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Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 1 de 23 Filosofia – Caderno 1 Planejamento das aulas para o ano letivo de 2019 (turmas Tetra e Medicina) - CADERNO 1 (10 aulas): da semana 1 à semana 5 Semana 1: Introdução à Filosofia: a atitude filosófica; Do mito ao logos Semana 2: Introdução à Sociologia: a imaginação sociológica. Contexto histórico e científico do surgimento da Sociologia; o Positivismo Semana 3: Pré-socráticos e a Cosmologia Semana 4: Émile Durkheim e o método sociológico Semana 5: Democracia ateniense: Sócrates e sofistas Semana 6: Marx, Engels e o materialismo histórico dialético Semana 7: Platão Semana 8: Max Weber / Simmel Semana 9: Aristóteles Semana 10: Sociologia brasileira I Semana 11: Helenismo Semana 12: Sociologia brasileira II Semana 13: Filosofia Medieval Semana 14: Antropologia e o estudo da cultura Semana 15: Renascimento e a revolução científica Semana 16: Maquiavel e as teorias contratualistas Semana 17: Racionalismo: Descartes Semana 18: Iluminismo, liberalismo e teorias sobre a democracia Semana 19: Empirismo Inglês Semana 20: Ideologia Semana 21: Kant e o Criticismo Semana 22: Escola de Chicago, Norbert Elias e Pierre Bourdieu Semana 23: Ética (Universalismo, Utilitarismo e neoaristotelismo) Semana 24: Hegel e Schopenhauer Semana 25: Nietzsche e Freud Semana 26: Escola de Frankfurt I (Adorno/Horkheimer/Benjamin) Semana 27: Escola de Frankfurt II (Marcuse / Habermas e Hannah Arendt) Semana 28: Existencialismo (Sartre e Simone de Beauvoir) Semana 29: Pós-modernidade e globalização (Giddens, Harvey e Bauman) Semana 30: Pós-modernidade e pós-estruturalismo (Foucault, Deleuze e Lipovetsky) Bibliografia de apoio: - Material didático do Sistema Poliedro – Filosofia (volume único) e Sociologia (volume único) - Convite à Filosofia – Marilena Chauí - Introdução à História da Filosofia – Danilo Marcondes - Filosofar com textos: temas e história da filosofia – Maria Lúcia de Arruda Aranha - Diálogo: primeiros estudos em Filosofia – Ricardo Melani - Sociologia em movimento – Editora Moderna (vários autores) - Sociologia: introdução à ciência da sociedade – Cristina Costa - Globo livros: Livro da Filosofia, Livro da Sociologia, Livro da Política - Textos básicos de Sociologia: de Karl Marx a Zygmunt Bauman – Celso Castro - Textos básicos de Ética – Danilo Marcondes _______________________________________________ SEMANA 1 – Introdução à Filosofia As primeiras aulas do curso serão destinadas a explanações básicas sobre o que é Filosofia e ao reconhecimento de conceitos fundamentais ao fazer filosófico. Procuraremos entender o contexto em que essa disciplina emerge no mundo ocidental, a relação entre o conhecimento filosófico e o conhecimento cosmogônico (relacionado às tradições culturais, religiosas e aos mitos) e as proposições teóricas dos primeiros filósofos, conhecidos como pré-socráticos, que inauguram um campo de estudos chamado de Cosmologia ao mesmo tempo em que abrem às portas para a jornada da Filosofia. 1. Atitude Filosófica O que é Filosofia? “O que é um filósofo? É alguém que pratica a filosofia, em outras palavras, que se serve da razão para tentar pensar o mundo e sua própria vida, a fim de se aproximar da sabedoria ou da felicidade. (...) Nunca é cedo ou tarde demais para filosofar, dizia Epicuro (...) Digamos que só é tarde demais quando já não é possível pensar mais de modo algum Pode acontecer. Mais um motivo para filosofar sem mais tardar.” André Comte-Sponville – Dicionário Filosófico “Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar. (...) Pelo que, se foi para fugir à ignorância que filosofaram, claro está que procuravam a ciência pelo desejo de conhecer, e não em vista de qualquer utilidade.” Aristóteles. IN:REALE, Giovanni (Ed.). Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 2 de 23 “Imaginemos, portanto, alguém que tomasse a decisão de não aceitar as opiniões estabelecidas e começasse a fazer perguntas que os outros julgam estranhas e inesperadas. Em vez de “Que horas são?” ou “Que dia é hoje?”, perguntasse “O que é o tempo?”. Em vez de dizer “Está sonhando!” ou “Ficou maluca!”, quisesse saber “O que é o sonho, a loucura, a razão?”. Alguém que tomasse essa decisão estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência. Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças e sentimentos. Esse alguém estaria começando a cumprir o que dizia o oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Marilena Chauí, Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003 – pp. 16 e 17. “Desde que há Estado – da cidade grega às burocracias contemporâneas – a ideia de verdade sempre se voltou, finalmente, para o lado dos poderes. Por conseguinte, a contribuição específica da filosofia que se coloca a serviço da liberdade, de todas as liberdades, é a de minar, pela análise que ela opera e pelas ações que ela desencadeia, as instituições repressivas e simplificadoras: quer se trate da ciência, do ensino, da tradução, da pesquisa, da famílias, da política, do fato carcerário, dos sistemas burocráticos, o que importa é fazer aparecer a máscara, arrancá-la, deslocá-la...” François Chatelet. História da filosofia: ideias, doutrinas. Rio de Janeiro: Zahar. Todos carregamos uma série de “verdades” baseadas em nossas crenças cotidianas. Mas será que as coisas são do modo como percebemos e acreditamos conhecer? O questionamento filosófico pode começar da dúvida do que vemos em nós mesmos, nossa autoimagem: Ou de questionamentos sobre questões que muitas vezes tomamos como naturais: O que é felicidade? Como devo agir para alcançá-la? A consciência humana é permeada por crenças, ideologias e concepções de senso comum. Algumas das primeiras questões que inquietavam os filósofos da antiguidade diziam respeito justamente à nossa capacidade de conhecer a verdade: Somos capazes de conhecer a realidade? Daquilo que conhecemos, o que pode ser tomado como verdade? Será que somos o que pensamos ser? Como distinguir essência de aparência? Os conceitos que seguem evidenciam formas de nos relacionarmos com o conhecimento: DOGMATISMO: atitude presente em quem parte da crença de que o mundo existe e é exatamente da forma como o percebemos. Senso prático: a realidade natural, cultural, política e social forma uma espécie de moldura em um quadro em cujo interior nos instalamos e existimos. Tendência a não duvidar dos padrões estabelecidos. CETICISMO: vertente filosófica para a qual a razão humana é incapaz de conhecer a realidade em sua plenitude. Hábito de duvidar e tendência a não aceitar noções de verdade tratadas como absolutas. SENSO COMUM: Conjunto de opiniões, ideias e concepções que, prevalecendo em um determinado contexto social, se impõem como naturais e necessárias, não evocando geralmente reflexões e questionamentos. ATITUDE FILOSÓFICA: hábito de refletir e questionar aspectos da realidade percebida; senso crítico e problematizador. Normalmente a atitude filosófica parte da admiração, do espanto ou do estranhamento, o que nos leva a questionar, refletir e buscar respostas com base no exercício de nossa racionalidade. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 3 de 23 Por que filosofar? − Para não aceitarmos tudo de imediato, sem reflexão. − Para não nos contentarmos com uma visão banalizada da realidade. − Para conseguirmos desmascarar a relação entre aparência everdade. − Para não naturalizarmos as opressões presentes no mundo em vivemos. Interdisciplinaridade: Arte Conceitual Jenny Holzer, Inglaterra, 1988. Cildo Meireles – Inserções em Circuitos Ideológicos. Projeto Coca-Cola; 1970. − Do Mito ao Logos O surgimento da Filosofia coincide com o início de um processo de racionalização das interpretações para os fenômenos naturais e humanos. Os primeiros filósofos confiam a autoridade do conhecimento à razão humana e começam a abandonar explicações fantásticas ou religiosas, assumindo o pressuposto, muito caro à ciência moderna, de que há causas naturais para os fenômenos observados e que estas podem ser conhecidas por meio da contemplação e do raciocínio lógico. A origem da palavra filosofia remete ao filósofo pré- socrático Pitágoras de Samos. Seu significado seria apresso ou amor pela sabedoria. Mito Todas as culturas tendem a narrar sua história e a explicar o mundo e a origem das coisas. Ao fazer isso, atribuem significado à existência e ordenam o caos. A palavra mito (do grego mythós) significa história ou narrativa e remete às abordagens tradicionais de povos ancestrais. Em tese, os mitos são a base das religiões que aos poucos se estruturam e transmitem os valores fundamentais de cada cultura. Características fundamentais dos mitos: − Apresentam-se comumente como genealogias: narrativas sobre a origem do mundo e das coisas; − autoridade religiosa do “narrador”: as narrativas míticas dependem de contatos sobrenaturais com a Verdade; − construção alegórica e sentido simbólico: dificilmente os mitos se demostram no mundo de modo literal; − simbolizam um determinado código de ética, maneiras de se comportar fixadas na tradição de um povo; As epopeias de Homero, por exemplo, que narram e eternizam os mitos gregos, revelam a proeza dos deuses e dos antepassados, transmitem valores culturais e expressam concepções de vida e virtude fundamentais àquela cultura. “Sem dúvida, o poeta, o adivinho, o sábio, as seitas de mistério e de iniciação mágico-religiosa não desaparecem subitamente, mesmo porque a polis não nasce subitamente. Tanto assim que os primeiros filósofos – como Tales de Mileto, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos e mesmo um clássico, como Platão – ainda aparecem ligados a grupos e seitas de mistérios religiosos, ao mesmo tempo em que estão envolvidos nas discussões e decisões políticas de suas cidades.” Marilena Chauí. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasileiense, 199 − Condições históricas para o surgimento da Filosofia Algumas condições peculiares encontradas na Grécia antiga são precedentes importantes ao florescimento da filosofia. Dentre essas condições, podemos ressaltar o caráter antropocêntrico da cultura grega, marcante nas artes e na própria religião, e a formação das Polis, o que dá destaque à vida urbana. Nas cidades as regras passam a ser pensadas de modo mais objetivo (aplicado) e o papel de explicar a realidade deixa de estar vinculado exclusivamente às lideranças com dotes proféticos (poetas ou sacerdotes). É comum observarmos, ao longo da história, um significativo desenvolvimento da matemática, da astronomia e das tecnologias aplicadas à vida cotidiana à medida que as cidades se desenvolvem e crescem. Isso acontece na Mesopotâmia e no Egito, por exemplo. Na Grécia, a proeminência da vida urbana é condição essencial para o desenvolvimento de uma cultura mais antropocêntrica relacionada ao florescimento da filosofia. O conhecimento aplicado e o debate racional são elementos marcantes do apogeu desta cultura que será uma das bases mais importantes dos valores ocidentais. Nesse processo histórico, algumas características são marcantes: http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0CAcQjRw&url=http%3A%2F%2Fwww.arthistoryarchive.com%2Farthistory%2Fcontemporary%2FJenny-Holzer.html&ei=uZ_5VJSbLIOkgwTn3QE&bvm=bv.87611401,d.eXY&psig=AFQjCNErTnZhAuZejTDd-Am43jtlqRFE4g&ust=1425731884833938 http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0CAcQjRw&url=http%3A%2F%2Fwww.arthistoryarchive.com%2Farthistory%2Fcontemporary%2FJenny-Holzer.html&ei=uZ_5VJSbLIOkgwTn3QE&bvm=bv.87611401,d.eXY&psig=AFQjCNErTnZhAuZejTDd-Am43jtlqRFE4g&ust=1425731884833938 http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0CAcQjRw&url=http%3A%2F%2Fwww.arthistoryarchive.com%2Farthistory%2Fcontemporary%2FJenny-Holzer.html&ei=uZ_5VJSbLIOkgwTn3QE&bvm=bv.87611401,d.eXY&psig=AFQjCNErTnZhAuZejTDd-Am43jtlqRFE4g&ust=1425731884833938 http://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0CAcQjRw&url=http%3A%2F%2Fpassantes.redezero.org%2Freportagens%2Fcildo%2Fcoca.htm&ei=PqD5VNSqB8mzggSlr4CIDg&bvm=bv.87611401,d.eXY&psig=AFQjCNGRTK_DNeyb1mlOTdBumJT7rk-jlQ&ust=1425732015597748 Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 4 de 23 − século VIII a.C.: o poeta Hesíodo propõe, em sua Teogonia, uma humanização e organização racional dos mitos; − proeminência da vida urbana: surgimento da Polis (séculos VIII e VII a.C.); − disseminação do uso da moeda e da escrita (demonstram uma maior capacidade de abstração); − século V a.C. - democracia ateniense: tomada de decisão pública, debate entre os cidadãos; exposição pública de ideias (argumentação lógica); princípio de igualdade entre os cidadãos. _______________________________________________ Textos Complementares 1. O nascimento do amor - O Banquete, 203b-204b, Platão De que pai ele nasceu, perguntei, e de que mãe? – É uma história um tanto longa; mesmo assim vou contá-la a ti. No dia em que Afrodite nasceu, os deuses deram um banquete. Com eles estava o filho de Métis, Poros. Depois do Jantar, Penia tinha vindo mendigar, o que é natural num dia de abundância de comidas e bebidas, e mantinha-se perto da porta. Poros, que se tinha embriagado com néctar (pois o vinho não existia ainda), entrou no jardim de Zeus e, entorpecido, adormeceu. Penia, na sua penúria, teve a ideia de ter um filho de Poros; deitou-se junto a ele e concebeu o Amor. É por isso que o Amor se tornou companheiro de Afrodite e seu servidor. Concebido por ocasião das festas pelo nascimento dela, por sua própria natureza, ama o belo – a Afrodite é bela. Então, sendo filho de Poros e de Penia, o Amor acha-se na seguinte situação: por um lado, é sempre pobre, e, longe de ser delicado e belo como acredita a maioria das pessoas, é, pelo contrário, rude, desagradável, caminha pelo mundo de pés descalços, não tem morada, dorme sempre no chão duro, ao ar livre, perto das portas e nos caminhos, pois puxou à mãe; e a necessidade acompanha-o sempre. Por outro lado, a exemplo de seu pai, está sempre à espreita do que é belo e do que é bom; é viril, resoluto, ardente, é um caçador de primeira ordem, está sempre inventando manhas; aspira ao saber e sabe encontrar as passagens que o levam a ele; passa todo o tempo de sua vida filosofando; é um maravilhoso feiticeiro, e mágico, e sofista. É preciso acrescentar ainda que, por natureza, não é imortal nem mortal. Num mesmo dia, ora floresce e vive, ora morre; depois revive quando por ele perpassam os recursos que deve à natureza de seu pai, mas o que se passa nele, incessantemente, lhe escapa; assim sendo, o Amor não está jamais na indigência nem na opulência. Por outro lado, mantém-se entre o saber e a ignorância; e eis o que acontece: nenhum deus se ocupa em filosofar nem deseja se tornar sábio, pois já o é. E, de uma maneira geral, quando se é sábio não se filosofa; mas os ignorantes, também eles, não filosofam e não desejam se tornar sábios. É isso justamente que é deplorável na ignorância: não se é belo, nem bom, nem inteligente e, no entanto, se acredita sê-lo. Não se deseja uma coisa quando não sesente a sua falta. – Quem são, Diotima, perguntei, os que filosofam, se não são nem os sábios nem os ignorantes? – É muito claro, respondeu, até uma criança o veria imediatamente: os que se encontram entre os dois; e o Amor deve estar entre eles. A ciência, com efeito, está incluída entre as coisas mais belas; ora, o Amor é amor pelo belo; impõe-se, portanto, que o Amor seja filósofo e, por ser filósofo, que esteja no meio-termo entre o sábio e o ignorante. A causa disso está na origem, pois ele nasceu de um pai sábio e cheio de recursos e de uma mãe desprovida tanto de ciência quanto de recursos. É essa, meu caro Sócrates, a natureza desse demônio. (PLATÃO. Obras Completas: O Banquete, 203b-204b.) 2. A Filosofia no Mundo – Karl Jaspers Mas como se põe o mundo em relação com a filosofia? Há cátedras de filosofia nas universidades. Atualmente, representam uma posição embaraçosa. Por força da tradição, a filosofia é polidamente respeitada, mas, no fundo, objeto de desprezo. A opinião corrente é a de que a filosofia nada tem a dizer e carece de qualquer utilidade prática. A oposição se traduz em fórmulas como: a filosofia é demasiado complexa; não a compreendo; está além de meu alcance: não tenho vocação para ela; e, portanto, não me diz respeito. Ora, isso equivale a dizer: é inútil o interesse pelas questões fundamentais da vida; cabe abster-se de pensar no plano geral para mergulhar, através de trabalho consciencioso, num capitulo qualquer de atividade prática ou intelectual; quanto ao resto, bastará ter “opiniões” e contentar-se com elas. A polêmica torna-se encarniçada. Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. Se eu a compreendesse, teria de alterar minha vida, Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita, teria de rever meus juízos. Melhor é não pensar filosoficamente. E surgem os detratores, que desejam substituir a obsoleta filosofia por algo de novo e totalmente diverso. Ela é desprezada como produto final emendas de uma teologia falida. A insensatez das proposições dos filósofos é ironizada. E a filosofia vê-se denunciada como instrumento servil de poderes políticos e outros. Muitos políticos veem facilitado seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas tão-somente usam de uma inteligência de rebanho. É preciso impedir que os homens se tornem sensatos. Mais vale, portanto, que a filosofia seja vista como algo entediante. Oxalá desaparecessem as cátedras de filosofia. Quanto mais vaidades se ensinem, menos estarão os homens arriscados a se deixar tocar pela luz da filosofia. Assim, a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isto proclama a antifilosofia. E os homens não o percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a antifilosofia é uma filosofia, embora pervertida, que, se aprofundada, engendraria sua própria aniquilação. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 5 de 23 O problema crucial é o seguinte: a filosofia aspira à verdade total, que o mundo não quer. A filosofia é, portanto, perturbadora da paz. E a verdade o que será? A filosofia busca a verdade nas múltiplas significações do ser-verdadeiro segundo os modos do abrangente. Busca, mas não possui o significado e substância da verdade única. Para nós, a verdade não é estática e definitiva, mas movimento incessante, que penetra no infinito. No mundo, a verdade está em conflito perpétuo. A filosofia leva esse conflito ao extremo, porém o despe de violência. Em suas relações com tudo quanto existe, o filósofo vê a verdade revelar-se a seus olhos, graças ao intercâmbio com outros pensadores e ao processo que o torna transparente a si mesmo. Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, com seus concidadãos, do destino comum da humanidade. Eis por que a filosofia não se transforma em credo. Está em contínua disputa consigo mesma. _______________________________________________ Exercícios 1. (Uema 2015) Leia o poema do moçambicano Craveirinha, Cantiga do negro do betelão. Se me visses morrer Os milhões de vezes que nasci... Se me visses chorar Os milhões de vezes que te riste... Se me visses gritar Os milhões de vezes que me calei... Se me visses cantar Os milhões de vezes que morri... E sangrei Digo-te, irmão europeu Também tu Havias de nascer Havias de chorar Havias de cantar Havias de gritar Havias de morrer E sangrar... Milhões de vezes como eu Fonte: CRAVEIRINHA. In: Revista do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFCLH da USP. São Paulo: Edusp, 2002, p.100. O poeta constrói ou reconstrói a realidade em seus versos e o filósofo, ao ser “tocado” pela poesia, é chamado a refletir sobre ela. A primeira condição ou primeira virtude para o filosofar é a) problematizar. b) questionar. c) persuadir. d) teorizar. e) admirar. 2. (Enem PPL 2016) O aparecimento da pólis, situado entre os séculos VIII e VII a.C., constitui, na história do pensamento grego, um acontecimento decisivo. Certamente, no plano intelectual como no domínio das instituições, a vida social e as relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade foi plenamente sentida pelos gregos, manifestando-se no surgimento da filosofia. VERNANT, J.-P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2004 (adaptado). Segundo Vernant, a filosofia na antiga Grécia foi resultado do(a) a) constituição do regime democrático. b) contato dos gregos com outros povos. c) desenvolvimento no campo das navegações. d) aparecimento de novas instituições religiosas. e) surgimento da cidade como organização social. 3. (Enem 2015) A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter- nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um. NIETZSCHE. F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural. 1999 O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos? a) O impulso para transformar, mediante justificativas, os elementos sensíveis em verdades racionais. b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres e das coisas. c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira das coisas existentes. d) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre as coisas. e) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos, o que existe no real. 4. (Uel 2015) Leia os textos a seguir. Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre. HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. 3.ed. Trad. de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1995. p.91. Segundo a mitologia ioruba, no início dos tempos havia dois mundos: Orum, espaço sagrado dos orixás, e Aiyê, que seria dos homens, feito apenas de caos e água. Por ordem de Olorum, o deus supremo, o orixá Oduduá veio à Terra trazendo uma cabaça com ingredientes especiais, entre eles aterra escura que jogaria sobre o oceano para garantir morada e sustento aos homens. “A Criação do Mundo”. SuperInteressante. jul. 2008. Disponível em: <http://super.abril.com.br/religiao/criacaomundo-447670.shtm>. Acesso em: 1 abr. 2014. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 6 de 23 No começo do tempo, tudo era caos, e este caos tinha a forma de um ovo de galinha. Dentro do ovo estavam Yin e Yang, as duas forças opostas que compõem o universo. Yin e Yang são escuridão e luz, feminino e masculino, frio e calor, seco e molhado. PHILIP, N. O Livro Ilustrado dos Mitos: contos e lendas do mundo. Ilustrado por Nilesh Mistry. Trad. de Felipe Lindoso. São Paulo: Marco Zero, 1996. p.22. Com base nos textos e nos conhecimentos sobre a passagem do mito para o logos na filosofia, considere as afirmativas a seguir. I. As diversas narrativas míticas da origem do mundo, dos seres e das coisas são genealogias que concebem o nascimento ordenado dos seres; são discursos que buscam o princípio que causa e ordena tudo que existe. II. Os mitos representam um relato de algo fabuloso que afirmam ter ocorrido em um passado remoto e impreciso, em geral grandes feitos apresentados como fundamento e começo da história de dada comunidade. III. Para Platão, a narrativa mitológica foi considerada, em certa medida, um modo de expressar determinadas verdades que fogem ao raciocínio, sendo, com frequência, algo mais do que uma opinião provável ao exprimir o vir-a-ser. IV. Quando tomado como um relato alegórico, o mito é reduzido a um conto fictício desprovido de qualquer correspondência com algum tipo de acontecimento, em que inexiste relação entre o real e o narrado. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 5. (UEL-2004) “Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.” (OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.) Assinale a alternativa que apresenta a “guinada de atitude” que o texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filósofos. a) A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais. b) A discussão crítica das ideias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas. c) A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela religião. d) A confiança na tradição e na “imposição religiosa” como fundamentos para o conhecimento. e) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de óticas” conflitantes entre si. 6. (UEL-2003) “Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra, entre os mortais. E os homens, o que acontece com eles? Quem são eles?” (VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56.) O texto acima é parte de uma narrativa mítica. Considerando que o mito pode ser uma forma de conhecimento, assinale a alternativa correta. a) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação. b) O conhecimento mítico segue um rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suas verdades. c) As explicações míticas constroem-se de maneira argumentativa e autocrítica. d) O mito busca explicações definitivas acerca do homem e do mundo, e sua verdade independe de provas. e) A verdade do mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de não-contradição. 7. (UNB 2012) No início do século XX, estudiosos esforçaram-se em mostrar a continuidade, na Grécia Antiga, entre mito e filosofia, opondo-se a teses anteriores, que advogavam a descontinuidade entre ambos. A continuidade entre mito e filosofia, no entanto, não foi entendida univocamente. Alguns estudiosos, como Cornford e Jaeger, consideraram que as perguntas acerca da origem do mundo e das coisas haviam sido respondidas pelos mitos e pela filosofia nascente, dado que os primeiros filósofos haviam suprimido os aspectos antropomórficos e fantásticos dos mitos. Ainda no século XX, Vernant, mesmo aceitando certa continuidade entre mito e filosofia, criticou seus predecessores, ao rejeitar a ideia de que a filosofia apenas afirmava, de outra maneira, o mesmo que o mito. Assim, a discussão sobre a especificidade da filosofia em relação ao mito foi retomada. Considerando o breve histórico acima, concernente à relação entre o mito e a filosofia nascente, assinale a opção que expressa, de forma mais adequada, essa relação na Grécia Antiga. a) O mito é a expressão mais acabada da religiosidade arcaica, e a filosofia corresponde ao advento da razão liberada da religiosidade. b) O mito é uma narrativa em que a origem do mundo é apresentada alegoricamente, e a filosofia caracteriza-se como explicação racional que retoma questões presentes no mito. c) O mito fundamenta-se no rito, é infantil, pré-lógico e irracional, e a filosofia, também fundamentada no rito, corresponde ao surgimento da razão na Grécia Antiga. d) O mito descreve nascimentos sucessivos, incluída a origem do ser, e a filosofia descreve a origem do ser a partir do dilema insuperável entre caos e medida. 