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Literatura Portuguesa I Lilian Toyota AULA 02 – TROVADORISMO (1198 – 1418) Linha do tempo da literatura portuguesa O trovadorismo: a poesia em sua forma popular O trovadorismo português foi um movimento literário bastante popular na época em que Portugal conquistou sua independência, ainda que sob o regime de uma coroa. De acordo com Massaud Moisés (2003), após um longo período de guerras, o povo mergulhou em um clima de satisfação, tranquilidade e ociosidade, o que popularizou os movimentos artísticos da época, dentro os quais a poesia era o mais popular. A poesia era declamada ou cantada pelos trovadores, ora acompanhada de instrumentos musicais, ora não. Sendo a poesia portuguesa oriunda de um movimento popular, é notório que, quando escrita, o poeta ou trovador utilizava-se do idioma galego-português, que era a língua popular, enquanto que o latim era reservado aos eruditos, aos nobres e aos representantes do clero. A poesia portuguesa, naturalmente, recebeu notável influência das diferentes culturas dos povos que a habitaram durante séculos de invasões estrangeiras, e seus invasores foram especialmente os artistas nômades oriundos de Provença (sul da França). Provença foi palco de grande efervescência lírica devido às regalias oferecidas aos artistas que divertiam os grandes senhores de terras com suas apresentações artísticas. “Aquela região medieval da França torna-se, no século XI, um grande centro de atividade líricas, a mercê das condições de luxo e fausto oferecida aos artistas pelos senhores feudais. As Cruzadas, compelindo os fiéis a procurar Lisboa como porto mais próximo para embarcar com destino a Jerusalém, propiciaram a movimentação de uma grande variedade humana. Essas pessoas entravam pelo chamado “caminho francês”, aberto nos Pirineus, e introduziram em Portugal a nova forma poética” (2003, p. 19). Apesar das justificativas interessantes, Massaud Moisés destaca também as quatro outras teses possíveis para a influência lírica adotada pelos artistas portugueses da Idade Média, para que possamos ter um olhar mais abrangente sobre as diferentes possibilidades. E, é com este olhar abrangente que devemos seguir, não apenas nos estudos do trovadorismo português, mas da literatura como um todo, evitando dogmas e senso comum. Origem da poesia trovadoresca: Massaud Moisés destaca as seguintes teses para a poesia trovadoresca: 1) Tese Arábica: defende que a poesia trovadoresca surgiu da raiz da cultura árabe, uma vez que estes povos se estabeleceram na península por cerca de 8 ou 9 séculos; 2) Tese Folclórica: defende que a poesia trovadoresca foi uma manifestação literária “espontânea” do povo; 3) Tese médio-latinista: baseia-se na origem da poesia trovadoresca a partir da literatura latina produzida na Idade Média; 4) Tese Litúrgica: Considera a poesia trovadoresca como fruto litúrgico-cristão da época; Segundo Moisés (2003), “nenhuma delas é suficiente, per se, para resolver o problema, tal a sua unilateralidade. Temos que apelar para todas, ecleticamente, a fim de abarcar a multidão de aspectos contrastantes apresentada pela primeira floração da poesia medieval.” Baseando-nos em estudos deste autor, podemos afirmar que a poesia portuguesa inicia-se com a “cantiga de guarvaia” ou “Ribeirinha” de autoria do poeta Paio Soares de Taveirós, e dedicada a Maria Pais Ribeiro (Ribeirinha), amante de D. Sancho I, rei de Portugal entre 1185 e 1211. Massaud Moisés (2003), destaca que “a poesia trovadoresca exige do leitor de nossos dias um esforço de adaptação e um conhecimento adequado das condições históricas em que a mesma se desenvolveu, sob pena de tornar-se insensível à beleza e à pureza natural que marcam essa poesia.” Ribeirinha - Paio Soares Taveirós No mundo non me sei pareiha, Mentre me for como me vai, Ca já moiro por vós – e ai! Mia senhor branca e vermelha, Queredes que vos retraia Quando vos eu vi em saia! Mau dia me levantei, Que vos enton non vi fea! E, mia senhor, dês aquel di’, ai! Me foi a mim mui mal, E vós, filha de don Paai ◦ Moniz, e bem vos semelha D’haver eu por vós guarvaia, Pois, eu, mia senhor, d’alfaia Nunca de vós houve nen hei Valia d’ua Correa. No mundo não conheço quem se compare A mim enquanto eu viver como vivo, Pois eu morro por vós – ai! Pálida senhora de face rosada, Quereis que eu vos retrate Quando eu vos vi sem manto! Infeliz o dia em que acordei, Que então eu vos vi linda! E, minha senhora, desde