cidadania planetária. Devemos fazer com que o aluno perceba qual a importância do espaço, na constituição de sua individualidade e da(s) sociedade(s) de que ele faz parte (escola, família, cidade, país etc.). Um dos maiores objetivos da escola, e também da Geografia, é formar valores de respeito ao outro, respeito às diferenças (culturais, políticas, religiosas), combate às desigualdades e às injustiças sociais (OLIVEIRA, 1994, p. 3). FIGURA 14 – A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO FONTE: <https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/conteudo/images/ dd849f54604db4ced57dd14de7b5e901.jpg>. Acesso em: 24 maio 2019. 2 ENSINO DE GEOGRAFIA E ESPAÇO RURAL O Ensino de Geografia e a Geografia nos Espaços Rurais, conforme analisada anteriormente, deve estar ligada ao modelo de vida do campo. Para tanto, ressalta-se a importância e as especificidades deste modelo de educação para a geografia no processo de resgate da identidade do sujeito e de sua conscientização. TÓPICO 3 | ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA 177 Um ensino de geografia que se pretende integrador deve levar em conta essa complexidade da realidade do campo brasileiro, articulando em sua dinâmica as particularidades e especificidades do lugar, sem desconsiderar as interconexões das escalas, ou seja, compreender o lugar é, antes de tudo, pensá-lo como uma totalidade constituída por espaços e tempos locais e globais (DAVID, 2010, p. 44). O ensino de geografia permite que a escola do campo seja analisada a partir do lugar e das pessoas que o habitam. Ensinar Geografia deve estar atrelado a desvendar a espacialidade das práticas sociais e desta forma cabe a geografia instrumentalizar o aluno para que consiga conhecer o lugar onde vive. A escola do campo se institui como um espaço onde são reproduzidas as dinâmicas sociais rurais e o professor de Geografia possui desafios no que tange a ação educativa dos sujeitos do campo centrado na construção de conhecimentos e também na significação do lugar, atrelando o mesmo a perspectiva global. FIGURA 15 - AS ESTRATÉGIAS DO ENSINO DE GEOGRAFIA FONTE: <https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/e/geo[1].jpg>. Acesso em: 24 maio 2019. David (2010), afirma que: Um ensino de geografia que se pretende integrador deve levar em conta essa complexidade da realidade do campo brasileiro, articulando em sua dinâmica as particularidades e especificidades do lugar, sem desconsiderar as interconexões das escalas, ou seja, compreender o lugar é, antes de tudo, pensá-lo como uma totalidade constituída por espaços e tempos locais e globais (DAVID, 2010, p. 44). O ensino de Geografia na escola do campo deve se propor a discutir a realidade que está posta para os sujeitos do campo, compreender a sua dinâmica e especificidade. Nesse sentido, analisar a Educação do Campo na perspectiva geográfica nos remete a noção de lugar, o qual é caracterizado como “[...] um espaço onde o homem está inserido, mantendo relações sociais, nos fazendo refletir sobre o nosso papel no mundo” (WIZNIEWSKY, 2010, p. 32). UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 178 Segundo Wizniewsky (2010), essas dinâmicas abarcam o encontro entre o professor e o lugar, sua inserção na comunidade escolar, a construção de projetos que valorizem o espaço rural em que a escola seja condutora de inserção social; planejamento adequado do ensino voltado para os sujeitos do campo e as suas expectativas, instrumentalizando-o para a permanência no campo. Compreende- se que uma das atribuições da Geografia na educação básica hoje é pensar e entender o mundo e sua organização, tarefa que desafia os docentes no sentido de tornar válido para o aluno os conhecimentos que se propõem construir. Pensar uma escola para o espaço rural que esteja adequada as especificidades da população do campo, exige mais que a escolarização, pois essa estrutura é em muitos casos uma referência para a comunidade, tendo como um dos seus pilares o trabalho dos docentes que precisam compreender e valorizar esse lugar. Dessa forma, fica clara a ideia de que a formação de professores para as escolas do campo deve ser voltada para esse público e não apenas uma reprodução da escola urbana. Além disso, a própria organização da escola do campo envolve uma série de dinâmicas e de práticas que se estabelecem a partir da escola, de modo que integre a comunidade onde se insere a escola e os profissionais que ali exercem seu oficio. Um dos imperativos desta construção na ciência geográfica é a análise cartográfica, a qual contribui nesse aspecto em