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FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ O PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT Hannah Arendt nasceu em Linden, na Alemanha, em 14 de outubro de 1906 e morreu em Nova York, em 4 de dezembro de 1975. Ela foi uma filósofa política de origem judaica e uma das pensadoras mais influentes do século XX. Devido à ascensão do nazismo e da perseguição das pessoas de origem judaica na Alemanha a partir de 1933, Hannah Arendt resolveu emigrar. Em 1937, ela perdeu sua nacionalidade e ficou apátrida até 1951, quando se tornou cidadã norte-americana. Hannah Arendt era adepta do conceito de “pluralismo” no âmbito político. Pelo pluralismo, seria possível gerar o potencial de uma liberdade e igualdade política entre as pessoas. Ela trabalhou acerca da questão da importância do pensamento crítico como guia das ações humanas. Mas, sem dúvidas, suas principais ideias dizem respeito ao totalitarismo e à noção de mal. Banalidade do mal: talvez o conceito mais importante de sua teoria. Depois de assistir ao julgamento de Eichmann, em 1961, Hannah Arendt cunhou o conceito da banalidade do mal. Para a teórica política, o mal não deve ser encarado pela moral, mas sim pela política. O sujeito que pratica o mal porque sucumbiu às falhas de pensamento e de juízo. Para Arendt, os sistemas políticos opressivos tiram vantagem do fato de o homem ser suscetível a falhas e fazem com que atos, a princípio, impensáveis pareçam normais. O mal, portanto, não é um monstro que se instala, mas sim algo que pode acontecer a qualquer momento por um erro de julgamento. Liberdade: Arendt defendia a existência de um Estado que defenda as liberdades individuais, de forma que os direitos humanos e a cidadania não sejam confrontados. A liberdade, portanto, é um direito inalienável do homem e é o sentido da política. Ideologia: de acordo com Hannah Arendt, ideologia é o instrumento usado para criar um sistema de explicações. A ideologia possui três elementos básicos. O primeiro é próprio de movimentos totalitários, pois explica a História de um jeito total e sem perspectiva de mudança. O segundo é o caráter de propaganda e doutrinação da ideologia. O terceiro elemento é como a filosofia distancia as pessoas das experiências reais da vida em detrimento da primazia da razão. Autoridade: Arendt aborda a questão da autoridade a partir das instituições, da cultura e das tradições políticas do Ocidente. Segundo ela, não é possível existir autoridade se o Estado utiliza a força e a violência para conter ou controlar o povo. Um exemplo disso é quando os policiais reprimem manifestantes em protestos. A autoridade na política é, para a filósofa, a confiança do povo em seu sistema político. Solidão e isolamento: sobre isso, no livro “As origens do totalitarismo”, Arendt diz: “Posso estar isolado – numa situação em que não posso agir porque não há ninguém para agir comigo – sem estar solitário; e posso estar solitário – numa situação em que me sinto completamente abandonado da companhia humana- sem estar isolado”. Ou seja, o isolamento é uma impotência, a solidão é a noção de vida privada. Essas são as principais ideias de Hannah Arendt. No entanto, ela também teceu críticas ao marxismo e ao conceito de trabalho em Marx, além de estudar outras formas de governo e criticar a democracia representativa. PRINCIPAIS OBRAS DE HANNAH ARENDT As Origens do Totalitarismo O livro foi publicado em 1951. Nele, Hannah Arendt procura compreender o fenômeno totalitário do século XX. Ela parte dos estudos políticos de Montesquieu FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 sobre o poder e as formas de governo para poder introduzir uma nova forma: o totalitarismo. Arendt retoma os elementos básicos de cada governo, a honra para manter a monarquia, o orgulho para a república e o exercício de provocar o medo para a tirania. Para Arendt, no entanto, o totalitarismo não se limita ao medo, ao orgulho e à honra; o totalitarismo opera pelo terror. Além disso, a filósofa aponta como o papel da aceitação popular era fundamental para a manutenção desses regimes. O modus operandi do totalitarismo é promover uma ideia de que existe um inimigo na nação que precisa ser detido a todo e qualquer custo, caso contrário, a nação acabaria. A condição humana Publicado em 1958, esse livro retoma a discussão do totalitarismo em algumas partes. É um livro existencialista, na medida em que analisa o que é o ser humano, mas não perde sua noção política porque faz a análise a partir da perspectiva de labor, trabalho e ação. “A Condição Humana” faz uma análise do que é ser humano a partir da perspectiva da ação e do trabalho. É nesse livro que entram as críticas a Marx. O labor é responsável por suprir as necessidades biológicas do indivíduo e da espécie. O trabalho é o momento em que o homem se afasta da natureza e constrói seu próprio mundo. Já a ação é um fim em si mesma e não depende de um meio. A ação mostra a capacidade do homem de criar. Eichmann em Jerusalém Em 1963, após assistir ao julgamento de Eichmann em 1961, Hannah Arendt publica “Eichamann em Jerusalém”. Nesse livro, é