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INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens 178 invenção do telefone e do telégrafo. A medicina, por sua vez, teve avanços com a criação de novas vacinas e remédios. Os centros urbanos cada vez mais eram habitados e a taxa de mortalidade caia substancialmente. Com essas transforma- ções, a vida urbana mudou drasticamente. Com a emergência do Liberalismo e dessas no- vas tecnologias, nasceu no século XIX uma nova ideia de modernidade, com um significado diferente do que lhe atribuíram os renascentistas. O mundo e o homem modernos seriam movidos por preceitos racionais, li- vres de qualquer interferência da fé. A razão dominaria desde a política até a própria natureza: os belos jardins franceses do século XIX mostrariam como o homem or- denava a selvageria das matas. A cidade seria a perfeita ordenação racional do mundo: a grande concentração de pessoas, a eletricidade, a água encanada, os bondes, os trens, o chuveiro, o cinema, os vasos sanitários, a descarga automática, o papel-higiênico, a pasta de dente, os arranha- -céus e os telégrafos mostrariam o triunfo da racionalidade do homem perante a barbárie da natureza. A modernidade também está associada à cidade, movimento, transforma- ção, agitação, mudança, uma eterna sensação de caos, em um mundo onde a repetição, a segurança, o sólido e a tradição perderiam força. O poema “Ode triunfal” ilustra essa modernidade. Ob- serve: [...] ó manequins! Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar! Olá anúncios elétricos que vêm e estão e desaparecem! [...] Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos! Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. Amo-vos carnivoramente, Pervertidamente e enroscando a minha vista Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis, Ó coisas todas modernas, Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima Do sistema imediato do Universo! Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus! Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes Na minha mente turbulenta e incandescida Possuo-vos como a uma mulher bela, Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não [se ama. Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima. [...] Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios! Eh-lá-hô recomposições ministeriais! [...] Fernando Pessoa (Álvaro de Campos). “Ode Triunfal”. Antologia poética de Fernando Pessoa. São Paulo: Ediouro, 2004. p. 54. De qualquer forma, a euforia do mundo europeu, encan- tado com o progresso e as novas tecnologias, deu origem ao que ficou conhecido como Belle Époque. A Belle Époque (bela época em francês) foi um período na história da Euro- pa que começou com o fim da “Era das Revoluções” (1871) e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. A Belle Époque foi a era de ouro da beleza, inovação e da paz entre os países europeus. Com seus cafés-concertos, balés, operetas, livrarias, teatros, boulevards e alta costura, Paris, a Cidade Luz, era o centro produtor e exportador da cultura mundial. Os franceses Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Zola, Anatole France e Balzac eram lidos em todo o mundo. Ir a Paris ao menos uma vez por ano era quase uma obrigação entre as elites, pois garantia o vínculo com a atualidade. No- vas invenções tornavam a vida mais fácil — telefone, telégrafo, bicicleta, automóvel. A cena cultural estava em efervescência: os cabarés, o cancã e o cinema haviam nascido, e a arte to- mava novas formas com o Impressionismo na pintura e a Art Nouveau na arquitetura. Pi er re A ug us te R en oi r/W ik im ed ia C om m on s Fig. 42 Pierre-Auguste Renoir. Le Moulin de La Galette, 1876. Óleo sobre tela. Musée d’Orsay, Paris, França. O cinema foi inventado pelos irmãos Lumière no fim do século XIX. Em 28 de dezembro de 1895, no subterrâneo do Grand Café, em Paris, eles realizaram a primeira exibição de cinema: uma série de dez filmes, com duração de 40 a 50 segundos cada. Os filmes mais conhecidos dessa primeira sessão chamavam-se A saída dos operários da fábrica Lumière e A chegada do trem à Estação Ciotat, cujos títulos exprimem bem o conteúdo. Nessa mesma época, um mágico ilusionista chamado Georges Méliès, que comandava um teatro nas vizinhanças do local da primeira exibição mencionada, con- seguiu um aparelho semelhante e foi o primeiro grande produtor de filmes de ficção, voltados para o entretenimen- to. Em suas experimentações, o mágico descobriu vários truques que resultaram nos primeiros efeitos especiais da história do cinema. M ar ce lli n A uz ol le /W ik ip ed ia Fig. 43 Cinema, criado pelos irmãos Lumière. PV_2021_LU_ITX_FU_CAP7_LA.INDD / 15-09-2020 (12:58) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL PV_2021_LU_ITX_FU_CAP7_LA.INDD / 15-09-2020 (12:58) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL FR EN TE Ú N IC A 179 Em 1911, na Califórnia, EUA, nascia Hollywood, um espa- ço destinado à instalação de estúdios para produz filmes. Em poucas décadas, os estúdios de Hollywood acumula- ram imensas fortunas e tornaram-se quase hegemônicos no mundo ocidental. Quando a revista Motion Pictures World sugeriu que se colocassem os nomes dos atores nos