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Prévia do material em texto

LUCILENA VAGOSTELLO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O EMPREGO DA TÉCNICA DO DESENHO DA PESSOA NA CHUVA: 
UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS 
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da 
Universidade de São Paulo, como parte dos 
requisitos para a obtenção do título de Doutor 
em Psicologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2007 
 
 
 
 
 
Livros Grátis 
 
http://www.livrosgratis.com.br 
 
Milhares de livros grátis para download. 
 
LUCILENA VAGOSTELLO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O EMPREGO DA TÉCNICA DO DESENHO DA PESSOA NA CHUVA: 
UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS 
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da 
Universidade de São Paulo, como parte dos 
requisitos para a obtenção do título de Doutor em 
Psicologia 
 
Área de Concentração: Psicologia Clínica 
 
Orientadora: 
Profª Drª Leila Salomão de la Plata Cury Tardivo 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2007
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE 
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA 
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Catalogação na publicação 
Serviço de Biblioteca e Documentação 
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo 
 
 
Vagostello, Lucilena. 
O emprego da técnica do desenho da pessoa na chuva: uma 
contribuição ao estudo psicológico de crianças vítimas de violência 
doméstica / Lucilena Vagostello; orientadora Leila Salomão de La 
Plata Cury Tardivo. -- São Paulo, 2007. 
185 p. 
 
Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. 
Área de Concentração: Psicologia Clínica) – Instituto de Psicologia da 
Universidade de São Paulo. 
 
1. Teste da pessoa na chuva 2. Técnicas projetivas 3. Desenho de 
figura humana 4. Psicodiagnóstico 5. Violência na família 6. Abuso 
da criança I. Título. 
 
BF698.7 
 
 
 
 
O EMPREGO DA TÉCNICA DO DESENHO DA PESSOA NA CHUVA: 
UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO PSICOLÓGICO DE CRIANÇAS 
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 
 
 
 
 
 
 
 
LUCILENA VAGOSTELLO 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
Prof. Dr. 
Instituição Assinatura 
Prof. Dr. 
Instituição Assinatura 
Prof. Dr. 
Instituição Assinatura 
Prof. Dr. 
Instituição Assinatura 
Prof. Dr. 
Instituição Assinatura 
 
 
 
 
Tese defendida e aprovada em: _____/_____/_____ 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
À Profª. Drª. Leila Salomão de la Plata Cury Tardivo, pelo conhecimento proporcionado nesse 
longo trajeto, pela disponibilidade, atenção, paciência e sensibilidade na orientação do 
trabalho, sobretudo nos momentos finais, tão extenuantes. Manifesto minha mais sincera 
gratidão pelo incansável incentivo à pesquisa e pela imensa generosidade que me abriu tantas 
portas. 
 
Ao Prof. Dr. Antonio Augusto Pinto Junior pelas relevantes sugestões e contribuições por 
ocasião do exame de qualificação e pelo material bibliográfico gentilmente cedido. 
 
À Profª Drª. Eda Marconi Custodio pelas contribuições no exame de qualificação. 
 
À Profª. Drª. Regina Sonia Gattás do Nascimento pelo conhecimento proporcionado e 
incentivo para a realização do doutorado. 
 
À banca examinadora pela aceitação do convite e, pela leitura, avaliação e discussão do 
trabalho. 
 
Ao Cristiano, pela atenção e dedicação na realização do tratamento estatístico. 
 
Às amigas Lílian e Ana Lucia, pelo profissionalismo e pela inestimável (e impagável!) 
contribuição nas avaliações. 
 
Às psicólogas do Tribunal de Justiça, Ana Claudia, Cristina, Enny, Lucimar, Márcia, Marília, 
Marisa, Patrícia, Regina, Silvia, Yeda, pelas contribuições na seleção das crianças. Obrigada 
pelo apoio, compreensão e respeito ao meu cansaço nos últimos meses de trabalho. 
 
À Andréia, pelo auxílio no contato com as escolas e na coleta de dados. 
 
Ao Glauco Bardela, pelo apoio disponibilizado para a realização da pesquisa. 
 
À minha família, principalmente minha mãe e irmã, pelo cuidado e preocupação. 
 
A todas as crianças que colaboraram com a pesquisa. 
 
Aos diretores das escolas e pais ou responsáveis, que permitiram a realização da pesquisa. 
 
Ao Dr. Euclides, pela autorização para a realização do trabalho. 
 
Aos companheiros do Apoiar, pelo carinho, apoio e incentivo recebido. 
 
Ao Christian, pelo acolhimento e pelo “tumulto” que provoca. 
 
À Solange pela revisão. 
 
A todos os amigos que me incentivam e torcem por mim. 
 
 
 i
 
 
 
Ou Isto Ou Aquilo 
 
 
 Ou se tem chuva e não se tem sol, 
 ou se tem sol e não se tem chuva! 
 
 Ou se calça a luva e não se põe o anel, 
 ou se põe o anel e não se calça a luva! 
 
 Quem sobe nos ares não fica no chão, 
 quem fica no chão não sobe nos ares. 
 
 É uma grande pena que não se possa 
 estar ao mesmo tempo nos dois lugares! 
 
 Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, 
 ou compro o doce e gasto o dinheiro. 
 
 Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... 
 E vivo escolhendo o dia inteiro! 
 
 Não sei se brinco, não sei se estudo, 
 se saio correndo ou fico tranqüilo. 
 
 
(Cecília Meireles) 
 ii
RESUMO 
 
 
VAGOSTELLO, L.V. O emprego da Técnica do Desenho da Pessoa na Chuva: uma 
contribuição ao estudo psicológico de crianças vítimas de violência doméstica. 2007. 185 f. 
Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. 
 
 
Este trabalho tem como objetivo apresentar uma técnica projetiva praticamente desconhecida 
no Brasil, o teste da Pessoa na Chuva. Por meio de um estudo exploratório, busca-se verificar 
suas contribuições para a avaliação psicológica de crianças vítimas de violência doméstica. A 
técnica consiste em solicitar o desenho de uma pessoa na chuva e foi elaborada para verificar 
como o indivíduo reage a situações de tensão ambiental. No presente trabalho, tal 
procedimento foi aplicado em 82 participantes de ambos os sexos, com idades entre 6 e 10 
anos e residentes em regiões de baixo índice de desenvolvimento humano da periferia da 
cidade de São Paulo. Dos participantes, 40 são crianças comprovadamente vítimas de 
violência doméstica (grupo experimental), segundo avaliação na Seção de Psicologia de uma 
Vara de Infância e Juventude de São Paulo. Os outros 42 sujeitos (grupo de controle) são 
crianças sem queixa de vitimização. Cada desenho foi classificado de acordo com a presença 
ou ausência de seis características gráficas gerais: dimensão pequena da figura humana, 
ausência de pés, ausência de mãos, ausência de detalhes, chuva (chuva como lágrimas, chuva 
setorizada e raios) e guarda-chuva. As freqüências de cada característica foram calculadas e 
comparadas nos dois grupos através do teste de Qui-quadrado. Além da pesquisadora, foi 
realizada análise às cegas por outros dois juízes, por meio do teste de correlação de Pearson. 
Com isso, verificou-se concordância entre as avaliações, dando confiabilidade à análise 
realizada. A análise dos dados indicou que três características foram capazes de discriminar o 
grupo de crianças vitimizadas do grupo de controle: ausência de detalhes, ausência de guarda-
chuva e chuva setorizada, todas elas mais presentes nas crianças com a condição de 
vitimização. O Desenho da Pessoa na Chuva pode auxiliar o psicólogo em sua investigação, a 
qual, contudo, deve contemplar outras técnicas de avaliação e várias fontes de informação. 
Como um instrumento projetivo, a Pessoa na Chuva pode ajudar a promover o 
estabelecimento de vínculos de confiança e favorecer a comunicação entre criança e 
profissional, permitindo, com isso, melhor compreensão do sofrimento inerente à experiência 
abusiva. Espera-se, com esse trabalho, incentivar a realização de outros estudos, quantitativos 
e qualitativos, com vistas à validação da técnica na população brasileira. 
 
 
Palavras-chave: Teste da Pessoa na Chuva, Técnicas projetivas, Desenho de figura humana, 
Psicodiagnóstico, Violência na família, Abuso da criança.iii
ABSTRACT 
 
 
VAGOSTELLO, L.V. The use of the ‘Draw a Person in the Rain’ technique: a contribution to 
the psychological study of child victims of domestic violence. 2007. 185 f. Thesis (Doctoral) – 
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. 
 
The purpose of this study is to present the ‘Draw a Person in the Rain’ test, a projective 
technique practically unknown in Brazil. By means of a preliminary and investigative study, 
its contributions to the psychological evaluation of child victims of domestic violence are 
sought. This technique consists in asking the subject to draw a person in the rain and has been 
designed to check how sole individuals react to situations of environmental stress. The test 
was performed in 82 participants, male and female, from 6 to 10 years of age and living in 
areas of low human development from the suburbs in the city of São Paulo. Among all the 
participants, 40 were child victims of domestic violence (experimental group), according to 
evaluations at the department of Psychology of a Childhood and Adolescence Court of Law in 
São Paulo. The remaining 42 (control group) are children with no claims of victimization. 
Each drawing was classified according to the presence or absence of six general graphic 
characteristics: small dimension of the human figure, absence of feet, absence of hands, 
absence of details, rain (rain as tears, rain in sectors and thunderbolts) and umbrellas. The 
frequencies of each characteristic were estimated and compared in both groups, using the chi-
square significance test. Besides the researcher, two other judges performed blind testing, 
using the Pearson’s correlation coefficient, which conferred reliability to the present analysis. 
Data analysis indicated that three characteristics made it possible to discriminate the child 
victims from the control group: absence of details, absence of umbrella and rain in sectors, all 
of which were more present in children suffering from victimization. Although the ‘Draw a 
person in the rain’ test may help the psychologist, his or her investigation must include other 
evaluation techniques and various sources of information. As a projective tool, this test can 
help establishing trust relationships and fostering child-psychologist communication, thus 
making it possible to better understand the suffering connected to the experience of being 
abused. This work also aims at encouraging the conduction of other studies, both quantitative 
and qualitative, in order to validate the technique for the brazilian population. 
 