relação a percepção e leitura que os alunos podem ter do espaço. Desse modo, o mapa mental torna-se uma ferramenta de comunicação que permite o uso de uma linguagem para a representação espacial da vida (TESSMANN; DUARTE; DIAS, 2015). Nesse aspecto, Richter afirma que se torna essencial “[...] incorporar os mapas mentais nas atividades de sala de aula, como linguagem cartográfica em busca da associação entre os saberes cotidianos e científicos” (RICHTER, 2013, p. 1). Logo, a percepção do espaço apontado pelo autor pode ser analisada e compreendida a partir dos mapas mentais no ensino da Geografia, os quais são imagens espaciais que vão além da representação do espaço vivido, ou seja, a percepção dos lugares vividos pelas pessoas. Os mapas mentais valem-se do universo simbólico e são produzidos por acontecimentos, sentimentos, ideias e envolvem o subjetivo e a imaginação. Desta forma, enriquecem a representação da realidade de determinado grupo social e possibilita a compreensão da sua leitura de mundo (TESSMANN; DUARTE; DIAS, 2015). TÓPICO 3 | ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA 179 FIGURA 16 – AS TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO E A GEOGRAFIA RURALFONTE: <https://www.estudopratico.com.br/wp-content/uploads/2013/01/exodo-rural- campones-platacao.jpg>. Acesso em: 24 maio 2019. Quanto ao ensino de Geografia na escola do campo percebe-se a necessidade de uma formação continuada, pois proporciona um maior embasamento para que seja possível uma construção de conhecimento tanto para o professor em formação quanto para o aluno. Para tanto nos afirma Callai (2012, p. 259): “Nós, professores que conhecemos a realidade das escolas em que atuamos, precisamos reconhecer também as capacidades e os interesses da comunidade e nos instrumentalizarmos, cada vez mais, com o conhecimento que produzirá a nossa capacidade de agir”. Devemos pensar uma educação do campo que possibilite manter a identidade deste espaço, para que os sujeitos se vejam enquanto sujeitos-históricos atuantes no processo de transformação do lugar onde vivem. É importante que a escola mantenha em sua prática pedagógica o resgate histórico da legitimidade do seu movimento e que o ensino seja entendido por esses sujeitos nas suas experiências do cotidiano. Logo, atribui-se a ciência geográfica a responsabilidade de fazer essa leitura crítica do lugar, do local para o global e de propor uma análise interdisciplinar do ensino (DAVID, 2010, p. 44). Destaca-se que o mapa mental surge como uma ferramenta essencial do ensino de geografia, em vista que o mesmo proporciona conhecimento não somente sobre a percepção do espaço por parte do aluno, mas também acerca de sua visão de mundo. A construção desse tipo de mapa não provém somente do campo das experiências dos indivíduos sobre os lugares vividos; eles também resultam do conhecimento histórico social da própria sociedade, que é perpassada de geração para geração. [...] os mapas mentais transcendem essa escala de relação e são registros de uma representação do conhecimento humano ao longo do tempo, que expressa pela linguagem cartográfica, suas interpretações sobre o meio em que vivem (RICHTER, 2013, p. 4). UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 180 Evidencia-se que os mapas mentais criados pelos alunos na referida pesquisa apontaram para a importância da discussão sobre o conceito de lugar como espaço de vivência, sem ser negado ou reduzido a uma escala de análise meramente expositiva. A sociedade contemporânea exige que o professor de geografia, como um profissional que atua na organização social, tenha um posicionamento contra as desigualdades sociais. Portanto, temos a necessidade de refletirmos sobre as consequências do processo educativo. Dessa maneira, ao analisar a disciplina de Geografia no contexto rural, entendemos que os conteúdos ministrados necessitam ser revistos, discutidos e planejados, com o intuito de que esse conhecimento possa ser apreendido, transmitido, analisado e elaborado, de forma a auxiliar na organização do espaço geográfico do aluno. NOTA 2.1 BNCC GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA E NO ESPAÇO RURAL A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que regulamenta as aprendizagens essenciais a serem trabalhadas nas escolas brasileiras públicas e particulares da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio para garantir o direito à aprendizagem e o desenvolvimento pleno de todos os estudantes. A Base estabelece dez competências gerais que devem guiar o trabalho em todos os anos e em todas as áreas de