8. (UNESP 2012) A ciência moderna tem maior poder explicativo, permite previsões mais seguras e assegura tecnologias e aplicações mais eficazes. Não há dúvida de que a explicação científica sobre a natureza da chuva comporta usos que a explicação indígena não comporta, Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 7 de 23 como facilitar prognósticos meteorológicos ou a instalação de sistemas de irrigação. Para a ciência moderna, a Lua é um satélite que descreve uma órbita elíptica em torno da Terra, cuja distância mínima do nosso planeta é cerca de 360 mil quilômetros, e que tem raio de 1 736 quilômetros. Para os gregos, era Selene, filha de Hyprion, irmã de Hélios, amante de Endymion e Pan, e percorria o céu numa carruagem de prata. Tenho mais simpatia pela explicação dos gregos, mas devo reconhecer que a teoria moderna permite prever os eclipses da Lua e até desembarcar na Lua, façanha dificilmente concebível para uma cultura que continuasse aceitando a explicação mitológica. Os astronautas da NASA encontraram na superfície do nosso satélite as montanhas observadas por Galileu, mas não encontraram nem Selene nem sua carruagem de prata. Para o bem ou para o mal as teorias científicas modernas são válidas, o que não ocorre com as teorias alternativas. (Sérgio Paulo Rouanet, filósofo brasileiro, 1993. Adaptado.) Cite o nome dos dois diferentes tipos de conhecimento comentados no texto e explique duas diferenças entre eles. _______________________________________________ Gabarito: 1. e) 2. e) 3. c) 4. d) 5. b) 6. d) 7. b) 8. Dissertativa (correção na aula ou no plantão) SEMANA 2 – Introdução à Sociologia O QUE É SOCIOLOGIA? Ciência que surge no século XIX e que se propõe a estudar a sociedade moderna. Objetivos: - analisar a relação entre as transformações na vida cotidiana e os processos mais amplos de mudança histórica. - compreender a sociedade industrial do século XIX:capitalismo, vida urbana, industrialização, desenvolvimento tecnológico, novas relações de tempo e espaço, individualismo, secularização. Estas mudanças que caracterizam a sociedade moderna passam a não ser mais tomadas como naturais pelo indivíduo do século XIX. Nesse contexto, surgem as chamadas ciências sociais, que aplicam o método científico (rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos) para estudar diferentes aspectos da vida social. Sociologia – estudo científico da sociedade moderna, com foco em questões estruturais e na relação entre indivíduo e sociedade. Antropologia – ciência social que estuda o ser humano como produtor de cultura e as diferentes manifestações culturais Ciência Política – estudos dos fenômenos e das estruturas políticas. imaginação sociológica: Expressão criada pelo cientista social norte-americano C. Wright Mills em 1959. Ela designa uma habilidade que qualquer indivíduo pode desenvolver ao longo da vida. Significa o indivíduo tornar-se capaz de compreender de modo mais amplo os eventos cotidianos, estabelecendo relações entre a biografia (pessoal) e a história (social, estrutural). Assim, a imaginação sociológica é um conceito que que procura descrever o processo de conexão entre a experiência individual da pessoa com as instituições sociais sob as quais convive e com o seu próprio lugar na história da humanidade. Carles Wright Mills (1916 – 1962) Contexto histórico do surgimento da sociologia: - Rev. Industrial: desestrutura por completo o feudalismo e consolida o modo de produção capitalista; - Rev. Francesa: marca, junto às demais revoluções burguesas, a ascensão política da classe burguesa, que desestrutura o Antigo Regime e abre caminhos para o surgimento de modelos de democracia representativa baseados na igualdade jurídica e civil dos cidadãos; - Iluminismo: corrente filosófica do século XVIII que compreende a razão humana como instrumento de transformação histórica (progresso), consagra a ciência e dissemina valores liberais como liberdade e igualdade. https://pt.wikipedia.org/wiki/C._Wright_Mills https://pt.wikipedia.org/wiki/C._Wright_Mills https://pt.wikipedia.org/wiki/1959 https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 8 de 23 É importante notarmos que até o Iluminismo não existia um pensamento autônomo sobre a vida social, as tradições, os costumes (ancorados na religião) regiam a vida cotidiana como se todos os hábitos e valores fossem inquestionáveis. A desigualdade entre os homens era tomada como uma condição natural. Contexto científico do surgimento da sociologia: Dentre os pressupostos científicos para o surgimento da Sociologia encontram-se as seguintes noções, bastante difundidas no século XIX: − as relações entre os homens podem ser destacadas como objeto de conhecimento científico; − há leis (padrões) que ordenam a política, o Estado, os costumes e hábitos sociais (esses padrões independem da vontade do homem) e tais leis podem ser conhecidas por meio de um método formalizado de acordo com as premissas da ciência. Como vimos, a sociedade que inquietava os primeiros sociólogos era uma sociedade industrial, marcada por novas formas de produção material e pela intensa divisão do trabalho. A ciência passa a ocupar lugar de destaque nessa sociedade, uma vez que muitas teses e descobertas sobre a natureza se alastram pela Europa dos séculos XVIII e XIX, alternando significativamente o que se conhecia do mundo. O cientificismo do período expande-se para o estudo da sociedade, gerando um conjunto de teses e interpretações hoje bastante questionáveis, mas que marcaram os primeiros estudos no campo sociológico. Darwinismo Social Muitos cientistas e políticos do século XIX leram as teses de Darwin sobre a evolução das espécies e transpuseram tais ideias para a análise da sociedade, o que resultou no darwinismo social, expressão que abarca teses do século XIX que afirmam que as sociedades se desenvolvem de forma semelhante, sempre de um estágio inferior para um estágio superior. Inspirados nessa perspectiva evolucionista, cientistas justificavam a discrepância entre as sociedades europeias e as de outros continentes, que se encontrariam em estágios inferiores de desenvolvimento. Além de refletir o otimismo da industrialização, o darwinismo social acabou servindo de forte justificativa para o colonialismo na África e em outras regiões do planeta que, na leitura dos representantes dessa corrente, careciam de ser levados ao progresso. Herbert Spencer (1820 – 1903) Spencer, principal teórico e defensor do Organicismo, defendeu a tese de que toda a realidade evolui de modo semelhante aos organismos vivos. Na perspectiva social, o sistema organicista defende a ideia da superioridade dos seres que melhor se adaptam ao ambiente. Auguste Comte (1789 – 1857) Filósofo francês, criador da corrente filosófica conhecida como Positivismo. Nela, a ciência é o único conhecimento válido à compreensão da realidade e capaz de resolver os problemas que impedem as sociedades humanas de alcançarem a sua plenitude. Comte consolidou a palavra “sociologia” no ambiente intelectual da época, num primeiro momento chamada de “física social”, dada a influência das ciências da natureza, seu método e pretensão de neutralidade. Ele defendia a tese de que a humanidade passava por três estágios de conhecimento: TEOLÓGICO: os homens atribuíam as causas dos fenômenos aos deuses. METAFÍSICO: recorriam a conceitos abstratos para entender o mundo. POSITIVO: os homens aplicam métodos científicos para compreender a causa dos fenômenos. Comte creditava que a especificidade da Sociologia era o estudo da sociedade. Defendia a existência de leis sociais que determinam o curso da evolução da humanidade. As leis são resultados aleatórios da ação humana. Essa movimentação natural tende a levar as sociedades ao progresso (evolução). As forças evolutivas, que fazem eclodir as transformações necessárias seriam, por sua vez, equilibradas pela ação das forças ordenadoras, que teriam o papel de manter a coesão das sociedades, não permitindo que as transformações abalassem de modo demasiado as estruturas. Essas forças, ordem e progresso, deveriam existir sempre em equilíbrio. O filósofo almejava entender a organização da sociedade industrial europeia, direcionando-a ao progresso. Acreditava que a Sociologia poderia estudar profundamente e contribuir com o equilíbrio das forças sociais. O positivismo influenciou um outro importante pensador francês, chamado Émile Durkheim, considerado um dos pais da Sociologia. _______________________________________________ Texto Complementar "IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA": SOCIOLOGIA, SIM! Qual a importância da Sociologia? Para explanar sobre isso, o sociólogo Charles Wright Mills (1916 - 1962) se utiliza da expressão "imaginação sociológica", de fundamental importância para a compreensão da existência dentro da perspectiva social, para além da importância desta disciplina no currículo escolar. Pensar a educação contemporânea eximindo a importância da Sociologia é um ledo equívoco. Tornou-se urgente a compreensão pelo homem, dos cenários políticos, econômicos e sociais inseridos, e isso só é possível através de uma reflexão crítica correspondente ao viés filosófico-sociológico. Essa reflexão segundo Charles Wright Mills (1916 - 1962), sociólogo americano, é produto Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 9 de 23 da “Imaginação Sociológica” (1959), o que implica em uma consideração mais abrangente sobre os fatos, um olhar mais profundo e vasto. Os problemas devem ser compreendidos a partir de uma perspectiva capaz de situar simultaneamente a história, a biografia e a estrutura social do indivíduo. Mills acredita que é necessário um trabalho intelectuala partir de si mesmo para então observar a perspectiva social e problematizá-la. Mas, em que pesa esse pensar sociológico? A partir do momento em que o indivíduo põe-se a questionar seu meio, passa a analisá-lo de modo diferente: descobre um mundo em que vivia, mas que por falta de atenção não se permitia enxergar. Faz-se necessário o questionamento da conjuntura do próprio contexto social. O mundo moderno fez do homem um ser individual, egoísta, fechado em suas relações, privado em suas observações. O homem moderno se permite naquilo que lhe permita comodismo. Sua visão está limitada pelo cenário no qual está inserido. Esse congelamento da sua realidade como imutável e absoluta é o maior equívoco de qualquer individuo que queira compreender sua relação com a estrutura social. Mills (1959) salienta que raramente os indivíduos tem consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial, e é por meio da imaginação sociológica que os homens esperam hoje, perceber o que está acontecendo com eles, como minúsculos pontos de cruzamento da biografia e da história dentro da sociedade. É válido considerar que essa sobreposição do individual sobre o social (e assim, do privado sobre o público) é o que justamente demonstra a apatia de um povo que não se compromete com o desenvolvimento de sua sociedade. A privação em vista do próprio interesse é sem dúvida, característica de um ser não politizado. “Se aceitarmos a definição grega do termo idiota como um homem totalmente privado, poderemos concluir então que muitos cidadãos de muitas sociedades são realmente idiotas”. (MILLS, p. 52, 1959). Mills aposta enfaticamente na Sociologia como trajeto para o desenvolvimento da razão na busca pela solução de problemas sociais. O uso da imaginação sociológica que busca ampliar a visão para procurar o que de fato está acontecendo sem a tendência de uma dedução incoerente, sugere também a busca por soluções eficientes. Para compreender as modificações de muitos ambientes pessoais, temos a necessidade de olhar além deles, ter a consciência da ideia da estrutura social e analisá-la com sensibilidade. Outra crítica do autor é com o uso abusivo de teorias abstratas, o que ele chamará de “Fetichismo Conceitual”. Como diz Mills, é necessário que as pessoas desçam de suas alturas inúteis, ou seja, o imaginar sociológico vai muito além de teorias que são constantemente reproduzidas por indivíduos que não as questionam. Frases decoradas de grandes clássicos devem ser estraçalhadas e compreendidas, e não apenas repetidas. A capacidade de decorar textos não denota conhecimento. Percebe-se a necessidade de saber aplicar o método sociológico. A Sociologia serve como instrumento para análises críticas e reflexivas. Permite a discussão de questões que abrangem o cenário econômico, político, social, cultural, dispondo de um leque de possibilidades que oferecem ao individuo a concepção de que o mundo vai muito além de suas crenças e verdades individuais, o que constitui de fato a ideia de que os paradigmas assim como são construídos, podem ser desconstruídos. A insistência na consideração pela importância da Sociologia é premissa defendida por aqueles que visam não só o crescimento, mas o desenvolvimento de sua sociedade. É necessário que se ressalte o mérito da Sociologia. Ao provocar um desejo investigativo, a Sociologia se apresenta com uma postura que possibilita a autonomia racional do individuo. E a partir do momento em que a busca por questionamentos e desdobramentos da realidade passa a ser um hábito desenvolvido não só na própria escola, mas na condição social, o individuo torna-se ser ativo, cidadão, e assim, cônscio de seu papel na estrutura social. Fonte: http://obviousmag.org/poeira_de_plutao/2017/imaginacao- sociologica-sociologia-sim.html __________________________________________________________ Exercícios 1. (Uem 2018) Auguste Comte (1798-1857), a quem se atribui a formulação do termo Sociologia, foi o principal representante e sistematizador do Positivismo. Acerca do pensamento comteano, é correto afirmar que 01) considerava os prejuízos do desenvolvimento econômico das sociedades industriais. 02) teve grande influência sobre o pensamento social brasileiro do século XIX e início do XX. 04) a inspiração para o método de investigação dos fenômenos sociais de Comte veio das ciências da natureza. 08) era uma tentativa de constituição de um método objetivo para a observação dos fenômenos sociais. 16) considerava o progresso e a evolução social um princípio da história humana. 2. (Uem 2018) Assinale o que for correto em relação ao surgimento das Ciências Sociais e de suas perspectivas teóricas e metodológicas. 01) Tal como a Física, a Química e a Biologia, a Sociologia surgiu como parte do desenvolvimento e dos desdobramentos do conhecimento científico. 02) Somente com o surgimento da Sociologia e da Psicologia, por volta do século XVIII, a humanidade despertou sua curiosidade para o comportamento humano e suas consequências para as relações entre as pessoas. 04) A Sociologia, como as demais ciências puras, não tem impacto prático na vida das pessoas. 08) A avaliação de resultados de políticas públicas pode ser um dos objetivos da investigação sociológica. 16) O estudo sociológico somente é possível porque a humanidade já atingiu seu completo desenvolvimento no processo de estruturação social. 3. (UNESP 2016) Texto 1 Diversamente do idealismo, o positivismo reivindica o primado da ciência: nós conhecemos somente aquilo que as ciências nos dão a conhecer, pois o único método de conhecimento é o das ciências naturais. O positivismo não apenas afirma a unidade do método científico e o primado Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 10 de 23 desse método como instrumento de conhecimento, mas também exalta a ciência como o único meio em condições de resolver, ao longo do tempo, todos os problemas humanos e sociais que até então haviam atormentado a humanidade. (Giovanni Reale e Dario Antiseri. História da Filosofia, vol. 3, 1999. Adaptado.) Texto 2 Basta, portanto, que os homens sejam considerados coisas para que se tornem manipuláveis, submetidos à ditadura racionalizada moderna que encontra seu apogeu no campo de concentração. Assim, a nova crise da razão é interna e traz subitamente à luz, no cerne da racionalização, a presença destrutiva da desrazão. Já não é apenas a suficiência e a insuficiência da razão que estão em causa, é a irracionalidade do racionalismo e da racionalização. Essa irracionalidade pode devorar a razão sem que ela se dê conta. (Edgar Morin. Ciência com consciência, 1996. Adaptado.) Considerando a análise realizada por Edgar Morin sobre as tendências irracionais da razão, explique sua importância para uma crítica ao otimismo positivista diante da ciência. 4. (ENEM 2006) No início do século XIX, o naturalista alemão Carl Von Martius esteve no Brasil em missão científica para fazer observações sobre a flora e a fauna nativas e sobre a sociedade indígena. Referindo-se ao indígena, ele afirmou: “Permanecendo em grau inferior da humanidade, moralmente, ainda na infância, a civilização não o altera, nenhum exemplo o excita e nada o impulsiona para um nobre desenvolvimento progressivo [...]. Esse estranho e inexplicável estado do indígena americano, até o presente, tem feito fracassarem todas as tentativas para conciliá-lo inteiramente com a Europa vencedora e torná-lo um cidadão satisfeito e feliz.” (VON MARTIUS, Carl. O estado do direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1982.) Com base nessa descrição, conclui-se que o naturalista Von Martius a) apoiava a independência do Novo Mundo, acreditando que os índios, diferentemente do que fazia a missão europeia, respeitavam a florae a fauna do país. b) discriminava preconceituosamente as populações originárias da América e advogava o extermínio dos índios. c) defendia uma posição progressista para o século XIX: a de tornar o indígena cidadão satisfeito e feliz. d) procurava impedir o processo de aculturação, ao descrever cientificamente a cultura das populações originárias da América. e) desvalorizava os patrimônios étnicos e culturais das sociedades indígenas e reforçava a missão "civilizadora europeia", típica do século XIX 5. (Uem 2012) Sobre a relação entre a revolução industrial e o surgimento da sociologia como ciência, assinale o que for correto. 01) A consolidação do modelo econômico baseado na indústria conduziu a uma grande concentração da população no ambiente urbano, o qual acabou se constituindo em laboratório para o trabalho de intelectuais interessados no estudo dos problemas que essa nova realidade social gerava. 02) A migração de grandes contingentes populacionais do campo para as cidades gerou uma série de problemas modernos, que passaram a demandar investigações visando à sua resolução ou minimização. 04) Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos fenômenos provocados pela revolução industrial compartilhavam uma perspectiva positiva sobre os efeitos do desenvolvimento econômico baseado no modelo capitalista. 08) Os conflitos entre capital e trabalho, potencializados pela concentração dos operários nas fábricas, foram tema de pesquisa dos precursores da sociologia e continuam inspirando debates científicos relevantes na atualidade. 16) A necessidade de controle da força de trabalho fez com que as fábricas e indústrias do século XIX inserissem sociólogos em seus quadros profissionais, para atuarem no desenvolvimento de modelos de gestão mais eficientes e produtivos. 