 
Keywords: Draw a Person in the Rain technique, Projective Techniques, Human Figure 
drawing, Psychodiagnostics, Violence in the Family, Child abuse 
 
 
 
 
 iv
RESUMÉ 
 
 
VAGOSTELLO, L.V. L’emploi de la technique du dessin de la personne sous la pluie: une 
contribution à l’étude psychologique d’enfants victimes de violences domestiques.2007. 185 f. 
Thèse (Doctoral) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. 
 
 
Ce travail a pour but de présenter une technique projective méconnue au Brésil, le test de la 
personne sous la pluie, et de vérifier, par le biais d’une étude d’exploration, ses contributions 
dans l’évaluation psychologique d’enfants victimes de violences domestiques. Cette technique 
projective, fondée sur la sollicitation de dessiner une personne sous la pluie, a été élaborée 
pour vérifier comment l’individu réagit à des situations de tension environnementale. Dans ce 
travail, la technique de la personne sous la pluie a été appliquée sur 82 participants, dont 40, 
connus pour avoir subis des violences domestiques (groupe expérimental) ont été évalués par 
la Section de Psychologie d’une Chambre de l’Enfance et de la Jeunesse de São Paulo les 42 
restant n’ayant aucune réclamation de persécution (groupe de contrôle) ; les deux sexes étaient 
représentés à proportion égale, les enfants, âgés de 6 à 10 ans, résidant dans des régions au 
taux de développement humain bas dans les banlieux de la ville de São Paulo. Chaque dessin 
a été classé selon la présence ou l’absence de six caractéristiques graphiques générales : petite 
taille de la figure humaine, absence de pieds, absence de mains, absence de détails, pluie (pluie 
en forme de larmes, pluie sectorisée et éclairs) et parapluie. La fréquence de chacune des 
caractéristiques a été calculée et comparée dans les deux groupes par le test khi carré. Une 
analyse en aveugle a ensuite été effectuée par deux autres juges, outre le chercheur, au moyen 
du test de corrélation linéaire de Pearson, lequel a avéré la concordance entre les évaluations, 
rendant ainsi l’analyse confiable. L’analyse des données a indiqué que trois caractéristiques 
ont permis de distinguer le groupe d’enfants persécutés du groupe de contrôle : absence de 
détails, absence de parapluie et de pluie sectorisée, des caractéristiques davantage présentes 
chez les enfants en état de persécution. Le dessin de la personne sous la pluie peut aider le 
psychologue dans son investigation, celle-ci devant obligatoirement inclure d’autres 
techniques d’évaluation et diverses sources d’information. La personne sous la pluie peut 
jouer le rôle d’outil de projection pour aider à promouvoir l’établissement de liens de 
confiance et favoriser la communication entre l’enfant et le professionnel, permettant, ainsi, 
une meilleure compréhension de la souffrance inhérente à l’expérience abusive. Nous 
espérons que ce travail encouragera la réalisation d’autres études, quantitatives et qualitatives, 
en vue de valider cette technique dans la population brésilienne. 
 
 
Mots-clés: Test de la personne sous la pluie, techniques projectives, dessin de figure humaine, 
psychodiagnostic, violence dans la famille, abus de l’enfant. 
 
 
 v
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
 
Gráfico 1 - Distribuição do grupo de crianças vitimizadas em função do tipo de 
violência ........................................................................................................................... 109
Ilustração 1 - Desenho da Pessoa na Chuva (participante nº 17) ...................................... 133
Ilustração 2 - Desenho da Pessoa na Chuva (participante nº 21) ...................................... 137
 
 
 
 vi
LISTA DE TABELAS 
 
 
Tabela 1 – Notificações de violência doméstica em cidades brasileiras ............................ 24
Tabela 2 – Notificações de abuso sexual em cidades brasileiras ....................................... 32
Tabela 3 – Efeitos do abuso sexual, em crianças e adolescentes, na literatura 
especializada ....................................................................................................................... 41
Tabela 4 - Indicadores gráficos da Figura Humana de Koppitz ........................................ 73
Tabela 5 – Escala de avaliação do teste da Pessoa na Chuva para adultos ........................ 92
Tabela 6 - Publicações encontradas na base de dados Psycinfo com a técnica da Pessoa 
na Chuva ............................................................................................................................ 
93
Tabela 7 - Distribuição do grupo experimental em função do sexo e da idade ................. 106
Tabela 8 - Caracterização do grupo experimental em função do sexo, idade, tipo de 
 violência, agressor e situação familiar .............................................................................. 107
Tabela 9 - Distribuição de escolares em função do sexo e da idade (N=371) ................... 110
Tabela 10 - Distribuição do grupo de controle em função do sexo e da idade ................. 111
Tabela 11 - Qui-quadrado e freqüências para o item dimensão da figura humana para o 
grupo de vítimas de violência e o grupo de controle ......................................................... 120
Tabela 12 - Qui-quadrado e freqüências para os itens mãos e pés para o grupo de 
vítimasde violência e o grupo de controle ........................................................................ 122
Tabela 13 - Qui-quadrado e freqüências para o item detalhes (complementos) para o 
grupo de vítimas de violência e o grupo de controle ......................................................... 123
Tabela 14 - Qui-quadrado e freqüências para o item chuva para o grupo de vítimas de 
violência e o grupo de controle ......................................................................................... 124
Tabela 15 - Qui-quadrado e freqüências para o item guarda-chuva para o grupo de 
controle e o grupo de vítimas de violência ........................................................................ 127
 
 
 vii
SUMÁRIO 
 
 
Agradecimentos ........................................................................................................................ i
Epígrafe .................................................................................................................................... ii
Resumo ..................................................................................................................................... iii
Abstract .................................................................................................................................... iv
Resume ..................................................................................................................................... v
Lista de figuras ......................................................................................................................... vi
Lista de tabelas ......................................................................................................................... vii
 
Apresentação ........................................................................................................................... 1
 
Capítulo I - Infância e violência doméstica: a investigação psicológica da vitimização 
infantil ...................................................................................................................................... 
 
4
 
1.1. História da infância ou história da violência? ................................................................... 4
 O conceito histórico de infância ......................................................................................... 4
 
1.2. A vitimização infantil dentro da família ........................................................................... 17
 A Violência Intrafamiliar contra Crianças e Adolescentes ................................................ 17
 Violência Física ou Abuso Físico ....................................................................................... 28
 Violência ou Abuso Sexual ................................................................................................ 31
 Negligência ......................................................................................................................... 41
 Violência Psicológica ou Abuso Psicológico ..................................................................... 43
 
1.3. O psicólogo judiciário e a infância: entre a proteção e o controle .................................... 48
 O Psicólogo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ............................................ 48
 A atuação do Psicólogo em Varas de Infância e Juventude .............................................. 50
 A atuação do Psicólogo em Varas de Família e Sucessões ............................................... 52
 A Intervenção do Psicólogo Jurídico em Situações de Risco contra Crianças e 
 Adolescentes ..................................................................................................................... 
 
53
 O Psicólogo no Poder Judiciário: intervenção ou controle? .............................................. 58
 
1.4. O desenho da figura humana e a expressão da violência doméstica ................................. 68
 Os instrumentos de avaliação psicológica: diagnóstico e intervenção ............................... 68
 O Desenho da Figura Humana com crianças vítimas de violência doméstica ................... 78
 O Teste da Pessoa na Chuva .............................................................................................. 87
 O Teste da Pessoa na Chuva com crianças vítimas de violência doméstica ...................... 96
 
Capítulo II – Justificativa e objetivo ....................................................................................... 100
 
Capítulo III – Método ............................................................................................................. 103
 viii
 A. Participantes .................................................................................................................. 104
B. Instrumentos .................................................................................................................. 111
C. Procedimentos ............................................................................................................... 113
 
Capítulo IV – Apresentação e discussão dos resultados ......................................................... 120
 
Capítulo V – A Pessoa na Chuva: Ilustração de casos ............................................................ 130
 Criança 1 – Violência Física .............................................................................................. 131
Criança 2 – Abuso sexual ................................................................................................... 135
 
Capítulo IV – Reflexões .......................................................................................................... 140
 
Referências .............................................................................................................................. 144
 
Anexo A - Desenhos dos participantes do grupo experimental ............................................... 159
Anexo B – Termos de consentimento ...................................................................................... 180
Anexo C - Correlação entre os juízes ...................................................................................... 184
 
