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As cantigas trovadorescas
As cantigas trovadorescas são tradicionalmente divididas entre líricas – classificadas como cantigas de amor e de amigo –
e satíricas – subdivididas em cantigas de escárnio e de maldizer. Vejamos, a seguir, as características de cada uma delas.
Fig. 2 Cena da Piazza del Duomo, em Florença, durante uma festividade da nobreza.
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Cantigas líricas
Cantigas de amor
y Vassalo trovador: o eu lírico é masculino.
y Vassalagem amorosa: o amor declarado é servil e
respeitoso.
y O amor cortês (declaração à mulher amada): a mia se-
nhor é superior, virtuosa, casta e adorada como uma
santa.
y Coita de amor: o amor medieval é sinônimo de sofri-
mento e sujeição; há a consciência de que ele nunca
será correspondido fisicamente. O eu lírico sofre.
y O ambiente é palaciano.
y A linguagem é mais elaborada.
Atenção
Observe a cantiga do trovador palaciano Diogo Brandão,
escrita em um período tardio do Trovadorismo em Portugal:
empre m’a fortuna deu
tristezas com que não posso
des que deixei de ser meu
polo ser de todo vosso.
Que depois que vos servi
com tal firmeza, senhora,
nunca de vós até’gora
nenhum bem já recebi.
Des então padeci eu
mil males com que não posso
porque deixei de ser meu
polo ser de todo vosso.
BRANDÃO, Diogo. “Outra sua”. In: História e antologia da
literatura portuguesa: século XVI. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1999. p. 37.
Cantigas de amigo
y O eu lírico é feminino, geralmente uma camponesa.
y Há a presença de interlocução: o eu lírico dirige-se
ao amante nobre (o amigo) ou a um confidente (suas
companheiras, sua mãe ou mesmo a natureza).
y O poema apresenta, supostamente, a perspectiva da
mulher sobre a relação amorosa, sobretudo reclaman-
do da ausência do amado.
y As cantigas são próprias para serem acompanhadas
por danças, pois têm uma linguagem mais simples
que a de cantigas amor e de mais fácil memorização,
com ritmo mais rápido e com a presença de refrãos.
y O ambiente é campestre, idílico.
y A linguagem é mais simples, com a presença de para-
lelismo e refrão.
O meu amigo que mi dizia
que nunca mais migo viveria,
par Deus, donas, aqui é ja
Que muito m’el avia jurado
que me non visse mais, a Deus grado,
par Deus, donas, aqui é ja
O que jurava que me non visse
por non seer todo quant’el disse,
par Deus, donas, aqui é ja
Melhor o fezo ca o non disse:
par Deus, donas, aqui é ja
TAVEIRÓS, Paio Soares de. In: História e antologia
da literatura portuguesa: séculos XIII-XIV. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 10.
m’a: minha; des: desde; polo: para; mi: me; migo: comigo; par: por;
m’el avia jurado: ele havia me jurado; non: não; seer: ser;
quant’el: quanto
LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Trovadorismo, Humanismo e Classicismo: as origens da Literatura em Língua Portuguesa230
O amor cortês
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Fig. 3 Autor desconhecido, A oferta do coração, 1400-10, tapeçaria, Museu do
Louvre, Paris, França. Tapeçaria francesa que tematiza o amor cortês.
Apesar dos diferentes tipos de cantigas e variados
modos de trovar, o amor cortês é, sem dúvida, a principal
temática da poesia trovadoresca. No tratado poético de Gaia
Sevencia, prescreve-se que essa temática só deve ser em-
pregada pelo sujeito que realmente sente um amor intenso.
O seu vocabulário amoroso é todo extraído do servi
ço de vassalagem feudal: “mia senhor”, “midone”, “servir”
(amar), “fidelidade” (relação de poderio). Além disso, deter-
mina-se um conjunto de regras e configura-se que o amor
cortês precisa respeitar uma série de graus de proximidade
entre o trovador e a sua amada.
Nas cantigas de amor, a mulher amada em geral é uma
senhora casada, socialmente reconhecida e dotada de ex-
trema beleza (perfeição). Assim, ela não precisa do amor do
trovador – é ele quem não pode viver sem amá-la. Nessas
cantigas, quem ama vive em sofrimento e está sempre em
estado de espera, enquanto o ser amado é uma entidade
quase divina, merecedora de adoração; por essa razão, tal
amor nunca se concretiza. Portanto, o mais importante no amor
cortês seria cantá-lo e suspirar por causa dele.
Cantigas satíricas
Cantigas de escárnio
y O eu lírico critica determinadas pessoas ou um grupo
social de forma sutil, sem identificá-los.
y Há o uso de palavras ambíguas e ironias para de-
nunciar tanto atos corriqueiros (como uma bebedeira
exagerada) quanto problemas sociais (a avareza do
senhor feudal, por exemplo).
Quantos mal ham, se quere[m] guarecer,
se x’agora per eles nom ficar,
venham este maestre bem pagar,
e Deus’los pode mui bem guarecer;
ca nunca tam mal doent’home achou
nem tam perdudo, des que el chegou,
se lh’algo deu, que nom fosse catar.
Quiçá non’o pod’assi guarecer,
que este poder nom lho quis Deus dar,
[j]á quem nom sabe o que possa saar
o doente, meos de guarecer;
mais perguntar-lh’-á de que enfermou,
como maestr’; e, se o bem pagou,
nom leix’a guarir, polo el preguntar.
Ca vos nom pod’el assi guarecer
o doente, meos de terminhar;
mais, pois esto for, se quis[er] filhar
seu conselho, pode bem guarecer:
se se bem guardar, poilo el catou,
bem guar[i]rá do mal, ca terminhou;
e diz o maestre: – Se lhi nom tornar.
Ca o doente, de que el pensou
por um gram tempo, se mui bem saou
[e] se mal nom houver, [já] pod’andar.
VINHAL, Gonçalo Anes do. “Quantos mal ham, se quere guarecer”.
In: Cantigas trovadorescas: seleção de cantigas [livro eletrônico]. São Paulo:
Melhoramentos, 2014. p. 82-3. (Clássicos Melhoramentos)
Cantigas de maldizer
y O eu lírico satiriza sem polidez, e o seu alvo geralmen-
te é bem definido, ou seja, as pessoas que sofrem a
crítica são identificadas no texto.
y Há o emprego de um vocabulário virulento e grossei-
ro, pois não há pudores ao denunciar nomes e fatos.
Foy un dia Lobo Jogral
a cas d’un infançon cantar
e mandou-lhe ele por don
dar três couces na garganta,
e foy-lh’escass’, a meu cuydar,
segundo como el canta.
Escasso foy o infançon,
en seus couces partir enton
ca non deu a Lopo enton
mays de três e na garganta
e mais merece el jogralon,
segundo como el canta.
SOAREZ, Martin. In: BERNARDI, Francisco. As bases da literatura brasileira:
história, autores, textos e testes. Porto Alegre: Age, 1999. p. 44.
As cantigas do período medieval eram produzidas na chamada “me-
dida velha” – redondilhas maiores (sete sílabas) e menores (cinco
sílabas) –, o que favorecia a sua musicalidade.
Atenção
vituperar: afrontar, insultar, repreender; guarecer: curar-se; se x’agora per eles nom ficar: se não puderem fazer mais nada; maestre: mestre (médico);
ca: pois; mal: gravemente; perdudo: perdido; catar: observar, examinar; saar: sarar; meos de guarecer: a menos que se cure; nom leix’a guarir: não
deixará de se curar; meos de terminhar: a menos que recupere (a consciência); filhar: aceitar; catou: viu, olhou; se lhi nom tornar: se não tiver uma
recaída; pensou: tratou, cuidou; Lobo: nome de um; conhecido artista de jogral à época; artista “de elite”, geralmente contratado para alegrar festas
de nobres e príncipes; cas: casa; infançon: infante, príncipe.
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Novelas de cavalaria – a prosa
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Fig. 4 Detalhe de uma miniatura de Severino profetizando para Odoacer e lutando,
1837, Paris, França.
As novelas de cavalaria são narrativas místicas que re-
tratam as aventuras de um dado cavaleiro medieval visto
como ideal: temente a Deus, honrado, casto e completa-
mente dedicado a seu suserano.
Entre as novelas mais conhecidas,há a famosa série de
contos, originada na Bretanha, sobre a lenda do Rei Artur e
os cavaleiros da távola redonda, denominada A demanda
do Santo Graal.
Nesses contos, Artur, o lendário rei bretão, teria reunido
seus destemidos cavaleiros ao redor da távola redonda
(grande mesa de pedra) para incumbi-los de uma santa
missão: encontrar o cálice sagrado (o Santo Graal) com o
qual José de Arimateia teria recolhido o sangue de Cristo
depois da crucificação. Esse cálice teria poderes mágicos
e seria capaz de resolver os problemas do reino.
Destemidos, os cavaleiros partiram pelo mundo e enfren-
taram grandes desafios na busca do cálice sagrado. Entre
os cavaleiros, destacaram-se Lancelote, Percival e Galaaz.
A seguir, temos um fragmento da novela, o qual retrata
o momento em que os caminhos de Lancelote e Galaaz se
cruzam pela primeira vez.
Quando eles chegarom aa abadia, levarom Lançarot pera ũ
a camara e desarmarom-no. E veo a ele a abadessa com quatro
donas, e adusse consigo Galaaz. Tam fremosa cousa era mara-
vilha era! E andava tam bem vestido que nom podia milhor. E
a abadessa chorava muito com prazer tanto que viu Lançarot
e disse-lhe:
— Senhor, por Deus, fazede vós nosso novel cavaleiro
ca nom queríamos que seja cavaleiro per mão doutro, ca
milhor cavaleiro ca vós nom no pode fazer cavaleiro.
Ca bem creemos que ainda seja tam bõõ que vos acharedes
ende bem e que será vossa honra de o fazerdes. E se vos el
ende nom rogasse vó-lo devíades de fazer ca bem sabedes
que é vosso filho.
— Galaaz, disse Lançalot, queredes vós seer cavaleiro?
El respondeo baldosamente:
— Senhor, se prouvesse a vós, bem no queria seer, ca nom
há cousa no mundo que tanto deseje como honra de cavalaria
e seer da vossa mão, ca d’outro nom no queria seer, que tanto
vos ouço louvar e preçar de cavala [1, d] ria que niũũ, a meu
cuidar, nom podia seer covardo nem mao quem vós fezéssedes
cavaleiro. E esto é ũa das cousas do mundo que me dá maior
esperança de seer homem bõõ e bõõ cavaleiro.
— Filho Galaaz, disse Lançalot, estranhamente vos fez
Deus fremosa creatura. Par Deus, se vós nom cuidades seer bõõ
homem ou bõõ cavaleiro, assi Deus me conselhe, sobejo seria
gram dano e gram mala ventura de nom seerdes bõõ cavaleiro
ca sobejo sodes fremoso.
E ele disse:
— Se me Deus feze assi fremoso, dar-mi-á bondade, se
lhe prouver. Ca em outra guisa valeria pouco. E ele querrá que
serei bõõ e cousa que semelhe minha linhagem e aqueles onde
eu venho. E metuda hei minha esperança em Nosso Senhor. E
por esto vos rogo que me façades cavaleiro.
E Lançalot respondeo:
— Filho, pois vos praz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso
Senhor, assi como a ele aprouver e o poderá fazer, vos faça
tam bõõ cavaleiro como sodes fremoso.
E o irmitam respondeo a esto:
— Dom Lançalot, nom hajades dulda de Galaaz, ca eu
vos digo que de bondade de cavalaria os milhores cavaleiros
do mundo passará.
E Lançalot respondeo:
— Deus o faça assi como eu queria.
Entam começarom todos a chorar com prazer, quantos
no lugar estavam.
A demanda do Santo Graal. 2. ed. rev. Lisboa:
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2005. p. 20-1.
Uma novela de cavalaria própria da Península Ibérica é
Amadis de Gaula, de 1508. Há, inclusive, pesquisadores
que defendem que ela teria sido escrita originalmente em
galego-português. Nela, a personagem Amadis é o cava-
leiro amante ideal, que desenvolve de forma ímpar o amor
cortês. Ele apresenta uma dedicação constante e obsessiva
pela amada Oriana, a fim de lhe conseguir os favores. Suas
aventuras giram em torno do contraste entre o amor cortês
que ele deve demonstrar e as constantes interpelações
do “grande e mortal desejo” que lhe atormentam a alma.
Humanismo: a primeira mudança de
paradigma na literatura portuguesa
O Humanismo é a corrente artística e filosófica que marca
a transição entre a arte medieval e a arte renascentista e, como
seu nome indica, remete ao que é próprio do pensamento
humanista. Reflexo da queda da visão teocêntrica (Deus no
centro de tudo) e, consequentemente, dos primeiros sinais
da visão antropocêntrica (ser humano no centro de tudo),
a literatura humanista está ligada ao desenvolvimento dos
burgos (as cidades) e ao fortalecimento da classe burguesa
(os comerciantes).
Os burgueses de Portugal empreendiam viagens pelo
Mar Mediterrâneo em busca de novas mercadorias. Disso, de-
corria o contato com outros povos e culturas, o que fomentou

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