Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Ricardo Rodrigues dos Santos USO DE FERRAMENTAS POR MACACOS- PREGO EM MANGUEZAIS Tese apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Doutor em Psicobiologia Natal 2010 Ricardo Rodrigues dos Santos Uso de ferramentas por macacos-prego em manguezais Tese apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Doutor em Psicobiologia Orientador: Dr. Arrilton Araújo Co-orientadora: Dra. Renata G. Ferreira Natal 2010 Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Santos, Ricardo Rodrigues dos. Uso de ferramentas por macacos-prego em manguezais / Ricardo Rodrigues dos Santos. – Natal, RN, 2010. 107 f. Orientador: Arrilton Araújo. Co-orientador: Renata G. Ferreira. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia. 1. Macaco-prego – Alimentação – Tese. 2. Manguezais – Brasil – Tese. 3. Comportamento alimentar – Tese. 4. Marisco como alimento – Tese. 5. Nutrição animal – Ferramentas – Tese. I. Araújo, Arrilton. II. Ferreira, Renata G. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título. RN/UF/BCZM CDU 599.822:591.131.1(043.2) RESUMO O presente estudo analisa inicialmente a distribuição geográfica e o contexto de ocupação de áreas de manguezal por macacos-prego. Além disso, verificamos que a dispersão para o manguezal levou à exploração de diferentes itens alimentares, tornando possível o desenvolvimento da predação por emboscada e o uso de ferramentas de quebra. De 2004 a 2008 examinamos os principais estuários da costa Amazônica do Brasil, do nordeste do Estado do Pará até a fronteira oriental do Estado do Maranhão, sendo registrada a presença de duas espécies de macacos-prego nas áreas de florestas de mangue. Cebus apella é amplamente distribuído no manguezal dos estuários examinados (excluindo as áreas de C. libidinosus). Sua presença está geralmente relacionada com remanescentes de floresta Amazônica adjacentes aos manguezais e, portanto, é possível que alguns grupos vivam em ambos os tipos de hábitats. Contudo, registramos algumas populações restritas apenas aos manguezais, limitadas por áreas abertas. Por outro lado, Cebus libidinosus teve distribuição mais restrita e isolada em manguezais. Seu padrão de uso de hábitat é consistente com a distribuição fragmentada das florestas de mangue. A possível zona de contato, previamente proposta na literatura para as duas espécies, não tem barreiras evidentes no manguezal. Além disso, registramos sítios de quebra e realizamos observações sistemáticas sobre o uso de ferramentas, carnivoria e predação por emboscada em Cebus libidinosus em área de manguezal, de 2006 a 2008. Cebus libidinosus é a única espécie de primata Neotropical em que o uso de ferramenta foi registrado sistematicamente na natureza. No entanto, todos os estudos anteriores foram obtidos em áreas abertas (Cerrado e Caatinga). Assim, o presente estudo é o primeiro registro deste comportamento em hábitats florestais em que o uso de ferramentas de quebra por macacos-prego está associado ao consumo de carne. Na Caatinga e Cerrado, a escassez sazonal de alimentos e a terrestrialidade foram propostos por diversos autores para explicar a evolução do uso de ferramentas em primatas. Aqui, analisamos a contribuição relativa dessas duas variáveis como pressões seletivas para o uso de ferramentas por macacos-prego em florestas de mangue, um cenário ecológico no qual recursos alimentares estão disponíveis ao longo de todo o ano e a terrestrialidade é limitada pelas características estruturais do habitat, como a presença de raízes aéreas e solo inconsolidado, de consistência lamosa. ABSTRACT The present study discusses the geographical distribution and the context on the occupation of mangrove swamp areas by capuchin monkeys. In addition, we assess how the dispersion to the mangrove allowed the exploration of different food items, permitting the development of predation by ambush and the use of cracking tools. From 2004 to 2008 we surveyed the main estuaries of Brazilian Amazon coast, from northeastern state of Pará to the eastern boundary of the state of Maranhão, and recorded the presence of two species of capuchin monkeys in the mangrove forest areas. Cebus apella has been widely distributed in the mangrove