 
 
 
 ix
 1
APRESENTAÇÃO 
 
Minha trajetória e meus interesses em pesquisa na Graduação (iniciação científica), 
Pós-Graduação (aperfeiçoamento) e Mestrado sempre foram voltados para temas da 
Psicologia Social, mais especificamente, preconceito e violência. Em 1998, iniciei minha 
experiência profissional com crianças vítimas de violência doméstica, como psicóloga de uma 
Vara de Infância e Juventude localizada na periferia da cidade de São Paulo. 
O trabalho cotidiano nessa região e o contato diário com impensáveis formas de 
violência proporcionaram-me crescentes questionamentos sobre as vivências emocionais 
dessas crianças, assim como as de seus pais, que também foram vitimizados dentro de suas 
famílias na juventude e, atualmente, estão submetidos a uma forma de violência mais ampla, a 
exclusão social, que os priva do direito de tornarem-se cidadãos. 
A idéia de realizar esse trabalho surgiu em 2003, no Congresso Latinoamericano de 
Rorschach e outros Métodos Projetivos, realizado no Uruguai, onde compartilhei a mesma 
sessão de comunicação de pesquisa com Barilari, Agosta e Colombo, psicólogas argentinas, 
que realizam pesquisas com crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica por meio 
de uma técnica projetiva, até então desconhecida por mim, denominada a Pessoa na Chuva 
(Querol & Paz, 1997). 
O teste da Pessoa na Chuva é um instrumento difundido em países sul-americanos 
como Argentina, Uruaguai, Chile e Peru, que associa o desenho da figura humana (de Karen 
Machover, 1949) a uma situação de tensão ambiental, representada pela chuva (Querol & Paz, 
1997; Hammer, 1991). 
As psicólogas argentinas Barilari,Agosta e Colombo (2000, p.8), são pioneiras no 
estudo desse instrumento com crianças e adolescentes vitimizados e fundamentam-se na 
hipótese de que “em todo menor submetido a maltrato crônico intrafamiliar se produz um 
 
 2
dano psíquico que se expressa através de suas representações gráficas e de seu 
comportamento”. 
Nosso trabalho se propõe a apresentar à comunidade a técnica expressiva gráfica a 
Pessoa na Chuva, e verificar as suas contribuições para o estudo de uma população específica, 
a de crianças vítimas de violência doméstica. Com isso, pretendemos difundir as 
contribuições do instrumento para o estudo da personalidade, visando estimular a produção 
científica, uma vez que não existem, no Brasil, estudos estatísticos normativos, de validade e 
de fidedignidade que permitam sua utilização pelo Conselho Federal de Psicologia. 
O trabalho divide-se em seis capítulos; o primeiro dedica-se à fundamentação teórica 
do estudo e é composto por quatro partes. A primeira delas apresenta as diferentes concepções 
históricas da infância, mostrando que o conceito moderno de criança, como um sujeito de 
direito e portador de necessidades específicas, é uma construção relativamente recente em 
nossa sociedade. A segunda parte apresenta as diferentes facetas da violência doméstica 
contra crianças, um fenômeno de pouca visibilidade social, caracterizado por relações 
abusivas e assimétricas de poder. Apontamos as diferentes modalidades de violência 
intrafamiliar (física, sexual, psicológica e negligência), suas peculiaridades e conseqüências 
para o desenvolvimento infantil. 
A terceira parte do primeiro capítulo apresenta a trajetória do psicólogo no Tribunal de 
Justiça de São Paulo e sua atuação na proteção de crianças vulneráveis e/ou submetidas à 
situação de violência doméstica, visando realizar uma reflexão sobre as contradições e as 
possíveis intervenções do psicólogo judiciário, cuja atuação se inscreve no limite da 
promoção de saúde e do controle sociojurídico. Na última parte, discutiremos a importância 
das técnicas gráficas de avaliação da personalidade, em especial, as que utilizam o desenho da 
figura humana, e apresentaremos o Teste da Pessoa na Chuva. 
 
 3
No segundo capítulo estão explicitados a justificativa os objetivos do presente 
trabalho, que, pretende apresentar um instrumento de expressão gráfica em nosso meio, A 
Pessoa na Chuva, como recurso auxiliar para a compreensão do fenômeno da violência 
doméstica contra crianças. Esse trabalho se justifica pela originalidade do tema, na medida em 
que é uma técnica projetiva desconhecida no Brasil, e porque pode oferecer contribuições 
relevantes para o conhecimento da criança vítima de violência. 
O terceiro é dedicado aos aspectos metodológicos do trabalho, que é um estudo 
quantitativo, fundamentado nos métodos experimental e estatístico, que comparou 
características gráficas da técnica da Pessoa na Chuva em 82 crianças, de 6 a 10 anos de 
idade, 40 com histórico de violência doméstica (grupo experimental) e 42 sem queixas de 
vitimização (grupo de controle). 
No quarto capítulo os resultados dos dois grupos, experimental e de controle, são 
apresentados, discutidos e comparados com o estudo argentino (Barilari et al., 2000) e com 
outros da literatura especializada. 
Incluímos um capítulo quinto para apresentarmos duas ilustrações de casos que, 
embora não seja o objetivo do trabalho, é uma tentativa de integrar as duas facetas da 
experiência profissional (pesquisadora e psicóloga) e as contribuições dos métodos 
quantitativo e qualitativo. 
O último capítulo é dedicado às reflexões derivadas do presente estudo e da 
experiência profissional da autora com crianças vítimas de violência doméstica. 
Esperamos que esse trabalho desperte o interesse de outros profissionais para o 
conhecimento da técnica da Pessoa na Chuva e que sirva de ponto de partida para a realização 
de estudos quantitativos e clínicos em diferentes segmentos da nossa população. 
 
 4
CAPÍTULO I 
 
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: 
A INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA DA VITIMIZAÇÃO INFANTIL 
 
 1.1. HISTÓRIA DA INFÂNCIA OU HISTÓRIA DA VIOLÊNCIA? 
 
O Conceito Histórico de Infância 
 
Quando pensamos na infância como uma fase peculiar do desenvolvimento humano, 
como uma etapa necessária para a aquisição de recursos biológicos, psicológicos e sociais 
fundamentais para a constituição do indivíduo, estamos diante de uma compreensão moderna 
de infância. Isso significa que, em diferentes períodos históricos, as sociedades lançaram 
diferentes olhares sobre a criança e constituíram diversas concepções de infância. 
Os estudos sobre a infância e o papel da criança nos diferentes períodos da história são 
relativamente recentes e foram pouco explorados até a década de cinqüenta. Um dos trabalhos 
mais conhecidos sobre o tema é a “Hstória Social da Criança e da Família” de Phillipe Áries 
(1973/1981), que utilizou a pesquisa iconográfica de diferentes épocas – representações 
artísticas como gravuras e pinturas – para conhecer hábitos e costumes familiares em 
diferentes momentos históricos, bem como o lugar e a função social da criança na família até 
o surgimento da sociedade moderna. 
Nesse trabalho Ariès (1973/1981) revelou que todas as questões e indagações 
relacionadas à infância são preocupações específicas da modernidade, pois até o século XVII 
a criança ocupou um papel praticamente insignificante na vida pública e privada. 
Ariès (1973/1981, p.50) apontou que, com exceção da arte grega, que retratou suas 
crianças com características infantis, até o final do século XI, somente os adultos foram 
 
 5
representados nas artes, como se a figura da criança inexistisse no mundo social e como se 
“não houvesse lugar para a infância nesse mundo”. 
Ariès (1973/1981) observou que algumas representações de crianças nas artes 
apareceram no final do referido século, porém não passavam da reprodução de adultos com 
tamanho reduzido, de “adultos em miniatura”. As primeiras manifestações artísticas que 
retrataram crianças com características infantis apareceram somente no século XIII, porém, 
eram representações fortemente marcadas pela influência religiosa cristã (imagens de anjos e 
santos), que perdurou até o final do século XVI. 
A falta de uma clara distinção e separação entre o mundo adulto e o infantil evidencia, 
para Ariès (1973/1981), a ausência da noção de infância na sociedade medieval, na qual 
adultos e crianças trajavam-se da mesma maneira, compartilhavam indiscriminadamente as 
mesmas atividades sociais (jogos de azar, eventos sociais, danças) e mantinham entre si pouco 
distanciamento corporal, permitindo o contato com partes íntimas do corpo. 
No final do século XVII, período de transição para o capitalismo, a nascente classe 
social burguesa passou a almejar uma educação diferenciada para os filhos, o que culminou na 
retirada da criança da família e na sua inserção no regime disciplinar escolar. A retirada da 
criança da família moderna representa a separação entre mundo adulto e mundo infantil e 
marca o que Ariès (1973/1981) chamou de “o surgimento do sentimento de infância”, ou seja, 
o momento a partir do qual a criança passou a ser vista como um ser diferente do adulto. 
 O final do século XVII representou, para Ariès (1973/1981), a tomada de consciência 
das especificidades da criança por uma sociedade que, até então, as ignorava. Por outro lado, 
esse autor destaca que o surgimento da infância promoveu a imposição de limites e de regras 
educacionais mais rígidos para a criança e incentivou a adoção de castigos corporais para 
domar os instintos infantis. 
 
