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QUÍMICA Capítulo 9 Radioatividade136 Breve histórico e definição de radioatividade Em 1875, Crookes, com seus tubos de raios catódicos, fez com que elétrons se chocassem com substâncias que, excitadas, emitiam luz. Essas substâncias foram chamadas de fluorescentes, e o exemplo mais típico é o sulfeto de zinco (ZnS). Existem também as substâncias fosforescentes, que, quando excitadas, emitem luz até um longo tempo depois de cessada a excitação. Anos mais tarde, adotou-se o seguinte raciocínio: se as substâncias fluorescentes emitem luz quando excitadas (somen- te durante a excitação) e as fosforescentes também (durante e algum tempo após a excitação), será que existe alguma subs- tância capaz de emitir ondas eletromagnéticas sem se excitar? A resposta é sim e veio no ano de 1896 com o cientista francês Henri Becquerel. Ele descobriu uma substância, o sulfato duplo de uranila e potássio (K2(UO2)(SO4)2), que emitia ondas mesmo no escuro (sem excitação), durante longo intervalo de tempo. As descobertas de Becquerel foram estimuladas pela descoberta dos raios X no ano anterior. Esses raios X eram emitidos sob forte excitação e Becquerel desejava saber se isso seria possível sem ela. Para tanto, tomou o K2(UO2)(SO4)2 e o envolveu em papel preto. Mesmo assim, o composto foi capaz de imprimir chapas fotográficas em condições desprovidas de excitação e por alguns dias. Conclusão: há substâncias que emitem radiações sem excitação, e estas vinham do K2(UO2)(SO4)2. O casal Pierre Curie e Marie Sklodowska Curie já havia descoberto que todos os minérios de urânio apresentavam essas mesmas características. Foi assim que determinaram o primeiro elemento químico radioativo: o urânio. Os raios emitidos foram inicialmente chamados de raios de Becque- rel e, somente depois, de radioatividade. Todavia, foi na tentativa de isolar o elemento urânio que se descobriram outros elementos radioativos, como o polônio (homenagem de Marie Curie ao seu país natal, Polônia), que é 400 vezes mais radioativo que o urânio, e o rádio, que é 900 vezes mais radioativo que o urânio. Assim, uma série de ele- mentos radioativos e todos os seus isótopos foram descobertos. Ao longo da história, destacam-se Rutherford, em suas experiências com polônio e emissões de partículasa, na cons- trução de uma nova teoria de estrutura atômica; Chadwick, em 1932, que determinou a existência do nêutron com uma reação nuclear, e Irene Juliot Curie e seu marido, respectiva- mente filha e genro do casal Curie, que, em 1934, fizeram a primeira transmutação nuclear produzindo radionuclídeo arti- ficial, bombardeando boro com partículas a. Esse trabalho de transmutação foi um importante avanço no campo da radioa- tividade, sua continuidade e o seu aperfeiçoamento deve-se ao cientista Seaborg, que fez transmutações nucleares com o auxílio de gigantescos aceleradores de partículas e, com isso, acabou sintetizando dez novos elementos transurânicos. Devemos também destacar os processos de fusão e fissão nucleares, que foram desenvolvidos durante a corrida armamentista do século passado. Várias outras importantes descobertas foram feitas ao longo do século XX e serão comentadas neste capítulo. Porém, o destaque maior é para Marie Curie, que quebrou tabus e se firmou como a primeira mulher de peso no cam- po da ciência. Extremamente respeitada, faleceu vítima das constantes exposições à radiação e deixou como legado um conhecimento vasto e profundo que até hoje é objeto de estudo de pesquisas científicas. Mas, afinal, o que vem a ser radioatividade? Radioatividade é a parte da ciência que estuda reações em que ocorrem alterações do núcleo dos átomos, chamadas de reações radioativas ou nucleares. Para entender o que motivam esses fenômenos, suponha um átomo que obedece ao modelo de Rutherford, mas que só tenha elétrons e prótons, como mostrado a seguir. Fig. 1 Átomo de Rutherford, composto somente de prótons e elétrons. Como se vê, o núcleo é um emaranhado de partículas positivas que, por forças de repulsão eletrostática entre cargas iguais, tenderia à autodestruição, explodindo. Como isso não ocorre com a maioria dos átomos em nosso plane- ta, podemos prever que o núcleo dos átomos não é assim. Porém, é importante saber que um excessivo número de cargas positivas emaranhadas causa enorme instabilidade ao núcleo de um átomo. Mas, em 1932, o cientista Chadwick descobriu a exis- tência de nêutrons no núcleo dos átomos. Assim, devemos pensar no modelo de Rutherford como mostrado na Fig. 2. Fig. 2 Átomo de Rutherford, levando em consideração a existência de nêutrons F R E N T E 2 137 Note que os nêutrons se intercalam entre prótons, di minuindo sensivelmente as forças de repulsão eletrostática entre eles, e consequentemente aumentando a estabilidade dos núcleos. É essa a grande função dos nêutrons: dar es tabilidade ao núcleo. Sendo assim, a relação entre número de nêutrons e número de prótons em um átomo não deve ser muito baixa (menor que 1), pois o nuclídeo será instável Em contrapartida, mesmo com a existência dos nêutrons, átomos com um grande número de prótons têm uma força de repulsão eletrostática acumulada muito grande, principal mente nas partículas localizadas na periferia dos núcleos. É por isso que elementos com número atômico grande (geralmente maior que 82) tendem a ser muito instáveis e, portanto, radioativos. Para que esses elementos atinjam a sua estabilidade, é imprescindível que fiquem menores. Para tanto, faz-se necessário emitir partículas nucleares (isto é, livrar-se de algumas). Essas emissões são chamadas de ra- dioativas, e podem ser de partículas (a e b, principalmente) ou de ondas (radiações g, principalmente). Isso significa que toda emissão radioativa ocorre no sentido de aumentar a estabilidade do núcleo. Emissões a, b, g e outras Existem dezenas de emissões radioativas conhecidas e catalogadas. Isto não significa que todos os tipos de emissões estejam descobertas ou catalogadas, uma vez que são objeto de estudo dos tempos atuais Analisa remos apenas as emissões principais, descobertas nos primórdios do estudo de radioatividade. Vamos estudá-las por meio da análise de uma experiência clássica, esque matizada na figura 3. O material radioativo é colocado em uma cavidade dentro de um bloco de chumbo (que impede a passagem das radiações). Pelo orifício da cavidade, as emissões são direcionadas para a chapa. Devido aos desvios que ocorrem pela passagem no orifício, é colocado um direcionador, que consiste de uma placa de chumbo com orifício central. Logo após, há um capacitor de placas planas e paralelas, que subdivide as emissões em três partes bem distintas. Essas três partes podem ser observadas com bastante nitidez e são separadas umas das outras. Vamos analisá-las. As emissões que atingiram a chapa em (I) sofreram des- vio para o lado da placa negativa do capacitor. Isso indica que foram atraídas pela placa e, portanto, são positivas Mas o desvio que sofreram (representado pela distância x) é bem menor que o desvio sofrido pelas partículas que atingiram a chapa em (III), o que consiste em um forte indi- cativo de que as partículas positivas são bem mais pesadas. Essa foi a primeira impressão dos cientistas a respeito das emissões (I): partículas positivas e pesadas. Mais tarde, de- nominaram essas emissões de partículas a. As partículas a são constituídas de dois prótons e dois nêutrons, podendo ser, portanto, representadas por: ou 4 2 α Como podemos observar, as partículas a nada mais são do que núcleos de átomos de He. Portanto, como o átomo de He é o que possui maior energia de ionização, é de se esperar que os íons 42He 2+ (partículas a) sejam extrema- mente ávidos por elétrons. Quando uma partícula é lançada ao ar, quase que instantaneamente, captura elétrons e se transforma em He, que é um gás nobre. Assim, sua sobre- vida é baixíssima Quanto ao seu poder de penetração, ele também é baixo. Se uma partícula a tem um poder depe- netração no ar de não mais que 5 cm, basta uma pequena e fina folha de papel para barrar essas partículas. É importante dizer que a experiência da figura 3 só pode ser realizada a baixas pressões, já que o poder de penetração das partículas a no ar atmosférico é tão baixo que elas nem sequer chegariam à chapa. Devido também à sua inércia (massa) ser muito grande, as partículas a têm uma velocidade baixa em relação às outras emissões radioativas, na ordem de 20 a 30 mil km/s. As emissões que atingiram a chapa em (II) não sofre- ram desvio ao passar pelo campo elétrico produzido pelo capacitor, ou seja, são neutras. Mais tarde, descobriu-se que essas emissões não eram partículas como as emissões em (I) e (III), mas sim ondas eletromagnéticas, emitidas por núcleos radioativos. Essas ondas foram denominadas emissões g, e, como ondas, são desprovidas de carga e massa. Podendo ser representadas