Prévia do material em texto
SO CI O LO G IA B R A SI LE IR A 2020 - 2022 SOCIOLOGIA BRASILEIRA 1. Sociologia Brasileira I 2. Sociologia Brasileira II 3. Manifestações Culturais no Brasil Esta subárea é composta pelas apostilas: 3www.biologiatotal.com.br SOCIOLOGIA BRASILEIRA I Depois de algumas aulas falando sobre cultura e indústria cultural, hoje começaremos a abordar a sociologia brasileira. Nada melhor do que começar com a visão de um autor muito respeitado nos círculos brasileiros, Antonio Candido. Ainda na metade do século XX, Candido teve a preocupação de escrever um texto, que se tornou clássico, sobre o desenvolvimento da Sociologia no Brasil. Em A sociologia no Brasil, publicado em 1959 na Enciclopédia Delta-Larousse, o autor explica que a evolução da Sociologia no país já se dividia, nessa altura, em dois períodos bem configurados. O primeiro deles corresponderia ao intervalo entre 1880 e 1930 e o segundo teria início em 1940. Para Candido, entre 1930 e 1940 teria havido uma espécie de fase de transição. Como veremos nesta aula, a sociologia nasce no Brasil sob a influência do pensamento evolucionista que ainda era forte na Europa. Dentro de uma sociedade escravocrata, como era a sociedade brasileira do século XIX, essas teorias vão encontrar espaço e marcar a primeira etapa dos estudos sociológicos no país. O EVOLUCIONISMO NO BRASIL A primeira fase da sociologia no Brasil foi marcada, segundo Antonio Candido, pelos estudos de intelectuais não especializados. O interesse, nesse primeiro momento, é a formulação de princípios teóricos e uma interpretação mais geral da sociedade brasileira. Nessa fase, não existia o ensino de sociologia no país, nem a pesquisa empírica, isto é, baseada na prática e na observação. O professor Enno D. Liedke Filho explica que esse período que vai do final do século XIX ao início do século XX ficou conhecido como o período dos pensadores sociais ou ainda como período pré-científico. As teorias eram elaboradas pelos chamados homens de ação, em geral políticos, jornalistas e juristas que tiveram acesso às ideias sociais europeias ou mesmo estadunidenses. O positivismo comtiano, as teorias evolucionistas e o pensamento darwinista (temas que já trabalhamos em aulas anteriores!) foram as principais influências desses primeiros estudos sociológicos no Brasil. A formação do Estado nacional brasileiro e da identidade nacional eram uma questão central para esses pensadores. O mosaico étnico-racial no Brasil tendia a ser visto como um problema. Assim, as teorias evolucionistas deram fundamento às políticas de branqueamento da população conduzidas pelo Estado brasileiro. Alguns dos pensadores que se destacaram nesse período foram Batista Lacerda, Nina Rodrigues e Silvio Romero. 4 So ci ol og ia B ra si le ira I A FASE DE TRANSIÇÃO: A GERAÇÃO DOS ANOS 1930 Os anos 1930 foram anos de florescimento da sociologia no Brasil. Depois do período que se caracterizou pelo autodidatismo, a sociologia começa a fazer parte do ensino secundário e superior. Os primeiros brasileiros a terem formação universitária em sociologia adquirida em faculdades no Brasil concluíram os seus estudos em 1936. Foram marcos da institucionalização acadêmica da Sociologia no país a criação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (1933), que existe até hoje e recebe o nome de Fundação e Escola de Sociologia e Política de São Paulo na atualidade, e a formação da Seção de Sociologia e Ciência Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (1934). Tais acontecimentos tiveram estreita conexão com os anseios da elite paulista da época em pensar um plano de modernização do Estado brasileiro. Dá-se início ali à etapa que ficou conhecida como Sociologia Científica e que duraria algumas décadas. “É interessante destacar que a primeira experiência de institucionalização da Sociologia e da Ciência Política no ensino superior no Brasil, ocorrida na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, criada pela elite paulista no contexto da derrota da Revolução Constitucionalista de 1932, tinha por objetivo, como explicitado no Manifesto da Fundação da Escola, suprir a falta de "uma elite numerosa e organizada, instruída sob métodos científicos, a par das instituições e conquistas do mundo civilizado, capaz de compreender antes de agir o meio social em que vivemos" (Oliveira, 1933, p. 171). Nessa instituição, sob a influência da Escola de Chicago, representada pelo nome de Donald Pierson, foi realizada uma série de estudos de comunidade, a qual pode ser entendida como um primeiro programa de pesquisa nas ciências sociais brasileiras para o tratamento sistemático da transição da sociedade tradicional para a modernidade.” Fonte: LIEDKE FILHO, Enno D.. A Sociologia no Brasil: história, teorias e desafios. Sociologias, Porto Alegre , n. 14, p. 376-437, Dec. 2005 . Trecho do Manifesto de Fundação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo publicado no jornal Estado de São Paulo em abril de 1933. 