 6
O trabalho de Ariès (1973/1981) é muito conhecido e citado nas áreas de Psicologia e 
de Ciências Sociais, mas suas teses encontraram oposicionismo por parte de outros 
historiadores como DeMause (1975), Postman (1999) e Heywood (2004) por diferentes 
razõesque serão apresentadas a seguir. 
DeMause (1975) realizou uma investigação histórica, da Antigüidade ao século XX, 
sobre as atitudes e as práticas educativas de pais em relação aos filhos e constatou que os 
cuidados infantis melhoraram ao longo do tempo, uma vez que, em séculos remotos, o 
número de crianças mortas, abandonadas, espancadas, aterrorizadas e sexualmente abusadas 
era muito maior. 
DeMause (1975) opõe-se à tese de Ariès (1973/1981) de que a família moderna 
intensificou os castigos corporais da criança, uma vez que este último baseou-se, 
predominantemente, em registros do século XVII, enquanto que documentos mais antigos 
revelam que o espancamento de crianças, com os mais diversos tipos de objetos, era uma 
prática socialmente tolerada antes do século XIII. 
Além disso, DeMause (1995) também observa, criticamente, que muitos historiadores 
encaram com naturalidade a prática social do infanticídio em períodos remotos e que até 
mesmo Ariès (1973/1981), que pontuou a perda da liberdade da criança e a imposição de 
castigos mais rigorosos na família burguesa, tratou as brincadeiras sexuais entre adultos e 
crianças como uma “tradição da época” e não como abuso sexual. 
Portanto, enquanto Ariès (1973/1981) sinaliza que os maus-tratos infantis iniciaram-se 
a partir do surgimento da infância, DeMause (1975) localiza o período mais sombrio da 
vitimização infantil em séculos cada vez mais distantes, onde o infantício era socialmente 
aceito. Para este último, ao longo da história, a relação entre pais e filhos modificou-se e 
evoluiu para formas mais socializadas de educar os filhos. 
 
 7
Ariès (1973/1981) também recebeu críticas de historiadores que questionaram sua 
metodologia e suas fontes de pesquisa. Entre eles encontramos Heywood (2004), que contesta 
a ausência de um sentimento ou consciência de infância no período medieval e defende a 
existência de alguma forma de reconhecimento das especificidades da infância no período que 
precedeu o século XVII. Para Heywood (2004, p.29), a infância, na Idade Média, “não passou 
tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa, e por vezes, desdenhada”. 
 Heywood (2004) entende que nas diversas sociedades – inclusive na medieval – 
sempre existiu alguma consciência de que crianças e adultos não são pessoas propriamente 
iguais e, reportando-se a David Archard, fala na existência de diferentes “concepções de 
infância” que sofreram transformações nos diversos momentos históricos 
David Archard sugere que todas as sociedades, em todas as épocas, tiveram o ‘conceito’ 
de infância, ou seja, a noção de que as crianças podem ser diferenciadas dos adultos de 
várias formas. O ponto em que elas diferem é em suas ‘concepções’ de infância... elas 
terão idéias contrastantes sobre questões fundamentais relacionadas à duração da infância, 
às qualidades que diferenciam os adultos das crianças e à importância vinculada às suas 
diferenças (Heywood, 2004, p. 22). 
 
Postman (1999) considera que as primeiras preocupações com a criança originaram-se 
na Grécia antiga e que, embora o infanticídio tenha sido uma prática socialmente tolerada 
naquela sociedade, os gregos foram os primeiros a criar escolas para educar crianças, ensinar-
lhes os ofícios da guerra e transformá-las em cidadãos. A criança era encarada como um 
cidadão em potencial pela sociedade grega e, por isso, essa concepção pode ser considerada 
como o “prenúncio da idéia de infância”. Segundo Postman (1999, p.22), os gregos 
“certamente não inventaram a infância, mas chegaram suficientemente perto para que dois mil 
anos depois, quando ela foi inventada, pudéssemos reconhecer-lhes as raízes.” 
Sabe-se que a sociedade romana foi profundamente influenciada pelos ideais de 
educação e de escolarização gregos, mas, Postman (1999) acredita que os romanos superaram 
a concepção grega de infância, porque foram os pioneiros a inserir a noção de vergonha. A 
idéia de vergonha é importante para a concepção de infância, pois representa a adoção de uma 
 
 8
atitude moral do adulto em relação à criança e porque insere o segredo como um limite 
necessário para impedir o acesso da criança ao universo adulto 
Aqui nos defrontamos com uma visão inteiramente moderna, que define a infância, em 
parte, reclamando para ela a necessidade de ser protegida dos segredos adultos, 
especialmente os segredos sexuais (Postman, 1999, p.23). 
 
No que se refere ao período da Antigüidade, especificamente, não verificamos 
divergências significativas entre idéias de Ariès (1973/1981) e de seus críticos, na medida em 
que todos convergem para a existência de uma distinção entre os mundos infantil e adulto na 
Grécia e em Roma, apesar de as crianças serem consideradas propriedades dos pais e 
vulneráveis ao (abuso de) poder do adulto. 
Postman (1999) recorda que no ano de 374 dC, o infanticídio foi proibido por lei em 
Roma, fato que poderia ser considerado o prenúncio histórico de uma preocupação com a 
proteção da infância, porém, destaca que eventos como a queda do império romano (476 dC), 
o fim da cultura clássica e a entrada na Idade Média impossibilitaram o desenvolvimento do 
interesse pela criança. Observamos e lembramos que muitos séculos se passaram até a criação 
de dispositivos legais de proteção à criança na sociedade, conforme veremos mais adiante. 
Postman (1999) introduziu uma análise interessante sobre a situação da criança na 
sociedade medieval e, ao contrário de Ariès (1973/1981), não considera a Idade Média como 
um período caracterizado pela ausência ou inexistência da noção de infância, mas como um 
momento histórico marcado pelo desaparecimento dessa idéia. Para Postman (1999, p.66), a 
infância representou “coisas diferentes para pessoas diferentes em épocas diferentes”. 
Em sua análise, Postman (1999) associa o desaparecimento da infância ao 
desaparecimento da capacidade da leitura e da escrita nas relações sociais mais amplas, que, 
na Idade Média, restringiu-se somente aos representantes da Igreja Católica. O autor lembra 
que a escrita é uma produção cultural de uma sociedade e que o acesso ao mundo letrado 
ocorre somente após o desenvolvimento e o amadurecimento de certas habilidades do 
 
 9
indivíduo. A leitura e a escrita restringem a informação a um grupo específico de indivíduos 
(adultos letrados), o que confere a este saber um caráter de segredo. 
A sociedade medieval promoveu, aos poucos, o desaparecimento da capacidade de ler 
e escrever e, com isto, os segredos do mundo adulto tornaram-se mais acessíveis ao mundo 
infantil, diluindo as fronteiras entre ambos. Assim, a Idade Média representa o período do 
desaparecimento da educação, da vergonha, do segredo e, conseqüentemente, do 
desaparecimento da infância (Postman, 1999). 
Apesar de contemplarem diferentes visões, Postman (1999) considera a contribuição 
de Ariès (1973/1981) importante, pois foi o primeiro autor a chamar a atenção para a pequena 
distância que separava a infância da vida adulta na Idade Média; contudo, para o primeiro, a 
infância desapareceu nesse período e, para o último, ela simplesmente não existiu. 
A despeito das divergências sobre a infância, observamos que os autores parecem 
concordar que, na sociedade medieval, a infância foi, no mínimo, pouco valorizada. Elizabeth 
Badinter (1985), por exemplo, mostra que a entrega dos filhos de famílias abastadas para as 
amas-de-leite foi uma prática comum desde o século XIII na França, uma vez que as 
atividades domésticas e o cuidado dos filhos eram atribuições desvalorizadas pelas mulheres 
das camadas sociais mais elevadas. Gradativamente, essa prática foi incorporada por mulheres 
de outras classes sociais, cujos filhos eram entregues para amas cada vez menos qualificadas. 
A entrega de filhos às amas-de-leite perdurou até o século XVIII e a taxa de 
mortalidade infantil na França chegou a atingir 25% das crianças no primeiro ano de vida, o 
queé considerado por Badinter (1985) um “infanticídio disfarçado”. Além disso, o período 
compreendido entre o final do século XVIII e início do século XIX caracterizou-se por 
imenso índice de abandono infantil e de institucionalização de crianças. 
Volnovich (1993) e Heywood (2004) destacam que até o século XVIII o conceito de 
infância predominante baseou-se nas idéias de Santo Agostinho, que concebia a criança como 
 
 10
um ser naturalmente impuro, fruto e herdeiro do pecado original, dotado de atributos 
negativos como a imoralidade e a impulsividade. Para esta concepção, a educação da criança 
deve ser orientada para a sua contenção e para a sua transformação em adulto. 
Os autores apontam que nos séculos XVII e XVIII, o pensamento de Locke, herdeiro 
do racionalismo cartesiano, defendeu a submissão da criança a um processo educacional que 
impusesse primazia da razão sobre seus instintos. Diferente de Santo Agostinho, Locke não 
concebeu a criança como um ser impuro e pecador, mas como um representante do erro e do 
engano, ou seja, a antítese da razão. Com sua idéia de tábula rasa, Locke delegou a 
responsabilidade sobre o futuro da criança ao adulto, sendo a função deste conduzi-la para a 
racionalidade (Volnovich, 1993; Postman,1999; Heywood, 2004). 
Heywood (2004) mostra que a concepção moderna de infância sofreu, no século 
XVIII, grande influência do pensamento de Rousseau, que, em oposição às concepções de 
Santo Agostinho e Locke, valorizou as virtudes naturais da criança, considerada o “bom 
selvagem”. A perspectiva rousseauniana defende uma “educação natural” que preserve a 
expressão de virtudes infantis como pureza, inocência e espontaneidade até a imposição da 
razão, que deve ocorrer somente quando o jovem estiver preparado, ou seja, a partir dos 12 
anos, aproximadamente. Rousseau recomendava (1999, p.92-3, apud Heywood, 2004, p.38): 
“Respeitai a infância... deixai a natureza agir bastante tempo antes de resolver agir em seu 
lugar”. 
Norteada por Rousseau, na transição dos séculos XVIII e XIX, a concepção romântica 
de infância predominou, sobretudo, nas famílias da classe média, valorizando e enaltecendo a 
criança e sua inocência infantil. Neste mesmo período, o amor materno apareceu como um 
novo valor social, despertando o interesse de moralistas e médicos para estimulação e 
valorização dos cuidados maternos (Heywood, 2004, Badinter, 1985). 
 
