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Foi essa mesma Academia que teve a pachorra de publicar um Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) todo cheio de erros e equívocos, que mudou a ortografia de muitas palavras (veredito, entre elas) e também o verdadeiro gênero de muitas palavras (lhama e bebê, por exemplo). Como seguir um vocabulário desses, sem se sentir um paspalho? piorar “mais” / piorar “ainda mais” Visíveis redundâncias, porém, muito cometidas nos dias que correm, principalmente por repórteres. Eis um exemplo: Em São Paulo, 66% da população considera o trânsito da cidade ruim e 67% acreditam que a situação vai piorar ainda “mais”. Numa revista: Empresas e prestadores de serviço fazem malabarismos para evitar que a situação piore “ainda mais”. Nos dois casos, bastaria encerrar a frase em piorar/piore. adiar “para depois” Nem é preciso comentar: trata-se de uma redundância cabeluda. Há, porém, variantes. Repare nesta frase de um economista, escrita num periódico: Crédito, ou confiança, que um estabelecimento dispensa ao consumidor permite adiar o cumprimento de uma obrigação “para uma oportunidade posterior”. Mais curioso ainda seria se um estabelecimento adiasse o cumprimento de uma obrigação “para uma oportunidade anterior”… melhorar “mais” Redundância explosiva, como as anteriores. Semelhante a “cair para baixo”. Ou seja, coisa de “demente mental”… O governo federal, no entanto, cometeu-a. Em 1996, durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, um de seus anúncios pela televisão comunicava uma melhora para todos os brasileiros. Então, se lia na tela: Para uns, “melhorou mais”, para outros “melhorou menos”, mas que melhorou, melhorou. Naturalmente, o razoável seria que lêssemos de outra forma. Assim, por exemplo: Para uns, melhorou muito, para outros melhorou pouco, mas que melhorou, melhorou. apedrejar “com pedras” Visível redundância. Quem apedreja não usa pedras? Ou usa chicote? Mas está na Bíblia, Deuteronômio 21: Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão “com pedras”, até que morra; e tirarás o mal do meio de ti, para que todo o Israel o ouça e tema. Creio, porém, que pior redundância que o apedrejamento “com pedras”, foi a que cometeu um estudante que participou do ENEM, ao escrever: Vamos mostrar que somos semelhantemente iguais uns aos outros. Depois desse sábio conselho é que a gente compreende melhor a frase popular De boas intenções, todo cemitério está cheio. Houve ainda outro, que escreveu: Precisamos de menos desmatamentos e mais florestas arborizadas. Também concordo: de florestas não arborizadas, basta o Saara… Outro exemplo de redundância, digno de não ser esquecido, por sua retumbância, é este, de outro participante do ENEM: O que é de interesse coletivo de todos nem sempre interessa a ninguém individualmente. Concordo… palavrão “de baixo calão” Nova redundância, esta ouvida num telejornal. Ora, todo palavrão é um termo de baixo calão. Ou não? hieróglifo ou hieroglifo? As duas prosódias são boas. ileso (como se pronuncia corretamente?) Pronuncia-se corretamente com e aberto (iléso), mas no Brasil só se ouve com e fechado (ilêso). Diz-se rigorosamente o mesmo de obeso. obsoleto (como se pronuncia corretamente?) Em Portugal se pronuncia com e aberto; no Brasil, com e fechado. Ocorre aqui, contudo, uma incoerência por parte dos brasileiros. Todos pronunciamos com e aberto palavras com a mesma terminação de: Beto, completo, concreto, dileto, discreto, feto, neto, quieto, repleto, reto, secreto, seleto, teto, etc. Por que, então, pronunciamos obsolêto? Ninguém sabe. ir para Quem vai para algum lugar, vai para ficar ou demorar bastante; quem vai passear ou mesmo trabalhar às pressas e tenciona regressar brevemente, vai a. Portanto: Vou a Santos todos os fins de semana.*** Nas férias irei a Madri. *** Vou a Fortaleza, mas voltarei amanhã. *** Faz dez anos que Bernadete foi para Lajes. Depois disso nunca mais a vi. *** Querida, escolhi nossa futura cidade: iremos para Teresópolis! Assim, não se usa com propriedade, por exemplo, a preposição para em frases assim: vou “para” a praia, vou “para” a piscina, vou “para” o clube. A não ser que a intenção seja morar ali definitivamente, o que não parece coisa razoável. Num jornal se leu recentemente: Para ver uma rena ao vivo, só indo “para” o polo Norte ou “para” a Eurásia (a parte superior da Europa), seu ambiente natural. Nem tanto… Noutro jornal: Uma empresária foi vítima de assalto e acabou baleada no braço quando levava três filhas “para” a escola. Quer dizer que as filhas ficaram lá na escola para sempre? Nunca mais voltaram para casa?!… dar à luz uma criança É assim que se constrói o verbo dar nesta expressão. Eis mais exemplos: Minha vizinha deu à luz gêmeos. (E não: Minha vizinha deu “a” luz “a” gêmeos.) *** A elefanta deu à luz um macho. (E não: A elefanta deu “a” luz “a” um macho.) Num jornal: Cigarra consegue dar à luz “a” mais de 300 filhotes. (E muitos pensaram que o verdadeiro exagero estava nos 300…) coleta (como se pronuncia corretamente?) Pronuncie sempre coléta: a coleta de lixo, a coleta de sangue, a coleta de donativos, etc. nucleico e proteico (como se pronunciam?) Em Portugal, pronuncia-se com o e fechado, mas no Brasil se dá preferência à pronúncia com tal vogal aberta. Portanto: ácido nucléico, carga protéica. Os biólogos e nutricionistas brasileiros, no entanto, adoram dizer nuclêico e protêico. Qualquer dia destes ainda começarão a dizer “diarreico”, “piorreico”, “seborreico”. É só uma questão de tempo. assim como / bem como Quando entre os sujeitos houver a expressão assim como ou bem como, o verbo concordará sempre com o primeiro sujeito: Eu, assim como vocês, sou brasileiro. *** Vocês, bem como eu, são brasileiros. *** O Brasil, bem como todos os países sul-americanos, é pobre. *** O homem, assim como todos os seres humanos, é mortal. *** Nós, assim como elas, chegaremos a um acordo. *** Elas, bem como nós, chegarão a um acordo.