5www.biologiatotal.com.br So ci ol og ia B ra si le ira IOs grandes autores que se destacaram nesse período e se tornaram referências até os dias de hoje foram Caio Prado Jr., Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda. CAIO PRADO JR. O político, historiador e bacharel em ciências jurídicas e sociais Caio Prado Jr. é considerado um grande intelectual brasileiro, tendo contribuído de diferentes formas para a formação histórica do país. Nascido em São Paulo, no berço da elite paulista, teve acesso à melhor educação disponível na época, frequentando o tradicional colégio São Luís, na Avenida Paulista, e, posteriormente, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Após iniciar a vida profissional como advogado, Caio Prado Jr. passou a se envolver na vida política brasileira. Apoiou a Revolução de 1930, mas depois se distanciou desse ideal, vindo a se filiar ao Partido Comunista Brasileiro. Chegou a ir à União Soviética em 1933 e, por sua atuação na defesa do comunismo, ficou preso entre 1935 e 1937. Retrato do jovem Caio Prado Jr. (1926) Foi em 1942 que publicou sua obra de maior expressão, Formação do Brasil Contemporâneo. Três anos mais tarde, publicaria uma outra obra importante: História Econômica do Brasil. Em 1946, foi eleito Deputado Estadual pelo Partido Comunista Brasileiro, porém seu mandato foi cassado sob a justificativa de que defendia ideias marxistas. Mesmo durante os períodos de envolvimento político, Caio Prado Jr. continuou com suas atividades editoriais. Em 1943, ao lado do amigo Monteiro Lobato, fundou a famosa e prestigiada Editora Brasiliense. Como nos explica José Carlos Reis, para Caio Prado Jr., a História do Brasil deve ser compreendida a partir de nossa herança colonial, simplesmente porque, em sua visão, não é possível interpretar a realidade brasileira tomando por base situações diferentes da nossa. O atraso econômico vivenciado pelo Brasil é uma consequência do sistema colonial imposto à então colônia por Portugal. Tudo isso somado à forma como se deu a transição da mão- de-obra escrava para a mão-de-obra assalariada e a ausência de um mercado interno forte explicariam a formação econômica do Brasil. http://www.biologiatotal.com.br 6 So ci ol og ia B ra si le ira I “É preciso partir do contexto brasileiro específico para a sua interpretação. Este contexto deve ser considerado dialeticamente, não como eventos exteriores e estáticos, mas como uma transição dinâmica, um processo que leva do passado ao futuro. Abordada assim, a realidade brasileira atual revelaria uma transição de um passado colonial a um futuro, já próximo, de uma nação estruturada, com uma organização econômica voltada para o interior, moderna. Este fato não deve ser tratado como uma utopia, mas percebido e construído praticamente. Eis o "sentido da história brasileira", que uma teoria especialmente elaborada para abordá-la em sua especificidaderevela: da heterogeneidade inicial, da dispersão original, a uma homogeneidade nacional estruturada. Economicamente, o mercado interno deverá superar o externo, o que estimulará a diversificação da produção. Este é o caminho da sociedade brasileira: da sociedade colonial ao Brasil-nação. Realizar esta transição radicalmente é realizar a verdadeira "Revolução Brasileira", que aliás já está em marcha há muito tempo.” REIS, José Carlos. Anos 1960: Caio Prado Jr. e "A Revolução Brasileira". Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 19, n. 37, p. 245-277, Sept. 1999. Caio Prado analisa ainda que o “processo revolucionário” brasileiro foi diferente do observado nos modelos clássicos francês e norte-americano. Nossa transição foi modernizadora e conservadora ao mesmo tempo. As classes sociais mais baixas tiveram pouca ou nenhuma chance de influenciar o processo político, que teve como objetivo a manutenção do status e dos privilégios da elite brasileira. Esta sim conduziu todo o processo de modernização, a partir da conciliação com o imperialismo e contra a soberania nacional. Dessa forma, a velha ordem foi conservada. “Sua obra insere-se na tradição da “redescoberta do Brasil”, que nele se aprofunda e se consolida. Usando o materialismo histórico de forma senão pioneira, inovadora, ele pode ver o futuro do Brasil de forma mais consistente e otimista. Até os anos 30, via-se o Brasil com desconfiança e ceticismo, pois não se acreditava na capacidade do “povo mestiço”, das “classes sociais oprimidas e excluídas”, em construir um futuro de sucesso. Caio Prado foi um dos primeiros a acreditar, a confiar na eficácia histórica do povo brasileiro. Para ele, as elites não fazem a história do Brasil sozinhas. O sujeito da história do Brasil não são as elites isoladas, mas as classes sociais em luta. Mesmo que as elites dominem quase absolutamente, elas não existem sozinhas no cenário brasileiro. A seu lado e sustentando a sua condição de elites - elites em relação a quem? - existe a grande massa da população brasileira. “Redescobrir o Brasil” significa ver nesta sua “face oculta”, neste seu “outro lado”, o verdadeiro Brasil. Este outro lado deverá ser integrado, valorizado e recuperado, pois nele estão os construtores da sociedade brasileira presente/futura.” REIS, José Carlos. Anos 1960: Caio Prado Jr. e “A Revolução Brasileira”. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 19, n. 37, p. 245-277, Sept. 1999. 7www.biologiatotal.com.br So ci ol og ia B ra si le ira IGILBERTO FREYRE Gylberto Freyre foi outro importante pensador da geração de 1930 que seguiu influenciando gerações. Nascido em Recife, Pernambuco, em 1900, envolveu-se em diferentes atividades, como o jornalismo e as artes plásticas. Na década de 1920, estudou Ciências Sociais e Artes nos EUA. Chegou a ser professor da renomada Universidade de Stanford nos anos 30, mas não demoraria a retornar ao Brasil, onde iria escrever a sua obra mais famosa: Casa Grande & Senzala. Gilberto Freyre Uma das grandes inovações de Casa Grande & Senzala em relação ao estilo da historiografia da época foi não se guiar pela cronologia, mas sim pelo cotidiano histórico, por meio de relatos orais e documentos pessoais, entre outros. Freyre utiliza seus conhecimentos de antropologia e sociologia para interpretar os relatos do estudo. Assim como Caio Prado Jr., Freyre também foi preso durante a Era Vargas, já no período do Estado Novo. Foi perseguido por oposição ao Regime. Em 1946, após restabelecida a democracia, foi eleito deputado federal pela União Democrática Nacional (UDN). Gilberto Freyre também escreveu outros livros que ganharam notoriedade, como Sobrados e Mucambos (1936) e Ordem e Progresso (1957). No entanto, a maior polêmica a respeito de sua obra gira em torno de um termo que não aparece de forma explícita em seus textos, mas que muitos interpretam que permeia os seus argumentos: a ideia de democracia racial. Ao analisar a formação social do brasileiro a partir da sua formação familiar, Freyre busca entender as características do povo brasileiro. Ele compreende que na relação entre a Casa Grande e a Senzala está a síntese da complexa sociedade brasileira. A questão que traz à tona a interpretação de uma democracia racial freyreana é a percepção do autor em relação à existência de uma certa harmonia tanto dos conflitos sociais quanto da profunda desigualdade entre a elite europeia da Casa Grande e os negros escravizados das senzalas. Dentro da visão do autor, a miscigenação seria responsável por diminuir os conflitos e as diferenças étnicas no Brasil. Embora seja uma obra polêmica nos dias de hoje por não dar conta de explicar o preconceito não declarado (mas que se sabe presente no inconsciente coletivo), é importante não perder de vista quando ela foi escrita e as teorias evolucionistas que faziam sucesso no Brasil de então e que viam a miscigenação como um problema. Gilberto Freyre procurou dar uma resposta a essa corrente. http://www.biologiatotal.com.br 8 So ci ol og ia B ra si le ira I “Gilberto Freyre é, talvez, o mais complexo, difícil e contraditório entre nossos grandes pensadores. Sua obra tem permanecido um desafio constante aos comentadores […] e a vitalidade de seu pensamento se mostra no crescente interesse por sua obra. Ele é, talvez, o mais moderno entre os clássicos do pensamento social brasileiro e suas questões ganham ao invés de perderem em atualidade.” SOUZA, Jessé. Gilberto Freyre e a singularidade cultural brasileira. Tempo soc., São Paulo, v. 12, n. 1, p. 69-100, May 2000. ANOTAÇÕES