at the estuaries examined (excluding C. libidinosus’ areas). Its presence is often related to Amazon forest remnants in the neighbourhood of the mangrove swamps and thus it is possible that some groups live in both kinds of habitats. However, we recorded some populations restricted only to mangrove swamp surrounded by open areas. On the other hand, Cebus libidinosus had a distribution more restricted and isolated in mangroves. Its pattern of habitat use is consistent with geographic distribution in mangrove patches. It seems that the possible contact zone previously proposed in the literature for that two species has no evident barriers in the mangrove. Furthermore, we record cracking sites and systematic observations on the tool use, carnivory and predation by ambush in Cebus libidinosus from 2006 to 2008. Cebus libidinosus is the only Neotropical primate species in which the tool use has been systematically recorded in nature. However all previous studies had been obtained is open areas (Cerrado and Caatinga). Thus, the present study is first one to report that behaviour in forested habitats in which the tool use to cracking by capuchin monkeys is associated with the consumption of meat. In the Caatinga and Cerrado, food shortages and terrestriality has been proposed by different authors to explain the evolution of tool use in primates. Here, we analyzed the relative contribution of these two variables as selective pressures for the tool use by capuchin monkeys in the mangrove forests, an ecological scenario in which food resources is available around the year and terrestriality is limited by structural habitat features, as the presence of stilt roots and muddy soil . I SUMÁRIO LISTA DE TABELAS............................................................................................. II LISTA DE FIGURAS.............................................................................................. III LISTA DE VÍDEOS................................................................................................ V AGRADECIMENTOS............................................................................................ VI CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO GERAL........................................................................ 01 OBJETIVOS......................................................................................................... 07 CAPÍTULO II – DISTRIBUIÇÃO DE MACACOS-PREGO EM MANGUEZAIS DA COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA.……………………………............................................ 08 CAPÍTULO III – USO DE FERRAMENTAS DE QUEBRA POR Cebus libidinosus EM MANGUEZAL............................................................................................................. 29 CAPÍTULO IV – ESTRATÉGIAS DE PREDAÇÃO DE MARISCOS POR Cebus libidinosus EM MANGUEZAL………………………………………………............ 63 CAPÍTULO V – DISCUSSÃO GERAL......................................................................... 87 REFERÊNCIAS........................................................................................................... 96 ANEXOS....................................................................................................................104 II LISTA DE TABELAS CAPÍTULO II – DISTRIBUIÇÃO DE MACACOS-PREGO EM MANGUEZAIS DA COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA Tabela 1 – Localidades vistoriadas, municípios e métodos de detecção em que se registrou a presença de Cebus apella (1 a 30) e Cebus libidinosus (31 a 33)................................................................................................................... 26 Tabela 2 – Registros obtidos em literatura de Cebus apella e Cebus libidinosus associados a áreas de manguezal………….................................................... 28 CAPÍTULO III – USO DE FERRAMENTAS DE QUEBRA Cebus libidinosus EM MANGUEZAL Tabela 1 - Parâmetros estruturais das áreas amostradas no estuário do rio Preguiças, município de Barreirinhas, Estado do Maranhão, Brasil. Áreas: Morro do Boi e Vassouras. Parâmetros: Diâmetro à Altura do Peito (DAP), Altura Total (AT), Freqüência Absoluta (FA), Freqüência Relativa (FR), Densidade Absoluta (DeA), Densidade Relativa (DeR), Dominância Relativa (DoR), Valor de Cobertura (VC) e Índice de Valor de Importância (IVI). N = 6 (128 plantas)................................................................................ 