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INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO URBANA W BA 06 00 _v 1. 1 © 2018 POR EDITORA E DISTRIBUIDORA EDUCACIONAL S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Danielle Leite de Lemos Oliveira Juliana Caramigo Gennarini Mariana Ricken Barbosa Priscila Pereira Silva Coordenador Mariana Ricken Barbosa Revisor Maria Estela Ribeiro Mendes Editorial Alessandra Cristina Fahl Daniella Fernandes Haruze Manta Flávia Mello Magrini Hâmila Samai Franco dos Santos Leonardo Ramos de Oliveira Campanini Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Santos, Ludmila Helena Rodrigues dos S237i Instrumentos de intervenção urbana/ Ludmila Rodrigues dos Santos – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2018. 112 p. ISBN 978-85-522-1056-6 1. Crescimento urbano. 2. Gentrificação. I. Santos Ludmila Helena Rodrigues dos. Título CDD 300 Responsável pela ficha catalográfica: Thamiris Mantovani CRB-8/9491 2018 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Instrumentos de Intervenção Urbana 3 SUMÁRIO Apresentação da disciplina 04 Tema 01 – Fundamentos da cidade: histórias, geopolíticas e culturas do e no urbano 06 Tema 02 – Cidade moderna e o modo de vida capitalista 19 Tema 03 – O fenômeno urbano: a subjetividade metropolitana 32 Tema 04 – O empreendedorismo e gentrificação dos espaços 46 Tema 05 – Espaços heterotópicos: outros espaços na cidade 60 Tema 06 – A cidade como imagem e as imagens na cidade 76 Tema 07 – Intervenções urbanas: arte ou depredação? 92 Tema 08 – Territórios, gestão e cidade inteligente 109 INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO URBANA 4 Instrumentos de Intervenção Urbana Apresentação da disciplina O que esperar de uma disciplina denominada instrumentos de intervenção urbana? Esta pergunta exige, primeiramente, uma compreensão do que é entendido por urbano, já que, atualmente, tal terminologia não se reduz à dicotomia do urbano versus rural: pois, ainda que etimologicamente a palavra latina urbanus designe “aqueles que pertencem à cidade”, as fron- teiras físicas, comportamentais e simbólicas das interações “pertencentes à cidade” têm se expandido e ressignificado historicamente. Assim, esta terminologia abarca um modo de vida específico, que, por sua vez, se conecta a um entendimento amplo do desenvolvimento da nossa forma de organização social: nosso convívio e normatização coletiva, o sistema econômico e político que vivemos, aspectos históricos e geográfi- cos, as especificações estéticas e éticas as quais nos submetemos. Depois, cabe perguntar quais os sentidos, alcances e instrumentos possí- veis que operam “intervenções” dentro destas especificações sociais, con- siderando os domínios históricos, filosóficos, comportamentais, artísticos e políticos que integram a vida na e da cidade. Estes aspectos são trabalhados em seus diversos cruzamentos possí- veis na estruturação temática da disciplina “Instrumentos de Intervenção Urbana”. Assim, os recortes históricos, políticos e econômicos situam desde a cons- tituição da ideia de cidade ocidental até o impacto e influência do modelo econômico capitalista na estruturação das vivências urbanas. Já as ques- tões estéticas e éticas elucidam as possibilidades de intervenção (cultu- rais, políticas, artísticas e sociais) do e no urbano. A configuração das re- lações e os mapeamentos citadinos (territoriais e afetivos) permitem uma compreensão mais ampla das intervenções operadas neste ambiente, Instrumentos de Intervenção Urbana 5 bem como o entendimento da noção de “bem comum” e da participação dos sujeitos no planejamento e execução de um ideal de cidade que pos- sa integrar suas concepções macro (planejamento, gestão, fiscalização) e micro (os indivíduos, suas necessidades, afetos, memórias, etc.). Estes assuntos buscam conectar e entender esta noção de “urbano” e seus instrumentos de “intervenções”, englobando a multiplicidade de vivências e possibilidades que a cidade abarca. Instrumentos de Intervenção Urbana 6 TEMA 01 FUNDAMENTOS DA CIDADE: HISTÓRIAS, GEOPOLÍTICAS E CULTURAS DO E NO URBANO Objetivos • Pensar como a cidade se constitui (historicamente, territorialmente e filosoficamente) sobre uma base política específica que demarca atuações, expansões e dominações. • Compreender a origem da Polis Grega e do desenvol- vimento da noção de democracia. • Conhecer como se configurava a Civitas e o alcance do Direito Romano no interior das cidades. Instrumentos de Intervenção Urbana 7 Introdução Como a Polis grega e a Civitas romana contribuem com a nossa compreen- são atual acerca das cidades e do modo de vida urbano? Primeiramente, é importante ressaltar que as delimitações e especifica- ções do que entendemos como “cidade” e “urbano” implicam em cons- truções: geográficas, históricas, políticas, econômicas, culturais, sociais e filosóficas. Por isso, a influência e o alcance destes domínios impõem e demarcam, desde seu surgimento, territórios (físicos e simbólicos) nos quais se desenvolvem relações de poder, conhecimentos e formas de existências específicas. O que é a cidade? Para quem estão voltadas suas construções (materiais e ideológicas)? Como ela foi construída ao longo da história e como se re- nova? Quem a habita a constrói? Estas são, concomitantemente, perguntas de cunho histórico e contem- porâneo, pois, para entender a expansão do urbano, seus alcances, con- cepções e possibilidades de intervenções, é imprescindível localizar a ori- gem de seus sentidos socialmente compartilhados, os quais tanto criam como perpetuam compreensões e interpretações, além de regularem as interações no ambiente citadino. O recorte que aborda os mais relevantes modelos históricos de cidades, Polis e Civitas, está relacionado à compreensão de regulações espaciais e comportamentos sociais compreendidos como tipicamente “urbanos”, como por exemplo, a questão do exercício da cidadania, na qual foram reguladas as participações dos sujeitos nos espaços urbanos, estabele- cendo possibilidades e limites às intervenções urbanas. As diferenças de gestão e vivências que caracterizam estas duas experiên- cias de cidade evidenciam como se estrutura uma política da e para vida urbana em cada contexto (a qual constrói, delimita, regula e conceitua territórios materiais e simbólicos). 8 Instrumentos de Intervenção Urbana 1. Polis grega e Civitas romana O surgimento da ideia de cidade (em suas distintas concepções e opera- cionalidades) é um fator importante para compreensão da estruturação de um modo de vida organizado em torno de uma concepção territorial, ideológica, normativa e populacional que tal concepção introduz. Massimo Cacciari (2010) afirma, em seu livro intitulado “A Cidade”, a ideia de que a concepção de cidade é historicamente definida de maneiras dis- tintas, não por causalidade, e, por conta disso, “falar de cidade em termos gerais não faz muito sentido” - já que existem diferenciadas formas de vida urbana. Assim, a noção de cidade se compõe de especificações e sin- gularidades históricas que culminam no entendimento de um modo de vida próprio (CACCIARI, 2010, p. 9, tradução nossa). Por isso, a eleição de cidades e recortes históricos buscamevidenciar as- pectos particulares da formação destes redutos, tentando entender como certas construções e características particulares se perpetuaram e res- significaram ao longo da história, estruturando uma compreensão dos domínios e fronteiras do urbano e da vida metropolitana. Como tratamos de uma concepção de cidade ocidental, faz sentido buscar os lugares que estruturam suas vivências e compreensões da vida social: seus conhecimentos, valores coletivos e modos de organização (jurídica, econômica e política). Daí justifica-se o recorte histórico e os cruzamentos entre os valores que constituem a Pólis grega e a Civitas romana: busca-se a origem, a ressignificação e difusão de conceitos fundamentais que qua- lificam estes espaços e as suas vivências. Comecemos tal tarefa destacando a composição da Cidade-Estado grega (assim denominada em função da autonomia territorial e descentraliza- ção dos poderes políticos). Instrumentos de Intervenção Urbana 9 A Pólis constituía um território independente e autogerido (de governo próprio) aonde se ressaltavam os laços de pertencimento grupal na de- signação de ethos específico (que estabelecia e afirmava um modo de vida autônomo e particular): Quando um grego fala de polis, em primeiro lugar se refere à sede, à mora- da, ao lugar onde determinado genos possui raízes, uma determinada es- tirpe, um povo (gens/genos). Em grego o termo polis ressoa imediatamente a uma forte ideia de pertencimento. A polis é o lugar aonde determinado grupo, especifico por suas tradições, pelos seus costumes, tem sua sede, seu próprio ethos (CACCIARI, 2010, p. 9-10, tradução nossa). Desta maneira, as Cidades-Estado da antiguidade grega possuíam distin- tos valores, tradições e gestões políticas, figurando territórios indepen- dentes. Este é o caso da diversidade constitutiva de Atenas e Esparta. A primeira sedia uma concepção de governo democrático e de participação direta aos seus cidadãos – é preciso destacar o fato de que a noção de cidadania e participação política era restrita aos homens atenienses (não estrangeiros), livres e maiores de idade. Em contrapartida, Esparta desta- cava-se por sua organização militarista e política oligárquica. Para além de uma pormenorização da história da Grécia antiga, esta abordagem elucida a organização territorial e a autonomia das Cidades- Estado: fator que impactava diretamente na participação e intervenção dos cidadãos nas questões da Pólis. A regulamentação e alcance desta intervenção tinham uma visibilidade territorial no caso da cidade de Atenas: trata-se do espaço político e co- mercial da Ágora (praça pública), local do exercício da democracia (restri- ta aos cidadãos atenienses), que localiza, demarca e politiza os trânsitos, usos e permanências desta localidade, traçando mapeamentos físicos simbólicos dos lugares da cidade. 