 11
Destacamos que a valorização da maternidade e do amor materno não encontraram 
receptividade entre as mulheres até que circunstâncias históricas, econômicas e sociais 
facilitaram o aparecimento de condições favoráveis para um convívio mais estreito entre mãe 
e filho. No século XVIII, um vasto número de publicações médicas, preocupadas com a 
preservação da criança, introduziu novos usos e costumes na vida da mulher e da família 
como, por exemplo, o fim da entrega dos filhos aos cuidados das amas-de-leite e aos criados 
(Donzelot, 1980; Badinter, 1985). 
Assim, o despertar do interesse pela infância no final do século XVIII não foi 
decorrente da reprovação moral do abandono materno, mas da crescente assimilação da 
maternidade pelas próprias mulheres. Tal assimilação não ocorreu espontaneamente, mas às 
custas de interesses econômicos (a criança como força potencialmente produtiva) e da 
intervenção direta do Estado nas condições de vida da população (saúde, alimentação, 
moradia, hábitos de higiene), por meio da introdução de práticas médico-sociais na vida 
privada da família (Donzelot, 1980; Badinter, 1985). 
Donzelot (1980) ressalta que a intervenção do Estado na vida privada, através dos 
médicos de família, introduziu o saber médico na esfera doméstica no século XVIII e 
promoveu transformações viscerais na vida familiar. A aliança entre médico e família 
inaugurou as bases da família moderna, que, regida por princípios educacionais, colocou as 
crianças sob a supervisão direta da família e, ao retirar este poder das amas, concedeu à 
mulher uma autoridade sem precedentes na vida doméstica. 
Ao fechar-se em si mesma, a família moderna também se organizou em torno da 
criança e transformou-se em reduto de privacidade. Donzelot (1980) destaca que esta aliança 
entre o médico e a família, ao mesmo tempo em que favoreceu o fechamento desta última, 
permitiu a sua invasão pelo poder público, que, por meio de “pedagogias médico-sociais” 
 
 12
relativas à higiene, saúde e sexualidade, transformou a família em um dispositivo de controle 
da criança, responsável por sua “criação e vigilância”. 
A ampliação das responsabilidades da figura materna, na transição entre os séculos 
XIX e XX, colocou a mulher no centro da família, tornando-a responsável pelo êxito ou 
fracasso de seus filhos. Em oposição à concepção romântica de infância vigente, surgiu, nesse 
momento, a concepção freudiana de infância, que rompeu com a idéia de ingenuidade e 
inocência infantis, uma vez que de acordo com o pensamento psicanalítico, a criança é 
precocemente dotada de desejo e de sexualidade. 
Para Postman (1999, p.77), a concepção de infância de Freud confirma e, ao mesmo 
tempo, refuta as idéias de Locke e Rousseau 
Freud refuta Locke e confirma Rousseau: a mente da criança não é uma tábula rasa;... se 
aproxima de um ‘estado de natureza’... Mas ao mesmo tempo Freud refuta Rousseau e 
confirma Locke: as primeiras relações entre criança e os pais são decisivas para 
determinar o tipo de adulto que a criança será. 
 
Volnovich (1993, p.25) destaca que a psicanálise introduziu uma nova concepção de 
criança, como um ser ativo em seu desenvolvimento, dotada de desejo, dotada de um “saber”, 
um saber inconsciente: “A Psicanálise deste século terá a indigna missão de subverter o mito 
da infância ingênua e bondosa, retornando à imagem da criança perversa, embora em outro 
contexto, não do erro, mas o do saber.” 
Postman (1999) e Heywood (2004) lembram que se, por um lado, a criança passou a 
assumir uma importância social dentro da família e da sociedade em meados do século XVII, 
o processo de industrialização do século XIX representou um retrocesso para a infância. O 
trabalho infantil das famílias pobres foi absorvido como mão-de-obra pela indústria e pela 
mineração de carvão, sobretudo na Inglaterra. Nessa época muitas crianças ingressaram 
precocemente no mercado de trabalho, para auxiliar no sustento de suas famílias e esta 
situação perdurou até o início do século XX, quando surgiram as primeiras legislações para 
proibir o trabalho infantil. 
 
 13
 O registro sobre a infância no Brasil iniciou-se no período de colonização, embora já 
existissem crianças indígenas em terras brasileiras antes do descobrimento. Em virtude da 
necessidade de povoar a Colônia e, diante da escassez de mão-de-obra adulta, os navios que 
transportaram os colonizadores para o Brasil utilizaram o trabalho de crianças portuguesas 
recrutadas voluntariamente de famílias pobres e de crianças judias raptadas de suas famílias 
em Portugal (Ramos, 2004). 
Segundo Ramos (2004), havia quatro categorias distintas de crianças e adolescentes 
nas embarcações portuguesas: os passageiros (acompanhadas por pais ou parentes), os 
grumetes1, os pajens da nobreza e as “órfãs do Rei”. Os grumetes eram os que viviam em 
piores condições, pois executavam os trabalhos físicos mais árduos, tinham alimentação 
escassa e, com freqüência, eram violentados sexualmente por marinheiros. Os pajens, 
geralmente protegidos pela nobreza, executavam atividades mais amenas, como servir as 
refeições, arrumar os camarotes, entre outras. As órfãs eram jovens pobres, muitas vezes 
órfãs somente de pai, brancas, praticamente raptadas de suas famílias e enviadas às colônias 
(sobretudo para a Índia) para constituir família com colonizadores portugueses. 
A colonização portuguesa empreendeu grande investimento na formação das crianças 
locais, oferecendo educação e doutrinação cristã às criançasindígenas, mestiças e 
portuguesas, através da Companhia de Jesus no Brasil. O batismo tornou-se um grande 
acontecimento, que abarcou crianças de todas as famílias, desde as portuguesas, até as 
indígenas e as escravas. 
Mais do que um ritual, Góes & Florentino (2004, p.182) lembram que o batismo 
representava uma ampliação dos laços familiares e sociais, na medida em que a figura dos 
padrinhos incorporava-se à família, visando fornecer apoio à criança, sobretudo na falta dos 
 
1 Marinheiros iniciantes, escalão mais baixo da Marinha. 
 
 14
pais, o que era comum entre escravos: “Os laços de compadrio uniam, sobretudo, escravos e 
este era o costume entre os cativos do Rio de Janeiro, em áreas rurais e urbanas.” 
As crianças escravas, quando pequenas, compartilhavam alguns espaços com as 
crianças brancas, mas aos poucos, iniciam o trabalho em atividades domésticas ou de 
pastoreio. Quanto melhor o seu desempenho, maior o seu valor no mercado da escravidão; 
por volta dos 14 anos de idade, os jovens negros já realizavam as mesmas atividades de 
escravos adultos (Góes & Florentino, 2004). 
No Brasil do século XIX, a pobreza e as dificuldades de sobrevivência da população 
no período do Império e da República já levavam muitas famílias pobres a abandonar seus 
filhos em instituições como as rodas, os orfanatos e internatos, mesmo após o fim da 
escravidão 
Uma história de internações para crianças e jovens provenientes das classes sociais mais 
baixas, caracterizados como abandonados e delinqüentes pelo saber filantrópico privado 
e governamental... deve ser anotada como parte da história da caridade com os pobres e a 
intenção de integrá-los à vida normalizada. Mas também deve ser registrada como 
componente da história contemporânea da crueldade (Passetti, 2004, p. 350). 
 
No início do século XX, a mão-de-obra de crianças também foi explorada pelo 
crescente processo de industrialização da sociedade brasileira, aumentando cada vez mais a 
institucionalização de crianças, seja por abandono, seja pela exposição à criminalidade dos 
grandes centros urbanos. Nesse século, a exploração do trabalho infantil e a exposição da 
criança à violência privada e social alertaram a sociedade para a necessidade de iniciativas de 
proteção à infância e juventude 
No início do século XX, as políticas públicas passaram a ser vistas como um veículo de 
bem-estar. Mais recentemente difundiu-se a idéia de que também as crianças deveriam 
ser alvos dessas políticas com a concepção de que a criança é um ‘sujeito a ser protegido’ 
(Passeti, 2004, p.366). 
 
