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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC BACHARELADO EM AUDIOVISUAL – HISTÓRIA DO CINEMA MODERNO - PROF. GISELE FREDERICO VITÓRIA STEFANINI MARIANO O OLHAR DE AGNÈS VARDA NO CINEMA MODERNO São Paulo 2023 2 SUMÁRIO Introdução ........................................................................................................................3 Agnès Varda estreia com La Pointe Courte ......................................................................... 4 Montagem .........................................................................................................................5 La Pointe Courte.............................................................................................................6 Clèo das 5 às 7............................................................................................................6 As Duas Faces da Felicidade .................................................................................6 Cores .................................................................................................................................7 La Pointe Courte.............................................................................................................7 Clèo das 5 às 7............................................................................................................8 As Duas Faces da Felicidade .................................................................................9 Feminismo ......................................................................................................................10 As Duas Faces da Felicidade........................................................................................10 Representação feminina na fotografia ......................................................................10 Clèo das 5 às 7 .....................................................................................................11 La Pointe Courte.......................................................................................11 Linguagem Cinematográfica de Varda .......................................................................12 Linguagem Artística .....................................................................................................12 Agnès Varda e a Nouvelle Vague .................................................................................12 Conclusão........................................................................................................................13 Referências bibliográficas .............................................................................................14 3 O cinema é uma arte que inclui muitos aspectos técnicos, históricos e culturais, em que está ligado ao entretenimento. É uma arte de autoria, única de cada cineasta, no qual a obra reflete o olhar e o estilo de cada diretor, tendo isso como ideia seguindo a teoria criada pelo cineasta francês, Truffaut, sobre as “políticas de autores”, que teve como base do movimento francês, Nouvelle Vague, na qual os filmes além de apresentar a ideia e características do movimento, transmitem também a essência única de cada diretor, o estilo próprio de contar uma história. A Nouvelle Vague foi um movimento artístico que sempre valorizou a arte moderna, como pintura e literatura, além de apresentar características da realidade documental, o uso da descontinuidade, a valorização da montagem, planos sequências longos, câmera na mão e muitas vezes gravados em locações reais. Esse movimento tinha como função contar uma história utilizando de uma narrativa para abordar uma crítica social com o intuito de mudar os padrões do cinema clássico hollywoodiano da época, isso a partir da perspectiva do diretor seguindo o padrão de ficção e documentário. Como dito anteriormente é evidente compreender que as obras cinematográficas da Nouvelle Vague possuem uma assinatura estética e técnica de determinado diretor, dito isso é inquestionável a importância da cineasta Agnès Varda na história do cinema. Varda foi uma figura essencial para o movimento, principalmente por ser considerada uma inspiração para muitas mulheres por tratar do feminismo em suas obras, em que na década de 60 criou novas possibilidades para representar a mulher