10 Instrumentos de Intervenção Urbana PARA SABER MAIS A Ágora tinha a função de integrar a sociedade. Este espa- ço comercial e político reunia os cidadãos atenienses para o exercício de seu governo democrático e para os intercâmbios comerciais (movimentando a economia da cidade). A “inter- venção urbana” entendida como participação na gestão e normatização da Pólis, acontecia neste ambiente de maneira direta e isonômica (igual) àqueles considerados cidadãos. Se, por um lado, a experiência da Pólis grega se destaca pela autogestão democrática e a descentralização territorial, quando tratamos da Civitas romana temos um contraponto a este modelo: o da centralização política e territorial de Roma. Etimologicamente, o termo civitas deriva do termo civis, o qual, de manei- ra abrangente, designa “um conjunto de pessoas que se reúne para dar vida à cidade”. Desta forma, os civis são aqueles que habitam um mesmo lugar e se submetem às mesmas leis independentemente de suas deter- minações éticas e religiosas (CACCIARI, 2010, p. 10, tradução nossa). Esta característica de reunião de distintos sujeitos em função da submis- são às leis que regem determinado território, irá constituir e desenvol- ver o Direito Romano (que origina e fundamenta nosso sistema jurídico atual). Sob esta perspectiva, o espaço da cidade e as relações sociais em seu interior passam a ser normatizadas legalmente, o que abrange as possibilidades de intervenções do e no urbano, alcançando uma gama maior de cidadãos. Roma é composta, desde sua fundação, e ampliada pelo seu histórico expansionista, de pessoas distintas com origens, etnias e religiões di- versas, que convivem entre si e são comandadas e governadas pela lei romana, a qual possui um papel fundamental na consolidação territorial e de valores. Instrumentos de Intervenção Urbana 11 PARA SABER MAIS Na formação de Roma destacaram-se 3 formas de governo: 1) Monarquia: composta pelo rei, pelo Senado e pelo Conselho de Anciãos; 2) República: surge com a destituição da Monarquia pelo Senado e conta com a atuação da Magistratura - o Senado elabora leis, a Assembléia as vota e a Magistratura as aplica; 3) Império: expansionismo territorial e legal (extensão das leis). Vê-se que, ao contrário da autogestão da Pólis, a Civitas integralizava um território mais extenso, etnicamente e culturalmente diversificado, que se integrava sob um regime de governo e legal centralizado e que, portanto, precisou desenvolver uma base jurídica abrangente. 12 Instrumentos de Intervenção Urbana Ante o exposto, a reflexão acerca da cidade (sua fundação, desenvolvi- mento e função social) traz no cerne (ocidental) das noções de civitas e polis a introdução de conceitos, valores e posturas políticas que com- põem e desenvolvem noções de “urbanidade” próprias, permitindo a aná- lise de seus desenvolvimentos e progressões em abordagens históricas diversificadas. Encontramos-nos perante esta grande distinção que nos leva ao questio- namento do que entendemos por cidade: Nós lhe outorgamos um valor fortemente étnico ou a entendemos no sentido de civitas? Ao pensar a de- mocracia ateniense não devemos esquecer que esta funcionava sobre uma base étnica e religiosa, enquanto que, do ponto de vista romano, trata-se de um produto artificial; o que significa dizer que em Roma o sujeito passa a sustentar plenamente o título de cidadão com todos os seus direitos sim- plesmente porque concorda em se submeter às leis e obedecer este regi- me: concordia tem este significado (CACCIARI, 2010, p. 13, tradução nossa). ASSIMILE O caráter amplo do alcance da cidadania romana exige a composição dos seus territórios e de suas fronteiras terri- toriais sob alçada de uma centralização política e legal, pois tal noção é fundada na lei, não se restringindo aos aspectos étnicos, sociais e religiosos de cada lugar. Neste contexto, destaca-se a importância da cidade de Roma (considerada “a cidade por excelência” e também denominada de Urbs), por possuir um importante valor simbólico e de territorialização/ materialização do domínio político e jurídico e estabelecimen- to de suas instituições. É nela que foram situados o Senado, a República e, posteriormente, o imperador (CACCIARI, 2010, p. 13, tradução nossa). Instrumentos de Intervenção Urbana 13 Os distintos modelos de cidades apresentados permitem compreender a afirmação contida no início deste texto de que “falar de cidade em termos gerais não faz muito sentido”. Cidades sedimentam construções históricas que, por sua vez, ganham, concomitantemente, sentidos comuns e espe- cificidades históricas e culturais. É preciso, portanto, apontar as experiên- cias: “a Pólis grega” ou a “Civitas Romana”, porém, seus legados políticos, culturais, filosóficos e econômicos estruturam uma base de formação em diversas experiências de cidades ocidentais. Assim, foi possível notar que o advento da cidade possibilita o desenvolvimento de relações políticas específicas, sob certo domínio territorial. Nela, se fundamentam uma mo- ral e uma estética comum (que regulam a participação dos sujeitos ea configuração dos espaços urbanos). Sob esta construção, alguns de seus principais fundamentos ainda se colocam na reflexão das questões urba- nas contemporâneas. EXEMPLIFICANDO Alguns dos aspectos que conformam a Pólis ateniense e a Civitas romana fazem parte ou suscitam discussões em torno dos valores que integram os modos de vida citadinos. Por um lado, Atenas se destacava na constituição, movimentação e significação dos lugares públicos, com destaque político e comercial à Ágora (praça que situava as assembléias públicas e o comércio), na qual se visibilizava a participação e inter- venção de seus cidadãos nas questões da Pólis. Como visto, a noção grega de democracia é restrita e sua for- ma de representação é direta – diferentemente da sua con- cepção na atualidade, que é ampla (e tal como a concepção de cidadania romana, é regulada por leis) e indireta (elege- mos representantes para atuarem na esfera política). 14 Instrumentos de Intervenção Urbana Os questionamentos acerca do espaço do público, sua finalida- de e dos sujeitos que o ocupam; do exercício da cidadania e a representação política e, ainda, das especificações, regulamen- tos e alcances das intervenções urbanas, tanto se localizam como extrapolam estes modelos históricos de cidades, com- pondo, desta forma, os sentidos dinâmicos que suas termino- logias assumem na estruturação da vivência do e no urbano. Algumas das concepções de Pólis e Civitas, como espaço público, demo- cracia e cidadania, estão nas raízes da vida urbana, mas se modificam de acordo com os recortes espaços-temporais, e manifestações sociais, eco- nômicas e culturais. Assim, a cidade e o urbano exigem uma compreen- são dinâmica de seus domínios, uma vez que suas questões sempre se re- novam, trazendo o desafio constante da compreensão e extensão do que entenderemos como urbano e os limites e alcances de suas intervenções. Tendo como base o histórico da noção de polis grega e civitas roma- na, provoque argumentações sobre como estes modelos embasam uma reflexão crítica acerca da compreensão contemporânea de cida- de e do modo de vida urbano. QUESTÃO PARA REFLEXÃO 2. Considerações finais • Contemporaneamente, a concepção de urbano se difunde para além de um território, pois tanto engloba práticas políticas, eco- nômicas e sociais amplas (e não exclusivas ou localizadas em um espaço específico), como também seu modo de vida ultrapassa as fronteiras culturais e físicas da cidade. Instrumentos de Intervenção Urbana 15 • Para compreender este movimento, é importante conhecer os territórios que desenvolvem historicamente a ideia da cidade e a concepção do urbano, bem como trazem à tona algumas das ques- tões e noções que compõem seus imaginários e relações sociais. • O recorte que aborda a Polis grega e a Civitas romana em suas concepções, extensões, abrangências e distinções permite uma compreensão e progressão histórica da noção de cidade e de sua gestão - o que, por sua vez, dá um panorama da importância do tema que trata das intervenções do e no urbano. Glossário • Ethos: representa o conjunto dos costumes e hábitos fundamen- tais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres, etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma deter- minada coletividade, época ou região (Fonte: Dicionário do site de buscas Google.com). • Etimologia: refere-se ao estudo da origem e da evolução das pala- vras (Fonte: Dicionário do site de buscas Google.com). • Causalidade: ligação entre causa e efeito (Fonte: Dicionário do site de buscas Google.com). VERIFICAÇÃO DE LEITURA TEMA 01 1. Assinale a alternativa que traz o sentido jurídico do signifi- cado de concórdia (calcado na compreensão da cidadania romana): a) Concórdia refere-se aos acordos de paz que estabele- cem as demarcações territoriais das civitas romana. Assim, cada sujeito tornava-se cidadão dentro das es- pecificações dos territoriais e legais em que habitava. 16 Instrumentos de Intervenção Urbana b) Em Roma, o sujeito passa a sustentar plenamente o títu- lo de cidadão, com todos os seus direitos, simplesmen- te porque concorda em se submeter às leis e obedecer este regime-postura que recebe o nome de concórdia. c) Para tornar-se cidadão romano, cada individuo deveria assinar um tratado de concórdia, que estabelecia a su- bordinação ao governo e às leis de Roma. d) A concórdia rege o princípio de que o Estado deve ser laico, e, como tal, o cidadão romano no exercício de seus direitos políticos não pode exercer filiações reli- giosas de quaisquer tipos (daí a perseguição de Roma aos cristãos). e) A concórdia era o acordo político que estabelecia que os territórios conquistados e os povos dominados por Roma deveriam concordar em se submeter ao seu po- derio político e militar. Por este acordo, estes povos passavam a gozar da cidadania romana. 