De acordo com Passeti (2004), no Brasil, um decreto (nº 16.272) foi criado, em 1923, 
para regulamentar a proteção de menores abandonados e delinqüentes. O primeiro Código de 
Menores (decreto 17343/A de 10/10/1927) foi publicado em 1927 e, através dele, o Estado 
 
 15
responsabilizou-se por esses jovens e instaurou a internação para órfãos e infratores, 
atividades até então realizadas por instituições filantrópicas. 
Em 1924, pela primeira vez, foram declarados, mundialmente, os direitos da criança, 
que se tornaram conhecidos como Declaração de Genebra e, em 1948, a Organização das 
Nações Unidas (ONU) publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1959, a 
Organização das Nações Unidas criou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e a 
Declaração dos Direitos da Criança, que priorizou a família e a comunidade para a proteção 
da criança contra “quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração”, o que resultou 
na eclosão de programas de apoio à família, para assegurar a permanência dos filhos no seio 
familiar e evitar o seu abandono ou a sua institucionalização (Passeti, 2004). 
No Brasil, em 1979, foi publicado o Código de Menores, Lei Federal nº 6697, com o 
objetivo de tutelar os então chamados “menores em situação irregular”, ou seja, jovens em 
condições de privação material, submetidos a condições de perigo ou abandono, infratores ou 
deficientes. O termo “menor” tornou-se pejorativo, associado à pobreza e delinqüência 
infantil e foi abolido, após aproximadamente uma década, com a substituição do Código de 
Menores pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 
O Código de Menores de 1979 atualizou a Política Nacional do Bem-Estar do Menor... e 
explicitou a estigmatização das crianças pobres como “menores” e delinqüentes em 
potencial através da noção de situação irregular (Passeti, 2004, p. 364). 
 
A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança de 19892 enfocou a proteção da 
criança contra abuso e exploração, o que levou vários países, inclusive o Brasil, a tornar 
obrigatória a notificação de ocorrências ou de suspeitas de abuso contra crianças por órgão 
de saúde e de educação. A partir dessa convenção, os programas sociais de intervenção à 
família passaram a focalizar também a identificação de situações de violência contra crianças 
e adolescentes dentro do lar. 
 
2 - Nações Unidas no Brasil - Convenção sobre os Direitos da Criança, recuperado em 12 dez. 2006: 
http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca.php. 
 
http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca.php
 16
Ratificando os princípios da Convenção de 1989, o Estatuto da Criança e do 
Adolescente, publicado em 1990, representou um grande avanço legal e social para a proteção 
da infância e da adolescência contra “qualquer forma de negligência, discriminação, 
exploração, violência, crueldade e opressão.” (Del Campo & Oliveira, 2006). 
O Estatuto da Criança e do Adolescente introduziu uma nova concepção de proteção à 
infância e juventude, concedendo voz aos seus sujeitos, que passaram a ser concebidos como 
pessoas em condições peculiares de desenvolvimento e sujeitos de direitos fundamentais - 
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte e lazer, à profissionalização, à 
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária - que 
devem ser protegidos pelo Estado, pela família e pela sociedade. 
A partir dessa perspectiva, todas as intervenções de natureza protetora (quando os 
direitos de crianças e adolescentes são violados) ou de natureza socioeducativa (quando o 
adolescente viola o direito alheio por meio de um ato infracional) privilegiam a manutenção 
dos vínculos da criança e do adolescente com o seu grupo familiar e com a comunidade na 
qual estão inseridos, buscando realizar uma intervenção que integre o indivíduo e seu grupo 
social. 
 Apesar dos recentes esforços empenhados pela sociedade para a proteção da infância 
e, das mudanças ocorridas na família nuclear moderna, que se organizou em torno das 
necessidades da criança, a história de violência infantil continua, inclusive no local onde ela 
mais deveria estar protegida: a família. 
 
 
 
 
 
 
 17
1.2. A VITIMIZAÇÃO INFANTIL DENTRO DA FAMÍLIA 
 
A Violência Intrafamiliar contra Crianças e Adolescentes 
 
O capítulo anterior mostrou que a concepção de infância é uma produção histórica que 
depende dos diferentes olhares sobre a criança em diferentes períodos. Do incômodo, a 
criança tornou-se uma força potencialmente produtiva para a sociedade e, ao mesmo tempo, 
um meio de apropriação de poder para o adulto no universo familiar patriarcal (Ariès, 
1973/1981; Badinter, 1985; Volnovich, 1993; Postman, 1999; Heywood, 2004). 
Observamos, portanto, que a organização da família moderna em torno da criança, se, 
por um lado, a protegeu, por outro, permitiu que a privacidade familiar se tornasse um lugar 
privilegiado para exercer e ocultar as mais diversas possibilidades de violência contra crianças 
e adolescentes. 
Os estudos sobre violência intrafamiliar contra crianças originaram-se na medicina. 
Azevedo e Guerra (1995) encontraram os primeiros registros sobre esse assunto em 1860, 
quando o médico legista francês Ambrosie Tardieu verificou umnúmero significativo de 
óbitos de crianças em decorrência de lesões físicas. Contudo, a literatura especializada 
considera o século XX e, mais especificamente, a década de 60, como o marco da 
investigação da violência doméstica infantil (Azevedo & Guerra, 1995; Gonçalves, 2003). 
De acordo com Gonçalves (2003), o primeiro estudo brasileiro sobre violência foi 
publicado em 1973 por Coates, Ribeiro, Hercowitz e Keiserman e relata o caso de uma 
criança de um ano e três meses de idade espancada e abandonada pela mãe na Santa Casa de 
São Paulo. 
No Brasil, o volume de pesquisas na área de violência doméstica ainda é considerado 
tímido, quando comparado à relevância e à gravidade do problema. Grande parte da produção 
 
 18
científica nacional sobre esta temática menciona os estudos de Maria Amélia Azevedo e 
Viviane Nogueira Guerra, pesquisadoras e fundadoras do Laboratório da Criança (LACRI) na 
USP, que, além de produzir e agregar estudos científicos, capacita profissionais de todas as 
partes do Brasil para atuar na identificação, acompanhamento e prevenção de violência 
doméstica contra crianças e adolescentes. 
Azevedo e Guerra (1989, 1995, 1998, 2001a, 2001b) abordam o fenômeno da 
violência doméstica a partir de um referencial teórico “interativo, multicausal e histórico-
crítico”, determinado pela interação de fatores sociais, econômicos, históricos, culturais e 
psicológicos. Este modelo supõe que as relações sociais se constituem a partir de um 
movimento de determinações recíprocas entre indivíduo e sociedade, no qual o indivíduo 
determina a sociedade e também é determinado por ela. Assim, as relações de poder que se 
estabelecem dentro das instituições sociais e, mais especificamente, dentro da família, são 
reproduções das relações sociais de poder. 
As autoras destacam a existência de dois processos de violência intimamente 
relacionados à estrutura de poder: a vitimação e a vitimização. A vitimação é o processo de 
violência inerente à desigualdade social da sociedade capitalista, resultante da exclusão social, 
e suas vítimas são todos aqueles que não conseguem ter acesso aos bens e recursos 
socialmente produzidos. Já a vitimização é um fenômeno que incide nas relações 
interpessoais, independentemente de classe social, e que se apresenta sob diferentes formas de 
maus-tratos (físico, sexual e psicológico). 
Muitas vezes, os indivíduos vitimados tendem a reproduzir o mesmo padrão de 
relacionamento abusivo de poder em suas relações interpessoais da esfera familiar ou 
profissional, como uma forma compensatória de exercer nestes espaços o poder social que 
lhes falta. Saffiotti (1989) denomina este mecanismo “Síndrome do Pequeno Poder”, que 
 
 19
geralmente é exercido, sob alguma forma de violência (não necessariamente física), contra 
mulheres, crianças e pessoas que ocupam cargos profissionais considerados subalternos. 
Azevedo e Guerra (1989, 1995, 1998) consideram os termos “abuso” e “vitimização” 
os mais adequados para se referir ao fenômeno da violência doméstica, pois, como vimos, 
partem do princípio da existência de um “padrão abusivo” no relacionamento entre adultos e 
crianças ou adolescentes, no qual estão em jogo condições históricas objetivas e subjetivas de 
todos os envolvidos 
...as características psicológicas dos pais, bem como sua posição de classe e sua visão de 
mundo (ideário). Por outro lado esse padrão abusivo entra, por vezes, em interação com 
‘condições concretas de vida familiar’ e com ‘características particulares da criança e do 
adolescente. (Azevedo & Guerra, 1998, p.90) 
 
Uma das definições utilizadas na literatura especializada sobre a violência doméstica 
no Brasil é a de Azevedo e Guerra (1995, p.36), que a concebem como uma manifestação 
interpessoal de violência, pautada na desigualdade e no abuso de poder dos pais e/ou 
responsáveis e que reduz a vítima (criança ou adolescente) à condição de objeto de satisfação 
do adulto 
Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou 
adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – 
implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, 
numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e 
adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de 
desenvolvimento. 
 
Na literatura especializada sobre violência doméstica, encontramos outras abordagens 
teóricas que se ocupam deste tema, como a chamada perspectiva ecológica-
desenvolvimentista (Developmental-Ecological), que se destaca, principalmente, nas 
publicações internacionais. A perspectiva ecológica propõe um modelo multicausal a partir do 
qual a violência é compreendida como um produto de múltiplos fatores (econômicos, sociais, 
emocionais) que, isoladamente, não são determinantes, mas, quando associados em condições 
desfavoráveis, podem predispor muitas famílias à violência. 
 