exposto o conceito da banalidade do mal. Segundo ela, o militar nazista não parecia um monstro, quando visto pelo público e, caso fosse visto em uma cafeteria, ninguém imaginaria as atrocidades que ele cometeu. O termo banalidade está ligado à figura da pessoa que pratica o mal. Quando ela olhou para Eichmann, ele não parecia um monstro mitológico, mas sim um homem normal, por isso o termo banal, por estar relacionado ao cotidiano. Nesse livro, Arendt defende que o mal não é natural do homem e que não pode ser encarado pela moral, mas sim pela política. O mal acontece porque as pessoas cometem falhas de pensamento e de juízo e estão mais propícias a cometerem essas falhas quando vivem em um sistema político opressivo que normaliza a violência e o terror. Apresenta também que mal radical é aquele que se fundamente no ódio. Outras obras de Hannah Arendt: • Entre o Passado e o Futuro (1961); • Sobre a Revolução (1963); • Sobre a violência (1970). Anotações: 4 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ EXERCÍCIO 1. Hannah Arendt, em “A Condição Humana”, aponta que os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto homens, são: a) trabalho e discurso. b) liberdade e expressão. c) arte e linguagem. d) ação e liberdade. e) ação e discurso. 2. TEXTO I Aquele que não é capaz de pertencer a uma comunidade ou que dela não tem necessidade, porque se basta a si mesmo, não é em nada parte da cidade, embora seja quer um animal, quer um deus. ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2002. TEXTO II Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida de um eremita em meio à natureza selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos. ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 1995. Associados a contextos históricos distintos, os fragmentos convergem para uma particularidade do ser humano, caracterizada por uma condição naturalmente propensa à: a) produção econômica. b) criação artística. c) atividade contemplativa. d) articulação coletiva. e) crença religiosa. 3. Essa atmosfera de loucura e irrealidade, criada pela aparente ausência de propósitos, é a verdadeira cortina de ferro que esconde dos olhos do mundo todas as formas de campos de concentração. Vistos de fora, os campos e o que neles acontece só podem ser descritos com imagens extraterrenas, como se a vida fosse neles separada das finalidades deste mundo. Mais que o arame farpado, é a irrealidade dos detentos que ele confina que provoca uma crueldade tão incrível que termina levando à aceitação do extermínio como solução perfeitamente normal. ARENDT, H. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. das Letras, 1989 (adaptado). A partir da análise da autora, no encontro das temporalidades históricas, evidencia-seuma crítica à naturalização do(a) a) alienação ideológica, que justifica as ações individuais. b) ideário nacional, que legitima as desigualdades sociais c) cosmologia religiosa, que sustenta as tradições hierárquicas. d) segregação humana, que fundamenta os projetos biopolíticos. e) enquadramento cultural, que favorece os comportamentos punitivos. 4. De acordo com a filósofa Hannah Arendt, o totalitarismo é uma forma de governo essencialmente diferente de outras formas de opressão política conhecidas, como o despotismo, a tirania e a ditadura. Considerando as características e as expressões históricas do totalitarismo no século XX, assinale a afirmativa INCORRETA. a) Nazismo e stalinismo são dois exemplos históricos de regimes totalitários. b) No totalitarismo o discurso do líder é importante tanto no que diz quanto no que não diz. A mentira é uma ferramenta fundamental na narrativa totalitária c) A propaganda é um meio importante para a difusão da ideologia oficial nos governos totalitários. d) Terror é um princípio fundamental da ação política totalitária. e) O totalitarismo procura reforçar a distinção entre esfera pública e esfera privada. 5. Parece-me bastante significativo que a questão muito discutida sobre se o homem deve ser “ajustado” à máquina ou se a máquina deve ser ajustada à natureza do homem nunca tenha sido levantada a respeito dos meros instrumentos e ferramentas. E a razão disto é que todas as ferramentas da manufatura permanecem a serviço da mão, ao passo que as máquinas realmente exigem que o trabalhador as sirva, ajuste o ritmo natural do seu corpo ao movimento mecânico delas. ARENDT, H. Trabalho, Obra e Ação. In: Cadernos de Ética e Filosofia Política 7. São Paulo: EdUSP, 2005 (fragmento). Com base no texto, as principais consequências da substituição da ferramenta manual pela máquina são FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ 5 a) a flexibilização do controle ideológico e a manutenção da liberdade do trabalhador. b) o adestramento do corpo e a perda da autonomia do trabalhador. c) o abandono da produção manufatureira e o aperfeiçoamento da máquina. d) a reformulação dos modos de produção e o engajamento político do trabalhador. e) o aperfeiçoamento da produção manufatureira criativa e a rejeição do trabalho repetitivo. 