2. Leia atentamente o trecho abaixo (retirado do texto da lei- tura fundamental do tema 01): A Pólis constituía um território independente e autogeri- do (de governo próprio) aonde se ressaltavam os laços de pertencimento grupal na designação de ethos específico (que estabelecia e afirmava um modo de vida autônomo e particular). Com base na passagem destacada, assinale a alternativa que define o conceito de ethos: a) Expressa as normatizações jurídicas da cidade. b) Refere-se à aculturação dos grupos particulares em prol de uma cultura urbana. Instrumentos de Intervenção Urbana 17 c) São as características psicológicas produzidas pela in- teração típica da vida nas metrópoles. d) Representa costumes e hábitos no âmbito do compor- tamento e da cultura, característicos de uma coletivida- de, época ou região. e) Tem a mesma origem da palavra etnia, por isso refe- re-se a aspectos biológicos que compõem um povo específico. 3. Observe atentamente a seguinte definição: [...] Praça principal das antigas cidades gregas, local em que se instalava o mercado e que muitas vezes servia para a realização das assembléias do povo (Fonte: dicionário do site de buscas Google.com). Assinale a alternativa que traz o termo que corresponde à descrição apresentada e integra a leitura do texto “Polis Grega e Civitas Romana”. a) Urbs. b) Pólis. c) Civitas. d) Magistratura. e) Ágora. Referências bibliográficas CACCIARI, M. La ciudad. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2010. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000, p. 479- 486. FROIO, T. A Polis e a Urbs. Jusbrasil, 2016. Disponível em: <https://thabatafroio. jus- brasil.com.br/artigos/336957536/a-polis-e-a-urbs>. Acesso em: 12 abr.2018. https://thabatafroio.jusbrasil.com.br/artigos/336957536/a-polis-e-a-urbs 18 Instrumentos de Intervenção Urbana Gabarito – Tema 01 Questão 1 – Resposta: B Em Roma, o sujeito passa a sustentar plenamente o título de cida- dão, com todos os seus direitos, simplesmente porque concorda em se submeter às leis e obedecer este regime-postura que recebe o nome de concórdia. Questão 2 – Resposta: D Representa costumes e hábitos no âmbito do comportamento e da cultura característicos de uma coletividade, época ou região. Questão 3 – Resposta: E A Ágora representa a “praça principal das antigas cidades gregas, lo- cal em que se instalava o mercado e que muitas vezes servia para a realização das assembléias do povo”. Instrumentos de Intervenção Urbana 19 TEMA 02 CIDADE MODERNA E O MODO DE VIDA CAPITALISTA Objetivos • Pensar como a Revolução Industrial leva à configuração de um modo de vida específico e ao desenvolvimento da cidade moderna. • Entender como esta cidade se forma e como se dão as fronteiras simbólicas e geográficas que demarcam as relações sociais em seu interior. • Compreender como historicamente o capitalismo configura e desenvolve uma sociabilidade própria no interior das cidades. 20 Instrumentos de Intervenção Urbana Introdução Para pensar a extensão do que é entendido por urbano englobando a ex- pansão físicae simbólica das cidades, e, tomando esta tarefa como algo além de estudar limites geográficos, é preciso entender a composição histórica, política, cultural, ideológica e social dos domínios: cidade e vida urbana. Se, por um lado, a localização e delimitação do “urbano” é cada vez mais complexa no contexto do mundo globalizado, pois tanto engloba como problematiza dicotomias como: rural x urbano, cidade x campo, tradicio- nal x moderno, centro x periferia, etc. Por outro enfoque, o alcance do que atualmente abrange o “urbano” ultrapassa tais dualidades e aponta a im- possibilidade da fixação destas fronteiras dadas por oposições e demar- cações precisas destes domínios. Para entender estes dois movimentos (o que aponta oposições e o que pensa o urbano de forma mais ampla), é preciso situar historicamente o desenvolvimento do termo e das relações que se classificam destro deste universo (do urbano, da metrópole, etc.). Você viu no tema anterior (acerca da Polis grega e da Civitas romana) que a ideia de “cidade” já se coloca na antiguidade e tanto fundamenta como é fundamentada por alguns conceitos, divisões e comportamentos que se associam e ressignificam-se constantemente nos distintos modelos e experiências de cidade ocidental. Contudo, você verá nesta unidade que, muito da vivência e das questões que compõem o modo de vida considerado como “urbano” se dão com o advento da cidade moderna e com o desenvolvimento do capitalismo. Neste contexto de desenvolvimento urbano capitalista é que se marcam significativamente as dicotomias citadas: a cidade será um contraponto ao campo e se desenvolverá graças à transição do feudalismo para o capita- lismo. Esta transição está intimamente ligada ao desenvolvimento da ma- nufatura e, posteriormente, da maquinofatura que marcaram a Revolução Industrial (associada à ideia positivista de progresso, de modernidade). Instrumentos de Intervenção Urbana 21 Por sua vez, a Revolução Industrial possibilitou a ascensão econômica e política da burguesia – a qual se fortaleceu politicamente e economica- mente com a implementação do trabalho assalariado ao operariado (con- figurando a divisão social de classes e impactando diretamente na confi- guração urbana: seu planejamento, serviços, saúde pública, etc.). É neste cenário que as fronteiras da cidade, o estabelecimento/ desen- volvimento de um modo de vida e um mapeamento do urbano ganham seus primeiros sentidos próprios e compartilhados socialmente. Tanto o é, que estes fatores demandam o surgimento de uma “ciência da socie- dade”, que explique e oriente o fenômeno urbano e industrial crescente, buscando entender e justificar suas causas e consequências. Nasce então a sociologia (ou “ física social”) que, neste momento, se voltava aos inte- resses burgueses de compreensão e aplicação de uma “ordem social” jus- tificadora desta nova ética (instituições e legislações) e estética (cidades, vida urbana, cortiços, fábricas) citadina. 1. Revolução industrial e crescimento urbano A noção moderna de cidade se associa diretamente a alguns fatores his- tóricos de ordem econômica, política, social e cultural que culminam no desenvolvimento do capitalismo industrial, responsáveis por demarcar e estipular a cidade e suas relações típicas. Por isso, o advento da Revolução Industrial e as transformações ocorridas no século XVII e XVIII são imprescindíveis para a compreensão da cidade como lugar (histórico e político) desta ação, atuação e desenvolvimento capitalista. Quando se pensa em intervenção urbana, não se pode, em nenhum momento, desassociar tal recorte dos interesses e estratégias capitalistas de cada tempo (considerando que ao longo desta disciplina será trabalhado um recorte ocidental de cidade, sob a predominância po- lítica, econômica e estrutural capitalista). 22 Instrumentos de Intervenção Urbana Assim, ao tomarmos a “evolução histórica” capitalista, seu comando, apro- priação e demarcação espacial, temos a cidade e o modo de vida urbano como um importante lugar de seu desenvolvimento e expansão: A origem da cidade em si, muito anterior ao processo de transição para o capitalismo, constituía uma das primordiais formas de divisão do trabalho: aquela entre campo e cidade. Entretanto, no capitalismo esta característica seria ainda mais desenvolta. A cidade moderna passa a ser o local em que a divisão social do trabalho é peça intrínseca à própria existência da vida ur- bana e à reprodução do capital acelerada pela concentração tanto da força de trabalho como dos meios de produção (SAES, 2011, p. 1). A evolução capitalista, quando entendida na dicotomia “campo versus ci- dade”, demarca contornos particulares nas características da cidade mo- derna. Tal oposição tanto se localiza como se expande graças às trans- formações que se processam fruto de revoluções econômicas, culturais- científicas e políticas que ocorrem na Europa de forma mais intensa a partir (grosso modo) do século XIV. Essas mudanças foram responsáveis pela dissolução da sociedade feudal e consolidação das relações capita- listas de produção (possível pela construção do Estado Burguês, erigido sobre uma constituição e valores próprios). A consolidação da vida urbana ao longo deste processo de transforma- ção se dá, em termos econômicos, com a transferência da produção concentrada no campo (voltada à produção de alimentos e de objetos artesanais) para as cidades (com o desenvolvimento da manufatura e maquinofatura). Desta forma, a Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo na Inglaterra estão intimamente ligadas ao processo conhecido como “cercamento” dos campos, que acarretou em mudanças no processo de trabalho e na forma de vida dos antigos camponeses e produtores independentes. Instrumentos de Intervenção Urbana 23 É importante destacar que tais transformações possuíam fomento intelec- tual e cultural, fase caracterizada como “Renascimento-Científico Cultural” (séculos XV e XVI). Marcada pela laicização do pensamento, que corres- ponde a um processo de superação das explicações religiosas e da autori- dade da Igreja, formando progressivamente uma atitude intelectual laica e crítica. Além disso, essa fase também foi marcada pelo desenvolvimento de valores humanistas, os quais, por sua vez, auxiliaram na consolidação