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NUTRIÇÃO VEGETARIANA E VEGANA Prof. Natalia Casanova – nataliagcasanova@gmail.com TIPOS DE VEGETARIANOS A primeira coisa que o nutricionista deve entender é a diferença entre os tipos de vegetarianos. Vegano: não consome nenhum produto de origem animal. Ou seja, não consome nenhum tipo de carne, leite, ovos, mel, própolis, gelatina, corantes como cochonilha ou outros aditivos alimentares de origem animal. Atenção também aos suplementos, pois alguns podem ser sintéticos e não testados em animais (portanto, veganos), e outros podem ser de origem animal (por exemplo, a maioria dos suplementos de vitamina D3). Crudívoro: não consome alimentos aquecidos a temperaturas superiores a 42ºC. sua alimentação é composta de grãos e sementes, que podem ser germinados (leguminosas inclusive), frutas e legumes. Também inclui alimentos fermentados e desidratados. Pode, em alguns casos, incluir refinados, como sal, azeite, shoyu e outros temperos. Estes indivíduos alegam que os alimentos crus possuem maior quantidade de nutrientes e enzimas, e menos toxinas, e que alimentos aquecidos podem ser tóxicos (normalmente citam a produção de AGEs, acrilamida e outras substâncias geradas durante o aquecimento). Considerar que há compostos melhor absorvidos após serem submetidos ao calor, como licopeno por exemplo. Frugívoro: alimentam-se majoritariamente de frutas, complementando com hortaliças e oleaginosas cruas. Ovo-vegetariano: sua única diferença para o vegano é que ele consome ovos. Lacto-vegetariano: sua única diferença para o vegano é que ele consome laticínios. Ovo-lacto-vegetariano: sua única diferença para o vegano é que ele consome ovos e laticínios. Pescetariano: indivíduo que consome peixes. Os demais alimentos de sua dieta podem ser iguais aos da dieta vegana ou vegetariana. “Flexetariano”: termo recentemente criado para designar a alimentação mais flexível, com o vegetarianismo mais presente, mas com eventual consumo de carnes. Plant-based: termo muito usado pela indústria e restaurantes, mas também muito encontrado em artigos científicos. O indivíduo que segue uma dieta plant-based pode ser diferente do vegano, caso o vegano inclua em sua alimentação produtos processados e industrializados (por exemplo, existe bolo vegano, biscoito recheado vegano, pizza vegana, batata frita é vegana, etc). A alimentação plant based também exclui carnes, ovos, laticínios, além de qualquer alimento ultraprocessado ou industrializado. Outra diferença é que o termo “vegano” deve ser usado não apenas para designar uma dieta, mas sim uma filosofia que vai além da alimentação. Segundo a Vegan Society do Reino Unido, “O veganismo é um estilo de vida que busca excluir, o tanto quanto possível e praticável, todas as formas de exploração e crueldade com animais para alimentação, vestiário ou qualquer outro propósito.”. O crescente destaque do vegetarianismo na mídia e redes sociais, o aumento de produtos veganos, o impacto econômico que o veganismo vem gerando tornam de suma importância que o nutricionista atualizado esteja capacitado para atender vegetarianos e veganos. Infelizmente, muitos indivíduos ainda buscam informações sobre o veganismo apenas em redes sociais e sites (que muitas vezes contêm informações erradas e irresponsáveis), negligenciando a importância do atendimento individualizado pelo profissional nutricionista. Outro ponto importante para o nutricionista entender são as motivações que levam um indivíduo a tornar-se e manter-se vegetariano a longo prazo. O nutricionista que vai além da prescrição dietética, que entende e demonstra empatia com as motivações é um nutricionista diferenciado na visão do paciente. Dentre estas motivações, podemos citar: a- Manutenção do peso saudável – com a transição para o vegetarianismo, muitos indivíduos podem ganhar ou perder peso. Essa preocupação impede muitas vezes a adesão à alimentação. O nutricionista deve mostrar para o paciente que é possível manter um peso saudável sendo vegetariano. b- Conhecimento: o nutricionista deve, ao longo do acompanhamento nutricional, explicar gradativamente para o paciente vegetariano sobre os grupos alimentares, biodisponibilidade dos principais nutrientes e outros tópicos que sejam necessários para o paciente entender como fazer uma reeducação alimentar seguindo o