por: 0g 0 − − − bloco de chumbo protetor placa de chumbo direcionadora das emissões material radioativo + + + + capacitor de placas planas e paralelas x y filme fotográfico ou chapa revestida de substância fluorescente I II III Fig. 3 Experiência que mostra as três principais emissões radioativas (a, b e g). QUÍMICA Capítulo 9 Radioatividade138 Como ondas eletromagnéticas (as emissões g) têm uma velocidade de propagação igual à da luz (300 000 km/s), são, portanto, as emissões mais rápidas Além disso, têm um poder de penetração altíssimo por serem desprovidas de massa, e só são freadas por placas grossas de chumbo ou paredes de concreto muito grossas. As emissões que impressionaram a chapa em (III) sofre- ram o maior desvio dentre as três emissões. Como o desvio foi para o lado positivo, essas partículas foram atraídas pela placa positiva do capacitor, sendo assim partículas nega- tivas. Devido ao desvio y ter sido grande, é de se esperar que a massa dessas partículas seja bem menor do que a massa das partículas a. Essas partículas negativas e de massa pequena foram denominadas partículas b, e podem ser representadas por: β ou −1 0 Como se vê, a partícula b nada mais é do que um elétron, uma partícula subatômica de carga negativa e de massa 1 836 vezes menor que a massa de um próton ou de um nêutron Como A (número de massa) = p + n, A = 0 para um elétron. Com uma massa pequena, as partículas b propagam-se com boa velocidade, de até 270 000 km/s, e têm um bom poder de penetração, pois são freadas so mente por meios materiais bastante densos, como lâminas de metal comum. Mas como pode um elétron ser emitido do núcleo de um átomo, que só possui prótons e nêutrons? Por causa da reação nuclear que pode ser equacionada da seguinte forma: elétron antineutrino 1 0n 1 → 1 1p 1 + 1 -1b 0 + 1 0v 0 O nêutron (0n 1) de um núcleo instável transforma-se em um próton (1p 1), que fica no núcleo, em um elétron (–1b 0), que é emitido e chamado de partícula b, e em um antineutrino, uma outra emissão de partícula, sem carga e número de massa nulo. É importante salientar que anti- neutrino e emissões gama não são as mesmas entidades O antineutrino é uma partícula e as emissões gama são ondas eletromagnéticas Ainda merece menção uma outra emissão radioativa, chamada de pósitron, que é um próton com número de massa zero, e pode ser representado por: β ou +1 0 Com isso, podemos resumir as principais emissões radioativas na tabela 1. Todos os tipos de emissões radioativas podem ser nocivas aos seres humanos, já que, por onde passam, io- nizam átomos e moléculas de forma violenta. É justamente essa ionização brutal que pode gerar anomalias como o crescimento anormal do número de células, provocando doenças Porém, é sabido que as emissões mais nocivas são aquelas com alto poder de penetração, como as emis- sões g. Os malefícios causados por exposição à radiação são inúmeros, começando por catarata e hematomas, náu- seas, enjoos e vômitos, e, em casos mais graves, levando a síndromes genéticas, além de causar alguns tipos de câncer e até mesmo levar um indivíduo à morte. Agora que já estudamos as emissões radioativas, va- mos entender como ocorrem as reações nucleares Reações nucleares As reações nucleares são aquelas em que os núcleos dos átomos sofrem alterações. Elas podem ser divididas em: y reações com emissões radioativas ou decaimentos radioativos; y transmutações nucleares; y fusões nucleares; y fissões nucleares. As duas primeiras serão estudadas logo a seguir e as duas seguintes no próximo subitem. Todas elas obedecem aos mesmos dois princípios: princípio da conservação das cargas e princípio da conservação do número de massa Não podemos falar em princípio da conservação das massas, porque a massa em reações nucleares não se conserva. Há, na realidade, pequenas variações responsáveis pela enor- me liberação de energia em reações nucleares. No entanto, essas pequenas variações não alteram o número de massa. Agora, pelas leis da radioatividade, leis de Soddy e de Soddy-Fajjans-Russel, estudaremos os decaimentos radioativos por emissão de a, b e g Emissão Representação Aspecto Carga Número de massa Velocidade Poder de penetração a 2a 4 +2 4 20 000 a 30 000 km/s muito baixo b 1b 0 –1 0 até 270 000 km/s médio g 0g 0 onda eletromagnética 0 0 300 000 km/s alto pósitron +1b 0 +1 0 Tab. 1 Comparativo das principais emissões radioativas.
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