conhecimento. Cada área e cada componente curricular possuem suas competências específicas. Em cada componente estão definidas unidades, objetos de conhecimento e as habilidades. No contexto da Geografia e da BNCC está inserida na área de Ciências Humanas, pois contribui para que os alunos desenvolvam a cognição, ou seja, sem prescindir da contextualização marcada pelas noções de tempo e espaço, conceitos fundamentais da área. Cognição e contexto são, assim, categorias elaboradas conjuntamente, em meio a circunstâncias históricas específicas, nas quais a diversidade humana deve ganhar especial destaque, com vistas ao acolhimento da diferença. O raciocínio espaço-temporal baseia-se na ideia de que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em determinada circunstância histórica. A capacidade de identificação dessa circunstância impõe-se como condição para que o ser humano compreenda, interprete e avalie os significados das ações realizadas no passado ou no presente, o que o torna responsável tanto pelo saber produzido quanto pelo controle dos fenômenos naturais e históricos dos quais é agente. TÓPICO 3 | ENSINO DA GEOGRAFIA RURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA 181 A abordagem das relações espaciais e o consequente desenvolvimento do raciocínio espaço-temporal no ensino de Ciências Humanas devem favorecer a compreensão, pelos alunos, dos tempos sociais e da natureza e de suas relações com os espaços. A exploração das noções de espaço e tempo deve se dar por meio de diferentes linguagens, de forma a permitir que os alunos se tornem produtores e leitores de mapas dos mais variados lugares vividos, concebidos e percebidos. Na análise geográfica, os espaços percebidos, concebidos e vividos não são lineares. Portanto, é necessário romper com essa concepção para possibilitar uma leitura geo-histórica dos fatos e uma análise com abordagens históricas, sociológicas e espaciais (geográficas) simultâneas. Retomar o sentido dos espaços percebidos, concebidos e vividos nos permite reconhecer os objetos, os fenômenos e os lugares distribuídos no território e compreender os diferentes olhares para os arranjos desses objetos nos planos espaciais. As Ciências Humanas devem estimular uma formação ética, elemento fundamental para a formação das novas gerações, auxiliando os alunos a construir um sentido de responsabilidade para valorizar os direitos humanos; o respeito ao ambiente e à própria coletividade; o fortalecimento de valores sociais, tais como a solidariedade, a participação e o protagonismo voltados para o bem comum e sobretudo, a preocupação com as desigualdades sociais. Cabe ainda às Ciências Humanas cultivar a formação de alunos intelectualmente autônomos, com capacidade de articular categorias de pensamento histórico e geográfico em face de seu próprio tempo, percebendo as experiências humanas e refletindo sobre elas, com base na diversidade de pontos de vista. Os conhecimentos específicos na área de Ciências Humanas exigem clareza na definição de um conjunto de objetos de conhecimento que favoreçam o desenvolvimento de habilidades e que aprimorem a capacidade dos alunos pensarem diferentes culturas e sociedades, em seus tempos históricos, territórios e paisagens (compreendendo melhor o Brasil, sua diversidade regional e territorial). E que os levem a refletir sobre a sua inserção singular e responsável na história da sua família, comunidade, nação e mundo. Ao longo de toda a Educação Básica, o ensino das Ciências Humanas deve promover explorações sociocognitivas, afetivas e lúdicas capazes de potencializar sentidos e experiências com saberes sobre a pessoa, o mundo social e a natureza. Considerando esses pressupostos, e em articulação com as competências gerais da Educação Básica, a área de Ciências Humanas deve garantir aos alunos o desenvolvimento de algumas competências específicas: • Compreender a si e ao outro como identidades diferentes, de forma a exercitar o respeito a diferença em uma sociedade plural e promover os direitos humanos. • Analisar o mundo social, cultural e digital e o meio técnico-científico- informacional com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, considerando suas variações de significado no tempo e no espaço, para intervir em situações do cotidiano e se posicionar diante de problemas do mundo contemporâneo. UNIDADE 3 | ESPAÇO RURAL: SOCIEDADE E EDUCAÇÃO 182 • Identificar, comparar e explicar a intervenção do ser humano na natureza e na sociedade, exercitando a curiosidade e propondo ideias e ações que contribuam para a transformação espacial, social