61 Tabela 2 - Parâmetros estruturais das áreas amostradas no estuário do rio Novo, município de Paulino Neves, Estado do Maranhão, Brasil. Áreas: Ilha do Paulino e Portinho de Pesca. Parâmetros: Diâmetro à Altura do Peito (DAP), Altura Total (AT), Freqüência Absoluta (FA), Freqüência Relativa (FR), Densidade Absoluta (DeA), Densidade Relativa (DeR), Dominância Relativa (DoR), Valor de Cobertura (VC) e Índice de Valor de Importância (IVI). N = 6 (96 plantas).................................................................................. 62 CAPÍTULO IV – ESTRATÉGIAS DE PREDAÇÃO DE MARISCOS POR Cebus libidinosus EM MANGUEZAL Tabela 1 - Configuração da área experimental e dados biométricos dos caranguejos (Ucides cordatus) utilizados nas plataformas de alimentação.............. 85 Tabela 2 - Registros obtidos durante o procedimento experimental......................... 86 III LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO II – DISTRIBUIÇÃO DE MACACOS-PREGO EM MANGUEZAIS DA COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA Figura 1 - Localização das áreas amostradas da costa Amazônica brasileira (nordeste do Pará e Maranhão). Registros de Cebus apella (1-30) e Cebus libidinosus (31-33) obtidos entre 2004 e 2008 (ver Tabela I). Círculos pretos mostram registros obtidos de C. apella em literatura (A – E) e área de transição (A). Os sítios com coordenadas não fornecidas (ver Tabela 2) apresentam a localização no mapa do município correspondente................. 25 CAPÍTULO III – USO DE FERRAMENTAS DE QUEBRA Cebus libidinosus EM MANGUEZAL Figura 1 – Localidades pesquisadas na costa nordeste do Estado do Maranhão, Brasil (A). Sítios verificados no estuário do rio Preguiças (2º37’21.7”S; 42º41’18.5”W), município de Barreirinhas (B): Morro do Boi (1); Espadarte (2); Vassouras (3); Canal Raso (4); Cazuza Velho (5); Campo Novo (6;7); Garças (8). Sítios verificados no estuário do rio Novo (2º42’52.5”S; 42º31’38.5”W), município de Paulino Neves (C): Ilha Paulino Neves (1); Península (2); Salina (3;4;5); Portinho de Pesca (6;7); Praia do Tatu (8;9); Curso Médio do Rio (10); Barra (11). Fonte: adaptado de Google Earth®, 2009............................................................................... 56 Figura 2 - Sítios de quebra ativos utilizados para consumo de crustáceos e moluscos com o uso de ferramentas de quebra (local: Morro do Boi, rio Preguiças, município de Barreirinhas, Estado do Maranhão – Brasil). Bigorna suspensa de Rhizophora sp (A) com ferramenta de quebra utilizada para consumo de Ucides cordatus (detalhe) e fragmentos de concha de Neritina zebra (detalhe) em bigorna de tronco caído junto com quatro ferramentas de quebra (B). As setas indicam a localização dos instrumentos de quebra................................................................................. 57 Figura 3 - Análise de agrupamento de quatro áreas utilizadas por Cebus libidinosus nos estuários dos rios Preguiças (Vassouras e Morro do Boi) e Novo (Portinho de Pesca e Ilha do Paulino)................................................. 58 Figura 4 - Proporção entre os diferentes tipos de sítios de quebra disponíveis nas áreas amostradas dos estuários do rio Novo (Ilha do Paulino e Portinho de Pesca) e rio Preguiças (Morro do Boi e Vassouras) calculadas a partir da estimativa de densidade para cada área (valores no gráfico). Nos sítios suspensos fazem parte as raízes escoras de Rizophora spp (rizoforedo) e IV os sítios de troncos caídos são formados por árvores mortas tombadas....... 59 Figura 5 - Proporção entre os diferentes tipos de sítios de quebra utilizados nas áreas amostradas dos estuários do rio Novo (Portinho de Pesca) e rio Preguiças (Morro do Boi e Vassouras) calculadas a partir da estimativa de densidade para cada área (valores no gráfico). Nos sítios suspensos fazem parte as raízes escoras de Rizophora spp (rizoforedo) e os sítios de troncos caídos são formados por árvores mortas tombadas. SF – Sem Ferramenta; CF – Com Ferramenta................................................................................... 