no movimento e no cinema, abrindo portas para o protagonismo feminino, algo que não era comum na época. Tratar do feminismo no cinema é muito importante, porque na maioria das vezes os filmes apresentavam muito o patriarcado estipulado na sociedade, então as mulheres eram representadas como parte do protagonista masculino, em que eram indefesas, esposas e que cuidavam de casa e de seus maridos. Em razão disso, a iniciativa tomada por Varda de impor o feminismo como assunto de seus filmes que faziam parte de um movimento aclamado pelos críticos e pelos públicos foi essencial na década de 60, em que a ideia da mulher estava determinada nos clichês femininos, no qual a cineasta conseguiu desmistificar essa ideia, pois em seus filmes a presença da mulher é a principal, em que ela é independente dela mesma e do seu próprio futuro, vemos muito isso em seu longa “Cléo das 5 às 7”. Contudo essa imagem feminina transmitida por Varda foi e ainda é muito inspiradora para pautas do movimento feminista e para todas as mulheres. 4 Neste artigo, analisaremos o olhar de Varda, sobre o feminismo, a sua decupagem, sua fotografia e a utilização das cores, para isso utilizaremos três filmes da cineasta: La Pointe Courte (1955), Cléo das 5 às 7 (1962) e As duas faces da felicidade (1965). Agnès Varda cresceu na cidade de Sète na França, antes de se tornar uma cineasta, era fotógrafa e adorava tirar várias fotos da cidade onde passou a sua adolescência: “fotografava muito, e fui descobrindo este bairro, ouvia histórias de uns e outros, sobretudo as dos mais velhos, queria usá-las para fazer algo, um filme.” (As praias de Agnès Varda, 2008) e foi aí que surgiu a ideia do longa em que Varda estreou como cineasta em 1955 com o filme La Pointe Courte, uma história fictícia documental que se passa na cidade de sua infância. A cineasta produziu esse longa antes da Nouvelle Vague ser estabelecida na França, contudo muitos críticos a consideram como pioneira do movimento por sua obra apresentar características do mesmo, porém há um embate entre os críticos para estabelecer quem realmente foi o pioneiro. Entretanto, consideramos Varda como a madrinha da Nouvelle Vague por apresentar um longa em 1955 com características do cinema moderno. No longa La Pointe Courte, a cineasta tinha a ideia de fazer dois filmes em um só, um seria documental e o outro a história de ficção sobre um casal em crise, para isso Varda se inspirou no romance de Faulker “Palmeiras Bravas”, pois há alternância de capítulos com narrativas diferentes, mas que mesmo assim se interligam. Portanto, podemos perceber isso na película, em que as sequências se alternam entre as cenas da vida dos pescadores e do casal discutindo sobre o seu relacionamento, no qual apresenta duas narrativas, cujo o único ponto em comum é a locação: La Pointe Courte. Logo em seu primeiro filme, Varda nos apresenta a sua relação com as artes, como fotografia, pintura, literatura e música. Em suas obras cinematográficas mostra que é possível ter uma interação com outras artes no cinema, no qual podem dialogar entre elas transformando o sentido para a construção da narrativa. Podemos observar essas ideias nos longas La Pointe Courte, Clèo das 5 às 7 e As Duas Faces da Felicidade. La Pointe Courte é um longa com uma estética muito visual, pois Varda utiliza do seu conhecimento de fotografia e da montagem para criar uma construção visual para a diegese, proporcionando para os expectadores uma “experiência subjetiva”, em que possuisua própria cinescrita. Contudo, apesar da obra ser documental, consegue transmitir a sua ideia por detrás de uma história fictícia, fugindo do objetivo esclarecido. 5 Desse modo, segue esse padrão narrativo para seus filmes sucessores. Em seu primeiro longa, Agnès Varda constrói a sua imagem de cineasta, logo percebemos as características que seguirão ao decorrer de sua carreira como diretora de cinema. O longa percussor de Varda, se inicia com um plano sequência, em que contextualiza o espectador do ambiente em que o filme se passará, a cineasta faz isso utilizando da fotografia feito a perspectiva do público, como se quem está assistindo estivesse andando pelo vilarejo observando os moradores e a paisagem, a partir disso, a diretora utiliza também de planos detalhes para criar uma ambientação. A cineasta introduz o filme como