vegetarianismo. c- Habilidades culinárias no vegetarianismo: o nutricionista também deve trabalhar este tópico, auxiliando o paciente com receitas para aumentar a variedade de preparações e evitar a monotonia alimentar. d- Amigos próximos que são vegetarianos: A proximidade de pessoas vegetarianas ajuda na transição e manutenção do vegetarianismo. O nutricionista também trabalhar com o paciente a ideia de que nem todos aceitarão bem sua transição para o vegetarianismo (mesma situação de pacientes que começam reeducação alimentar ou “dieta” para perda de peso). e- Envolvimento em grupos que lutam pelos direitos animais: estes indivíduos são mais propícios a se tornarem e manterem vegetarianos. f- Apoio da família: é o principal na maioria dos casos. O papel do nutricionista também é informar a família sobre a segurança e os benefícios da dieta vegetariana, quando possível (por exemplo, pacientes que vão com os pais ou companheiro ao consultório). Quando não for possível, estimule paciente a conversar com a família sobre suas motivações. g- Acessibilidade a produtos vegetarianos em lojas: recomendo buscar lojas físicas e online que vendam os produtos que você prescreverá para seus pacientes. Faça uma lista e entregue para ele. Muitas vezes, a baixa adesão à dieta pode ser porque o paciente não conhece algum alimento, não sabe onde comprar (por exemplo, tofu, leite vegetal, etc.). SAÚDE INTESTINAL Efeitos da dieta plant-based no eixo microbiota- intestino-cérebro A dieta plant based é capaz de modular a microbiota intestinal, de modo a modular a secreção de citocinas pró- inflamatórias, neurotransmissores, metabólitos, hormônios e processos relacionados ao comportamento e cognição. Em indivíduos que seguem a dieta plant based, estudos relatam as seguintes alterações: Comportamento e cognição: • Processos cognitivos e motivacionais • Atividade cerebral para linguagem e empatia (amídala cerebral) • Saúde emocional • Traços de personalidade Metabólitos: Glicemia em jejum HbA1c ↑sensibilidade à insulina Colesterol total e LDL Ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) Marcadores de saúde geral: • IMC • Mortalidade por todas as causas • Risco de obesidade, DCV e DM2 • Risco de certos tipos de câncer Transmissão de bactérias Bactérias são transmitidas entre humanos, animais e vegetais de maneira bidirecional: de animais e vegetais para humanos (pelo consumo de alimentos), de animais e humanos para vegetais (pelas fezes dispersas na água e solo), e indiretamente para humanos através do consumo de produtos de origem animal (cujos animais foram alimentados com vegetais ou ração composta deles). Essa interação permite a troca de informações genéticas entre bactérias, inclusive a troca de bactérias e genes determinantes para a resistência a antibióticos comumente usados na agricultura e pecuária. Gianluca et al. investigaram a microbiota intestinal de três grupos: vegano (n=26), vegetariano (n=32) e onívoro (n=43). A análise por PCR foi utilizada para avaliar 4 genes relacionados à resistência a antibióticos (ARG). A carga total dos ARGs testados foi significativamente menor em veganos. Carnes e alimentos de origem animal transportam ARG para humanos pela cadeia alimentar. Este estudo é a 1ª evidência que o estilo de vida vegano está associado à redução da carga de genes resistentes a antibióticos no intestino humano. Influência na microbiota e seu impacto na saúde A dieta plant-based vem sendo considerada também como importante terapia nutricional no tratamento desíndrome metabólica, incluindo obesidade, diabetes e risco cardiovascular. Estudos vem demonstrando os benefícios da dieta plant- based na proteção contra condições que envolvem mecanismos inflamatórios, como artrite reumatoide, lesões na substância branca do cérebro, risco de demência, envelhecimento do cérebro. Também neste contexto de inflamação, podemos novamente citar obesidade e doenças cardiovasculares. Ao comparar dietas veganas com as vegetarianas e onívoras, normalmente observa-se um padrão de benefícios à saúde e proteção contra doenças. Estas vantagens associadas à dieta vegana podem ser parcialmente explicadas pelas diferenças na microbiota intestinal dos indivíduos que aderem a esta dieta. Veganos tipicamente apresentam menor abundância de patobiontes e maior abundância de espécies protetoras. Menores níveis de inflamação podem