6. Durante o século XX, a filósofa Hannah Arendt afirmou que existe uma antiga resposta para a pergunta sobre o sentido da política tão simples e concludente, que poderia dispensar outras respostas por completo. De acordo com o que explana Hannah Arendt em O que é política?, esse sentido da política é: a) o poder b) o bem c) a igualdade d) a administração e) a liberdade 7. Subjaz na propaganda tanto política quanto comercial a ideia de que as massas podem ser conquistadas, dominadas e conduzidas, e, por isso, toda e qualquer propaganda tem um traço de coerção. Nesse sentido, a filósofa Hanna Arendt diz que “não apenas a propaganda política, mas toda a moderna publicidade de massa contém um elemento de coerção”. AGUIAR, O. A. Veracidade e propaganda em Hannah Arendt. In: Cadernos de Ética e Filosofia Política 10. São Paulo: EdUSP, 2007 (adaptado). À luz do texto, qual a implicação da publicidade de massa para a democracia contemporânea? a) O fortalecimento da sociedade civil. b) A transparência política das ações do Estado. c) A dissociação entre os domínios retóricos e a política. d) O combate às práticas de distorção de informações. e) O declínio do debate político na esfera pública. 8. As histórias, resultado da ação e do discurso, revelam um agente, mas este agente não é autor nem produtor. Alguém a iniciou e dela é o sujeito, na dupla acepção da palavra, mas ninguém é seu autor. ARENDT, Hannah. A condição humana. Apud SÁTIRO, A.; WUENSCH, A. M. Pensando melhor – iniciação ao filosofar. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 24. A filósofa alemã Hannah Arendt foi uma das mais refinadas pensadoras contemporâneas, refletindo sobre eventos como a ascensão do nazismo, o Holocausto, o papel histórico das massas etc. No trecho citado, ela reflete sobre a importância da ação e do discurso como fomentadores do que chama de “negócios humanos”. Nesse sentido, Arendt defende o seguinte ponto de vista: a) a necessidade do ser humano de ser autor e produtor de ações históricas lhe tira a responsabilidade sobre elas. b) o produtor de novos discursos sempre precisa levar em conta discursos anteriores para criar o seu. o agente de uma nova ação sempre age sob a influência de teias preexistentes de ações anteriores. c) a condição humana atual não está condicionada por ações anteriores, já que cada um é autor de sua existência. 9. LEIA, abaixo, o comentário que a filósofa Hannah Arendt fez sobre as ações do comandante do Reich, Adolf Karl Eichmann, acusado de crimes contra o povo judeu: “Os feitos eram monstruosos, mas o executante (…) era ordinário, comum, e nem demoníaco nem monstruoso.” Hannah Arendt, A vida do espírito.In: Eduardo Jardim de Moraes e Newton Bignotto, Hannah Arendt: diálogos, reflexões e memórias. Belo Horizonte: Editora UFMG, p.138. Assinale a alternativa em que o fator cultural presente nas ações comentadas explica CORRETAMENTE o fenômeno histórico acima mencionado: a) A execução de atos criminosos com requintes de crueldade, ordenada pelas autoridades, foi praticada por pessoas comuns, afetadas principalmente pela falta de alimento e de emprego. b) A banalidade na execução de crimes contra a humanidade se deve à burocratização do genocídio, implementada pela cúpula nazista, para liberar as pessoas de preocupações com a moral comum e com as leis. c) A participação da juventude hitlerista no processo de construção do nacionalismo reforçou o senso político de oposição aos regimes socialistas autoritários. d) A experiência nazista é um exemplo de fortalecimento da sociedade pelo Estado, criador de símbolos e valores culturais, que reforçam os princípios autoritários de governo. 6 FILOSOFIA COM VIVIANE CATOLÉ Anotações: 10. Um tema contemporâneo que faz parte das nossas reflexões é a cidade como espaço cívico. Segundo Otília Arantes (1993), a principal inspiração de revalorização da vida pública vem de Hannah Arendt que foi buscar na polis grega o modelo a partir do qual é possível julgar as transformações modernas da esfera pública. A transição do antigo para o moderno desfez essa distribuição harmoniosa das funções sociais, alargando indefinidamente o território privado conforme se implantava a propriedade burguesa. Essa prática não só debilitou como propiciou o declínio do caráter público da liberdade. Assinale a alternativa que apresenta a definição CORRETA que Hannah Arendt dá para o “privado”: a) É o direito de usar, gozar e dispor de uma coisa, a princípio de modo absoluto, exclusivo e perpétuo. b) É o cerceamento da coletividade, absoluto e restrito. c) É o que permanece em função de poucos, totalitário. d) É o que não aparece, é o reino do obscuro, do irrelevante, da mais aguda limitação. 11. O julgamento de Eichemann no Tribunal de Nuremberg tornou-se um exemplo do tribunal Militar Internacional, criado na cidade alemã do mesmo nome, para julgar os principais criminosos da Segunda Guerra Mundial. As querelas envolvendo as defesas e acusações dos réus foram expressas numa das obras-primas do século XX da filósofa política Hannah Arendt: Eichmann em Jerusalém. Os argumentos de Arendt são expressos no axioma a) A excepcionalidade do bem. b) A banalidade do mal. c) A raridade do bem. d) Asingularidade do mal. GABARITO: 1.E 2.D 3.D 4.E 5.B 6.E 7.E 8.D 9.B 10.D 11.B