um documentário sobre a vida em Sète, após isso a história fictícia também é introduzida, cujo ao longo da construção da ficção as cenas apresentam ações da vida dos moradores de Sète em segundo plano no qual a obra cinematográfica segue com a sua função documental Como mencionado, a cineasta possui grande influência na literatura, desse modo podemos encontrar esses aspectos em sua fotografia, decupagem e pela montagem, que possui aspectos da ideia do cineasta soviético Eisenstein sobre montagem intelectual, na qual é possível analisar a construção da narrativa pela junção de imagens específicas que separadamente não possuiriam sentido, logo em seus longas a cineasta utiliza da montagem para conceber um olhar do público em relação as cenas, no qual a ligação entre a sua fotografia esquemática e a sua montagem é que juntas contam uma história em função de um sentindo ideológico que é responsável por transmitir a emoção da cena. . Tendo em vista essa ideia como parte do cinema moderno, logo consideramos Varda como parte deste. O cinema moderno distancia-se do cinema clássico e introduz na sua imagem e no seu som, tal como a vanguarda, uma série de índices que chamam a atenção do espectador para o filme enquanto objeto, procurando criar a consciência de que se trata de uma narração, cujo trabalho começa a se confessar para a plateia. Metz reconhece isso, mas seu interesse maior é ressaltar o quanto este cinema é contador de estórias, estando os novos procedimentos ainda inscritos num discurso narrativo. (XAVIER, Ismail. 1977, p. 141) Em La Pointe Courte, um exemplo disso é a cena em que o casal (Lui e Elle) está conversando sobre a separação, no qual as ações capturadas se relacionam com o diálogo, durante essa conversa Varda constrói uma combinação de cenas relacionadas, como bicicletas andando juntas e depois se separando, pássaros se encontrando e logo após também se separando, o reflexo de um pássaro na água após a fala da jovem sobre ver o 6 amor deles através do reflexo de um vidro e depois uma cena em que o casal está junto e se separam no mesmo plano e enquadramento. Desse modo a cineasta utiliza dessa composição de cenas na montagem intelectual para ter a construção da diegese, em que tem função de proporcionar uma ligação entre o diálogo e a fotografia, no qual as imagens também estão contando uma história. Como mencionado anteriormente, em La Pointe Courte, percebemos essa narrativa a partir do diálogo entre os elementos audiovisuais presentes no longa, que são instituídos em vários planos e cenas. Portanto observamos a construção da narrativa em que está ligada a literatura, com um roteiro e montagem poética. Do mesmo modo como analisamos esses aspectos no primeiro filme da cineasta, é possível observar também nas cenas de Cèo das 5 às 7, no qual há essa construção da ideia que a cineasta quer transmitir, vemos isso na cena em que Clèo está em um táxi e no diálogo presente elas estão falando sobre ter medo, no qual a motorista fala que não tem medo de trabalhar a noite e a protagonista fica impressionada, pois o sentimento que mais está recorrente a ela é o medo, logo, durante o diálogo dessa conversa, Clèo está dentro do carro observando a rua e ao falar sobre o assunto, vê então lojas de mascaras assustadoras, no qual constroem ainda mais essa narrativa, isso acontece também quando Clèo e Antonie estão a caminho do hospital e para sintetizar essa ideia, no percurso aparece um bebe recém-nascido e a placa do hospital. Portanto Varda não depende apenas do diálogo, mas utilizada de ações para proporcionar essa ideia sem mesmo ter sido mencionada no diálogo. Dito isso, podemos considerar essas características um modelo de estrutura estética da cineasta. Portanto podemos observar isso em seu longa, As duas faces da felicidade, no qual apresenta cenas em que marcam essa criação da narrativa a partir de uma construção esquematizada para transmitir a ideia de uma cena. Um exemplo disso é a cena em que François e Émilie estão em um café, no qual é possível perceber que entre eles há um sentimento maior, dessa forma durante o diálogo há uma alternância de planos, em que acontece um desfoque do casal, logo em seguida foca na bebida chegando na mesa ao lado, foca no fundo, depois o foco volta para Émilie, que logo após foca no maço de cigarro de François em que