ser o link entre a microbiota do vegano e os efeitos protetores típicos desta alimentação. Vegetarianos tipicamente apresentam menor mortalidade por DCV. Um dos mecanismos: As alterações produzidas pela dieta vegana na microbiota reduzem o risco de DCV. Koeth et al. realizaram um "teste oral de carnitina" em três grupos: vegetarianos, veganos e onívoros. Nos grupos vegano e vegetariano (indivíduos com adesão a estas dietas superior a 1 ano) houve reduzida produção de N-óxido de trimetilamina (TMAO) a partir da L-carnitina e fosfatidilcolina dietéticas (abundante em dieta high-fat e alimentos de origem animal, como carne e laticínios). O TMAO é a molécula envolvida na patogênese de doenças renais e cardiovasculares. Níveis basais plasmáticos em jejum de TMAO também foram significativamente menores nos grupos vegano e vegetariano quando comparados ao grupo onívoro. Análises de amostras fecais demonstraram diferenças nos gêneros de bactérias encontradas nos grupos vegetariano/vegano e onívoro. Estas diferenças são significativamente associadas aos níveis plasmáticos de TMAO, sugerindo que hábitos dietéticos impactam diretamente na capacidade de sintetizar TMAO. Estes achados demonstram a existência de uma relação direta entre tipo de dieta, microbiota intestinal, níveis plasmáticos de TMAO e o risco associado de arterosclerose. Em suma, a microbiota de vegetarianos e veganos é menos adaptada à produção de TMAO, e este é um dos mecanismos pelos quais a dieta vegana está associada à redução do risco cardiovascular. Análises fecais também mostram diferenças na microbiota de onívoros e vegetarianos/veganos relacionadas aos níveis plasmáticos de TMAO e risco de aterosclerose. O maior consumo de fibras, típico de dietas vegetarianas, leva à maior produção de ácidos graxos de cadeia curta, favorecendo menor permeabilidade intestinal e menos citocinas inflamatórias. Além dos mecanismos envolvendo a microbiota, a dieta plant-based também é mais abundante em moléculas anti- inflamatórias, além de reduzir e/ou retirar moléculas pró- inflamatórias derivadas de produtos de origem animal. O controle da inflamação é relevante em diversas condições, como obesidade, resistência à insulina, risco cardiovascular, integridade microestrutural do cérebro, envelhecimento do cérebro, lesões na substância branca cerebral e risco de demência. A maior parte dos micro-organismos presentes no intestino humano pertencem aos filos Firmicutes ou Bacteroidetes. Firmicutes: inclui bactérias dos gêneros Clostridium, Enterococcus, Lactobacillus e Ruminococcus. Bacteroidetes: inclui bactérias dos gêneros Bacteroides e Prevotella em proporções parcialmente determinadas pela dieta. O gênero Bacteroides (mais pró-inflamatório e possivelmente relacionado a maior risco de síndrome metabólica e outras patologias) é adaptado a dietas ricas em proteína e gordura animal. Por outro lado, o Prevotella (mais anti-inflamatório e relacionado à proteção contra doenças) é associado ao metabolismo de carboidratos e dieta vegetariana. Portanto, dentre indivíduos onívoros, é comum observar maior abundância de Bacteroides, enquanto em vegetarianos o gênero Prevotella é mais prevalente. A microbiota com maior prevalência de Firmicutes vem sendo fortemente associada à dieta ocidental e obesidade. A dieta plant-based, assim como a perda de peso, está associada à melhora da proporção Bacteroidetes/Firmicutes. Obesos tradicionalmente apresentam menos Bacteroidetes e mais Firmicutes, enquanto a restrição calórica e a perda de peso melhoram esta proporção. Deste modo, a dieta plant-based pode ser uma estratégia também na prevenção e tratamento de obesidade, uma vez que favorece alterações de microbiota diretamente relacionadas à perda de peso. Em grande parte, estas alterações de microbiota vêm sendo relacionadas a diferenças no pH das fezes. As fezes de indivíduos veganos (ou em alguns estudos, também os vegetarianos) apresentam pH mais ácido quando comparadas às de indivíduos onívoros. Esta diferença se deve ao maior consumo de carboidratos e fibras pelos vegetarianos. O pH mais ácido atrapalha o crescimento de espécies como E. coli e Enterobacteriacea, encontradas em menores proporções em indivíduos veganos. Outros mecanismos propostos para as alterações na composição da microbiota são as bactérias consumidas diretamente pelo alimento, diferenças