60 CAPÍTULO IV - ESTRATÉGIAS DE PREDAÇÃO DE MARISCOS POR Cebus libidinosus EM MANGUEZAL Figura 1 – Plataforma Plataforma iscada com Ucides cordatus utilizada durante os registros experimentais............................................................................. 82 Figura 2 - Sítio de quebra ativo com ferramenta em um tronco caído de mangue e macaco-prego (Cebus libidinosus) deslocando-se no mangue durante atividade de forrageio. Presença de conchas de moluscos gastropoda (Neritina zebra) sobre a bigorna e desgaste de ferramenta são observados em sítios ativos de quebra (A) e macacos-prego usando rizóforos de Rizophora sp. para deslocamento durante procura ativa de crustáceos e moluscos (B).……………………………………………............................... 83 Figura 3 - Molusco bivalve Teredinidae perfurador de madeira utilizado na dieta de Cebus libidinosus. O corpo mole apresenta somente duas diminutas conchas na extremidade (círculo) protegido pelo tubo calcário (seta), o qual é quebrado sem o uso de ferramenta (A). Em B, tronco de mangue em decomposição colonizado por turus......................................................... 84 V LISTA DE VÍDEOS (CAPTURA DE IMAGENS DE PARTES DOS VÍDEOS) CAPÍTULO IV - ESTRATÉGIAS DE PREDAÇÃO DE MARISCOS POR Cebus libidinosus EM MANGUEZAL Filme 1 – Usando as mãos para quebrar caranguejos............................................... 104 Filme 2 – Comportamento extrativo-destrutivo durante consumo de “turus” em manguezal..................................................................................................... 105 Filme 3 – Predação de caranguejos por emboscada em manguezal......................... 106 Filme 4 – Uso de ferramentas para quebrar caranguejos.......................................... 107 VI AGRADECIMENTOS Ao Dr. Arrilton Araújo (orientador) e Dra. Renata Ferreira (co-orientadora) pela orientação, confiança e entusiasmo que me ajudaram na realização deste trabalho. Aos professores Dr. José de Souza e Silva Júnior, Dr. Marcus Barroncas Fernandes e Dra. Fívia de Araújo Lopes pelas valiosas contribuições feitas durante a defesa da tese. Ao Programa de Pós-graduação em Psicobiologia da UFRN e aos docentes que contribuíram para a minha formação durante o doutorado.Ao CNPq que me forneceu bolsa e apoio para a execução do projeto durante o início do doutorado. À FAPEMA, da qual obtive apoio financeiro para executar parte da tese. À UFMA, especialmente ao Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, que me serviu de apoio durante toda a fase que estive ausente da UFRN. Aos profesores Dr. Marcus B. Fernandes e Dr. Colin R. Beasley, da UFPA – Campus de Bragança, que me ajudaram respectivamente, na identificação botânica e dos moluscos gastropoda consumidos pelos macacos-prego no manguezal e ao Dr. Petrônio A. Coelho, da UFPE, e MSc. Jô de F. Lima, da Embrapa – Macapá, pela identificação dos crustáceos. VII Ao professor Dr. Jivanildo P. Miranda (UFMA) pelas valiosas contribuições durante a revisão da discussão geral e ao Dr. José de S. e Silva Júnior (Cazuza) e Msc. Cleuton Lima Miranda pelas contribuições durante a discussão sobre a distribuição das espécies de Cebus nos manguezais do Maranhão e seus limites de distribuição neste Estado. Ao Museu Paraense Emílio Goeldi, onde verifiquei as peles de Cebus coletadas no Maranhão e depositadas na coleção de Mastozoologia. Ao IBAMA de Barreirinhas (MA) e Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão que me permitiram pesquisar na “APA do Rio Preguiças e Pequenos Lençóis”. Ao Sr. Nalberto e esposa, Ana Lúcia, pela hospitalidade e por todo apoio que me deram durante os acampamentos nos Pequenos Lençóis. Ao Sr. “Buchudo” pelo apoio durante a fase de campo e construção da “base de apoio” no povoado Morro do Boi e ao Sr. Edison, pescador da cidade de Paulino Neves, que me ajudou durante as viagens ao longo do estuário do rio Novo. Sou muito grato à minha esposa Helen Cristine e minha filha, Isabela, que me deram conforto em todos os momentos de minha tese e aos meus pais Adalto e Luciêda e irmãos Ana Lourdes e Adalto Filho pelos incentivos e incansáveis apoios durante todo o meu doutorado. 