6. (Ufu 2010) A Sociologia surge em um período em que o fazer científico encontrava-se influenciado por algumas teses desenvolvidas durante o século XIX. Herbert Spencer, Charles Darwin e Auguste Comte, por exemplo, tiveram grande importância para o pensamento sociológico. O primeiro, por aplicar às ciências humanas o evolucionismo, mesmo antes das teses revolucionárias sobre a seleção das espécies do segundo. Com relação a Comte, houve a influência de seu “espírito positivo” na formação dos muitos intelectuais do período. Sobre as ideias de evolução e progresso e seu impacto no pensamento sociológico, podemos afirmar que: a) A ideia de progresso, apesar de ter grande influência na área das ciências naturais, não teve impacto decisivo na constituição da sociologia. b) A ideia de evolução foi uma das palavras de ordem do período, mas a sociologia rejeitou a sua adoção, assim como qualquer comparação entre seus efeitos no reino natural e no mundo social. c) A explicação sociológica procurou, desde o seu início, afastar-se de qualquer forma de determinismos, fossem biológicos ou geográficos, pois se contrapunha fortemente às explicações de cunho evolucionista. d) Em sua busca por constituir-se como disciplina, a Sociologia passou pela valorização e incorporação dos métodos das ciências da natureza, utilizando metáforas organicistas, assim como conferindo ênfase à noção de função. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 11 de 23 7. (UNESP) É difícil acreditar na guerra terrível, mas silenciosa, que os seres orgânicos travam em meio aos bosques serenos e campos risonhos. ("C. Darwin, anotação no Diário de 1839".) Na segunda metade do século XIX, a doutrina sobre a seleção natural das espécies, elaborada pelo naturalista inglês Charles Darwin, foi transferida para as relações humanas, numa situação histórica marcada a) pela concórdia universal entre povos de diferentes continentes. b) pela noção de domínio, supremacia e hierarquia racial. c) pelos tratados favoráveis aos povos colonizados. d) pelas concepções de unificação europeia e de paz armada. e) pela fundação de instituições destinadas a promover a paz. 8. (UEL 2005) A Sociologia é uma ciência moderna que surge e se desenvolve juntamente com o avanço do capitalismo. Nesse sentido, reflete suas principais transformações e procura desvendar os dilemas sociais por ele produzidos. Sobre a emergência da sociologia, considere as afirmativas a seguir. I. A Sociologia tem como principal referência a explicação teológica sobre os problemas sociais decorrentes da industrialização, tais como a pobreza, a desigualdade social e a concentração populacional nos centros urbanos. II. A Sociologia é produto da Revolução Industrial, sendo chamada de “ciência da crise”, por refletir sobre a transformação de formas tradicionais de existência social e as mudanças decorrentes da urbanização e da industrialização. III. A emergência da Sociologia só pode ser compreendida se for observada sua correspondência com o cientificismo europeu e com a crença no poder da razão e da observação, enquanto recursos de produção do conhecimento. IV. A Sociologia surge como uma tentativa de romper com as técnicas e métodos das ciências naturais, na análise dos problemas sociais decorrentes das reminiscências do modo de produção feudal. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) II e III. c) II e IV. d) I, II e IV. e) I, III e IV. _______________________________________________ Gabarito: 1. 02 + 04 + 08 + 16 = 30. 2. 01 + 08 = 09 3. Dissertativa (corrigida em aula ou no plantão) 4. e) 5. 1 + 2 + 4 + 8 = 15 6. d) 7. b) 8. b) SEMANA 3 – Pré-socráticos e a Cosmologia Os filósofos pré-socráticos São conhecidos como pré-socráticos os pensadores, teóricos e matemáticos que formulam as primeiras hipóteses científicas e concepções filosóficas registradas na cultura ocidental. Eles são chamados de pré-socráticos por atuarem no campo da Cosmologia, o que os difere de Sócrates, e não necessariamente por uma questão cronológica, já que alguns deles foram contemporâneos do próprio Sócrates. Características da filosofia pré-socrática: - contemplação do mundo natural e formulação teórica; - uso aplicado da matemática; - estudo sistemático e racional da origem, ordem e transformação da natureza (Cosmologia); - busca pelo princípio natural gerador de todos os seres (physis) e pela essência ordenadora do mundo (arkhé). Premissa fundamental da Cosmologia pré-socrática: há uma causa inteligível para os fenômenos e o homem pode conhecê-la por meio de sua RAZÃO. Physis: fazer surgir; fazer brotar Arkhé: princípio gerador da realidade O pensamento pré-socrático é comumente organizado a partir das quatro principais vertentes do período ou escolas de pensamento: ESCOLA JÔNICA: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Heráclito de Éfeso. ESCOLA ITÁLICA: Pitágoras de Samos, Filolau de Crotona, Árquites de Tarento. ESCOLA ELEATA: Parmênides de Eléia e Zenão de Eléia. ESCOLA DA PLURALIDADE: Empédocles de Agrigento, Leucipo e Demócrito. Problemas centrais aos pré-socráticos: Qual o princípio gerador da realidade? Como o mundo natural está ordenado? Existe permanência em um mundo em constante mudança? Como conciliar SER e MOVIMENTO? Todas essas questões são pertinentes ao campo da Cosmologia: estudo racional do universo ou do mundo natural ao qual se dedicaram os pensadores pré-socráticos. Contudo, a crítica de Parmênides de Eleia ao pensamento de Heráclito de Éfeso revela uma preocupação, por parte de Parmênides, em tentar compreender a realidade em sua essência mais profunda: o Ser. O filósofo inaugura, assim, um campo de estudo da filosofia que se propõe a estudar a essência da realidade ou do próprio ser (o que é ou existe por si mesmo). Este campo de estudos é a Ontologia. Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 12 de 23 Primeiro grande conflitode ideias da história da filosofia: Heráclito de Éfeso Parmênides de Eléia - Nada permanece, tudo flui; - A realidade / verdade é a mudança; “Nos mesmos rios, entramos e não entramos, somos e não somos” - Os opostos em contínuo movimento (tensão) se integram (quente-frio; guerra-paz; vida-morte); tudo é um. - A mudança não revela a essência do ser; - Só o pensamento pode compreender as coisas como realmente são; “O ser é e não pode não ser. O não ser não é e não pode ser de modo algum” - O ser é imutável; _______________________________________________ Exercícios 1. (UEL 2003) - “Tales foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que esse princípio é a água. Essa proposta é importantíssima... podendo com boa dose de razão ser qualificada como a primeira proposta filosófica daquilo que se costuma chamar civilização ocidental.” (REALE, Giovanni. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 29.) A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filósofos foram os chamados pré-socráticos. De acordo com o texto, assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles investigado. a) A ética, enquanto investigação racional do agir humano. b) A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte. c) A epistemologia, como avaliação dos procedimentos científicos. d) A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo. e) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação. 2. (ENEM 2017) A representação de Demócrito é semelhante à de Anaxágoras, na medida em que um infinitamente múltiplo é a origem; mas nele a determinação dos princípios fundamentais aparece de maneira tal que contém aquilo que para o que foi formado não é, absolutamente, o aspecto simples para si. Por exemplo, partículas de carne e de ouro seriam princípios que, através de sua concentração, formam aquilo que aparece como figura. HEGEL, G.W. Crítica moderna. In:SOUZA, J.C. (Org.). Os pré-socráticos: vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (adaptado). O texto faz uma apresentação crítica acerca do pensamento de Demócrito, segundo o qual o “princípio constitutivo das coisas” estava representado pelo(a) a) número, que fundamenta a criação dos deuses. b) devir, que simboliza o constante movimento dos objetos. c) água, que expressa a causa material da origem do universo. d) imobilidade, que sustenta a existência do ser atemporal. e) átomo, que explica o surgimento dos entes. 3. (Uel 2019) Leia o texto a seguir. Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo me impele, conduzem-me, depois de me terem dirigido pelo caminho famoso da divindade [...] E a deusa acolheu-me de bom grado, mão na mão direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu: [...] Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o relato que ouviste – quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar, um que é, que não é para não ser, é caminho de confiança (pois acompanha a realidade): o outro que não é, que tem de não ser, esse te indico ser caminho em tudo ignoto, pois não poderás conhecer o não-ser, não é possível, nem indicá-lo [...] pois o mesmo é pensar e ser. PARMÊNIDES. Da Natureza, frags. 1-3. Trad. José Trindade Santos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2009. p. 13-15. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia de Parmênides, assinale a alternativa correta. a) Pensar e ser se equivalem, por isso o pensamento só pode tratar e expressar o que é, e não o que não é – o não ser. b) A percepção sensorial nos possibilita conhecer as coisas como elas verdadeiramente são. c) O ser é mutável, eterno, divisível, móvel e, por isso, a razão consegue conhecê-lo e expressá-lo. d) A linguagem pode expressar tanto o que é como o que não é, pois ela obedece aos princípios de contradição e de identidade. e) O ser é e o não ser não é indica que a realidade sensível é passível de ser conhecida pela razão. 