 20
Belsky (1993), um importante expoente desse modelo teórico, considera que a 
incidência de maus-tratos domésticos associa-se a uma série de fenômenos contemporâneos, 
como características de personalidade dos pais (dificuldade de controle dos impulsos, auto-
estima rebaixada, escassa capacidade de empatia, depressão, ansiedade), características 
psicológicas dos pais (maior irritabilidade frente a estímulos aversivos), padrões de 
comportamento agressivos incorporados no processo de aprendizagem, pobreza e falta de 
planejamento familiar. 
A perspectiva ecológica destaca que as famílias predispostas à violência apresentam 
duas características básicas. A primeira delas é o isolamento social, geralmente provocado 
pela ausência de redes sociais de apoio (instituições de saúde, educacionais e sociais, 
programas sociofamiliares) ou ainda pelo limitado relacionamento social com familiares e/ou 
vizinhos. A outra característica é o ambiente sociocultural em que essas famílias estão 
inseridas, geralmente receptivo e tolerante à violência, e que utiliza a punição física como 
principal modelo de controle do comportamento dos filhos (Belsky, 1993). 
A abordagem sistêmica considera a violência doméstica como uma manifestação de 
disfunção familiar que incide diretamente sobre as relações de parentalidade e/ou 
conjugalidade. Assim, na incidência de abuso intrafamiliar, todos os membros da família 
estão implicados psicologicamente na dinâmica relacional, seja quem pratica a agressão, seja 
quem sofre a agressão, seja quem se omite, seja quem se rebela frente à violência (Furniss, 
1993; Linares, 2002). 
Nessa perspectiva, todos, inclusive a vítima, têm participação no processo de 
vitimização, do ponto de vista interacional, o que não significa atribuir a ela a 
responsabilidade pelo abuso (Furniss, 1993; Linares, 2002). A seguinte definição, empregada 
por Linares (2002, p.58), parece traduzir a concepção de violência intrafamiliar da abordagem 
sistêmica: 
 
 21
a violência é a manifestação de um fenômeno interacional em que todos os que 
participam são psicologicamente responsáveis. Sob este critério, qualquer um pode vir a 
ser violento, sendo a violência uma resposta a uma ordem em que os atores podem 
especializar-se como emissores, receptores ou participantes. 
 
Os autores que se apoiam nessa abordagem defendem a realização de intervenções que 
incidam sobre as esferas familiar, individual e social da violência e não apenas uma atuação 
profissional que privilegie o indivíduo e seu ambiente doméstico (Furniss, 1993; Linares, 
2002). 
Quando pensamos no enfoque psicanalítico para a compreensão da violência 
doméstica, costumamos nos remeter às falhas no desempenho das funções parentais, 
imprescindíveis para o desenvolvimento da criança e para o de seus relacionamentos 
interpessoais ulteriores. 
A criança, ao nascer, experiencia a vida instintiva em completa dependência do 
ambiente. Deacordo com Winnicott (1983), uma mãe suficientemente boa funciona como um 
ego auxiliar da criança, apresenta-se como objeto de satisfação de seus impulsos e de suas 
necessidades, o que permite o estabelecimento de uma confiança que leva o bebê a sentir-se 
capaz de criar os objetos e a realidade. A segurança no ambiente é fundamental para a 
integração do bebê como unidade somática e psíquica, pois essa experiência de “eu”, capaz de 
criar objetos, possibilita o desenvolvimento de uma relação que não seja insuportavelmente 
ameaçadora com o “não eu”. 
 Para Winnicott (1983), a mãe (ou substituta), quando se identifica com as 
necessidades de seu filho, é capaz de proporcionar a ele a segurança necessária para lidar com 
as suas demandas instintivas e com ameaças do mundo interno e externo. A presença de uma 
mãe suficientemente boa, portanto, protege a criança dos ataques da realidade externa e da 
crueldade dos seus próprios impulsos destrutivos, possibilitando integrar impulsos eróticos e 
agressivos (conservação do objeto bom juntamente com a fantasia de sua destruição) 
 
 22
O indivíduo só pode atingir o estado do “eu sou” porque existe um meio que é protetor; o 
meio protetor é a mãe preocupada com sua criança e orientada para as necessidades do 
ego infantil através da sua identificação com a própria criança. (Winnicott, 1983, p.35) 
 
A presença de uma mãe confiável e disponível permite que, após as vivências de 
ataque e de destruição, a ansiedade decorrente da ambivalência (culpa) seja experimentada e 
tolerada, permitindo que esta ansiedade não seja experimentada como culpa, mas retida para 
uma posterior reparação, que é a base da capacidade de se preocupar com o outro 
A esta culpa que é retida, mas não sentida como tal, denominamos ‘preocupação’. Nos 
estágios iniciais do desenvolvimento, se não há uma figura materna de confiança para 
receber o gesto de reparação, a culpa se torna intolerável e a preocupação não pode ser 
sentida. (Winnicott, 1983, p. 78) 
 
A partir dessa perspectiva, podemos considerar que a presença de qualquer tipo de 
experiência de violência de pais contra filhos - física, psicológica, sexual ou de negligência - 
representa um obstáculo à capacidade de identificação com necessidades da criança e, 
conseqüentemente, de proporcionar um ambiente positivo, seguro e confiável, que possa ser 
internalizado pela criança. 
Se para Winnicott (1983) a capacidade de estabelecer vínculos afetivos é uma 
característica de personalidade intimamente relacionada à capacidade de buscar e de receber 
cuidados, podemos pensar que crianças expostas à situação de violência doméstica estariam 
muito mais vulneráveis a desajustes de natureza relacional do que outras pessoas. Conforme 
veremos mais adiante, a violência doméstica, de fato, tende a produzir efeitos prejudiciais 
nessa área, pois, com muita freqüência, observamos que pessoas submetidas à violência 
apresentam mais dificuldade para se identificar e se preocupar com as necessidades dos 
próprios filhos ou, ainda, tendem a reproduzir nos relacionamentos sociais e/ou familiares o 
padrão abusivo do qual foram vítimas. 
Os diferentes enfoques teóricos apresentados oferecem contribuições muito 
importantes para o estudo da violência doméstica, porém, não podemos deixar de demarcar 
 
 23
que são maneiras completamente diferentes de abordar o fenômeno da violência doméstica, 
uma vez que partem de premissas e de determinações distintas para explicar a ocorrência do 
fenômeno. Não podemos deixar de apontar que o enfoque histórico-crítico é o mais completo, 
porque abarca uma dimensão sociocrítica da produção da violência doméstica que não está 
presente nos demais, que privilegiam intervenções focadas no grupo familiar, ainda que 
reconheçam a multiplicidade de fatores socioculturais envolvidos na questão da violência 
doméstica. 
Os números da violência contra crianças e adolescentes no mundo são assustadores. 
Em 2002, segundo a Organização Mundial da Saúde (apud Gonçalves, 2003), foram 
notificados 57 mil homicídios de jovens menores de 15 anos, com maior incidência entre 
crianças de zero a quatro anos de idade. 
Pesquisas realizadas a partir de diversas fontes oficiais (Boletins de Ocorrência, 
Laudos do IML, Varas de Infância e Juventude, FEBEM) revelam que as vítimas de violência 
doméstica de São Paulo são predominantemente do sexo feminino e que os agressores são, na 
maioria das vezes, pais e mães biológicos (Azevedo e Guerra, 1995). 
Segundo publicação do Centro de Referência às Vítimas de Violência do Instituto 
Sedes Sapientiae, “três entre dez crianças de zero a doze anos sofrem algum tipo de maus-
tratos dentro da própria casa, perpetrados por pais, padrastos ou parentes”. (Sousa & Vecina, 
2002, p.73) 
Dados internacionais recentes (Sanmartín, 2002; Linares, 2002) e levantamentos 
realizados pelo LACRI em todo o Brasil, entre 1996 e 2004, apontam que a negligência e a 
violência física são as modalidades de violência doméstica mais notificadas e que o abuso 
 
 24
sexual encontra-se entre os menos registrados, conforme a tabela a seguir (Azevedo & Guerra, 
2006)3: 
Tabela 1 – Notificações de violência doméstica em cidades brasileiras (LACRI, 2006) 
 
Ano Violência Física 
Violência
Sexual 
Violência 
Psicológica Negligência
Violência 
Fatal 
Total de 
Notificações 
1.996 525 95 0 572 0 1.192 
1.997 1.240 315 53 456 0 2.064 
1.998 2.804 578 2.105 7.148 0 12.635 
1.999 2.620 649 893 2.512 0 6.674 
2.000 4.330 978 1.493 4.205 135 11.141 
2.001 6.675 1.723 3.893 7.713 257 20.261 
2.002 5.721 1.728 2.685 5.798 42 15.974 
2.003 6.497 2.599 2.952 8.687 22 20.757 
2.004 6.066 2.573 3.097 7.799 17 19.552 
2.005 5.109 2.731 3.633 7.740 32 19.245 
2.006 4.954 2.456 3.501 7.617 17 18.545 
 46.541 16.425 24.305 60.247 522 148.040 
 
Estatísticas do Centro de Referência de Infância e Adolescência (CRIA) do município 
de Guatinguetá, no estado de São Paulo, apontam que as crianças que recebem atendimento 
especializado em decorrência de maus-tratos domésticos são, predominantemente, do sexo 
feminino (61%). As meninas são as maiores vítimas de violência física (27 - 45%) e sexual 
(26 - 43%), enquanto que os meninos são alvos mais freqüentes de violência física (61%). 
(Pinto Junior et al., 2003a). 
A despeito do crescimento do número de notificações no decorrer dos anos, conforme 
mostram os dados do LACRI (2006), a violência doméstica é sempre considerada, no Brasil e 
 