nas ingestões de substratos, variações no trânsito gastrointestinal, secreções (por exemplo, a alta secreção de sais biliares em dietas ricas em proteína e lipídeos seleciona o crescimento de bactérias como as Bacteroides) diferentes estimuladas pelos padrões dietéticos, regulação da expressão genica do hospedeiro e/ou sua microbiota. Os padrões dietéticos (vegetariano, vegano ou onívoro) a longo prazo podem, portanto, influenciar a composição da microbiota intestinal. A dieta plant-based também está associada ao aumento na diversidade da microbiota, devido ao maior consumo de frutas, vegetais e grãos integrais. Provavelmente, os benefícios da dieta plant-based é, em partes, mediado pela microbiota – não apenas pela maior abundância de bactérias “benéficas”, mas também devido a efeitos epigenéticos e relacionados aos “pós-bióticos” (i.e. metabólitos derivados de nutrientes, como ácidos graxos de cadeia curta, fitoestrógenos, etc.), capazes de reduzir fatores de risco para a inflamação crônica e doenças degenerativas. PROTEÍNAS NA DIETA PLANT-BASED A grande preocupação acerca do consumo adequado de proteínas pela população vegetariana/vegana é infundada. Vegetarianos consomem menos proteína que indivíduos, porém, atingem as recomendações de ingestão proteica. Proteínas vegetais podem ter menor digestibilidade (50- 80%) – parede celular de vegetais e fatores anti-nutricionais. Contudo, devemos levar em conta dois aspectos importantes: - os inibidores de enzimas e fatores anti-nutricionais são inativados pelo tratamento térmico; - o método atualmente recomendado pela FAO para avaliar a digestibilidade é o DIAAS (Digestible Indispensable Amino Acid Score). DIAAS % = 100 x [(mg de aminoacidos indispensáveis digeríveis em 1 g de proteína dietética) / (mg dos mesmos aminoácidos em 1g de proteína de referência)] Com isso, as recomendações atuais entendem que não é estritamente necessário “complementar” os aminoácidos combinando diferentes grupos de alimentos. Se a ingestão energética recomendada for atingida e a alimentação for variada, incluindo ao longo do dia os principais grupos alimentares que fornecem aminoácidos (cereais, leguminosas, oleaginosas), então o organismo recebe todos os aminoácidos necessários. Logo, a “combinação de proteínas” (ex: arroz com feijão) não é mais vista como necessária porque o corpo mantém um pool de aminoácidos essenciais que pode ser usado para complementar as proteínas dietéticas. Proteínas que contêm todos os aminoácidos essenciais são chamadas proteínas de alta qualidade. Dentre os alimentos de origem vegetal que apresentam esta característica,podemos citar quinoa, amaranto e soja. Outros alimentos vegetais fonte de proteína normalmente tem todos os aminoácidos essenciais, mas a quantidade de 2 ou 3 deles pode ser insuficiente. Por exemplo, cereais têm conteúdo limitado de lisina, enquanto leguminosas têm conteúdo limitado de metionina. Por isso, a recomendação normalmente envolve a combinação de leguminosas + cereais, porém podemos pensar também em incluir oleaginosas, dependendo da distribuição de macronutrientes do plano alimentar. Conteúdo de lisina e metionina por 100g de alimento: Arroz negro cozido (Wild rice, cooked): 0,17g de lisina, 0,119g de metionina Arroz branco cozido (Rice, white, short-grain, cooked, unenriched): 0,085g de lisina, 0,056g de metionina Feijão preto cozido (Beans, black, mature seeds, cooked, boiled, with salt): 0,608g de lisina, 0,133g de metionina Semente de chia (Seeds, chia seeds, dried): 0,97g de lisina, 0,588g de metionina Semente de abóbora (Seeds, pumpkin and squash seed kernels, dried): 1,236g de lisina, 0,603g de metionina Gergelim (Seeds, sesame seeds, whole, dried): 0,569g de lisina, 0,586g de metionina Castanha de caju torrada com óleo e sal (Nuts, cashew nuts, oil roasted, with salt added): 0,858g de lisina, 0,334g de metionina Castanha de caju crua (Nuts, cashew nuts, raw): 0,928g de lisina, 0,362g de metionina Amêndoas (Nuts, almonds): 0,568g de lisina, 0,157g de metionina Fonte: USDA. As leguminosas devem ser a principal fonte de proteína nas dietas plant-based. Contudo, observamos no Brasil um declínio constante no consumo de feijão. Segundo dados do IBGE, em 1974-75 consumia-se em média 14,7kg de feijão por ano nos lares brasileiros, ao passo que em 2008-2009 este consumo já havia caído para 7,5kg por