4. (Ufu 2018- adaptada) Considere o seguinte texto do filósofo Heráclito (século VI a.C.). "Para as almas, morrer é transformar-se em água; para a água, morrer é transformar-se em terra. Da terra, contudo, forma-se a água e da água, a alma” Heráclito. Fragmentos, extraído de: MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000. Tradução do autor. Em relação ao excerto acima, podemos afirmar que ele ilustra a) a descrição verdadeira de Heráclito sobre a realidade, comprovada pela ciência moderna. b) a concepção heraclitiana que valoriza a importância do movimento na descrição da realidade. c) a concepção dialética do pensamento heraclitiano, segundo a qual o movimento é uma ilusão dos sentidos. d) a concepção heraclitiana da realidade, segundo a qual a multiplicidade dos fenômenos subjaz uma realidade única. e) o pensamento religioso de Heráclito, segundo o qual a morte é a libertação da alma. 5. (Uel 2015) De onde vem o mundo? De onde vem o universo? Tudo o que existe tem que ter um começo. Portanto, em algum momento, o universo também tinha de ter surgido a partir de uma outra coisa. Mas, se o universo de repente tivesse surgido de alguma outra coisa, então essa outra coisa também devia ter surgido de alguma outra coisa algum dia. Sofia entendeu que só tinha transferido o problema de lugar. Afinal de contas, algum dia, alguma coisa tinha de ter surgido do nada. Existe uma substância básica a partir da qual tudo é feito? A grande questão para os primeiros filósofos não era saber como tudo surgiu do Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 13 de 23 nada. O que os instigava era saber como a água podia se transformar em peixes vivos, ou como a terra sem vida podia se transformar em árvores frondosas ou flores multicoloridas. Adaptado de: GAARDER, J. O Mundo de Sofia. Trad. de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.43-44. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o surgimento da filosofia, assinale a alternativa correta. a) Os pensadores pré-socráticos explicavam os fenômenos e as transformações da natureza e porque a vida é como é, tendo como limitador e princípio de verdade irrefutável as histórias contadas acerca do mundo dos deuses. b) Os primeiros filósofos da natureza tinham a convicção de que havia alguma substância básica, uma causa oculta, que estava por trás de todas as transformações na natureza e, a partir da observação, buscavam descobrir leis naturais que fossem eternas. c) Os teóricos da natureza que desenvolveram seus sistemas de pensamento por volta do século VI a.C. partiram da ideia unânime de que a água era o princípio original do mundo por sua enorme capacidade de transformação. d) A filosofia da natureza nascente adotou a imagem homérica do mundo e reforçou o antropomorfismo do mundo dos deuses em detrimento de uma explicação natural e regular acerca dos primeiros princípios que originam todas as coisas. e) Para os pensadores jônicos da natureza, Tales, Anaxímenes e Heráclito, há um princípio originário único denominado o ilimitado, que é a reprodução da aparência sensível que os olhos humanos podem observar no nascimento e na degeneração das coisas. 6. (Unioeste 2013) “Não é fácil definir se a ideia dos poemas homéricos, segundo a qual o Oceano é a origem de todas as coisas, difere da concepção de Tales, que considera a água o princípio original do mundo; seja como for, é evidente que a representação do mar inesgotável colaborou para a sua expressão. Em todas as partes da Teogonia, de Hesíodo, reina a vontade expressa de uma compreensão construtiva e uma perfeita coerência na ordem racional e na formulação dos problemas. Por outro lado, a sua cosmologia ainda apresenta uma irreprimívelpujança de criação mitológica, que, muito mais tarde, ainda age sobre as doutrinas dos “fisiólogos”, nos primórdios da filosofia “científica”, e sem a qual não se poderia conceber a atividade prodigiosa que se expande na criação das concepções filosóficas do período mais antigo da ciência” Werner Jaeger. Considerando o texto acima sobre o surgimento da filosofia na Grécia, seguem as afirmativas abaixo: I. O surgimento da filosofia não coincide com o início do uso do pensamento racional. II. O surgimento da filosofia não coincide com o fim do uso do pensamento mítico. III. Tales de Mileto, no século VI a.C., ao propor a água como princípio original do mundo, rompe, definitivamente, com o pensamento mítico. IV. Mitos estão presentes ainda nos textos filosóficos de Platão (século IV a.C.), como, por exemplo, o mito do julgamento das almas. V. Os primeiros filósofos gregos, chamados “pré- socráticos”, em sua reflexão, não se ocupavam da natureza (Physis). Das afirmativas feitas acima a) apenas a afirmação V está correta. b) apenas as afirmações III e V estão corretas. c) apenas as afirmações II e IV estão corretas. d) apenas as afirmações I, II e IV estão corretas. e) apenas as afirmações I, III e V estão corretas. 7. (Ufu 2018 - adaptada) "Pois pensar e ser é o mesmo" Parmênides, Poema, fragmento 3, extraído de: Os filósofos pré- socráticos. Tradução de Gerd Bornheim. São Paulo: Cultrix, 1993. A proposição acima é parte do poema de Parmênides, o fragmento 3. Considerando-se o que se sabe sobre esse filósofo, que viveu por volta do século VI a.C., assinale a afirmativa correta. a) Para compreender a realidade, é preciso confiar inteiramente no que os nossos sentidos percebem. b) O movimento é uma característica aparente das coisas, a verdadeira realidade está além dele. c) O verdadeiro sentido da realidade só pode ser revelado pelos deuses para aqueles que eles escolhem. d) Tudo o que pensamos deve existir em algum lugar do universo. e) O pensamento é a matéria da transformação das essências. 8. (Enem 2016) Texto I Fragmento B91: Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio, nem substância mortal alcançar duas vezes a mesma condição; mas pela intensidade e rapidez da mudança, dispersa e de novo reúne. HERÁCLITO. Fragmentos (Sobre a natureza). São Paulo: Abril Cultural, 1996 (adaptado). Texto II Fragmento B8: São muitos os sinais de que o ser é ingênito e indestrutível, pois é compacto, inabalável e sem fim; não foi nem será, pois é agora um todo homogêneo, uno, contínuo. Como poderia o que é perecer? Como poderia gerar-se? PARMÊNIDES. Da natureza. São Paulo: Loyola, 2002 (adaptado). Os fragmentos do pensamento pré-socrático expõem uma oposição que se insere no campo das a) investigações do pensamento sistemático. b) preocupações do período mitológico. c) discussões de base ontológica. d) habilidades da retórica sofística. e) verdades do mundo sensível. _______________________________________________ Gabarito: 1. d) 2. e) 3. a) 4. b) 5. b) 6. d) 7. b) 8. c) Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 14 de 23 SEMANA 4 – Émile Durkheim e o método sociológico Émile Durkheim (1858 – 1917) Sociólogo francês, Émile Durkheim foi o primeiro a desenvolver a Sociologia como uma disciplina acadêmica, sendo considerado um de seus pilares clássicos. Obras principais: - “Da Divisão do Trabalho Social” - “As Regras do Método Sociológico” - “As Formas Elementares da Vida Religiosa” - “O Suicídio” Durkheim defendia a ideia de que a sociedade era mais do que um simples agrupamento de indivíduos movidos por interesses particulares. A sociedade é um corpo moral com regras e uma consciência coletiva. Mesmo em uma sociedade mais especializada e com uma forte presença do individualismo seria possível localizar a presença de regras que obrigavam os homens a certos modos de ação e certas relações com os outros. Durkheim acreditava que a Sociologia devia adotar procedimentos científicos, próprios ao mundo das ciências naturais, investigando os fatos de maneira objetiva. Define, então, um método para a Sociologia partindo do empirismo das outras ciências e deixando de lado a metafísica. Para ele, os preconceitos e valores arraigados do cientista impedem a apreciação positiva do mundo. Por isso, os fatos sociais deviam ser tratados como “coisas”, o que implica em distanciamento e busca pelo máximo grau de neutralidade possível. FATOS SOCIAIS - maneiras coletivas de agir, pensar e sentir (possuem generalidade); - exteriores ao indivíduo e coercitivos (independem da vontade do indivíduo); Sentimentos, opiniões e modos de agir de ordem coletiva seriam objetos gerados pela força da coletividade, cristalizados em instituições sociais e impostos ao homem de forma coercitiva e obrigatória. Para Durkheim, a sociedade é um sistema complexo composto por diversas partes. É necessário compreender o fato social a partir da função que exerce no sistema. O autor adota o paradigma biológico, estabelecendo distinções entre o normal e o patológico (comportamento desviante), criando o conceito de anomia. Anomia: “ausência ou redução da capacidade do tecido social para regular a conduta dos indivíduos. Nesses sentido, configura-se como um problema a ser solucionado, sob pena de causar risco à coesão social e levar a sociedade ao fim. O aumento do número de crimes, por exemplo, indica que a sociedade é incapaz de regular o comportamento dos indivíduos.” (Sociologia em Movimento, vários autores, Ed. Moderna, p. 43) Entende que a divisão do trabalho cumpre um papel de extrema importância nas sociedades industriais, pois gera coesão (senso de pertencimento), produz solidariedade entre pessoas com funções claramente complementares e, por isso, evita quadros mais graves de anomia. Divisão do trabalho: − tem uma função no processo de diferenciação social/especialização − aumenta a forma produtiva do trabalhador − gera coesão e solidariedade Os dois tipos de solidariedade identificados por Durkheim relacionam-se especialmente à forma de organização social: Solidariedade mecânica (sociedades pré-capitalistas): os indivíduos se identificam por meio da família, da religião, da tradição e dos costumes. Não há diferenciação social promovida pela individualidade (ela é inexpressiva). O sentimento de pertencimento a uma coletividade é bastante forte, fazendo com que os indivíduos reconheçam os mesmos valores, crenças, sentimentos e objetos sagrados. Solidariedade orgânica (característica das sociedades capitalistas): através da divisão do trabalho social, os indivíduos tornam-se interdependentes. A união social não se dá pelo compartilhamento de costumes. Os indivíduos são diferentes e necessários, tal como os órgãos de um organismo vivo. O Suicídio “Durkheim estudou profundamente o suicídio, utilizando nesse trabalho toda a metodologia defendida e propagada por ele. Considerou-o fato social por sua presença universal em toda e qualquer sociedade e por suas características exteriores e mensuráveis, completamente independente das razões individuais. Assim, apesar de uma conduta marcada pela vontade individual, o suicídio interessa ao sociólogo por aquilo que tem em comum e coletivo e que, certamente escapa às consciências individuais dos envolvidos. Para Durkheim, a prova de o suicídio depende de leis sociais e não da vontade do sujeito estava na regularidade com que variam as taxas de suicídio de acordo com alternâncias das condições históricas. Ele verificou, por exemplo, que as taxas de suicídio aumentavam nas sociedades em que havia uma aceitação profunda de uma fé religiosa que prometesse a felicidade após a morte. É sobre fatos assim concretos e objetivos, gerais e coletivos, cuja natureza social se evidencia,que o sociólogo deve se debruçar.” (Cristina Costa, Sociologia: uma introdução à ciência da sociedade; Ed Moderna, p. 84) _______________________________________________ Texto Complementar O que é um fato social? Émile DURKHEIM (As Regras do Método Sociológico) Antes de indagar qual o método que convém ao estudo dos fatos sociais, é necessário saber que fatos podem ser assim chamados. A questão é tanto mais necessária quanto esta qualificação é utilizada sem muita precisão. Empregam-na correntemente para designar quase todos os fenômenos que se passam no interior da sociedade, por pouco que apresentem, além de certa generalidade, algum interesse social. Todavia, desse ponto de vista, não haveria por assim Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 15 de 23 dizer nenhum acontecimento humano que não pudesse ser chamado de social. Cada indivíduo bebe, dorme, come, raciocina e a sociedade tem todo o interesse em que estas funções se exerçam de modo regular. Porém, se todos esses fatos fossem sociais, a Sociologia não teria objeto próprio e seu domínio se confundiria com o da Biologia e da Psicologia. Na verdade, porém, há em toda sociedade um grupo determinado de fenômenos com caracteres nítidos, que se distingue daqueles estudados pelas outras ciências da natureza. Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão, quando me desincumbo de encargos que contraí, pratico deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Mesmo estando de acordo com sentimentos que me são próprios, sentindo-lhes interiormente a realidade, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi-os através da educação. Contudo, quantas vezes não ignoramos o detalhe das obrigações que nos incumbe desempenhar, e precisamos, para sabê-lo, consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Assim também o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa; existindo antes dele, é porque existem fora dele. O sistema de signos de que me sirvo para exprimir pensamentos, o sistema de moedas que emprego para pagar as dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão, etc., etc., funcionam independentemente do uso que delas faço. Tais afirmações podem ser estendidas a cada um dos membros de que é composta uma sociedade, tomados uns após outros. Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das consciências individuais. Esses tipos de conduta ou de pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo, são também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não. Não há dúvida de que esta coerção não se faz sentir, ou é muito pouco sentida quando com ela me conformo de bom grado, pois então torna-se inútil. Mas não deixa de constituir caráter intrínseco de tais fatos, e a prova é que se afirma desde que tento resistir. Se experimento violar as leis do direito, estas reagem contra mim de maneira a impedir meu ato se ainda é tempo; com o fim de anulá-lo e restabelecê-lo em sua forma normal se já se realizou e é reparável; ou então para que eu o expie se não há outra possibilidade de reparação. Mas, e em se tratando de máximas puramente morais? Nesse caso, a consciência pública, pela vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos e pelas penas especiais que têm a seu dispor, reprime todo ato que a ofende. Noutros casos, a coerção é menos violenta; mas não deixa de existir. Se não me submeto às convenções mundanas; se, ao me vestir, não levo em consideração os usos seguidos em meu país e na minha classe, o riso que provoco, o afastamento em que os outros me conservam, produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita. Noutros setores, embora a coerção seja apenas indireta, não é menos eficaz. Não estou obrigado a falar o mesmo idioma que meus compatriotas, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outra maneira. Minha tentativa fracassaria lamentavelmente, se procurasse escapar desta necessidade. Se sou industrial, nada me proíbe de trabalhar utilizando processos e técnicas do século passado; mas, se o fizer, terei a ruína como resultado inevitável. Mesmo quando posso realmente me libertar destas regras e violá-las com sucesso, vejo-me sempre obrigado a lutar contra elas. E quando são finalmente vencidas, fazem sentir seu poderio de maneira suficientemente coercitiva pela resistência que me opuseram. Nenhum inovador, por mais feliz, deixou de ver seus empreendimentos se chocarem contra oposições deste gênero. Estamos, pois, diante de uma ordem de fatos que apresenta caracteres muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem. Por conseguinte, não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, pois consistem em representações e em ações; nem com os fenômenos psíquicos, que não existem senão na consciência individual e por meio dela. Constituem, pois, uma espécie nova e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. Esta é a qualificação que lhes convém; pois é claro que, não tendo por substrato o indivíduo, não podem possuir outro que não seja a sociedade: ou a sociedade política em sua integridade, ou qualquer um dos grupos parciais que ela encerra, tais como confissões religiosas, escolas políticas e literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é apenas a eles que a apelação convém; pois a palavra social não tem sentido definido senão sob a condição de designar unicamente fenômenos que não se englobam em nenhuma das categorias de fatos já existentes, constituídas e nomeadas. Estes fatos são, pois, o domínio próprio da Sociologia. É verdade que o termo coerção, por meio do qual o definimos, corre o risco de amedrontar os zelosos partidários de um individualismo absoluto. Como professam que o indivíduo é inteiramente autônomo, parece-lhes que o diminuímos todas as vezes que fazemos sentir que não depende apenas de si próprio. Porém, já que hoje se considera incontestável- que a maioria de nossas ideias e tendências não são elaboradas por nós, mas nos vêm de fora, conclui-se que não podem penetrar em nós senão através de uma imposição; eis todo o significado de nossa definição. Sabe-se, além disso, que toda coerção social não é necessariamente exclusiva com relação à personalidade individual. (...) Esta definição do fato social pode, além do mais, ser confirmada por meio de uma experiência característica: basta, para tal, que se observe a maneira pela qual são educadas as crianças. Toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas não chegariam espontaneamente, observação que salta aos olhos todas as vezes que os fatos são encarados tais quais são e tais quais sempre foram. Desde os primeiros anos de vida, são as crianças forçadas a comer, beber, dormir em horas regulares; são constrangidas a terem hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde, obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho etc. Se, com o tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque pouco a pouco dá lugar a hábitos, a tendências internas que a tomam inútil, mas que não a substituem senão porque dela Prof. Maria Helena Filosofia & Sociologia Página 16 de 23 derivam. É verdade que, segundo Spencer, uma educação racional deveria reprovar tais procedimentos e deixar a criança agir em plena liberdade; mas como esta teoria pedagógica não foi nunca praticada por nenhum povo conhecido, não constitui senão um desiderato pessoal, não sendo fato que possa ser oposto
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