o fundo está desfocado e em seguida foca nele fumando o cigarro e a cena continua nesse revezamento de planos. Contudo essa estrutura transmitiria uma ideia diferente se tivesse sido utilizada apenas um plano médio centralizado no casal, mas como Varda possui o seu próprio estilo de criar a noção do espaço e do sentimento que está presente na cena, logo utilizou de vários planos, assim 7 usufruindo de planos detalhes, planos médios, planos fechados, com presença de foque e desfoque e intercalações entre planos do ambiente em que estão para criar uma narrativa imagética da cena. Com isso Varda utiliza dessa estrutura dinâmica da montagem em que apresenta muitos cortes de planos diferentes para nos fazer entender que as imagens podem nos contar uma história antes mesmo do diálogo. Contudo através dessa montagem intelectual, Agnès Varda transmite para o espectador o sentimento da cena, a confusão de sentimentos imposta pelo casal, em que os dois estão descobrindo que há um sentimento profundo sobre o outro, então Varda utiliza dessa fragmentação de imagens rápidas para contar algo interno dos personagens. Portanto a montagem é um aspecto muito importante para a linguagem cinematográfica da cineasta, no qual apresenta estéticas criativas que criam uma perspectiva muito interessante para o cinema moderno. Como citado anteriormente, Varda constrói uma narrativa poética a partir da sua fotografia, afim de transmitir uma ideia literal, utilizando da imagem e diálogo. A fotografia da cineasta apresenta uma harmonia das linhas e dos planos em relação as personagens e a paisagem, no qual o enquadramento da imagem junto com a estrutura da ação faz com que a cena contém um valor artístico. Podemos observar isso nas seguintes cenas de La Pointe Courte: [Figura 1] [Figura 2] Nessa cena percebemos em questão do enquadramento e posicionamento do casal uma relação com cenas do longa Persona de 1966 do cineasta sueco Bergman que foi de grande importância para a Nouvelle Vague. Portanto Varda já havia apresentado essas características de fotografia em 1955 com La Pointe Courte. Analisamos as sequências do casal com uma percepção do impressionismo na obra de Varda, seguindo o tom das cores, da luz e sombra retratando a realidade imposta pela artista. Com isso, relacionamos os dois planos entre a ligação entre eles e o que os distanciam, dessa forma, o enquadramento é semelhante nos dois planos, sendo o posicionamento do casal o diferencial, além da utilização da luz que entra em perspectiva 8 dos personagens, que tem o intuito de transmitirdeterminada emoção. Tendo isso em vista, no plano em que a mulher está de frente para a câmera é possível perceber o fundo escuro em relação ao casal, isso de acordo com a narrativa, pois Elle está sendo profunda com os seus sentimentos sobre a separação, uma cena intensa, difícil e dolorida em que apresenta relação com a cor, já no outro plano no qual o homem está de frente para a câmera, percebemos o fundo claro, diferente do plano anterior, no qual Lui também está sendo sincero consigo mesmo em falar sobre o amor dele por ela, mas seus sentimentos são “puros”, que remetem a cor apresentada na cena. Desse modo, é muito interessante a maneira como Varda utiliza as cores em seus filmes, no qual é possível fazermos uma relação com as suas outras obras. Logo, em seu segundo longa, Clèo das 5 às 7 (1962), a cineasta utiliza da cor e do plano detalhe das mãos das personagens na primeira cena da película, em que a protagonista está em uma cartomante para ler o seu futuro a partir do tarot, com isso quando a câmera muda para Clèo, em plano médio, a imagem fica em preto e branco, por causa do medo da protagonista referente a sua doença e quando o olhar da câmera se volta para as mãos das personagens, a cor do filme retorna, podendo representar uma esperança sobre o futuro da protagonista, mas então a cartomante fala que ela está doente e a partir disso o longa será em preto e branco. Contudo percebemos como a cineasta dialoga com a fotografia, a montagem e as cores em seus filmes, utilizando de determinados planos e escolha cromática para transmitir a ideia principal, de uma maneira subjetiva. A escolha de Varda para a utilização do preto e branco nesse filme foi muito bem esquematizada, podemos também analisar isso na mudança do branco para o preto de sua roupa, com o intuito de transmitir uma mensagem sobre os sentimentos da personagem, visto que no início da obra Clèo veste roupas claras, brancas que remetem o lado inocente da criança, uma vez que as pessoas ao redor dela a tratam assim, contudo ao decorrer da trama percebemos que a personagem tem muito medo de saber o resultado do exame de câncer e quando se sente farta das pessoas a tratarem de maneira infantil decide trocar de roupa para dar uma volta sozinha pela cidade, então decide trocar a sua vestimenta branca pela preta, na qual representa a morte, o medo, já que eram esses os sentimentos presentes, no entanto a cineasta cria uma transição do espaço interno para o externo, isso quando ela muda do branco para o preto, assim apresentado a mudança da personagem. À vista disso, analisamos como Varda representava as emoções do personagem a partir da escolha das 9 cores, podemos ver isso claramente no seu terceiro longa, As duas faces da felicidade, por ser colorido a cineasta experimentou e colocou em prática a sua estética de contar história. Como referido, Varda possui muita influência das pinturas impressionistas, no qual podemos observar isso em sua obra cinematográfica, As duas faces da felicidade (1965) é uma obra em que discute os aspectos da felicidade, com a utilização de cores primárias para expressar o sentimento em que as cenas transmitem. Em vista disso, ao longo do filme a cineasta utiliza dessa composição visual para transmitir uma relação com a diegese, em que utiliza da potência da cor saturada nos figurinos e das cores intensas das paisagens para criar um vocabulário fílmico para a mise-en-scène e para a personalidade dos personagens, com uma paleta de cor específica estabelecida pela cineasta em que emprega o estilo livre da arte moderna para a função dramática da cor para aplicar no cinema, podemos ver isso também na utilização do fade out, que ao invés de ser preto, são coloridos nas cores primárias. Dito isso o longa se inicia com os planos de girassóis em um campo e em segundo plano uma família se aproxima da câmera, quando próximo é possível observar as cores das roupas que se uni junto com o campo de trigo e com a luz do sol de verão, no qual transmite a ideia de felicidade junto com a escala cromática da mise-en-scène em geral, se assemelhando as cores do verão, em que todas da família estão vestindo roupas vermelhas. Portanto, vimos que nessa obra cinematográfica as cores são muito importantes para a narrativa, contudo são baseadas de acordo com a emoção de François, o marido de Thérèse, cujo é transmitida junto com as estações do ano. Sendo assim, o conceito de felicidade a partir do olhar de François, à vista disso, na primeira parte do longa as cores são primárias, ou seja, o marido está feliz com sua família e sua amante, pois não sente remorso por ter duas mulheres, pois as duas o deixam contente, por isso mesmo com a infidelidade de François em relação a traição com sua esposa percebemos que não há alternância de cores, isso apenas muda quando a sua esposa morre afogada logo após saber sobre a traição, diante disso percebemos a mudança de cor, porque o marido ficou muito abalado, no entanto os tons ficam mais escuros se remetendo ao outono. Além disso, a película acaba do mesmo modo em que começou, mas no final a família se distancia da câmera com Émilie ocupando o lugar da esposa, ficando com a função da dona de casa, no qual os filhos estão de vermelho e o casal de amarelo, então a família não é mais uma unidade. Á vista disso analisamos essa narrativa como uma manipulação do uso da escala cromática referente ao diálogo entre a linguagem 10 cinematográfica presente no longa. Com isso podemos observar essa ideia nas seguintes cenas: [Figura 3] [Figura 4] Por essa razão, podemos analisar a crítica ao patriarcado por detrás da beleza dos enquadramentos e da fotografia delicada, em que mostra a mulher em função de sua família. Conseguimos observar isso na cena em que a cineasta utiliza de planos detalhes das mãos da esposa fazendo as coisas de casa, comida, passando roupa, esses planos mostra a individualidade da mulher naquele momento em que são reconhecidas apenas pela função de dona de casa, mãe e esposa, no qual o relacionamento do casal não possui um equilíbrio, pois a mulher é quem cuida da família e por causa dela que todos vivem felizes, principalmente seu marido, visto que ela o deixa contente. Contudo diferente de François, Thérèse não usufrui de uma vida fora do espaço doméstico, não experimenta outros modelos de felicidade, apenas vive daquilo que ela mesma constrói. Com isso analisamos uma família idealizada, onde no final a mulher preferiu se sacrificar pela felicidade de seu marido. A cineasta utiliza da linguagem subjetiva para a construção da diegese, onde desfruta da sensibilidade de percepção do receptor audiovisual. Contudo essa linguagem subjetiva está presente nas cenas de Clèo da 5 às 7, em que a cineasta apresenta uma construção narrativa a partir da linguagem cinematográfica, Varda utiliza muito isso para a imagem da representação feminina. Observamos isso com base na fotografia, no qual a diretora utiliza do posicionamento de câmera junto com o roteiro para mostrar o olhar feminino, colocando a mulher em um eixo de ser a protagonista da própria história, a mulher independente. Ao decorrer da obra vemos Clèo se modificar, onde passa por uma transição de autoconhecimento de uma forma autônoma, portanto ao longo do filme vemos essa construção da mulher independente, não somente com a protagonista, mas também conhecemos outras jovens com essas características, como a taxista, que é uma mulher determinada que adora o seu trabalho, outra jovem é a amiga de Clèo que é muito segura com o seu corpo e consigo mesma. Contudo Varda nos apresenta mulheres com grandes personalidades que tomam as rédeas 11 de suas próprias vidas, no qual exibe o protagonismo feminino de uma forma única e marcante para a históriado feminismo no cinema. É possível perceber isso nessas cenas: [Figura 5] [Figura 6] A importância em que Varda trata de assuntos feministas em sua obra é muito encantadora, pois aborda esse tema desde o seu primeiro filme, em que o feminismo não era um assunto muito discutido naquela época, logo podemos considerar que a cineasta sempre esteve à frente da sua época. Portanto, como vimos em Clèo, a diretora trás o empoderamento da mulher além da crítica de como a mulher é vista a partir do olhar masculino, como exemplo aquela cena em que a amiga da protagonista está possando nua para homens que estão moldurando a sua imagem em esculturas, vemos então como uma crítica do homem construindo o corpo feminino, emoldurando o corpo ideal da mulher, logo percebemos como o filme apresenta uma total ideia feminista, em que a construção da narrativa nos proporciona entender isso. Conseguimos analisar isso também em cenas do casal de seu primeiro longa, La Pointe Courte, em que observamos um tema polêmico para a época que era a separação de um relacionamento e nesse contexto é a mulher que aborda o assunto no filme, vemos como ela tem voz em seu relacionamento e como ela tem o seu posicionamento esclarecido. Contudo, podermos considerar a cineasta como a frente de seu tempo, pois sempre tratou do feminismo em suas obras utilizando de todas as linguagens cinematográficas afim de transmitir a sua ideia de uma maneira em que consegue encantar as pessoas com a sua arte, no qual conquista o público com a sua estética própria de produzir um filme e com o seu roteiro que aborda temas relevantes. Dito isso, podemos considerar Varda como uma grande artista, pois em seus longas procurou manter a sua estética de contar uma história, de uma maneira subjetiva e esquematizada muito bem idealizada, visando sempre sua criatividade ao longo de seus 64 anos de carreira. Como já vimos nesse artigo é interessante a maneira em que Varda utiliza de toda uma linguagem artística e cinematográfica em seus longas. Assim como a cineasta utiliza 12 de elementos artísticos e cinematográficos, como a montagem e o uso das cores para contar uma história, ela também utiliza da música para construir uma narrativa para a cena. Portanto seus longas apresentam trilhas sonoras em respectiva da diegese, em que a música também está narrando a história. Um exemplo disso é no longa As duas faces da felicidade, em que Varda utiliza de canções de Mozart pois de acordo com a cineasta se remetiam a felicidade, com a ideia que ela queria transmitir, observamos isso já nos créditos iniciais em que os planos alteram entre sequencias rápidas dos girações e o fundo desfocado com a família se aproximando, dito isso a cineasta