3- Fonte: Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) da USP, 
http://www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/iceberg.htm#2, recuperado em 14 de dezembro de 2006. 
 
http://www.usp.br/ip/laboratorios/lacri
 25
em outros países, um fenômeno subnotificado, porque se manifesta em um ambiente fechado, 
que favorece sua ocultação e dificulta o registro fidedigno de sua ocorrência. 
No Brasil e em vários países, a violência doméstica é aceita com certa complacência 
social, porque encontra apoio em nossa cultura, que valoriza e banaliza práticas violentas, 
irrefletidamente assimiladas e incorporadas aos costumes quotidianos como “práticas 
naturais”. O emprego de castigos físicos, como surras ou “palmadas”, é aceito por muitas 
famílias, porque ainda é considerada uma prática educativa, assim como outras punições 
físicas como torturas e pena de morte também são meios defendidos para a solução de 
problemas sociojurídicos pela sociedade (Azevedo & Guerra, 1995, 2001a). 
É consenso na literatura nacional e internacional que os maus-tratos domésticos 
ocorrem, invariavelmente, em todas as classes sociais, porém, a maioria dos casos notificados 
concentra-se na população de baixa renda. Apesar do caráter sigiloso e privado da violência 
doméstica, a própria configuração do ambiente físico nesses segmentos sociais facilita a 
exposição e a denúncia das ocorrências, uma vez que a sociografia da pobrezaapresenta 
fronteiras muito diluídas entre público e privado. 
Nos estratos sociais mais elevados, as fronteiras da intimidade conseguem ser muito 
mais preservadas e o acesso às mazelas domésticas por terceiros, muito mais limitado e 
controlado. Deslandes (1994) lembra que a vida privada da população de baixa renda acaba 
sendo exposta também pela intervenção de poderes de diversas naturezas, – “públicos, locais 
e paralelos” -, enquanto que os serviços privados desfrutados pelas classes média e alta 
supõem discrição e silêncio em relação à privacidade familiar. 
Além disso, os autores também reconhecem que os sentimentos de medo, vergonha e 
culpa inerentes às conseqüências de uma possível revelação sobre a violência sofrida 
fortalecem o silêncio das vítimas e favorecem movimentos de resistência entre os outros 
 
 26
membros da família (Azevedo & Guerra, 1989, 1995; Sanmartín, 2002; Linares, 2002; 
Gonçalves, 2003). 
Outro aspecto característico da violência doméstica encontrado por autores nacionais e 
internacionais é o de que, ao contrário do que se imagina, são poucos os casos nos quais os 
agressores apresentam algum distúrbio psiquiátrico. Dados recentes apresentados por 
Sanmartín (2002) indicam que isso ocorre em apenas 10 % dos casos. 
Observamos que os efeitos da violência doméstica sobre crianças e adolescentes 
dependem do interjogo de variáveis de diferentes naturezas como a idade da vítima, 
freqüência, tempo de duração e severidade da violência, além das características pessoais da 
vítima (Gonçalves, 2003; Sanmartín, 2002; Linares, 2002; Azevedo & Guerra, 1989 e 1995). 
Verificamos que, em todas as modalidades de violência doméstica, a capacidade de 
concentração e, conseqüentemente, de aprendizagem de crianças e adolescentes torna-se 
prejudicada. É muito comum a presença de manifestações comportamentais agressivas, 
incluindo condutas anti-sociais em adolescentes (furtos, agressividade gratuita contra 
terceiros, entre outros), associadas a correlatos emocionais como ansiedade, baixa auto-
estima, insegurança, medo e desamparo (Azevedo & Guerra, 1989 e 1995; Sanmartín, 2002; 
Linares, 2002;). 
Pesquisas internacionais e brasileiras também apontam que cerca de 50% das famílias 
com histórico de violência contra crianças e adolescentes contam apenas com a mãe como 
chefe de família. Parece haver consenso entre os pesquisadores da área: estressores sociais 
como desemprego, baixa-renda e má qualidade de vida, freqüentemente, aparecem associados 
à violência doméstica (Gonçalves, 2003, Deslandes, 1994; Azevedo & Guerra, 1989). 
Autores nacionais e internacionais concordam que a violência doméstica tende a se 
perpetuar por várias gerações dentro de uma família, estabelecendo-se um ciclo de 
transmissão de padrões de relacionamento violentos que pode atravessar várias gerações de 
 
 27
pais e filhos. Na história de vida do adulto que pratica violência existe, quase que 
invariavelmente, algum tipo de vivência de maus-tratos, porém, jamais se pode afirmar que 
uma vítima será um futuro agressor, embora possa vir a sê-lo (Gonçalves, 2003, Sanmartín, 
2002; Linares, 2002; Azevedo & Guerra, 1989, 1995). 
Se o primeiro grande paradoxo que envolve a violência intrafamiliar é o fato de a 
criança ser vitimizada na instituição social incumbida de educá-la e protegê-la, o segundo 
paradoxo é a constatação de que a violência doméstica contra crianças e adolescentes é ainda 
menos notificada pelos profissionais que, por força da lei (ECA, 1990) e da ética profissional, 
estariam obrigados a registrá-la. Azevedo e Guerra (1995) constataram, em pesquisas 
realizadas em São Paulo e Campinas, no início da década de 90, que as maiores fontes de 
denúncias são predominantemente vizinhos e/ou telefonemas anônimos e que os profissionais 
das instituições de saúde e de educação são as fontes menos freqüentes de notificação. 
Em duas pesquisas de nossa autoria (Vagostello, Oliveira, Silva, Moreno & Donofrio, 
2003, 2006), com a participação de 159 professores e diretores de escolas públicas e privadas, 
observamos um despreparo generalizado de profissionais da educação para lidar com 
suspeitas de maus-tratos domésticos. Nesses estudos constatamos que a denúncia aos órgãos 
competentes, como Conselhos Tutelares ou Varas de Infância e Juventude, é uma prática 
pouco comum entre esses profissionais, que tendem a abordar a violência intrafamiliar da 
mesma maneira pela qual resolvem os problemas pedagógicos, ou seja, por meio da 
convocação dos pais ou responsáveis para comparecimento na escola. 
 Gonçalves e Ferreira (2002) também observaram dificuldades entre alguns 
profissionais da saúde para notificar suspeitas de violência doméstica contra crianças e 
adolescentes. As autoras destacam fatores profissionais (despreparo para identificação de 
casos, temor da quebra de sigilo e ameaças recebidas pelo agressor), dificuldades estruturais 
(falta de estrutura para atuação dos Conselhos Tutelares) e barreiras familiares (manipulação 
 
 28
de informações para impedir a identificação de abusos) como obstáculos que interferem 
substancialmente na realização de denúncias por profissionais da área de saúde. 
 As autoras destacam, com pertinência, que a própria legislação prejudica e dificulta o 
seu cumprimento, pois, ao mesmo tempo em o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) 
obriga a denúncia por parte dos profissionais, ele não define objetivamente o que são maus-
tratos ou suspeita de maus-tratos. A imprecisão e falta de clareza desses conceitos deixam os 
profissionais à mercê de uma compreensão subjetiva (e muitas vezes equivocada) da violência 
doméstica. Gonçalves e Ferreira (2002) ressaltam, ainda, que a lei também não prevê a 
capacitação profissional dos membros dos Conselhos Tutelares, o que prejudica a realização 
de um trabalho integrado com as diferentes instituições de atendimento à criança e ao 
adolescente. 
 
A Violência Física ou Abuso Físico 
 
Conforme vimos anteriormente, a década de 60 representa o período de florescimento 
dos estudos sobre violência doméstica, embora existissem alguns estudos precedentes. Em 
1962, nos Estados Unidos, foi publicado um trabalho denominado “A Síndrome da Criança 
Espancada” (The Battered Child Syndrome), de Kempe, Silverman e Steele, que se tornou um 
estudo clássico sobre violência física contra crianças, citado por diferentes autores da área 
como Azevedo e Guerra (1995, 2001a) e Gonçalves (2003). 
Esse trabalho teve reconhecimento internacional e tornou-se referência para a 
definição de abuso físico, porque despertou a atenção dos profissionais da saúde para a 
presença de indicadores clínicos (fraturas, lesões, hematomas, entre outros) incompatíveis 
com as causas supostamente acidentais relatadas pela família 
 
 29
Azevedo e Guerra (1995) esclarecem que somente no final da década de 60 a violência 
física saiu do domínio médico e se tornou objeto de investigação das ciências humanas, o que 
permitiu a introdução de outros aspectos, como a intencionalidade do ato e a intensidade dos 
danos físicos, nas definições de violência física doméstica. A definição de Monteiro Filho e 
Phebo (1977, p.10 apud Gonçalves, 2003, p.146) ilustra essa tendência 
é o uso da força física de forma intencional, não acidental, ou atos de omissão 
intencionais, não acidentais, praticados por parte de pais ou responsáveis pela criança ou 
adolescente, com o objetivo de ferir, danificar ou destruir esta criança ou adolescente, 
deixando ou não marcas evidentes. 
A partir da década de 80, autores como Nowell (1989 apud Azevedo & Guerra, 2001a) 
ampliaram o conceito de violência física, redefinindo-o não mais em função da lesão, mas da 
dor. Desde então, considera-se agressão e violência qualquer punição física que provoque dor 
à criança, independentemente de produzir algum ferimento visível. 
Apoiadas em Nowell, Azevedo e Guerra (2001a, p.26) adotam

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