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GEOGRAFIA Capítulo 11 Questões ambientais52 As ações desses atores que podem ser consideradas propriamente políticas são aquelas que têm ligações com a comunidade, ou seja, com um campo de relações sociais que é comum a todos ou a alguns deles, considerando que cada geração deixa no meio as consequências de suas ações para as futuras gerações Na questão am biental, essa característica da política ganha destaque, uma vez que o meio ambiente e todos os seus elementos (atmosfera, águas, solos, biodiversidade etc.) devem ser considerados bens da humanidade A questão que se coloca é até onde o direito de proprie- dade privada (no caso de uma pessoa ou empresa) ou de soberania territorial (no caso do Estado) deve ser respeitado na relação entre os agentes e o meio geográfico. O governo brasileiro, que tem soberania sobre seu território, tem o direi to, por exemplo, de liberar a devastação da Amazônia para garantir o crescimento econômico do país em detrimento do restante da humanidade, que perderia a última grande floresta existente no planeta? Em contraposição a esse questionamento, pode-se afirmar que os países ricos, além de serem atualmente os principais responsáveis pelo impacto ambiental em questões como o aquecimento global, têm uma responsa- bilidade histórica muito maior em relação à degradação do meio ambiente como um todo. Grande parte do desenvolvi mento que tais países apresentam em nossos dias deve-se à devastação que promoveram. Assim, os dois principais conflitos atuais sobre as ques tões ambientais são: o conflito entre países ricos e países pobres e entre crescimento econômico e preservação ambiental. As principais propostas para negociar saídas satisfatórias giram em torno da criação de mecanismos (financeiros) compensatórios para os países em desenvol- vimento. A questão é definir o quanto os países merecem receber por preservarem seu meio ambiente e saber quais países devem pagar essa conta. Geopolítica ambiental No início do século XX, surgiram os primeiros acor dos internacionais relacionados à problemática ambiental. Todos tratavam da proteção de elementos do meio natu- ral, que eram considerados úteis à agricultura ou a outras atividades econômicas, entre elas a pesca. São os casos da preservação de algumas espécies de pássaros e da regulamentação do uso das águas de grandes rios Posteriormente, no período das guerras mundiais, a questão ficou dispersa, tendo sido retomada a partir da década de 1950, inicialmente com forte participação de cientistas e pessoas ligadas a atividades agrícolas ou extra tivistas. Na década de 1960, houve um grande crescimento do ambientalismo, juntamente aos questionamentos à guer ra do Vietnã, à corrida armamentista e às desigualdades de direitos entre homens, mulheres, brancos e negros. Em 1968, a Organização das Nações Unidas para a Educa- ção, Ciência e Cultura (Unesco) promoveu um grande encontro em Paris, no qual peritos discutiram os fundamentos científicos de um possível uso racional da biosfera. Essa conferência foi marcante na política ambiental por dois motivos: primei ro porque deu início à centralização da questão pela ONU, o que representou a elevação do tema a uma importância universal, e não mais apenas de pessoas ou empresas liga- das diretamente a certas atividades agrícolas ou extrativistas. Em segundo lugar, porque gerou uma visão de conjunto em relação à biosfera como um todo e não mais apenas sobre elementos específicos como rios ou zonas de pesca Essas duas tendências foram reafirmadas em 1972, quando a ONU realizou, em Estocolmo, a primeira grande conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente. A conferência de Estocolmo teve como principais resul- tados o reconhecimento, por parte dos governos, de que havia um problema em relação ao meio ambiente e de que deveriam ser tomadas atitudes para a sua solução; e a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), órgão da ONU que passou a se res- ponsabilizar pelas conferências, acordos e formação de comissões de pesquisa na área ambiental. Dessa reunião, saíram dois posicionamentos distintos entre crescimento econômico e preservação ambiental. Um grupo de países, em sua maioria ricos, se uniu em torno da tese que pregava o crescimento zero, pois acreditava que se fossem mantidos os padrões de desenvolvimento, crescimen- to populacional e consumo vistos até então, o planeta atingiria o seu limite em menos de um século, com total escassez de recursos naturais e degradação da qualidade ambiental. Para eles, a única saída seria impedir o crescimento para que a natureza tivesse tempo e mecanismos para restabelecer seu equilíbrio. Esse grupo ficou conhecido como zeristas. Um segundo grupo de países era favorável ao cresci- mento econômico como forma de promoção da melhoria da qualidade de vida