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F R E N T E 2 253 Se nela está minha alma transformada, Que mais deseja o corpo de alcançar? Em si somente pode descansar, Pois com ele tal alma está liada. Mas esta linda e pura semideia, Que, como o acidente em seu sujeito, Assim como a alma minha se conforma, Está no pensamento como ideia; E o vivo e puro amor de que sou feito, Como a matéria simples busca a forma. (Luís de Camões, Lírica: redondilhas e sonetos, Rio de Janeiro: Ediouro / São Paulo: Publifolha, 1997, p. 85.) Um dos aspectos mais importantes da lírica de Camões é a retomada renascentista de ideias do lósofo grego Platão. Considerando o soneto citado, pode-se dizer que o chamado “neoplatonismo” camoniano A é afirmado nos dois primeiros quartetos, uma vez que a união entre amador e pessoa amada resulta em uma alma única e perfeita. b é confirmado nos dois últimos tercetos, uma vez que a beleza e a pureza reúnem-se finalmente na matéria simples que deseja. é negado nos dois primeiros quartetos, uma vez que a consequência da união entre amador e coisa amada é a ausência de desejo. D é contrariado nos dois últimos tercetos, uma vez que a pureza e a beleza mantêm-se em harmonia na sua condição de ideia. 34 UFRGS 2016 Leia o soneto de Luís de Camões e Sone- to do amor total, de Vinícius de Moraes, abaixo. Luís de Camões Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Vinícius de Moraes Amo-te tanto, meu amor… não cante O humano coração com mais verdade… Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te afim, de um calmo amor prestante, E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente, De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente. E de te amar assim muito e amiúde, É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. Considere as seguintes armações sobre os dois poemas. I. Os dois poemas apresentam a temática amorosa: no soneto de Camões, o sujeito lírico define o amor; no soneto de Moraes, o sujeito lírico diz como ama. II. O soneto de Camões apresenta uma estrutura anti- tética nas três primeiras estrofes, como a exprimir o caráter contraditório do sentimento amoroso. III. O soneto de Vinícius de Moraes apresenta o su- jeito lírico que ama de corpo e alma, ampliando o sentimento amoroso à dimensão física. Quais estão corretas? A Apenas I. b Apenas II. Apenas I e III. D Apenas II e III. E I, II e III. 35 Fuvest Tu, só tu, puro amor, com força crua, Que os corações humanos tanto obriga, Deste causa à molesta morte sua, Como se fora pérfida inimiga. Se dizem, fero Amor, que a sede tua Nem com lágrimas tristes se mitiga, É porque queres, áspero e tirano, Tuas aras banhar em sangue humano. CAMÕES. Os Lusíadas, episódio de Inês de Castro. molesta: lastimosa; funesta; pérfida: desleal; traidora; fero: feroz; sanguinário; cruel; mitiga: alivia; suaviza; aplaca; ara: altar; mesa para sacrifícios religiosos. a) Considerando-se a forte presença da cultura da Antiguidade Clássica em Os Lusíadas, a que se pode referir o vocábulo “Amor”, grafado com maiúscula, no 5o verso? ) Explique o verso “Tuas aras banhar em sangue humano”, relacionando-o à história de Inês de Castro. 36 UPE 2016 Aristóteles, ao admitir a arte como recria- ção da realidade, também sistematizou e organizou parâmetros, em seu livro Arte Poética, para distinguir os tipos de produção literária existentes na época. Hoje denominamos esses três diferentes tipos de texto de lírico (palavra cantada), épico (palavra nar- rada) e dramático (palavra representada). Partindo dos conceitos acima expressos, leia os três textos a seguir. LÍNGUA PORTUGUESA Capítulo 2 Trovadorismo, Humanismo e Classicismo: as origens da Literatura em Língua Portuguesa254 Texto 1 Corridinho O amor quer abraçar e não pode. A multidão em volta, com seus olhos cediços, põe caco de vidro no muro para o amor desistir. O amor pega o cavalo, desembarca do trem, chega na porta cansado de tanto caminhar a pé. O amor usa o correio, o correio trapaceia, a carta não chega, o amor fica sem saber se é ou não é. Fala a palavra açucena, pede água, bebe café, dorme na sua presença, chupa bala de hortelã. Tudo manha, truque, engenho: é descuidar, o amor te pega, te come, te molha todo. Mas água o amor não é (Adélia Prado) Texto 2 Enquanto isto se passa na formosa Casa etérea do Olimpo omnipotente, Cortava o mar a gente belicosa Já lá da banda do Austro e do Oriente, Entre a costa Etiópica e a famosa Ilha de São Lourenço; e o Sol ardente Queimava então os Deuses que Tifeu Co temor grande em peixes converteu. Tão brandamente os ventos os levavam Como quem o Céu tinha por amigo; Sereno o ar e os tempos se mostravam, Sem nuvens, sem receio de perigo. O promontório Prasso já passavam Na costa de Etiópia, nome antigo, Quando o mar, descobrindo, lhe mostrava Novas ilhas, que em torno cerca e lava. (Camões) Texto 3 Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um ho- mem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz: Ninguém: Que andas tu aí buscando? Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar: delas não posso achar, porém ando porfiando por quão bom é porfiar. Ninguém: Como hás nome, cavaleiro? Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro e sempre nisto me fundo. Ninguém: Eu hei nome Ninguém, e busco a consciência. Belzebu: Esta é boa experiência: Dinato, escreve isto bem. Dinato: Que escreverei, companheiro? Belzebu: Que ninguém busca consciência. e todo o mundo dinheiro. Ninguém: E agora que buscas lá? Todo o Mundo: Busco honra muito grande. Ninguém: E eu virtude, que Deus mande que tope com ela já. Belzebu: Outra adição nos acude: escreve logo aí, a fundo, que busca honra todo o mundo e ninguém busca virtude. (Gil Vicente) Analise as armativas a seguir e coloque V nas Verda- deiras e F nas Falsas. J Os três textos, consoante Aristóteles, pertencem aos gêneros dramático, lírico e épico, respectiva- mente. J O texto 2 expressa uma visão do sentimento amo- roso, traduzida por uma voz lírica emotiva, que corresponde ao eu poético criado pela autor. J O texto 2 traz o relato do início da viagem de Vasco da Gama, recurso usado por Camões para narrar a história do povo lusitano, em Os Lusíadas, única epopeia em Língua Portuguesa. J O texto 3 é um fragmento do Auto da Lusitânia, em que o autor Gil Vicente critica os vícios humanos com base nas ações de quatro personagens: Todo o Mundo, Ninguém, Dinato e Belzebu. J O texto 3 retrata uma realidade social que perdu- ra até os dias atuais, o que justifica o fato de as peças vicentinas serem consideradas atemporal e aespacial. É a atualidade dos temas utilizados pelo teatrólogo medieval, que torna suas peças aceitas por expectadores de diferentes épocas. Assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA. A F – F – F – V – F b V – V – V – F – F V – V – F – F – F D F – V – F – V – F E F – F – V – V – V 37 UFJF 2020 SONETO 45 (53-57) Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o Mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança E do bem (se algum houve...), as saudades, O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E, em mi[m], converte em choro o doce canto, F R E N T E 2 255 E, afora este mudar-se cada dia, Outramudança faz mor espanto, Que não se muda já como soía. (CAMÕES, Luís de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1988.) Na poesia lírica de Luís de Camões, um dos temas re- correntes é o da mudança que o tempo provoca nos seres e nas coisas. No poema acima, como o sujeito poético avalia o saldo das mudanças com as quais ele tem de lidar? A Positivamente – o passado desagradável foi subs- tituído, ao longo do tempo, por um presente sem mágoas. b Indiferentemente – apesar das mudanças ocorridas no plano da natureza, nele próprio nada se alterou. Impossível de avaliar – afinal, o tempo passa, as coisas mudam, mas ele continua a se reconhecer como o mesmo de sempre. D Negativamente – se houve alguma coisa de agra- dável no passado, dele restou apenas uma saudosa lembrança; e, no presente, o mal persiste como má- goa nos seus pensamentos. E Normalmente – uma vez que o bem e o mal estão envolvidos numa relação de perfeito equilíbrio. 38 Fuvest Considere as seguintes afirmações sobre a fala do velho do Restelo, em Os Lusíadas: I. No seu teor de crítica às navegações e conquistas, encontra-se refletida e sintetizada a experiência das perdas que causaram, experiência esta já acumulada na época em que o poema foi escrito. II. As críticas aí dirigidas às grandes navegações e às conquistas são relativizadas pelo pouco cré- dito atribuído a seu emissor, já velho e com um “saber só de experiência feito”. III. A condenação enfática, que aí se faz à empresa das navegações e conquistas, revela que Ca- mões teve duas atitudes em relação a ela: tanto criticou o feito quanto o exaltou. Está correto apenas o que se arma em A I. b II. III. D I e II. E I e III. 39 UFSCar A questão seguinte baseia-se no poema épico Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, do qual se re- produzem, a seguir, três estrofes. Mas um velho, de aspeito venerando, (= aspecto) Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C’um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito: “Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade a quem chamamos Fama! Ó fraudulento gosto, que se atiça C’uma aura popular, que honra se chama! Que castigo tamanho e que justiça Fazes no peito vão que muito te ama! Que mortes, que perigos, que tormentas, Que crueldades neles experimentas! Dura inquietação d’alma e da vida Fonte de desamparos e adultérios, Sagaz consumidora conhecida De fazendas, de reinos e de impérios! Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Sendo digna de infames vitupérios; Chamam-te Fama e Glória soberana, Nomes com quem se o povo néscio engana.” Os versos de Camões foram retirados da passagem conhecida como O Velho do Restelo. Nela, o velho A abençoa os marinheiros portugueses que vão atra- vessar os mares à procura de uma vida melhor. b critica as navegações portuguesas por considerar que elas se baseiam na cobiça e busca de fama. emociona-se com a saída dos portugueses que vão atravessar os mares até chegar às Índias. D destrata os marinheiros por não o terem convidado a participar de tão importante empresa. E adverte os marinheiros portugueses dos perigos que eles podem encontrar para buscar fama em outras terras. As obras literárias mais antigas são de difícil compreensão – já que as línguas mudam constantemente –, além de estarem muito distantes do nosso modo de pensar contemporâneo. Contudo, uma vez empreendido o esforço de decifrá-las, certamente será gratificante mergulhar nos fatos históricos por meio da linguagem e do pensamento de quem viveu aquela realidade. O estudo da literatura do período medieval mostrou que boa parte das produções artísticas do Trovadorismo e do Humanismo fazia críticas à sociedade da época, podendo, inclusive, dirigir-se a uma pessoa específica. Já a arte renascentista celebra a suposta superioridade europeia sobre o resto do mundo, sendo marca registrada do eurocentrismo. O Renascimento e o Classicismo geraram obras de arte incríveis, as quais se tornaram grandes patrimônios da humanidade, mas não podemos afastar dessas obras nosso olhar crítico. A história contada segundo o protagonismo europeu, em que os orientais são vilões e os povos nativos americanos e africanos são almas indefesas que precisam ser resgatadas do inferno, apoiou-se intensamente nesses objetos artísticos esplendorosos. Texto complementar