aquele dia, ai! As coisas ficaram mal para mim, E vós, filha de Dom Paio Moniz, tendes a impressão de Que eu possuo roupa luxuosa para vós, Pois, eu, minha senhora, de presente Nunca tive de vós nem terei O mimo de uma correia. (Paio Soares de Taveirós) João Soares de Paiva Entre os principais trovadores, devemos citar: João Soares Paiva, Paio Soares de Taveirós e Dom Dinis (que deixou cerca de 140 cantigas líricas e satíricas). João Soares de Paiva (Pávia), O Trovador ou O Freire, nasceu em 1140 e faleceu por volta de 1195. Foi um poeta/trovador português e nobre, muitas vezes reconhecido como o primeiro autor literário em língua galego-portuguesa. Paio Soares Taveirós Paio Soares Taveiroos (ou Taveirós) foi um trovador da primeira metade do século XII, oriundo da pequena nobreza galega. Autor da célebre Cantiga da Garvaia, que foi durante muito tempo considerada a primeira obra poética em língua galaico-portuguesa. É uma cantiga de amor plena de ironia, e por isso atualmente é considerada por diversos autores como uma cantiga satírica. D. Dinis e Martín Codax D. Dinis I, foi rei de Portugal e Algarve de 1279 a 1325, chamado de O Lavrador ou O Poeta. Filho mais velho do rei Afonso III e sua segunda esposa Beatriz de Castela. Em 1282, D. Dinis desposou Isabel de Aragão, que ficaria conhecida como Rainha Santa. Martín Codax (meados do século XIII - início do XIV) foi um jogral (artista itinerante de origem popular, típico da Idade Média) galego. Acredita-se que seja oriundo do sul da Galiza, de Vigo, uma vez que, em seus poemas, há numerosas referências a esta cidade. Para Massaud Moisés, “duas espécies especiais apresentava a poesia trovadoresca: a lírica-amorosa e a satírica. A primeira divide-se em cantiga de amor e cantiga de amigo; a segunda, em cantiga de escárnio e cantiga de maldizer” (2003, p. 20). Na cantiga de amor, o poeta/trovador revela sua dolorosa angústia por seu amor não correspondido. O eu-lírico sofre e transborda seu amor transcendente e idealizado. Nele não há espaço para o erotismo. Cantiga de Amor - Pero Garcia Burgalês: ◦ Ai eu coitad! E por que vi ◦ a dona que por meu mal vi! ◦ Ca Deus lo sabe, poila vi, ◦ nunca já mais prazer ar vi; ◦ ca de quantas donas eu vi, ◦ tam bõa dona nunca vi. ◦ Tam comprida de todo bem, ◦ per boa fer boa fé, esto sei bem, se Nostro Senhor me dê bem dela! Que eu quero gram bem, per boa fé, nom por meu bem! ◦ Ca pero que lh’eu quero bem, ◦ non sabe ca lhe quero bem. ◦ Ca lho nego pola veer, ◦ pero nona posso veer! ◦ Mais Deus, que mi... ◦ Mais Deus, que mi a fezo veer, ◦ rogu’eu que mi a faça veer; ◦ e se mi a non fazer veer. ◦ Sei bem que non posso veer ◦ prazer nunca sem a veer. ◦ Ca lhe quero melhor ca mim, ◦ pero non o sabe per mim, ◦ a que eu vi por mal de mi[m]. ◦ ◦ Nem outre já, mentr’ eu o sem ◦ houver; mais s perder o sem, ◦ dire[i]-o com mingua de sem; ◦ Ca vedes que ouço dizer ◦ que mingua de sem faz dizer ◦ a home o que non quer dizer!... Cantigas de amigo: A cantiga de amigo não tem o mesmo sentido do que hoje entendemos por amizade. O trovador assume um outro eu-lírico, ou seja, coloca-se no papel da mulher que, ingênua, canta o sofrimento de amar e não ser correspondida ou de ter sido abandonada. Esta assume uma característica mais narrativa e descritiva que a cantiga de amor. Vejamos um exemplo: Cantiga de amigo – Julião Bolseiro Ai mia senhor! tod'o bem mi a mi fal, mais nom mi fal gram coita, nem cuidar, des que vos vi, nem mi fal gram pesar; mais nom mi valha O que pod'eval, se hoj'eu sei onde mi venha bem, ai mia senhor, se mi de vós nom vem! Nom mi fal coita, nem vejo prazer, senhor fremosa, des que vos amei, mais a gram coita que eu por vós hei, já Deus, senhor, nom mi faça lezer, se hoj'eu sei onde mi venha bem, ai mia senhor, se mi de vós nom vem! Nem rem nom podem veer estes meus olhos no mund'[ond'] eu haja sabor, sem veer vós; e nom mi val[h]'Amor, nem mi valhades vós, senhor, nem Deus, se hoj'eu sei onde mi venha bem, ai mia senhor, se mi de vós nom vem! Julio Bolseiro Cantiga de amigo "Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo! ai Deus, e u é? Ai flores, ai flores do verde ramo, se sabedes novas do meu amado! ai Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo! ai Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi há jurado! ai Deus, e u é?" (...) D. Dinis Cantigas de escárnio e de maldizer Tanto as cantigas de escárnio quanto as cantigas de maldizer são poemas satíricos. Nas