dos pobres e miseráveis, indepen- dentemente do custo ambiental para isso. Eles usavam o argumento de que os problemas que atingem diretamente os seres humanos são mais relevantes que aqueles relacio- nados aos problemas ambientais. Participavam desse grupo grande parte dos países subdesenvolvidos, incluindo o Brasil, e fizeram forte oposição à proposta dos zeristas, alegando que ela condenaria os países pobres ao subdesenvolvimen- to. A esse grupo, deram o nome de desenvolvimentistas. No ano de 1987, foi assinado o Protocolo de Montreal, que propunha controlar o uso dos gases que enfraqueciam a camada de ozônio, em particular o CFC, obtendo relativo sucesso. Nesse ano também foi publicado o relatório “Nosso Futuro Comum”, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, vinculada à ONU, que foi impor tante por divulgar o conceito de desenvolvimento sustentável Em 1988, criou-se o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (da sigla em inglês, IPCC), órgão do Pnuma que passou a promover a reunião de centenas de pessoas do mundo todo para avaliar as condições do clima mundial e publicar relatórios sobre suas conclusões. Já em 1992, a ONU promoveu a segunda grande con- ferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, na cidade do Rio de Janeiro. Essa conferência ficou conheci- da como Rio-92 ou ECO-92. Diferentemente do encontro de Estocolmo, a conferência do Rio de Janeiro contou com mais de 170 países, incluindo os mais importantes política e economicamente, e foi realizada em um contexto no qual a questão ambiental já tinha um reconhecimento mais amplo na sociedade. A Rio-92 teve como principais resultados a criação da Agenda 21, da Convenção-Quadro sobre Mudan- ças Climáticas e da Convenção sobre Diversidade Biológica. F R E N T E 1 53 A Agenda 21 é um documento que procurou juntar os objetivos do desenvolvimento com os da preservação ambiental, ou seja, promover o de- senvolvimento sustentável. Esse documento não teve validade jurídica, foi apenas uma carta de orientações e esclarecimentos sobre como os governos e as ONGs deveriam agir. Além disso, teve a função de dividir, dentro da estrutura da ONU, os assuntos ambientais (entre oceanos, água, biodiversidade, clima etc ) Saiba mais As duas convenções citadas passaram a ser órgãos oficiais e permanentes da ONU para a discussão sobre a diver- sidade biológica (que inclui temas como o uso de organismos geneticamente modificados, a biossegurança, a segurança alimentar e as patentes sobre organismos vivos) e as mudanças climáticas centradas, principalmente, no aquecimento global Com o objetivo de promover a estabilização das emissões de gases estufa, a Convenção do Clima, em vigor desde 1994, reconheceu o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, ou seja, todos os países devem contribuir para diminuir as emissões, porém, aqueles que foram mais poluidores no passado devem diminuir mais e prioritariamente. Além disso, foi criado um novo órgão de monitoramento com reuniões anuais, a Conferência das Partes (COP). No ano de 2002, em Johannesburgo, África do Sul, foi realizada a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que ficou conhecidacomo Rio+10 Nela foram discutidas a redução da pobreza, proteção das condições do clima e da biodiversidade e a universalização do saneamento. Foi estipulada a meta de reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas com renda inferior a um dólar por dia, em estado de fome e sem acesso à água potável, o que ainda não foi atingido. A cidade do Rio de Janeiro voltou a sediar uma conferência ambiental em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que ficou conhecida como Rio+20. Nesse encontro, foi tratada a necessidade da criação de uma nova instituição no sistema das Nações Unidas, específica para temas ambientais, além do fortalecimento do Pnuma A economia também esteve no centro das discussões e propostas, com destaque para os conceitos de economia verde (que concilia o desenvolvimento econômico, a proteção ambiental e a inclusão social) e transição justa, que se refere a mudança nos modelos de produção, a fim de garantir direitos e oportunidades aos trabalhadores. Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) O IPCC (sigla do nome em inglês Intergovernmental Panel on Climate Change) foi criado em 1988 pelo Pnuma em associação com a Organização Meteorológica Mundial (OMM). O painel é composto por representantes indicados pelos governos dos mais de 190 países membros e tem como objetivo pesquisar as causas e os impactos socioambientais das mudanças climáticas, além de apontar possíveis encaminhamentos para solucioná-los e elaborar relatórios que servem de pauta para as negociações internacionais. São muitos os desafios para equacionar os problemas associados ao aquecimento global. O primeiro deles é a dife- rença dos papéis de cada país no seu agravamento, no encaminhamento de sua solução e no impacto que pode sofrer com o aumento da temperatura média do planeta Atualmente, os responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa são as maiores economias do mundo desenvolvido, como os Estados Unidos e os países da União Euro- peia, além dos países emergentes, como a China, o Brasil, a Índia e a África do Sul. Mundo: 20 países que mais emitem CO2 – 2016 0 4000000 6000000 8000000 M il t o n e la d a s 10000000 C h in a E st a d o s U n id o s Ín d ia R ú ss ia Ja p ã o A le m a n h a Ir ã C o r e ia d o S u l A rá b ia S a u d ita In d o n é si a C a n a d á M é xi co Á fr ic a d o S u l B ra si l R e in o U n id o A u st rá lia Tu rq u ia P o lô n ia Ta ilâ n d ia M a lá si a 2000000 Fonte: WORLD DATA BANK. World Development Indicators. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/EN.ATM.CO2E.KT?end=2016&start=2014&view=chart. Acesso em: 16 mar. 2021. Fig. 14 Em 2016 a China, sozinha, emitiu na atmosfera quase o dobro da quantidade de CO2 emitida pelos Estados Unidos no mesmo ano. Destaque também para os países do Oriente Médio presentes no ranking, responsáveis por produzir grande parte do petróleo consumido no mundo. GEOGRAFIA Capítulo 11 Questões ambientais54 Em teoria, os países tropicais devem sofrer mais com a escassez de chuvas e a elevação do nível do mar, no caso da queles localizados em ambientes litorâneos (sobretudo os países insulares e com extensas planícies litorâneas povoadas). Além disso, os países mais pobres têm menos recursos econômicos e técnicos para lidar com os problemas decorrentes do aquecimento global. Os Estados Unidos, a China e a União Europeia são os principais agentes nas negociações sobre mudanças climá ticas porque, além de serem grandes poluidores e, portanto, o tema os impacta diretamente, têm recursos financeiros e humanos para investir em desenvolvimento de novas tecnologias, menos poluentes, além da capacidade de financiar ações em outros países. Porém, os Estados Unidos jamais assumiram o protagonismo esperado de um país com tamanha relevância e, de modo geral, têm se negado a adotar uma política efetiva de redução de emissão de gases-estufa, assim como a China, que alega que sua emissão per capita é menor que a dos Estados Unidos. A exceção é a União Europeia, que lidera politicamente os compromissos de redução das emissões, com destaque para Alemanha, e que tem auxiliado os países mais pobres neste processo Conferência das Partes (COP) A COP é o principal órgão da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e, anual- mente, reúne os países em conferências mundiais. Seu objetivo central é implementar a Convenção-Quadro. Algumas COPs, como a de 1997, tiveram mais destaque em razão das decisões tomadas e do posicionamento de países-chave para a efetivação da redução dos gases-estufa. Linha do tempo de realização das COPs 19961995 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 20072006 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 20192018 Berlim Kyoto Genebra Bali Copenhague Durban Varsóvia Paris Bonn Madri Posnânia Cancún Doha Lima Marrakech Katowice Buenos Aires Haia Nova Délhi Buenos Aires Nairóbi Bonn Marrakech Milão Montreal Fig. 15 A COP 26, prevista para ocorrer em Glasgow, na Escócia, no segundo semestre de 2020, foi adiada para novembro de 2021 em função da pandemia de Covid-19. Das conferências específicas sobre aquecimento global, resultou a proposta do Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, na cidade japonesa que lhe dá o nome. Esse acordo ganhou destaque na imprensa internacional por ser, provavel mente, um dos mais ambiciosos em termos políticos e, ao mesmo tempo, limitado em termos de eficiência no combate ao problema que pretende resolver. O Protocolo de Kyoto é amparado no conceito “responsabilidade comum, porém diferenciada”, que estabeleceu dois grupos de países: aqueles que têm de diminuir suas emissões de gases-estufa em 5% em relação ao que emitiam em 1990 (países listados no chamado Anexo 1) e os que se comprometeram em buscar maior eficiência energética e estratégias de “desenvolvimento limpo” (contando também com repasse de tecnologia dos países mais desenvolvidos). O único país que não ratificou o protocolo foi os Estados Unidos, porém, como o país é responsável por aproximada- mente um terço das emissões totais desses gases, sua ausência foi considerada um dos maiores limites do acordo. Outro problema é que os países em desenvolvimento, como a Índia, o Brasil e a China, não tiveram que se comprometer com o controle dos gases. O terceiro problema é que o limite de 5% passou a ser considerado insuficiente para o controle do aquecimento global. Devido a tantas divergências e novas negociações o protocolo entrou em vigor apenas em 2005.
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