dos ideais burgueses. Tais filosofias e modos de conhecimento tanto “se criam com” como validam as transformações econômicas e sociais vividas pela Europa. Neste período renascentista – científico cultural, o mundo assistiu a pro- fundas transformações no campo da política, da economia, das artes e das ciências. O Renascimento retomou, então, valores da cultura clássica (representada pelos autores gregos e latinos), como a autonomia de pen- samento e o uso individual da razão, em oposição aos valores medievais, como o domínio da fé e a autoridade da Igreja, ordenando intelectual- mente e legislando este novo modo de vida em formação. Sucessivamente, é importante destacar o pensamento filosófico iluminis- ta dos séculos XVII e XVIII, que valorizava a razão como instrumento de co- nhecimento e permitia o desenvolvimento do racionalismo e no empirismo filosóficos. Ele acaba, portanto, afirmando o indivíduo e combatendo as antigas instituições, que legitimavam os privilégios da Monarquia absolu- ta, clero e nobreza. Tal filosofia foi responsável por nortear a Revolução Francesa: importante manifestação, no plano político, para a instituição do Estado Burguês na Europa. A Revolução Francesa foi um importante marco na consolidação do Estado Burguês, já que se instaura contra os privilégios da Nobreza e da Monarquia, levantando como lemas a “Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade”. Com a tomada do poder político, a burguesia implementa o Estado laico, reconstruindo instituições na busca pela “ordem social”. 24 Instrumentos de Intervenção Urbana Se a economia do século XIX foi constituída principalmente sob a influência da Revolução Industrialbritânica, sua política e ideologias foram constitu- ídas fundamentalmente pela Revolução Francesa [...] foi a França que fez suas revoluções e a elas deu suas ideias, a ponto das bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-se tornado o emblema de praticamente to- das as nações emergentes [...] A França forneceu vocabulário e os termos da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande exemplo, os conceitos e o vocabulário do na- cionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medida para a maioria dos países (HOBSBAWM, 1996, p. 9). Temos então uma nova configuração social na Europa, que implica em transformações sociais, econômicas, políticas e culturais, as quais irão ressignificar e marcar “novos espaços”: seja com relação às suas institui- ções e funções sociais (basta pensar as profundas modificações nas con- cepções de campo e cidade elucidadas), demarcando-as fisicamente e so- cialmente, seja em relação às suas concepções e funções simbólicas, que ganham novos valores com as transformações técnico-científicas. Instrumentos de Intervenção Urbana 25 ASSIMILE Você viu, ao longo do texto, alguns dos eventos sociais que propiciaram o surgimento da cidade moderna, de seu modo de vida e de compreensão. De maneira breve e articulada, fo- ram destacados abaixo alguns episódios (tanto inéditos como já relatados ao longo desta leitura) e suas conexões, com o intuito de criar uma sequência lógica e cooperativa entre eles: • A Expansão Marítima Europeia (que acontece a partir do século XV) propiciou a expansão do comércio e a exploração de metais preciosos, efetivando uma acu- mulação de riquezas e acelerando o desenvolvimento da economia monetária. • As cidades modernas se consolidam com a descentra- lização econômica do campo para a cidade e com o desenvolvimento da produção industrial. • No século XVI ocorre a Reforma Protestante impactan- do no antigo poder do clero e exigindo um modo de vida austero, explicações menos dogmáticas e mais voltadas às ações individuais (processo que também auxiliou a acumulação de capitais). • O indivíduo e a sua razão passam a ser centrais às ide- ologias políticas e à moral vigente. • A Revolução Industrial e Francesa impactam a econo- mia e a política, exigindo explicações e fundamentações para o novo modo de vida criado. • Por sua vez, as cidades se transformam em um verdadeiro caos com problemas sociais diversos e, estes acontecimen- tos e mudanças instigam a necessidade de investigação, controle de conflitos e legitimação da ordem. • Surge a sociologia como resposta intelectual às novas 26 Instrumentos de Intervenção Urbana situações: visando uma compreensão destas relações e condições criadas pelo capitalismo (como o apa- recimento das cidades industriais e a situação dos trabalhadores). Devido ao crescimento rápido e desordenado das cidades, são precárias as condições de trabalho e de vida da classe operária. A intensa migração dos campos gera um contin- gente enorme de mão de obra que se estabelece da maneira que é possível nos centros urbanos, submetendo-se a situa- ções precárias de trabalho e qualidade de vida. Sem condições próprias de autossubsistência, estes indivíduos são forçados a vender sua força de trabalho e se submetem às condições impostas pelos capitalistas: jornadas de trabalho extenuantes, salários baixos, trabalho insalubre, etc. Instrumentos de Intervenção Urbana 27 A importância da demarcação e da construção de uma ideia de cidade, bem como suas divisões, funcionalidades e normatizações, se estabele- cem, modificam e reinventam ao longo da história. Obviamente, a geografia (localização das cidades), a cultura (valores dos povos que a habitam) e as particularidades históricas de cada lugar in- fluenciam na sua ordenação, concepção e ideal. Contudo, o modo de vida capitalista, suas valorizações, padronizações de consumo (de produtos, de territórios, de conhecimentos, da comunicação, etc.), acabam desen- volvendo certos modelos estéticos e éticos que repercutem principalmen- te nas metrópoles mundiais. A globalização, o mercado financeiro, a internet, o desenvolvimento dos meios de transporte, o conhecimento intercultural são fatores que, atual- mente, impactam diretamente no modo de vida urbana. Contudo, foi na estipulação de um modelo, na efetivação de relações próprias e na con- ceituação de um ideal, que o conceito de cidade foi propagado e ganhou seus distintos contornos espaços- temporais. A cidade pós-revolução in- dustrial figura um território capaz de abarcar tantas transformações e modificações ideológicas e espaciais, mas que, ao mesmo tempo, fixa-se: tornando-se local e instaurando “modos de vida” essenciais aos sistemas político, econômico, cultural e social em que vivemos. Qual a importância do advento da cidade moderna para pensarmos nas transformações (e intervenções) do e no urbano ao longo da história? QUESTÃO PARA REFLEXÃO 28 Instrumentos de Intervenção Urbana 2. Considerações finais • Apesar da dicotomia campo versus cidade estar menos marcada em termos territoriais ou ideológicos e mais em termos políticos e cultu- rais, na contemporaneidade é importante saber como tal oposição se configurou e marcou uma ideia e atuação própria à cidade. • Desde o século XIV (e culminando no século XVIII) várias transforma- ções ocorridas na Europa irão modificar a configuração dos poderes, da economia e mesmo a geografia humana neste período: eclodindo revoluções econômicas, políticas, técnico-científicas e transforma- ções radicais no modo de vida e subsistência dos trabalhadores. • Destacam-se neste cenário a Revolução Industrial e Francesa, que trazem novas configurações políticas, econômicas e sociais à Europa, e cujas influências e modelos irão repercutir em várias nações e modos de estruturação da economia. • Desta forma, a configuração da cidade moderna está intimamente conectada ao desenvolvimento do capitalismo e dos ideais burgue- ses e da sua economia e política liberal. Glossário • Cidade moderna: este termo refere-se à Idade Moderna, perío- do histórico que fomenta a Revolução Industrial e abrange o iní- cio da Revolução Francesa. As principais características que po- dem ser destacadas com relação a tal período são: transição do Feudalismo para o Capitalismo (e o consequente desenvolvimento da cidade industrial), fortalecimento da burguesia nacional euro- peia, Renascimento científico e Cultural (a razão e não os dogmas passam a reger as relações), reformas religiosas e contestação do Regime Absolutista de governo. • Positivismo: sistema criado por Auguste Comte 1798-185, que se Instrumentos de Intervenção Urbana 29 VERIFICAÇÃO DE LEITURA TEMA 02 1. Em “Cidade Moderna e o Modo de vida Capitalista”, reali- zamos a indicação de dois filmes que ilustram – com abor- dagens e roteiros distintos - o modo de vida urbano pós- -revolução industrial. Assinale a alternativa que traz as in- dicações referidas: a) Em nome da Rosa e Germinal. b) A modernidade chega a vapor e Os miseráveis. c) Adeus minha rainha e Revolução Industrial. d) Tempos Modernos e As Sufragistas. e) A Liberdade é Branca e A Igualdade é Azul. 2. Assinale a alternativa que elucida o porquê da abordagem da cidade moderna no recorte cronológico que trata da evolução e consolidação da ideia de cidade ocidental: a) A Abordagem da cidade moderna (pós-Revolução Industrial e influenciada pela Revolução Francesa) se dá pela consolidação territorial e simbólica do espa- ço urbano, que passa a caracterizar modos de vida, • propõe a ordenar as ciências experimentais, considerando-as o modelo por excelência do conhecimento humano, em detrimento das especulações metafísicas ou teológicas. (Fonte: Dicionário do site de buscas Google.com) • Liberalismo: o Liberalismo é uma doutrina que preconiza a liber- dadede atuação individual nos diversos campos: econômico, po- lítico, religioso e intelectual, sendo, portanto, contra a intervenção direta e coercitiva do poder estatal (SANTOS, 2018, s/p). 30 Instrumentos de Intervenção Urbana interação e conhecimentos próprios. b) Abordar a cidade moderna é desprezar a ideia de cida- de cunhada na antiguidade (principalmente a noção de polis grega e civitas romana) para associar a criação da cidade diretamente e unicamente ligada ao desenvolvi- mento do capitalismo industrial. c) A cidade moderna surge na Grécia com a criação da polis, e se desenvolve em Roma (com a incorporação da civitas e da lei romana). d) A cidade moderna se funda a partir do desenvolvimen- to das Terras Comunais, fazendo com que, ao longo do tempo, a divisão entre campo e cidade desapareça. e) A Expansão Marítima permitiu a existência da cidade moderna, já que conquistava terras e colônias e as modernizava levando a in- dústria e o comércio. 3. Leia atentamente o trecho retirado da leitura fundamental: [...] a con- figuração da cidade moderna está intimamente conectada ao desen- volvimento do capitalismo e dos ideais burgueses e da sua economia e política liberal. Acerca da definição de liberalismo é correto afirmar que: a) O liberalismo é uma doutrina política que visa a estatização dos meios de produção e riqueza, liberando-os dos capitalistas. b) Liberalismo é uma postural cultural (liberal) que advoga pela liber- dade de ser e agir dos indivíduos, buscando a liberdade das sanções legais. c) O liberalismo preconiza a liberdade de atuação individual na socie- dade, sendo, portanto, contra a intervenção do poder estatal. d) O liberalismo teve origem com o governo monárquico e refere-se à Instrumentos de Intervenção Urbana 31 concessão de privilégios econômicos e sociais à nobreza e ao clero. e) O liberalismo é uma forma de governo que concentra poderes políticos e econômicos ao parlamento, desfazendo a monarquia absolutista. Referências bibliográficas HOBSBAWM, Eric. A Revolução Francesa. Trad. Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 9. SANTOS, Ludmila H. Rodrigues. Racismo estrutural e institucional: o conceito e a realidade escolar do racismo no Brasil. Valinhos: 2018. SAES, A. M. O moderno mundo urbano e a formação do capitalismo no Brasil. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, julho, 2011. Gabarito – Tema 02 Questão 1 – Resposta: D Os filmes indicados presentes na leitura fundamental do tema 2, que mostram o modo de vida e trabalho na Revolução Industrial, são, respectivamente “Tempos Modernos e As Sufragistas”. Questão 2 – Resposta: A A cidade moderna se dá pela consolidação territorial e simbólica do espaço urbano, que passa a caracterizar modos de vida, interação e conhecimentos próprios. Questão 3 – Resposta: C O liberalismo preconiza a liberdade de atuação individual na socie- dade, sendo, portanto, contra a intervenção do poder estatal. Instrumentos de Intervenção Urbana 32 TEMA 03 O FENÔMENO URBANO: A SUBJETIVIDADE METROPOLITANA Objetivos • Refletir sobre como são as relações e entender como se processam as dinâmicas típicas das cidades. • Entender o que é designado por subjetividade metro- politana e seus tipos. • Compreender este “modo de ser” típico da cidade, que tanto configura como é configurador dos limites (sim- bólicos e legais) da atuação dos indivíduos e da noção de urbanidade. Instrumentos de Intervenção Urbana 33 Introdução Até agora você estudou como foi possível as cidades se configurarem e criarem modos de vida específicos aos seus habitantes em função de es- pecificarem fronteiras que demarcam seu território, tanto simbólico como geográfico. Mas, como este modo de vida cria sua dinâmica própria? O que é viver na cidade? Quais as regras (formais e informais) que com- põem a vida do seu habitante? Que tipo de interação é comum? Quais os elos e profundidades? Pensar a cidade é, então, refletir acerca das condições morais e psicoló- gicas que configuram sua vida e a interação entre os indivíduos. A grosso modo, a cidade exige uma dinâmica própria de seus habitantes, assim como uma ética das relações. Afinal, são milhares de pessoas, milhares de eventos, inúmeras interações ao longo de um único dia. Pense a seguinte situação: você mora em uma grande capital na área leste e trabalha no extremo oeste, acorda às 5h30min da manhã para sair para o trabalho, pois entra em seu emprego às 8h. Então, levanta da cama, toma um banho rápido, come um café simples e sai para pegar o metrô que fica a 4 quarteirões da sua casa. No caminho, é possível encontrar outras pessoas que saem este horário, mas como é muito cedo (ainda está escuro), cada um busca chegar em segurança e com rapidez ao me- trô. Alguns destes sujeitos são vistos neste trajeto há anos, fazendo com que você saiba onde moram, como se vestem, em que ponto descerão no metrô... Contudo, seus nomes são desconhecidos, assim como suas profissões, seus gostos, etc. Alguns, acostumados com sua presença, de- sejam-lhe cordialmente um “bom dia”. Assim, você as reconhece, entre- tanto, não as conhece. O horário das 6 da manhã no metrô é lotado, por isso, diariamente, é necessário esperar por alguns vagões até conseguir entrar. O “ato de en- trar” é bastante tenso, pois se faz quase que involuntariamente: junta- mente com o fluxo de pessoas já bastante irritadas (que gritam, reclamam 34 Instrumentos de Intervenção Urbana e discutem entre si). Todos devem voltar a bolsa para frente do corpo, evitando furtos. Não há lugares para todos segurarem, então, os corpos unidos oferecem apoios mútuos ao movimento do trem. O tempo de che- gada é de 45 minutos (fora os 30 já perdidos tentando entrar no vagão). Você mal acordou e já se sente cansado, suado e mal-humorado. Chega ao trabalho, cumprimenta alguns colegas e trabalha interrupta- mente até a hora do almoço. No almoço, é possível conversar com um co- lega, aproveitar para descansar um pouco ou pagar uma conta. Volta do almoço e continua até o fim do expediente, quando enfrentará “a saga” do trajeto de volta para sua casa. Esta é uma descrição típica da vida nas grandes metrópoles. Obviamente, alguns fatores podem mudar (o deslocamento e os meios utilizados, a forma de trabalho, os horários, etc.). Contudo, esta ilustração busca algo além de um encaixe perfeito da descrição com sua vida pessoal. Ela apon- ta uma rotina, um lugar e comportamentos comuns e generalizados. Trazem, desta forma, questionamentos e constatações acerca da dinâ- mica e das relações nas cidades grandes, mostrando que, coletivamente se impõe uma ética, uma atenção e uma interação própria em cada um destes ambientes. Se, na história contada, você passasse a interagir de maneira “mais inten- sa” com os sujeitos que encontra ao caminho do metrô, em alguns casos – em função desta dinâmica e ética metropolitana - causaria estranha- mento e desconfiança. A essa altura, é possível constatar que, embora esta situação seja comum nas grandes cidades, por outro lado, nas cidades menores essa relação é diferente, pois as pessoas estão mais receptivas, se conhecem mais, estão menos desconfiadas, etc. Então, surgem as perguntas: por que será que esta diferenciação acontece? E ainda: qual a ligação do modo de vida ur- bano com a impessoalidade dos sujeitos? Instrumentos de Intervenção Urbana 35 É exatamente esta característica própria e as diferenciações que se criam, inclusive, no próprio interior da cidade grande – afinal, a cidade é um con- junto de pessoas e lugares, por isso, é comum que alguns bairros possu- am uma dinâmica de relações menos impessoais (tal como nas cidades pequenas), que esta unidade buscará elucidar, trazendo a seguinte refle- xão: afinal, o que é este modo de vida urbano ressaltado? Como ele se caracteriza e como afeta a vida das pessoas? 1. Os lugares e subjetividades metropolitanas A cidade é mapeada,mas também mapeia nossos trajetos (olhares, com- portamentos e interações). Ante esta constatação, é possível, então, per- guntar: quais são os lugares (mapeados) da cidade? Marc Augé (1994) ao definir uma antropologia da “supermodernidade” – a qual se refere à abordagem contemporânea do estudo das relações humanas - cunha a noção de lugares e não-lugares que compõem nossa vida cotidiana. Para este autor, os “lugares” seriam aqueles espaços que se constituem de forma a propagar valores e memórias (identitários), sendo, portanto, relacionais e históricos, enquanto que os “não-lugares” representariam exatamente o oposto desta classificação: não identitários, sem marcas históricas e cujos relacionamentos são efêmeros (AUGÉ, 1994). Entretanto, não se trata de uma simples oposição, já que a dinâmica dos espaços é bastante complexa, e, por isso mesmo, o não-lugar pode vir a existir como lugar: espaços se recompõem, relações se reconstituem ne- les. Lugares e não-lugares seriam assim “polaridades fugidias: o primeiro nunca é totalmente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente, caracterizando-os como palimpsestos em que se reinscreve, sem cessar, o jogo embaralhado da identidade e da relação” (AUGÉ, 1994, p. 74). 36 Instrumentos de Intervenção Urbana PARA SABER MAIS A noção de “lugares” e “não-lugares” é essencial ao estudo das relações humanas. Afinal, há, nossa vida compõe e é composta nos e pelos espaços que transitamos. O livro de Augé (1994), intitulado “Não-Lugares: uma introdução à an- tropologia da supermodernidade”, explica a demarcação destes espaços e ajuda a refletir sobre nossas dinâmicas e comportamentos. Ao mesmo tempo, nosso comportamento possui um aspecto psicológico típico das grandes cidades que é corroborado com os sentidos atribuídos para e pelos espaços transitados. No exemplo citado no início do texto, é possível notar diferenças de postura e interações dependendo do espaço transitado: no caminho para o metrô, no interior do trem ou no trabalho. Os espaços recebem também distintas valorizações e são idealizados para determinados fins no funcionamento da cidade. Esta é fonte de alguns conflitos típicos da “nossa era”, caracterizada pela especulação imobiliária (valorização monetária dos espaços estruturada por marketing e ressigni- ficação pública e privada dos espaços) e pela “reestruturação pública dos espaços”. Esta tendência de reestruturação pública dos espaços pode ser notada nas regiões centrais dos grandes centros urbanos. Historicamente, estas localidades foram se tornando decadentes, princi- palmente com o deslocamento de seu status de moradia e interação para espaços privados e mais isolados do fluxo intenso urbano. Este é caso dos condomínios fechados, dos shopping centers, das áreas de lazer privadas ou privativas (clubes, estádios, hotéis fazenda, etc.). Contudo, temos que, estas regiões centrais, exatamente por estarem “no coração” das grandes cidades, carregam, muitas vezes, aspectos importantes da memória das cidades em suas praças, coretos, lojas, igrejas, cinemas antigos... O confli- to entre a “modernização”, particularização, a memória e a reconstrução de “lugares públicos” é fundamental à compreensão das “intervenções urbanas”. Instrumentos de Intervenção Urbana 37 As questões éticas e estéticas que conformam a cidade carregam dile- mas: como a gestão da cidade pode equilibrar as demandas funcionais e comerciais do uso dos espaços, preservando a memória e a dignidade humana dos sujeitos que ocupam, habitam, interagem e significam dife- rentemente estes espaços? Para refletir acerca dos “instrumentos de intervenção” é preciso se voltar às regras, às pessoas e aos espaçamentos da cidade. Elucidados alguns aspectos fundamentais da construção histórica deste espaço e de formas de conceituá-lo teórica e simbolicamente (conforme visto nos módulos anteriores), cabe, portanto, pensar as relações interpessoais citadinas. George Simmel é um autor que se voltou a esta tarefa. Seu texto “As grandes cidades e a vida do espírito”, de 1903, é extremamente atual neste sentido, referenciando o estudo comportamental do modo de vida urbano. Simmel distingue os modos de subjetividade urbanos. Ele relata o conflito subjetivo que integra a vida do sujeito que vive nas grandes cidades: por um lado, há uma luta em preservar sua subjetividade (suas particularidades, seu modo ser próprio), por outro, existe um mecanismo social que exige deste mes- mo sujeito uma impessoalidade e “uma atenção mais difusa” para preser- var sua própria saúde mental neste ambiente (SIMMEL, 1903, s/p). Voltemos ao exemplo do início do texto. Pense que, ao sair de casa, você passa a conhecer e cumprimentar todos os indivíduos que cruza no ca- minho do metrô. Como tal, passa a conversar “minimamente” com todos, perguntando-lhes aspectos pessoais: “olá Sr. Roberto, sua esposa melho- rou?”; “Dona Francisca, tudo bem? Como foi sua viagem de férias?”; etc. Seu trajeto, que já é corrido – lembre-se de que você acorda às 5h30min para conseguir (se tudo der certo) pegar o metrô às 6h30min (que é me- nos lotado que o das 7h) - sofrerá um acréscimo de tempo considerável, o que influenciará em todo o seu dia. É possível ainda concatenar inúmeros acontecimentos que tornariam insustentável sua ida diária ao trabalho caso sua atenção fosse totalmente voltada aos eventos que sucedem em seu deslocamento. Tais experiências de afastamento subjetivo são, por- tanto, e em acordo com a teoria de Simmel, essenciais à “saúde mental” do morador das grandes metrópoles. 38 Instrumentos de Intervenção Urbana PARA SABER MAIS A criação de não-lugares se liga à “intensificação da vida ner- vosa” descrita por Simmel. Tal “intensificação” desenvolve e regula os mecanismos do anonimato e da intimidade, con- figurando as relações sociais de acordo com os lugares que transitamos, com a proximidade e convivência dos sujeitos e, ainda, com a personalidade de cada um, cruzada com nor- mas tácitas sociais de interação. A impessoalidade da vida urbana seria consequência desta “intensifica- ção da vida nervosa”, que provocaria uma “mudança rápida e ininterrupta de impressões interiores e exteriores” das individualidades, fazendo com que estas produzam mecanismos para se resguardarem desta sucessão de significados (SIMMEL 1903, p. 577 apud SANTOS, 2012, p. 31). LINK O artigo de Simmel “As grandes cidades e a vida do espíri- to” está disponível integralmente na plataforma acadêmica Scielo. SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito (1903). Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 577-591, out. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0104-93132005000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 jul. 2018. Aqui, é possível correlacionar que as relações sociais típicas da cidade irão dar sentido e significado às noções de indivíduo e individualidade, as quais integram as vivências e compreensões da vida urbana. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132005000200010&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132005000200010&lng=en&nrm=iso Instrumentos de Intervenção Urbana 39 ASSIMILE Segundo Simmel, o “nivelamento” das consciências em alta escala e seu assentamento na realidade das metrópoles nun- ca dissolveriam totalmente as individualidades. Desta forma, o indivíduo reservaria aspectos distintivos de sua personali- dade e o sujeito não seria meramente fruto dos processos sociais. Na clássica dicotomia indivíduo versus sociedade, teríamos, concomitantemente, a captura do indivíduo por processos coletivos nivelando sua representação e percep- ção, mas, também, o desenvolvimento e expressão de sua individualidade: Onde o aumento quantitativo de significação e energia se apro- xima de seus limites, o homem agarra-se à particularização qualitativa, a fim de, por meio do excitamento da sensibilidade de distinção,ganhar de algum modo para si a consciência do círculo social: o que conduz finalmente às mais tendenciosas esquisitices, às extravagâncias específicas da cidade grande, como o exclusivismo, os caprichos, o preciosismo, cujo sen- tido não está absolutamente no conteúdo de tais comporta- mentos, mas sim em sua forma de ser diferente, de se desta- car e, com isso, de se tornar notado (SIMMEL, 1903, s/p.). É por isso que a cidade grande abarca e faz conviver distintos tipos de pessoas e culturas. Ela, ao mesmo tempo em que regula uma espécie de ética relacional e comportamental, permite, portanto, a legítima expres- são das diferenças. 40 Instrumentos de Intervenção Urbana EXEMPLIFICANDO A música “Sampa” de Caetano Veloso descreve uma experiên- cia de estranhamento com relação à metrópole de São Paulo - sua diversidade, sua estética e suas relações interpessoais: Alguma coisa acontece no meu coração Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi Da dura poesia concreta de tuas esquinas Da deselegância discreta de tuas meninas [...] Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas Da força da grana que ergue e destrói coisas belas Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços [...] (SAMPA, Caetano Veloso, 1978). O estranhamento frente à grandeza das construções, à circulação das pessoas e do dinheiro, enfim, características próprias da cidade e de seus habitantes, afloram uma expressão poética que é, ao mesmo tempo, sub- jetiva (própria da experiência do compositor) e coletiva (pois gera empa- tia, sentimentos comuns), representando, desta forma, uma descrição particular que possui aspectos e sentidos coletivos. A arte, neste caso, serve para nos ilustrar a experiência teórica do nivela- mento das subjetividades e da criação de lugares e não-lugares no inte- rior das cidades. Pois, segundo esta mesma música, “quem vem de outro sonho feliz de cidade aprende depressa a chamar-te de realidade: Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. Instrumentos de Intervenção Urbana 41 De que forma as noções de Não-Lugar de Marc Augé (1994) e a des- crição das subjetividades e da vida nervosa nas grandes cidades feita por Simmel (1903) auxiliam na compreensão dos limites, alcances e impactos individuais das “intervenções urbanas”? QUESTÃO PARA REFLEXÃO 2. Considerações finais • Para compreendermos os limites e regulações das “intervenções” no e do urbano é preciso entender como se configura seu modo de vida. • A cidade tanto é mapeada em seus lugares e não-lugares como também é mapeadora e reguladora das interações que os sujeitos processam no seu interior. • Este nivelamento não é absoluto, e, por isso, para além do con- trole quantitativo das interações há expressões qualitativas das subjetividades. • A cidade é palco da convivência e interação de distintos sujeitos, culturas e valores. O modo de vida urbano tanto exige certa indife- rença por parte do indivíduo nas relações cotidianas (cujo volume de interações comprometeria sua “saúde mental” caso tivesse que estar atento e responder a todos os estímulos) como, por outro lado, permite e evidencia suas particularidades (diferenciando-o na multidão de sujeitos que compõem a cidade). Glossário • Palimpsestos: segundo o site da Infopédia, palimpsestos designam papiros ou pergaminhos cujo texto primitivo foi raspado dando lu- gar a outro. Refere-se a textos que se sobrepõem. Disponível em: <https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/palim psesto>. Acesso em: 7 jul. 2018. https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/palimpsesto https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/palimpsesto 42 Instrumentos de Intervenção Urbana VERIFICAÇÃO DE LEITURA TEMA 03 1. Marque a alternativa que define corretamente a noção de lugar e não-lugar cunhada por Marc Augé (1994): a) Lugares se referem aos ambientes urbanos, enquanto não-lugares designam o campo. b) Lugares são definidos pela cartografia (mapeamento das cidades) e não-lugares se referem a todos os re- cantos que não existem nos mapeamentos oficiais. c) Lugares demarcam as regiões centrais (de maior fluxo de pessoas) das cidades enquanto não-lugares se refe- rem às periferias das mesmas. d) Lugares se referem aos espaços de valorização e espe- culação imobiliária e os não-lugares aos depreciados e desvalorizados economicamente. e) Os lugares configuram espaços identitários, ligados aos valores e memórias enquanto os não-lugares não rela- cionam sentidos históricos e identitários. 2. Observe o seguinte trecho da música Sampa, de Caetano Veloso, contida na leitura fundamental do tema 03: “Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas; da força da grana que ergue e destrói coisas belas [...].” Este trecho relata poeticamente movimentos que configu- ram as noções de lugares e não-lugares descritas por Marc Augé ( 1994). Assinale a alternativa que elucida a relação da música e dos conceitos: Instrumentos de Intervenção Urbana 43 a) “A força da grana que ergue e destrói coisas belas” des- creve a especulação imobiliária que se relaciona com a noção de lugares e não-lugares por mudar uma con- figuração afetiva, de memória e identidade da cidade priorizando e criando sentidos econômicos. b) “Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas” referem- se aos não-lugares, aqueles invisibilizados na cidade e pelo poder público. c) A música descreve São Paulo, uma grande metrópole considerada “lugar por excelência” por conta das diver- sidades que relaciona. Os trechos elucidam exatamen- te os distintos lugares na referida cidade. d) A música descreve lugares específicos “filas, nas vilas, favelas” e não lugares como “coisas belas”. Faltou ao autor descrever o que seriam tais “coisas belas” para configurá-las como lugares. e) A música, que descreve São Paulo (essencialmente um não-lugar por ser uma metrópole muito diversificada), tenta estabelecer lugares definidos “filas, nas vilas, fa- velas” na tentativa de mostrar o agrupamento e vida de seus habitantes. 3. No texto “O Fenômeno Urbano: A Subjetividade Metro- politana” é dado o exemplo do trânsito (psicológico e ge- ográfico) cotidiano que os sujeitos que vivem nas grandes cidades vivem diariamente. Esta elucidação fala do fato de reconhecermos, mas não conhecermos grande parte dos indivíduos que compõe esta experiência cotidiana. Acerca do “reconhecimento” e “não-conhecimento”, mar- que a alternativa que explica teoricamente e conceitual- mente este comportamento: 44 Instrumentos de Intervenção Urbana a) O reconhecimento e conhecimento caracterizam os lugares (conhecidos e mapeados) e não-lugares (reco- nhecidos, porém não mapeados) descritos pelo teórico Marc Augé (1994). b) O reconhecimento diz da preservação da subjetividade descrita por George Simmel (1903) e o conhecimento refere-se às normas sociais que o nivelam socialmente. c) Reconhecer e não conhecer refere-se à “preservação da saúde mental” dos indivíduos nas metrópoles descritas por Geoge Simmel (1903). Neste sentido, há tanto um nivelamento comportamental como a particularização dos sujeitos nas cidades. d) Reconhecer e conhecer se referem aos mapeamentos das cidades descritos por Marc Augé (1994). Muitas vezes podem-se reconhecer os lugares nestes mape- amentos, porém, é comum nas cidades grandes não conhecê-los. e) O exemplo fala do engajamento individual na mudança do comportamento de indiferença urbana descrita por George Simmel (1903). Cabe ao sujeito mudar os reco- nhecimentos para conhecimentos concretos. f) O exemplo mostra a crítica de Marc Augé (1994) a George Simmel (1903). Augé mostra que, contempora- neamente, as relações e conhecimentos descritos por Simmel transformaram-se em reconhecimento e inte- ração efêmeras. Referências bibliográficas AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994.Caetano Veloso. Sampa. In: Muito: dentro da estrela azulada. CBD Phonogram, Philips, 1978. Instrumentos de Intervenção Urbana 45 SANTOS, Ludmila Rodrigues dos. “Triste sina ser poeta de latrina”: Um estudo an- tropológico/artístico dos grafitos de banheiro. 2012. 185 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. SIMMEL, Georg. As Grandes Cidades e a Vida do Espírito (1903). Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 577-591, out. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132005000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 mai. 2018. Gabarito – Tema 03 Questão 1 – Resposta: E Lugares: espaços identitários, ligados aos valores e memórias. Não- lugares: não relacionam sentidos históricos e identitários. Questão 2 – Resposta: A “A força da grana que ergue e destrói coisas belas” descreve a espe- culação imobiliária, que se relaciona com a noção de lugares e não- -lugares criando sentidos econômicos. Questão 3 – Resposta: C Reconhecer e não conhecer refere-se à “preservação da saúde men- tal” dos indivíduos nas metrópoles descritas por Geoge Simmel (1903). http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132005000200010&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132005000200010&lng=en&nrm=iso Instrumentos de Intervenção Urbana 46 TEMA 04 O EMPREENDEDORISMO E GENTRIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS Objetivos • Discutir os alcances e limites do empreendedorismo urbano. • Compreender o que designa o processo de gentrifica- ção e o consumo do lugar. • Entender o processo de ressignificação das áreas cen- trais das grandes metrópoles. • Articular o tema do empreendedorismo voltado para o espaço urbano e a ação da especulação imobiliária: como valorizar os espaços evitando a exclusão social? • Pensar a questão da atuação dos sujeitos: sua memó- ria e identidade na constituição dos espaços. Instrumentos de Intervenção Urbana 47 Introdução [...] E a cidade se apresenta centro das ambições Para mendigos ou ricos e outras armações Coletivos, automóveis, motos e metrôs Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs A cidade não para, a cidade só cresce O de cima sobe e o de baixo desce (Chico Science & Nação Zumbi, 1994). A cidade, espaço coletivo, é cantada por Chico Science & Nação Zumbi (1994) como “centro das ambições”. Ambições múltiplas que cruzam inte- resses econômicos, comerciais e políticos que atravessam e configuram seu espaço. Assim, suas divisões territoriais, sejam formais (seus bairros, suas zonas de comércio, seus espaços de lazer) ou simbólicas (referentes à ocupação dos espaços e suas significações e sentidos sociais partilhados), são cons- tantemente pensadas, revistas, ressignificadas. Afinal, “a cidade não para, a cidade só cresce” e, com isso, o que ela muda, se reconfigura: sua me- mória e espaços significativos são impactados, realocados, revalorizados. Esta expansão, por sua vez, implica em macroinvestimentos que estimu- lam a especulação imobiliária, a privatização, e uma ideia de gestão espa- ço público atrelada ao comércio e ao consumo dos lugares (otimização e reestruturação voltada ao aproveitamento turístico ou econômico dos es- paços). Tais ações instituem e colaboram com o processo de gentrificação urbana (que implica na elitização comercial e simbólica destes territórios): [...] a crise da moradia tem se agravado nos últimos anos por conta da re- estruturação das cidades e de sua transformação em um negócio. David Harvey, professor da Universidade de Nova York, explica que o capitalis- mo vem sendo cada vez menos produtivo e cada vez mais especulativo, e os capitais estão indo no sentido de investir na cidade, mas de forma es- peculativa. Nesse sentido, a moradia foi virando uma commodity, um item 48 Instrumentos de Intervenção Urbana de investimento, então uma quantidade razoável de investidores investe muito dinheiro nisso, e a moradia vem tendo o seu preço alavancado ainda mais, por conta dessa mercantilização da moradia e da cidade (COMARÚ apud FACHIN, IHU on-line, 5 de maio de 2018). Obviamente, a ideia de uma gestão pública empreendedora, que possa movimentar a economia citadina, apoiando-se e auxiliando no desenvol- vimento de uma “identidade local” bem como incentivando a área de ser- viços, de produção e criando incentivos aos investidores externos (geran- do emprego e renda), não parece ser um “problema” no desenvolvimento e crescimento das cidades. Contudo, questões importantes se colocam neste sentido: como empreender “a cidade” e “na cidade” preservando sua memória, seus patrimônios, levando em conta os sujeitos e suas re- lações com o espaço (seus direitos e cidadania)? Como fazer com que o espaço público seja usufruído e não apenas consumido por todos? Muitas vezes, o “consumo da cidade” leva à exclusão física e simbólica dos sujeitos, principalmente os de baixo poder aquisitivo, nos espaços citadinos. Por isso, questiona-se de que adianta a cidade crescer criando distâncias físicas e sociais entre os sujeitos (fazendo com que “os de cima” subam e “os de baixo” desçam). Cidade existe para quem? 1. Os sujeitos e processo de gentrificação urbana Afinal, o que é o processo de gentrificação urbana? Primeiramente, este processo faz parte das discussões teóricas e políticas acerca dos processos de urbanização presentes, principalmente, nas grandes metrópoles associadas à reconfiguração capitalista dos espaços públicos. Para efeito didático dos estudos urbanos, Magnani (2002) os agrupa em dois blocos. Primeiramente este autor reúne os diagnósticos que enfati- zam os aspectos desagregadores urbanos: como colapso do transporte público, falta de infraestrutura urbana (saneamento, saúde, segurança, Instrumentos de Intervenção Urbana 49 etc.), poluição, desigualdade social, entre outros. Depois, volta-se ao “pro- tótipo da cidade pós-industrial: lugar da superposição de conflitos e sig- nos, não-lugares, redes e encontros virtuais” (MAGNANI, 2002, p. 2). Desta forma, de um lado trabalha-se uma