crédi- tos do filme, tinha início a era dos grandes mitos e estrelas de Hollywood, a fábrica de sonhos. Impressionismo Pi er re A ug us te R en oi r Fig. 44 Pierre-Auguste Renoir. Banhistas, 1918-19. Óleo sobre tela. Museu d’Orsay, Paris, França. O pintor impressionista preocupa-se com as tonalida- des que os objetos adquirem ao refletir a luz solar em um determinado instante, pois as cores da natureza estão em constante transformação. As figuras não devem ter contor- nos nítidos, pois a linha é uma abstração do ser humano para representar imagens. As sombras devem ser luminosas e coloridas, como é a impressão visual que nos causam; e não escuras ou pretas, como os pintores costumavam empregá-las no passado. C la ud e M on et /W ik im ed ia C om m on s Fig. 45 Monet. A ponte Argenteuil, 1874. Museu D’Orsay, Paris, França. As cores e tonalidades não devem ser obtidas pela mistura das tintas na paleta do pintor; mas devem ser puras e dissociadas nos quadros em pequenas pinceladas. É o observador que, ao ver a tela, combina as várias cores, ob- tendo o resultado final. A mistura deixa, pois, de ser técnica para ser óptica. C la ud e M on et /W ik im ed ia C om m on s Fig. 46 Monet. Weg in Monets Garten in Giverny, 1902. Belvedere. Viena, Áustria. Segundo Carlos Cavalcanti, [...] O pintor impressionista não está a rigor interessado no modelo como ser humano, [...]. As suas reações e intenções artísticas diante de uma pessoa serão praticamente as mesmas diante de uma árvore, de um lago, de uma praia, [...] a sua preocupação exclusiva será ob- servar e fixar as constantes e sutis modificações que a luz do sol produz nas cores da natureza. [...] – o seu primeiro cuidado foi retirar o modelo do interior do atelier, [...] para colocá-lo ao ar livre, [...]. [...] os impressionistas são chamados pintores do plen air, ao ar livre, plenaristas ou arlivristas. Carlos Cavalcanti. Como entender a pintura moderna. Rio de Janeiro: Rio, 1975. p. 78. Ed ou ar d M an et /W ik ip ed ia Fig. 47 Edouard Manet. Piquenique na relva, 1863. Óleo sobre tela. Museu D’Orsay, Paris, França. PV_2021_LU_ITX_FU_CAP7_LA.INDD / 15-09-2020 (12:58) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL PV_2021_LU_ITX_FU_CAP7_LA.INDD / 15-09-2020 (12:58) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Capítulo 7 Nível da expressão – relações entre linguagens 180 C am ill e Pi ss ar ro /W ik im ed ia C om m on s Fig. 48 Camille Pissarro. Boulevard Montmartre em Paris, 1897. Óleo sobre tela. Museu Hermitage, São Petersburgo, Rússia. Na literatura portuguesa, Cesário Verde é considerado um poeta impressionista. O céu parece baixo e de neblina, O gás extravasado enjoa-me, perturba; E os edifícios, com as chaminés, e a turba Toldam-se duma cormonótona e londrina. [...] Cesário Verde. “Ave-Maria”. O livro de Cesário Verde. Ática, 1959. p. 101. A poesia de Cesário Verde procura a captação da rea- lidade pelos sentidos, com predominância da visão: a cor, a luz, o recorte e o movimento. O forte componente sines- tésico (cruzamento de várias sensações na apreensão do real) e a valorização da sensação em detrimento do objeto real dão à obra desse poeta um caráter impressionista. Uma iluminação a azeite de purgueira, De noite, amarelava os prédios macilentos. Barricas d’alcatrão ardiam; de maneira Que tinham tons d’inferno outros arruamentos. Cesário Verde. “Nós”. O livro de Cesário Verde. Ática, 1959. p. 123. Cesário emprega em muitas poesias o contraste luz/sombra; esse jogo lúdico da luz produz imagens poé- ticas que recriam a realidade. A luz do dia é a luz artificial da cidade, mas também uma forma de valorizar os objetos, entendendo-se a luz como princípio de vida. Eu tudo encontro alegremente exacto, Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. E tangem-me, excitados, sacudidos, O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto! [...] Cesário Verde. “Cristalizações”. O livro de Cesário Verde. Ática, 1959. p. 70. Na escultura, destaca-se Edgar Degas (também pintor); a escultura a seguir chocou a sociedade da época, visto que se tratava de uma bailarina pobre que Degas conhecera na ópera; bailarina que posteriormente teve de se prostituir para sobreviver; na escultura havia implicitamente a crítica à vida fútil de muitos parisienses. Ed ga r D eg as /W ik ip ed ia Fig. 49 Edgar Degas. Bailarina de quatorze anos. 1880. Escultura em bronze com vestuário. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo, Brasil. No cinema, o Impressionismo tem sua maior perfor- mance na França, o denominado cinema de vanguarda (avant garde). Entre os cineastas importantes, destacam-se Abel Gance (J’Accuse, filme épico) e Jean Epstein (A queda da casa de Usher). D iv ul ga çã o Fig. 50 J’accuse, filme impressionista. Os filmes impressionistas empregavam como técnica as sobreimpressões, os planos subjetivos, o ritmo de mon- tagem, a valorização da imagem em sua carga afetiva e o aperfeiçoamento de técnicas de enquadramento. D iv ul ga çã o Fig. 51 A queda da casa de Usher, filme impressionista. PV_2021_LU_ITX_FU_CAP7_LA.INDD / 15-09-2020 (12:58) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL PV_2021_LU_ITX_FU_CAP7_LA.INDD / 15-09-2020 (12:58) / VIVIAN.SANTOS / PROVA FINAL