ano. Conforme visto anteriormente, o maior consumo de proteína vegetal e fibras, nutrientes abundantes no feijão, está relacionado à redução do risco de doenças crônicas e degenerativas. O feijão possivelmente vem cedendo espaço para alimentos ultraprocessados no mercado brasileiro. Porém, a mudança de hábitos alimentares estimulada pelas redes sociais também pode ter papel importante na redução do consumo de feijão. Os padrões alimentares estabelecidos em redes sociais normalmente não incluem feijão, muitas vezes associado a um alimento “calórico”. Por outro lado, a batata doce, que pertence a outro grupo alimentar, é enaltecida. Por isso, é importante o nutricionista explicar para o paciente as diferenças dos grupos alimentares e quais são os nutrientes que cada grupo fornecerá majoritariamente. Outra preocupação em relação às redes sociais é a disseminação de “dicas” de nutrição para indivíduos vegetarianos. Estas dicas erradas muitas vezes indicam alimentos pouco concentrados em proteína como sendo ricos neste nutriente, e influenciam inúmeras pessoas, podendo aumentar o risco de carência de proteína. Novamente, é papel do nutricionista abordar estes “mitos” com os pacientes. Alguns alimentos fonte de proteína que podem ser incluídos facilmente na prescrição do nutricionista: - semente de abóbora: 10g de proteína em 30g de alimento. - feijão branco cozido (sem caldo): 9,7g de proteína em 100g de alimento. - ervilha em grão: 5,4g de proteína em 100g de alimento. - grão de bico cozido (sem caldo): 8,9g de proteína em 100g de alimento. - lentilha cozida (com caldo): 6,3g de proteína em 100g de alimento. MICRONUTRIENTES Posicionamentos sobre dietas vegetarianas emitidos por diversas sociedades e academias de nutrição do mundo concordam que a dieta vegetariana é adequada em qualquer fase da vida, desde que bem orientada pelo profissional capacitado. Em todos estes artigos, alguns micronutrientes são citados como sendo aqueles de maior risco de deficiência para indivíduos em dieta vegetariana. Dentre eles, destacamos a vitamina B12, ferro e cálcio, bem como ômega 3. Somente a alimentação não corrige deficiências como as de ferro e vitamina B12, nem mesmo em onívoros, pois as doses necessárias para restaurar os níveis destes nutrientes são muito superiores às fornecidas ela alimentação. Portanto, uma conduta incorreta, porém comumente vista na prática clínica, é recomendar que o paciente volte a comer carne (mesmo que com pouca frequência, por exemplo, “uma vez na semana”) para curar deficiências ou anemias. Quando há deficiência, é necessário suplementar inicialmente, e depois avaliar se é possível e como fazer a manutenção via alimentação. VITAMINA B12 Funções: Cofator de enzimas envolvidas no metabolismo de ácidos graxos, aminoácidos, hormônios, folato etc. Fator intrínseco é secretado por células parietais no estômago, se liga à B12 em pH alcalino (intestino delgado) e então sofre absorção no íleo distal. Uma coorte no Reino Unido avaliou o status de vitamina B12 de veganos e constatou que 50% deles apresentavam deficiência de B12, sendo 21% classificados com níveis muito baixos, porém, 20% suplementavam. A vitamina B12 sérica dos indivíduos que suplementavam não apresentou diferença significativa para aqueles que não suplementavam, indicando que, muito provavelmente, esta suplementação está sendo feita de forma errada por esta população. Sintomas da deficiência: • Tontura • formigamento das extremidades (pés e mãos), • propriocepção reduzida, • redução da acuidade visual, • ataxia e baixa coordenação neuromuscular, • alteração de humor, • confusão mental, • baixa reação a estímulos, • apatia, • depressão, • alucinações • Perda de memória A vitamina B12 também está envolvida no metabolismo da homocisteína, Aminoácido sulfurado, intermediário no metabolismo de outro aa (metionina). A enzima metionina sintase converte homocisteína de volta em metionina, e tem como cofator a vitamina B12. Na deficiência desta vitamina, a ação da enzima fica reduzida, havendo acúmulo de homocisteína (hiperhomocisteinemia), associada à disfunção endotelial e maior risco de doenças cardiovasculares. Alguns vegetarianos podem apresentar resistência para suplementar a vitamina B12, pois acreditam que sua deficiência é rara ou que algas e bactérias são fontes. Tais conceitos errados podem aumentar o risco CV. Cada