concepção caótica da convivência, gestão e repartição real do espaço urbano: o lugar degradado. No seu contraponto, a convivência e multiplicidades de vivências na cidade exi- gem um planejamento no qual a experiência espacial possa ser, ao mes- mo tempo, única e compartilhada. Esta noção de cidade atrelada ao consumo e a uma leitura compartilhada e desterritorializada dos espaços que, ao mesmo tempo, ressalta (turisti- camente, comercialmente, culturalmente) “singularidades”, se coloca na noção de “cidade global”. Acerca desta experiência, Magnani ( 2002) res- salta que: [...] essa denominação alude ao papel que tais cidades ocupam numa eco- nomia altamente interdependente: sedes de conglomerados multinacionais, pólos de instituições financeiras, produtoras e/ou distribuidoras de deter- minados serviços, informações e imagens, elas constituem os nós da ampla rede que também já é conhecida, num mundo globalizado, como “sistema mundial”. Sua influência, desta forma, faz-se sentir muito além das respecti- vas fronteiras físico administrativas e nacionais (MAGNANI, 2002, p. 3). Assim, se por um lado as metrópoles assumem características estéticas e infraestruturais (que por sua vez configuram comportamentos e reconhe- cimentos) que, em certo grau, buscam equalizar lugares, experiências e percepções, por outro, é fundamental que cada uma busque e desenvol- va uma “marca local distintiva” tornando-a competitiva ao investimento de capitais, ao turismo, à atração de mão de obra especializada (MAGNANI, 2002, p. 4). A cidade, seus espaços e sua imagem são, concomitantemen- te, vitrine e produto. Como tal, ela é produto de especulação (financeira e imobiliária) e local de investimento. Nesta concepção, os limites do públi- co e do privado se imbricam: o espaço público pode contar com a partici- pação de interesses,investimentos e manutenção privados. 50 Instrumentos de Intervenção Urbana Tal iniciativa é reconhecida como um tipo de “planejamento estratégico” urbano, que, dentre outras medidas, volta-se a uma ideia de otimização dos usos, controle, segurança, funcionalidade e deste referido “consumo cultural dos lugares” (vide a propagação dos Shopping Centers associados a tais valores difundidos). Tal remodelação dos espaços citadinos prevê valorizações de iniciativas que envolvem o poder público e o privado nos projetos de renovação urbana. Neste viés, e buscando se associar à necessidade de particulari- zação destes espaços remodelados, que se apóia o empreendedorismo do e no espaço urbano. O investimento privado (atrelado ao consumo do lugar) precisa “atrair” novos moradores, usuários, frequentadores e inves- tidores, fazendo com que o espaço se atrele (simbolicamente e economi- camente) a concepções de status e renda. Assim, a cidade, seus espaços, sua memória, e a participação democrática e irrestrita de seus habitantes são constantemente remodelados levando em conta os interesses do capital e da ampliação de seu consumo. Esta requalificação comumente excludente (enobrecimento), em prol de uma funcionalidade capitalista, define, desta maneira, a gentrificação. PARA SABER MAIS Segundo Magnani (2002), o processo de gentrificação pode ser notado nas áreas centrais das metrópoles, que passam por projetos e iniciativas de “revitalização” de seus espaços “degradados” (com base neste “planejamento estratégico” e com parcerias público-privadas). Ante o exposto, a gentrificação possui um duplo aspecto na configura- ção espacial urbana: além de adequá-la como “lugar de consumo”, inau- gura uma nova modalidade de consumo cultural: o “consumo do lugar” (MAGNANI, 2002, p. 13). Instrumentos de Intervenção Urbana 51 PARA SABER MAIS O processo de gentrificação marca uma “subjetivação capita- lista que envolve os valores, o trânsito e os olhares para os locais, a disposição e distribuição estética e espacial, etc.; evi- denciando que a ‘montagem’ do urbano, sua (re)produção e identificação envolvem processos internos - de subjetivação - e externos - de vigilância, controle e construção física da urbe (SANTOS, 2017, p. 168). O aspecto de uma “subjetivação capitalista” difundida em prol deste pos- sível “consumo dos lugares” é, portanto, essencial à gentrificação e ao em- preendedorismo que os reinventa: seja na esfera pública - com iniciativas voltadas principalmente ao turismo e à particularização qualitativa dos espaços, ou na esfera privada – com seus grandes empreendimentos e com o apoio do capital financeiro e da especulação imobiliária. Em ambos os casos é preciso naturalizar estes sentidos e ocupações como integran- tes de um “bem comum”. LINK O texto de Magnani (2002) intitulado “De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana”, além de pensar esta geo- grafia urbana e sua (re)distribuição, volta-se à prática de pes- quisa antropológica neste cenário. O Núcleo de Pesquisa em Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo o dispo- nibiliza para download. Disponível em: <http://nau.fflch.usp. br/sites/nau.fflch.usp.br/files/upload/paginas/de_perto_de_ dentro.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2018. Se o espaço urbano gentrificado é usufruído e consumido de maneira distinta pelos seus habitantes, já que o movimento que se opera é de elitização e especulação financeira em torno deste consumo espacial, é http://nau.fflch.usp.br/sites/nau.fflch.usp.br/files/upload/paginas/de_perto_de_dentro.pdf http://nau.fflch.usp.br/sites/nau.fflch.usp.br/files/upload/paginas/de_perto_de_dentro.pdf http://nau.fflch.usp.br/sites/nau.fflch.usp.br/files/upload/paginas/de_perto_de_dentro.pdf 52 Instrumentos de Intervenção Urbana importante notar que a “partilha do sensível”, da experiência e do acolhi- mento nestes distintos espaços é distintiva e desigual. A este respeito, o filósofo Jacques Rancière afirma que: Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo tempo, um comum par- tilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se fun- da numa partilha de espaços, tempos e tipo de atividade que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha. O cidadão, diz Aristóteles, é quem toma parte no fato de governar e ser governado. Mas uma outra forma de partilha precede este tomar de parte: aquela que determina os que tomam parte [...] A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte no comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade exerce. Assim, ter esta ou aquela “ocupação” define competências ou in- competências para o comum. Define o fato de ser ou não visível num es- paço comum, dotado de uma palavra comum, etc. (RANCIÈRE, 2005, p. 15). A repartição dos espaços nos leva, então, à questão de sua ocupação, partilha e participação (cultural, política e econômica) dos sujeitos. Ao tra- tarmos, por exemplo, da questão dos centros urbanos, temos que sua reestruturação e a especulação imobiliária passam a legitimar uma apro- priação (legalizada) privada/ empresarial, que, por sua vez, difunde uma estética e conceitos que facilitam esta mercantilização e consumo espa- cial. Tal movimento evidencia a estipulação desigual das visibilidades, das possibilidades de falas, da participação cidadã, do “consumo” e/ou do acesso ao “espaço público” (e seus equipamentos). Neste ponto, voltamos ao tema colocado no início deste texto acerca da crise habitacional nas grandes metrópoles e da visibilidade e rentabilida- de dos espaços citadinos, já que, tais aspectos, em função desta estética vendável e voltada ao consumo, delegam a participação e tornam invisí- veis aqueles com menor status e capacidade financeira. […] A cidade deixou de ser só o lugar dos negócios e passou a ser o negócio: a cidade é um negócio. Os pobres, dentro deste contexto, são completa- mente expulsos, seja pela ação direta do Estado nas remoções, seja pela ação direta dos proprietários privados, seja pelos processos da especula- ção imobiliária, em que as pessoas não conseguem pagar aluguel (COMARÚ apud FACHIN, IHU on-line, 5 mai. 2018). Instrumentos de Intervenção Urbana 53 A população que destoa da remodelação dos espaços é, em muitos ca- sos, incentivada pelo próprio poder público a ocupar “outros espaços” ou “lugares da invisibilidade”. Revitalização, dependendo da forma que é im- plantada, pode possuir este viés de “higienização” e elitização dos espaços e dos sujeitos que os ocupam. ASSIMILE Segundo Comarú, em entrevista ao site “Outras Palavras” é possível ver este movimento de gentrificação no centro da ci- dade de São Paulo, no bairro da Luz, mas também em outras localidades em função da construção de estádios na época da Copa do Mundo de Futebol e dos megaeventos. Apesar das resistências por parte da população, dos movimentos locais, de vários ativistas, acadêmicos e ONGs, a força espe- culativa e financeira aliada ao Estado, agravou ainda mais a crise da moradia neste caso, em especial nestas regiões que se buscava “remodelar”. Com a crise política e econômica que vivemos (que implica em aumento do desemprego e redução da renda média da popu- lação) muitas pessoas não conseguem prover o aluguel. Isso aumenta as remoções e os despejos, fazendo com que estes sujeitos passem a morar em periferias distantes ou, em casos extremos, ocupem instituições e espaços públicos: morem em albergues, em prédios abandonados, etc. Muitos destes “prédios abandonados” (existentes principalmente nas áreas centrais) servem para justificar o (re)investimento privado e a remodelação destes territórios. Contudo, estas localidades também são alvo de questionamento político por parte dos movimentos sociais, os quais demandam suas ocupações e redistribuição do espaço urbano com base na “função social da propriedade imóvel urbana”. Segundo o site da Prefeitura de
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