utiliza da trilha musical e da montagem para transmitir essa felicidade para o público, vemos isso também na cena do enterro no qual utiliza de uma música em que está em um tom profundo e triste por causa do cenário, só que ao longo da cena quando a família está em uma mesa o tom da música sutil no qual nos refere a normalidade da vida, em que eles iriam seguir em frente apesar da morte de Thérèse. Com isso percebemos como tudo em seus filmes eram planejados, desde da decupagem até a montagem, criando então verdadeiras obras de arte que incorporam em seus longas artes como a pintura, literatura, música e fotografia. Como vimos ao longo do artigo, conseguimos perceber a maneira de construção da narrativa de Varda, em que ela utiliza de toda linguagem cinematográfica, mostrando a importância da relação entre elas e da mise-en-scène em geral. A cineasta apresenta a importância da escolha dos planos e dos ângulos para transmitir a ideia que a cena precisa passar. Logo, conseguimos perceber que esse aspecto da direção de Varda está presente em seus longas. Ao decorrer de seus longas, a cineasta manteve o mesmo formato de contar história, utilizando de todo o seu conhecimento de fotografia e sua criatividade para registrar as construções de cenas poeticamente, de uma maneira única, apresentando para o público quem é a diretora Agnès Varda e como é a sua forma de fazer cinema. Dessa forma, podemos relacionar essa ideia com a Nouvelle Vague, essa vontade de ser o autor da obra, de criar uma história com apena uma ideia, uma equipe formada por amigos, atores iniciantes e não atores, com baixo orçamento e pouco conhecimento de cinema, porque o que a cineasta queria fazer era apenas contar uma história a partir do seu ponto de vista. Dito isso, consideramos Varda como percursora da Nouvelle Vague, apesar do movimento apenas ser estabelecido no início da década de 60, encontramos muitas 13 características na obra da cineasta, como o uso de planos longos, travellings, câmera na mão, locações reais, montagem etc... Com este trabalho, conseguimos perceber a influência de Varda para a história do cinema moderno, em que possui a sua própria estética de contar uma história, que utiliza de uma fotografia com planos bem pensados, em que cada plano tem um motivo que serve para a construção de narrativas únicas e marcantes. 14 Referências Bibliográficas: XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3ª Edição. São Paulo, Paz e Terra, 2005. HÉRCULES, Laura Carvalho. Sob o Domínio da Cor: cinema e pintura em Le Bonheur (1965) de Agnès Varda. O Mosaico: R. Pesq. Artes, Curitiba, n. 6, p. 67-77, jul./dez., 2011. RONNA, Giulianna Nogueira. Rastros de uma voz: A instância gráfica na cinescrita de Agnès Varda. 2019. 118 páginas. Dissertação (Pós-Graduação em comunicação social) - PUCRS, Porto Alegre, 2019. SILVA, Tatiana Levin Lopes da. A “cinescrita” de Agnès Varda: A subjetividade incorporada ao campo do documentário. 2009. 149 páginas. Dissertação (Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas) – UFBA, Salvador, 2009. ALVIM, Luíza Beatriz. A música preexistente do repertório clássico em filmes de Agnès Varda dos anos sessenta. Intercom: UFRJ, Rio de Janeiro, p.- 1-15, 2017. JUNIOR, Eli Borges. Da imagem-representação à figuração do irrepresentável: Inovação da Nouvelle Vague e do neorrealismo italiano. Intercom: ECA/USP, São Paulo, p.- 1-10, 2017. KIERNIEW, Jannini Gautério; MOSCHEN, Simone Zanon. Cinema e Literatura: A cinescrita de Agnès Varda. Revista: Estação Literária, Londrina, Volume 19, p. 49-60, set.2017. MACHADO, Patrícia. Exílio, feminismo e racismo: Políticas no cinema de Agnès Varda. ALCEU, Rio de Janeiro, v.21-n.39-jul-dez. 2019. MARTINS, Karine Joulie. Encontros com o cinema na educação: Agnès Varda e a produção de imagens na formação docente. 2022. 335 páginas. Tese (Pós-Graduação em Educação) - UFSC, Florianópolis, 2022. [Figura 1: Elle de frente para a câmera, Figura 2: Lui de frente para a câmera; Fonte: La Pointe Courte, Agnès Varda, 1955. / Figura 3: Família se aproximando da câmera, Figura 4: Família se afastando da câmera; Fonte: As Duas Faces da Felicidade, Agnès Varda, 1965. / Figura 5: Clèo se olha no espelho¹, Figura 6: Clèo se olha no espelho²; Fonte: Clèo das 5 às 7, Agnès Varda, 1962.]
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