cantigas de escárnio, a sátira se constrói indiretamente por meio da ironia e do sarcasmo. Já s cantigas de maldizer são agressivas, a sátira é feita sem pudor e sem meio termo. A linguagem nestas poesias poderiam ser de baixo-calão, de tom pornográfico e de mal gosto. Eram tidas como poesia “maldita” e possuíam pouco ou nenhum valor estético. Cantiga de maldizer - Afonso Eanes de Coton: Marinha, o teu folgar tenho eu por desacertado, e ando maravilhado de te não ver rebentar; pois tapo com esta minha boca, a tua boca, Marinha; e com este nariz meu, tapo eu, Marinha, o teu. Com as mãos tapo as orelhas, os olhos e as sobrancelhas, tapo-te ao primeiro sono; com a minha piça o teu cono; e como o não faz nenhum, com os colhões te tapo o cu. E não rebentas, Marinha? ◦ Cancioneiros Alguns poucos manuscritos foram compilados em três obras que receberam o título de Cancioneiros: a) Cancioneiro da Ajuda, composto no reinado de Afonso III, no final do século XIII, guarda 310 cantigas, a maioria de amor; b) Cancioneiro da Biblioteca Nacional ou Cancioneiro Colocci-Brancuti, que preserva 1.647 cantigas, de diferentes temas. Este volume foi constituído no reinado de Afonso III e Dom Dinis, o rei poeta. c) Cancioneiro da Vaticana: com 1.205 cantigas variadas. Corte de D.Dinis, o Rei Trovador. Iluminura do Cancioneiro. Amor Cortês Konrad von Altstetten, séc. XIV, por volta de 1305 / 1315, a serviço do abade de Saint Gallen. O Códex Manesse, grande livro de canções manuscritas de Heidelberg (séc. XIII). Pergaminho Vindel - texto copiado no final do século XIII Possui características similares ao Cancioneiro da Ajuda. Contém as sete cantigas de amigo de Martim Codax, com notação musical incluída em seis. Symphonia da Cantiga 160, Cantigas de Santa Maria, de Afonso X, o Sábio - Códice do Escorial (1221-1284). Iluminura de uma das páginas do Cancioneiro da Ajuda “As cantigas implicavam estreita aliança entre a poesia, a música, o canto e a dança. Para tanto, faziam- se acompanhar de instrumentos de sopro, corda e percussão (a flauta, a guitarra, o alaúde, o saltério, a viola, a harpa, o arrabil, a giga, a bandurra, a doçaina, a exaberba, o anafil, a tromba, a gaita, o tambor, o adufe, o pandeiro). O próprio trovador tangia o instrumento, especialmente quando de corda, quando cantava, ou reservava-se para a interpretação da cantiga, deixando a parte instrumental a um acompanhante, jogral ou menestral.” (MOISÉS, 2003, p. 23) Prosa trovadoresca: novelas de cavalaria, cronicões e livros de linhagem Ainda de acordo com Massaud Moisés, o trovadorismo abarca ainda as novelas de cavalaria. Originárias da Inglaterra e da França, surgiram a partir das canções de gesta, antigos poemas de temas guerreiros, que em Portugal foram traduzidos, com certas alterações, e adaptaram-se à realidade de Portugal. Tal literatura, porém, circulava entre a nobreza, já traduzidas em francês. Outras literaturas também se desenvolveram na cultura portuguesa nesta fase, como as crônicas (hagiografias e nobiliários). Na próxima aula trataremos desta importante literatura medieval. Romance de cavalaria – A Demanda do Santo Graal Referências Bibliográficas • EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma Introdução. Trad. Waltensir Dutra. 6ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. • HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 2000. • MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 32ªed~ção São Paulo: Cultrix, 2003. • https://www.luso-livros.net/idade-media/ • TAVARES, Hênio. Teoria Literária. 8ª Ed. Itatiaia: Belo Horizonte, 1984. • https://www.google.com.br/search?q=linha+do+tempo+lite ratura+portuguesa Referências Bibliográficas https://pt.wikipedia.org/wiki/Cantiga_da_Ribeirinha https://int.search.myway.com/search/GGmain.jhtm https://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminura Número do slide 1 Número do slide 2 Número do slide 3 Número do slide 4 Número do slide 5 Número do slide 6 Número do slide 7 Número do slide 8 Número do slide 9 Número do slide 10 Número do slide 11 Número do slide 12 Número do slide 13 Número do slide 14 Número do slide 15 Número do slide 16 Número do slide 17 Número do slide 18 Número do slide 19 Número do slide 20 Número do slide 21 Número do slide 22 Número do slide 23 Número do slide 24 Número do slide 25 Número do slide 26 Número do slide 27 Número do slide 28 Número do slide 29 Número do slide 30 Número do slide 31 Número do slide 32 Número do slide 33