aumento de 5-μmol/L a partir de 10 μmol/L na homocisteína sérica = aumento de 20% risco de problemas circulatórios. Macrocitose: associada à deficiência de B12 e doença coronariana, IAM etc. Comparados a não-vegetarianos, os vegetarianos tradicionalmente apresentam menores fatores de risco CV (perfil lipídico, pressão arterial, glicemia, peso). Contudo, nem todos os estudos com vegetarianos observaram fator de proteção. A deficiência de B12 pode negativar os benefícios CV da dieta vegetariana. Para reduzir risco CV é importante suplementar vitamina B12 corretamente. Mecanismos envolvidos na hiperhomocisteinemia e aterogênese: Na hiperhomocisteinemia há síntese de compostos associados à iniciação do processo aterogênico: Superóxido, Peróxido de hidrogênio, Ânion superóxido, Radicais hidroxila. Tais compostos estão envolvidos em reações que aumentam o risco CV, como Oxidação da LDL, Supressão da síntese de NO, Rigidez das artérias, Inflamação endotelial, Formação de células espumosas (formações de macrófagos, que indicam formação de placa ou aterosclerose). A vitamina B12 também está envolvida na síntese de ácidos nucleicos. A deficiência de B12 impede regeneração de tetrahidrofolato. Assim, o folato fica em forma não utilizável, produzindo sintomas de deficiência de folato, mesmo c/ níveis adequados. Nas deficiências de folato e de B12, o folato não consegue participar na síntese de DNA – afeta células de divisão rápida (medula óssea), produzindo células vermelhas com pouca hemoglobina, grandes e imaturas: anemia megaloblástica. O ácido metil malônico (AMM) é o marcador mais sensível para deficiência de B12, pois a concentração sérica de vitamina B12 não reflete seu teor intracelular,e o AMM é mais estável do que a vitamina B12. As concentrações séricas de AMM são ± mil vezes maiores do que as de B12, tornando sua medida mais precisa. A deficiência de B12 leva a um aumento de AMM, pois a vitamina B12 participa como cofator do complexo enzimático que converte L-metilmalonil-CoA em succinil CoA que será usado pelo ciclo de Krebs. Na deficiência de B12, esta conversão fica prejudicada, levando ao acúmulo de AMM. Este exame pode ser solicitado tanto no sangue quanto na urina. A deficiência de cobalamina pode levar anos para apresentar sintomas, mas as evidências metabólicas da insuficiência podem ser detectadas pela dosagem de ácido metilmalônico urinário. Poucos dias após cessar o consumo de cobalamina, a insuficiência já pode ser detectada, pois seu metabolismo já se altera devido à deficiência de B12 a nível celular, apesar de os estoques hepáticos não terem sofrido depleção. Isoladamente, a avaliação de B12 plasmática pode ser insuficiente, principalmente quando os níveis estão no terço inferior do valor de referência. O alto consumo de folato pode mascarar a deficiência e dificultar a detecção da anemia megaloblástica Primeiros sintomas da deficiência são neurológicos. Deficiência funcional de B12: alta homocisteína e/ou ácido metilmalônico, independentemente dos níveis séricos de B12. Ideal: ≥500 pg/mL. Anemia megaloblástica: ↑ VCM e CHCM. Eritrócitos grandes (macrocíticos; pode aumentar hematócrito) e imaturos (megaloblásticos). Suplementação: UL: não há relatos de efeitos adversos pelo consumo excessivo de B12 (alimento ou suplemento) em indivíduos saudáveis. SVS/MS: níveis máximos de segurança = 1000mcg (adultos). DRI: varia de acordo com sexo e idade. Mulheres e homens 19-30 anos: 2 mcg/dia. Ovos e laticínios fornecem em certa quantidade de vitamina B12, porém as porções a serem consumidas para atingir a DRI podem ser difíceis para alguns indivíduos. Nas dietas veganas a vitamina B12 está ausente. Algas, bactérias e alimentos fermentados contêm vitamina B12 de baixa biodisponibilidade, incapaz de aumentar a transcobalamina II, responsável por transportar a vitamina B12 ativa. Alguns indivíduos alegam que a produção intestinal de vitamina B12 pela microbiota é suficiente. Porém, a absorção ocorre no íleo e a síntese pela flora no cólon, portanto, dificilmente ocorrerá. Em estudos transversais, em média 50% dos veganos apresentam deficiência. Portanto, as únicas fontes seguras de B12 para vegetarianos e veganos: Alimentos enriquecidos (industrializados – normalmente evitamos) ou Suplementos. A metilcobalamina ou cianocobalamina podem ser suplementadas via sublingual, injeção (prescrição médica) ou oral. Deficiências graves: encaminhar para médico (injeção). Níveis baixos: usar até 1000mcg/dia e reavaliar em 30 dias. Atentar aos estoques de ferro. Níveis ≥ 500pg/mL: dose de manutenção – TESTAR a cada indivíduo. Há melhor absorção via oral quando suplementada com refeição. Interação fármaco x nutriente • Inibidores da bomba de próton – omeprazol, pantoprazol • Antagonistas de receptor H2 (histamina 2: inibidores de ácido gástrico) – cimetidina, ranitidina, famotidina • outros antiácidos • Colestiramina (colesterol) • Cloramfenicol e neomicina (antibióticos) • Metformina • Contraceptivos orais CÁLCIO Ingestão por vegetarianos normalmente está abaixo da recomendação. Baixa ingestão / baixos níveis circulantes estimula a paratireoide a secretar paratormônio (PTH). Este atua estimulando a captação de cálcio para o meio extracelular, aumentando a concentração sérica de cálcio e diminuindo a de fosfato. Além de exercer essa função, o PTH regula, nos rins, uma enorme gama de funções na célula epitelial, incluindo a ativação de uma enzima envolvida na síntese de calcitriol (forma ativa da vitamina D encontrada no corpo), a expressão de receptores de vitamina D e o transporte iônico de cálcio, fosfato e outros íons. Funções: • Sinalização celular • Vasodilatação e vasoconstricção • Transmissão de impulso nervoso • Contração muscular (músculo esquelético e células nervosas – excitáveis - têm canais de cálcio dependentes de voltagem na membrana) • Secreção de hormônios, como insulina Sintomas de deficiência • TPM • Câimbras • Parestesia • Contrações musculares persistentes e contínuas • Palpitações cardíacas • HAS • Fragilidade óssea • Queda de dentes • Insônia • Desordens nervosas: Irritação, Nervosismo, Hiperatividade, Alterações de humor, Perda de memória, Convulsões. • Alterações cutâneas: Pele seca, Eczema, Queda de cabelo, Unhas frágeis e quebradiças. Não podemos esquecer da vitamina D quando pensamos no cálcio. Aumento da 1,25(OH)D circulante: • estimula aumento na absorção intestinal de Ca e de fósforo; • Ativa osteoclastos (células que fazem reabsorção óssea) • Limita a excreção urinária de Ca, aumentando sua reabsorção nos rins Fontes alimentares: Biodisponibilidade: Melhora com: • Fitase, produzida por bactérias fermentadoras (germinados, pães e outros alimentos fermentados) • VITAMINA D. Piora com: • Oxalatos (oxalate.org) • Fitatos (cereais, nozes, sementes) • Taninos (chás) • Fibras em grande quantidade Interação com nutrientes Sódio: • Principal determinante da excreção urinária de cálcio. • Competição de Na e Ca pela reabsorção renal e/ou efeito do sódio na secreção de PTH. • Em mulheres adultas, cada 1g a mais de sódio consumido por dia pode levar a um adicional de 1% por ano na perda óssea (além da normal). • Aumento de Na urinário – associado a menor densidade mineral óssea no quadril de mulheres pós- menopausa. • Cuidado com alimentos industrializados e suplementos que possam estar presentes na dieta do paciente. Fósforo: • Aumenta excreção urinária. • Dietas com razão Ca:P≤0,5: não aumentam secreção de PTH nem excreção urinária de Ca. • No lúmen intestinal, sais de Ca podem se ligar a P e formar complexos excretados nas fezes. Cafeína: • Aumenta excreção urinária de cálcio. • Até 400mg/dia. • Em média: • 60ml de café coado = ~30mg • 60ml de expresso = ~40-70mg • 60ml de café instantâneo = ~36-50mg Recomendações de ingestão de cálcio variam de acordo com idade e sexo: Ex.: UL Homens e mulheres 19-30 anos: 2500mg. Interação fármaco-nutriente: • Diuréticos de alça • Corticosteroides • Antagonista H2 – cimetidina • Diuréticos que causam depleção de potássio • Isoniazida • Antiácidos à base de Mg e Al • Anticonvulsivantes: barbitúricos, fenitoína • Neomicina • Antibióticos à base de tetraciclina. FERRO Dados do IBGE mostram que, na população brasileira de 19 a 59 anos de idade, 31,2% das mulheres não atingem as recomendações de ingestão diária de ferro, e 5,3% dos homens. Estudos mostram que indivíduos veganos podem apresentar consumo de ferro maior do que onívoros, e taxas semelhantes ou menores de incidência de anemia ou deficiência de ferro. Sintomas da deficiência • Anemia • Fadiga generalizada • Confusão mental • Redução da capacidade mental • Perda de libido • Irregularidades menstruais • Vertigem • Baixa imunidade • Queda de cabelo • Dispneia • Cefaleia • Unhas coiloníquias • Queilose • Anorexia • Hipotireoidismo (subclínico ou não): deiodinases dependem de ferro Biodisponibilidade Piora com: • Fitatos (grãos integrais, leguminosas e oleaginosas) • Taninos • Polifenois (cereais e legumes) • Proteína da soja (independente do ácido fítico) Melhora com: • Vitamina C. A Maior parte do Fe não-heme é Fe+3 = precisa ser reduzido a Fe+2 para transporte no epitélio intestinal. • Retinol • Carotenoides Para redução do teor de fitatos, alguns processos são importantes: • Remolho • Germinação (ativa fitases) • Presença de alimentos fonte de fitase (enzima que degrada o ácido fítico) como trigo sarraceno, triticale e centeio. Fontes alimentaresInteração com nutrientes Vitamina A: deficiência pode exacerbar anemia ferropriva. Suplementação de Fe e vit A juntos = melhor que isolado. Cobre: status nutricional adequado é necessário para o metabolismo de ferro e formação de céls vermelhas. Participa da absorção do Fe. Interação fármaco x nutriente: • Antagonista de receptores H2 (cimetidina, ranitidina) • Inibidores da bomba de próton (omeprazol etc) • Aspirina • Neomicina • Colestiramina (colesterol) – 2h de diferença • Usar suplemento de ferro junto com levodopa, reduzir a absorção do fármaco. 2h de diferença. ÔMEGA 3 Os ácidos graxos (AG) são divididos em essenciais (não produzidos pelo organismo humano, ácido alfa-linolênico ALA e linoleico AL) e não essenciais, como EPA e DHA, que também podem ser consumidos via alimentação (por exemplo, peixes). Os AG também podem ser divididos em famílias, dentre elas a ômega-6 (n-6) e a ômega-3 (n-3). O organismo humano possui enzimas utilizadas para a bioconversão de ALA e LA em AG de cadeia mais longa e mais insaturada. Estas enzimas são as dessaturases e elongases. Os ácidos graxos n-6 competem por essas enzimas com os ácidos graxos n-3, de forma que desequilíbrios na razão de consumo n-6/n-3 pode prejudicar a formação de AGPI-CL no organismo humano. O consumo excessivo de ácidos graxos de uma das duas séries pode inibir a dessaturação de ácidos graxos da outra série. Estes desequilíbrios podem, portanto, contribuir para alterações na saúde cardiovascular e aumentar a inflamação, uma vez que os ácidos graxos n-6 são precursores de eicosanoides (prostaglandinas, tromboxanos, leucotrienos) com potencial mais pró-inflamatório. Recomendação e Fontes: Recomendação de ingestão diária (IOM) - DRI de ALA: 1,6g/dia para homens 19-70 anos 1,1g/dia para mulheres 19-70 anos Não existe consenso de recomendação de ingestão de EPA e DHA (são não-essenciais). A maioria dos estudos, inclusive a OMS, sugere para adultos saudáveis 500mg de EPA+DHA ao dia. Vários órgãos internacionais fazem a recomendação baseada na razão n6/n3 dietética, geralmente em torno de 5:1 a 10:1, mas a atual da população fica em torno de 25:1. As dessaturases e elongases têm maior afinidade por ALA, por isso a quantidade de ALA ingerida, frente à de ácido linoleico, pode ser inferior. Portanto, garantir o consumo de ALA (chia, linhaça etc) pode ser suficiente, em dependendo do paciente, para garantir a formação de EPA e DHA, levando em conta que, dentre estes, apenas o ALA é um AG essencial. Atualmente existem no mercado opções de suplementos contendo EPA e DHA veganos, extraídos de algas. Os suplementos derivados de alga são boas fontes de ômega 3, capazes de fornecer EPA e DHA tanto para vegetarianos quanto para não vegetarianos. Vegetarianos e veganos tem baixos níveis séricos de ômega-3, porém os onívoros que não consomem peixes também têm. Funções: • Alteram expressão gênica em músculo esquelético • ↑ vias anabólicas • ↓ vias catabólicas • ↑ taxa metabólica e ↑ massa de tecido muscular • Em idosos: tratamento e prevenção de sarcopenia • ↓ inflamação • ↓ agregação plaquetária • Melhora função cognitiva • Melhora resistência à insulina (↓TNF-α e IL-6 e ↓ fosforilação em serina do IRS) • Melhora perfil lipídico • Restauração do epitélio intestinal (tratamento de disbiose) Sintomas de deficiência • Piora da função cognitiva • Depressão • Piora de memória • Ansiedade • Ressecamento da pele e olhos • Dermatites • Cabelos ressecados • Unhas fracas e quebradiças • Inflamação • Dores nas pernas • Dificuldade de andar • Formigamento / adormecimento de membros • Fraqueza muscular • Visão borrada • Doenças autoimunes Diagnóstico = clínico Alimentos fonte: