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LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Trovadorismo, Humanismo e Classicismo: as origens da Literatura em Língua Portuguesa244 de aço no possante ginete, trazendo a cabeça coberta com uma capelina coruscante e na mão um venáculo de guerra. — Ora me valha aqui minha senhora Oriana! – rezou Amadis no íntimo do coração. E mestre Elisabat ouvira, desde a galera ancorada, o es- trupido da batalha, que atemorizava os ecos. Enfim rôto dos golpes se abatera por terra o gigante Madarque e, vencido e repêso, prometera ao vencedor abraçar a lei de Cristo. Então libertara Amadis dos cárceres do castelo os cativos que nelas penavam – e agora bemdiziam o salvador! VIEIRA, Affonso Lopes. O romance de Amadis: composto sobre o Amadis de Gaula, de Lobeira. Lisboa: Sociedade Editora Portugal-Brasil, 1922. p. 178-9. 4 Como os demais heróis das novelas medievais, Amadis de Gaula era descrito como um jovem belíssimo e incri- velmente hábil ao empunhar a espada. Os vilões que o enfrentaram, por sua vez, eram o oposto disso. Aponte as características de Madarque e identifique a função delas. 5 Apesar de ser uma cena de batalha, é possível vislum- brar nesse trecho um elemento do amor cortês, pelo qual Amadis de Gaula se distingue. Que elemento é esse? Leia atentamente os poemas a seguir para responder às questões 6 e 7. Soneto O sol é grande: caem coa calma as aves, do tempo em tal sazão, que sói ser fria; esta água que d’alto cai acordar-m’ia do sono não, mas de cuidados graves. Ó cousas, todas vãs, todas mudaves, qual é tal coração qu’em vós confia? passam os tempos vai dia trás dia, incertos muito mais que ao vento as naves. Eu vira já aqui sombras, vira flores, vi tantas águas, vi tanta verdura, as aves todas cantavam d’amores Tudo é seco e mudo; e, de mistura, também mudando-me eu fiz doutras cores: e tudo o mais renova: isto é sem cura! SÁ DE MIRANDA, Francisco de. “Soneto”. In: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através de seus textos. 29. ed. São Paulo: Cultrix, 2010. p. 109-10. Trova Comigo me desavim, Sou posto em todo perigo; Não posso viver comigo Nem posso fugir de mim. Com dor, da gente fugia, Antes que esta assim crescesse; Agora já fugiria De mim, se de mim pudesse. Que meio espero ou que fim Do vão trabalho que sigo, Pois que trago a mim comigo Tamanho imigo de mim? SÁ DE MIRANDA, Francisco de. “Trova”. In: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 29 ed. São Paulo: Cultrix, 2010. p. 109. desavim: pôr(-se) em desavença; brigar. imigo: inimigo. Os dois textos apresentados são poemas bastante co- nhecidos de Sá de Miranda. 6 Faça a escanção (contagem de sílabas poéticas) dos dois primeiros versos de cada um dos poemas. Identifique o esquema de rimas, a que medida cada um deles perten- ce e qual é o tipo de fórmula poética que cada um utiliza. 7 Analise a temática de cada um dos poemas. F R E N T E 2 245 Exercícios propostos 1 EsPCEx 2013 É correto afirmar sobre o Trovadorismo que A os poemas são produzidos para ser encenados. b as cantigas de escárnio e maldizer têm temáticas amorosas. nas cantigas de amigo, o eu lírico é sempre feminino. D as cantigas de amigo têm estrutura poética compli- cada. E as cantigas de amor são de origem nitidamente po- pular. 2 Mackenzie 2017 (Adapt.) Ondas do mar de Vigo Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo? e ai Deus, se verrá cedo? Ondas do mar levado, se vistes meu amado? e ai Deus, se verrá cedo? Se vistes meu amigo, o por que eu sospiro? e ai Deus, se verrá cedo? Se vistes meu amado, o por que hei gram coidado? e ai Deus, se verrá cedo? Martim Codax verrá: virá. Pode-se armar que pertence ao mesmo tipo de poe- ma trovadoresco de “Ondas do mar de Vigo” APENAS a alternativa: A Dona fea, nunca vos eu loei/en meu trobar, pero muito trobei;/mais ora já un bon cantar farei,/en que vos loarei toda via;/e direi-vos como vos loarei:/ dona fea, velha e sandia! (Joan Garcia de Guilhade) b Quer’eu en maneira provençal/fazer agora un can- tar d’amor/e querrei muit’i loar mia senhor, a que prez nem fremusura non fal,/nem bondade, e mais vos direi en: tanto fez Deus comprida de ben/que mais que todas las do mundo val. (D. Dinis) A melhor dona que eu nunca vi,/per bõa fé, nem que oí dizer,/ e a que Deus fez melhor parecer,/mia senhor est, e senhor das que vi,/ de mui bom preço e de mui bom sem,/per bõa fé, e de tod’outro bem, de quant’eu nunca doutra dona oí. (Fernão Garcia Esgaravunha) D Quantos ham gram coita d’amor/eno mundo, qual hoj’eu hei,/ queriam morrer, eu o sei,/e haveriam en sabor;/mais, mentr’eu vos vir, mia senhor,/sempre m’eu querria viver/ e atender e atender. (João Gar- cia de Guilhade) E Que coita tamanha ei a sofrer,/por amar amigu’e non o ver!/E pousarei sô lo avelanal. (Nuno Fernan- des Torneol) 3 Como grande amante das artes e das letras, escreveu cantigas líricas, como as , caracterizadas por ter uma feição mais popular do que das , tidas como mais ela- boradas e eruditas. Nessas cantigas, o trovador apresenta a perspectiva da mulher sobre a relação amorosa, sobretudo reclamando da ausência do . A alternativa que completa corretamente os espaços no parágrafo anterior é: A “D. João”, “cantigas de amigo”, “cantigas de escár- nio”, “amigo”. b “D. João”, “cantigas de amor”, “cantigas de amigo”, “amante”. “D. Dinis”, “cantigas de amigo”, “cantigas de maldi- zer”, “amante”. D “D. Dinis”, “cantigas de amigo”, “cantigas de amor”, “amado”. Observe a seguinte cantiga para responder às ques- tões 4 e 5. Ai dona fea, fostes-vos queixar que vos nunca louv’en’[o] meu cantar; mais ora quero fazer um cantar em que vos loarei todavia; e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia! Dona fea, se Deus mi pardom, pois havedes [a]tam gram coraçom que vos eu loe, em esta razom vos quero já loar todavia; e vedes qual será a loaçom: dona fea, velha e sandia! Dona fea, nunca vos eu loei em meu trobar, pero muito trobei; mais ora já um bom cantar farei em que vos loarei todavia; e direi-vos como vos loarei: dona fea, velha e sandia! GUILHADE, João Garcia de. In: Cantigas trovadorescas: seleção de cantigas [livro eletrônico]. São Paulo: Melhoramentos, 2014. p. 87. (Clássicos Melhoramentos) mais: mas; loarei: louvarei; sandia: louca; havedes: tendes; coraçom: vontade; razom: razão (assunto de uma cantiga e a maneira de abordá-lo); pero: ainda que. LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Trovadorismo, Humanismo e Classicismo: as origens da Literatura em Língua Portuguesa246 4 Essa cantiga de vitupério, composta por João Garcia de Guilhade, é uma das mais conhecidas do Trovadorismo português. Nela, faz-se uma paródia das cantigas de louvor: o trovador, divertidamente, louva à sua maneira uma dama que se queixa de nunca ter sido tema de uma cantiga. Identifique dois aspectos das cantigas de louvor que são parodiados por essa cantiga de vitupério. 5 Embora haja semelhança quanto ao assunto, as canti- gas satíricas diferem entre si pela forma como fazem a crítica. No caso da cantiga de João Garcia de Gui- lhade, podemos classificá-la como uma cantiga de maldizer, como aponta o título, porque: A satiriza o seu alvo empregando uma linguagem ofensiva, apesar de não o nomear. b critica seu alvo de forma sutil, sem identificá-lo. usa palavras sóbrias e elegantes para denunciar atos corriqueiros da pessoa atacada. D ridiculariza o comportamento de uma dama que se sentiu ofendida por ter sido assediada pelo trovador. 6 Considere as seguintes afirmações sobre as cantigas medievais: I. Nas cantigas de maldizer, existe o emprego de um vocabulário virulento e grosseiro e não há pu- dores ao denunciar nomes e fatos. II. Nas cantigas de escárnio, o eu lírico satiriza sem po- lidez, e o seu alvo é sempre bem definido, ou seja, as pessoas criticadas são identificadas no texto. III. Nas cantigas de escárnio, há o uso de palavras ambíguas para denunciar atos corriqueiros (como uma bebedeira exagerada) ou problemas sociais (a avareza do senhor feudal, por exemplo). Está correto o que se arma em:A I. b I e II. III. D I e III. As questões de números 7 a 9 tomam por base uma cantiga do trovador galego Airas Nunes, de Santiago (século XIII), e o poema “Confessor medieval”, de Ce- cília Meireles (1901-1964). Cantiga Bailemos nós já todas três, ai amigas, So aquestas avelaneiras frolidas, E quem for velida, como nós, velidas, Se amigo amar, So aquestas avelaneiras frolidas Verrá bailar. Bailemos nós já todas três, ai irmanas, So aqueste ramo destas avelanas, E quem for louçana, como nós, louçanas Se amigo amar, So aqueste ramo destas avelanas Verrá bailar. Por Deus, ai amigas, mentr’al non fazemos, So aqueste ramo frolido bailemos, E quem bem parecer, como nós parecemos Se amigo amar, So aqueste ramo so lo que bailemos Verrá bailar. AIRAS NUNES, de Santiago. In: SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa – I. Era Medieval. 2.ª ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966. Confessor Medieval Irias à bailia com teu amigo, Se ele não te dera saia de sirgo? Se te dera apenas um anel de vidro Irias com ele por sombra e perigo? Irias à bailia sem teu amigo, Se ele não pudesse ir bailar contigo? Irias com ele se te houvessem dito Que o amigo que amavas é teu inimigo? Sem a flor no peito, sem saia de sirgo, Irias sem ele, e sem anel de vidro? Irias à bailia, já sem teu amigo, E sem nenhum suspiro? MEIRELES, Cecília. Poesias completas de Cecília Meireles v. 8. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. frolidas: floridas; velida: formosa; aquestas: estas; irmanas: irmãs; aqueste: este; louçana: formosa; verrá: virá; avelanas: avelaneiras; mentr’al: enquanto outras coisas; bem parecer: tiver belo aspecto. sirgo: seda. 7 Unesp Tanto na cantiga como no poema de Cecília Meireles verificam-se diferentes personagens: um eu- -poemático, que assume a palavra, e um interlocutor ou interlocutores a quem se dirige. Com base nesta informação, releia os dois poemas e a seguir: a) indique o interlocutor ou interlocutores do eu- -poemático em cada um dos textos. ) identifique, em cada poema, com base na flexão dos verbos, a pessoa gramatical utilizada pelo eu-poemático para dirigir-se ao interlocutor ou interlocutores. 8 Unesp A leitura da cantiga de Airas Nunes e do poe- ma “Confessor Medieval”, de Cecília Meireles, revela que este poema, mesmo tendo sido escrito por uma poeta modernista, apresenta intencionalmente algu- mas características da poesia trovadoresca, como o tipo de verso e a construção baseada na repetição e no paralelismo. Releia com atenção os dois textos e, em seguida estabeleça as identidades que há en- tre o terceiro verso da cantiga de Airas Nunes e o terceiro verso do poema de Cecília Meireles no que diz respeito ao número de sílabas e às posições dos acentos.