1 INTRODUÇÃO Macacos-prego do subgênero Sapajus são primatas de médio porte pertencentes ao gênero Cebus. São considerados como um dos grupos com classificação mais confusa entre os mamíferos neotropicais, basicamente em função do polimorfismo encontrado no gênero (Silva Jr., 2001). Apresentam ampla distribuição geográfica e são exclusivos da América do Sul (Vilanova et al., 2005). No Brasil, estendem-se por quase todo o território nacional e ocupam os mais variados hábitats. Em florestas de mangue os registros são escassos e na costa Amazônica do Brasil as informações são limitadas (Fernandes, 1991; Fernandes & Aguiar, 1993; Silva Jr., 2001). Na costa Amazônica, entre os Estados do Pará e Maranhão, três espécies de macacos- prego são passíveis de se encontrar: Cebus apella, Cebus kaapori e Cebus libidinosus. Destas, somente C. kaapori apresenta distribuição mais restrita e, reconhecidamente, mais afastada do litoral. Entretanto, a possível ocupação destes manguezais por qualquer das espécies não parece acompanhar barreiras físicas que permitam diagnosticar os fatores limitantes de distribuição. Nestas florestas alagadas, C. apella parece utilizá-las como hábitat marginal (Fernandes & Aguiar, 1993), em que grupos de terra firme transitam para o manguezal possivelmente para complementar a dieta com diferentes recursos. Há estuários, porém, que as florestas de mangue parecem funcionar como refúgios, distantes das florestas de terra firme, em que grupos desenvolvem todo o ciclo de vida neste ecossistema. É conhecido que a exploração de mariscos faz parte da dieta de macacos-prego em manguezais Amazônicos (Fernandes & Aguiar, 1993) e que ferramentas já foram observadas de forma esporádica durante o consumo (Fernandes, 1991). Entretanto, de modo geral, raras 2 observações sobre uso de ferramentas foram realizadas com primatas em ambiente de manguezal e, em grupos não provisionados, esse número é ainda menor. Registros ocasionais de uso de ferramentas em manguezais já foram registrados também em Macaca fascicularis (Malaivijitmond et al., 2007) e, possivelmente, alguns dos fatores que mais possam contribuir para o baixo número de registros, até o momento, seja a dificuldade de deslocamento do observador nesse ambiente, que compromete estudos em grandes áreas ou a longo prazo. Mesmo não havendo frutos encapsulados nos manguezais da costa norte brasileira, o desenvolvimento do uso de ferramentas parece se justificar na exploração de animais protegidos por conchas e carapaças. Nos manguezais Amazônicos, além de recursos encapsulados, as condições físicas necessárias para o seu desenvolvimento estão presentes, como martelos de madeira e bigornas em abundância. A ocupação desse ambiente por espécies de macacos-prego podem proporcionar condições para o desenvolvimento deste comportamento ou a adaptação de uma técnica já desenvolvida em terra firme para a exploração de novos recursos no manguezal. Conforme destacado por Visalbergui (1990), macacos-prego apresentam habilidades que os predispõem ao uso de ferramentas, como marcante destreza manual para manipular e agarrar objetos e são exploradores persistentes movidos principalmente por curiosidade e interesse. Entretanto, objetos são utilizados como ferramentas por vários outros animais e em diversas circunstâncias (Beck, 1980; Hunt, 1996; Borsari & Ottoni, 2005), mas, nem sempre é um indicativo de inteligência. Em muitos casos, pode ser interpretado como adaptação a uma determinada circunstância ecológica em que a espécie utiliza somente um tipo de ferramenta para propósito único. Além disso, em primatas, como em macacos-prego, a habilidade desenvolvida através do uso de ferramentas para resolver problemas em diversas situações está associada à elevada capacidade cognitiva e trata-se de um comportamento complexo, raro na natureza e compartilhado com poucas espécies de primatas (Parker & Gibson, 1977). 3 Ferramentas funcionam como instrumentos para explorar recursos em situações em que o consumidor precisa transpor barreiras que dificultam o acesso ao alimento utilizado. A capacidade de manipulá-las, associada ao forrageamento extrativo, possibilita ao animal uma exploração mais seletiva dos recursos disponíveis. Nesse contexto, por exemplo, gravetos podem ser manipulados para capturar insetos em ninhos subterrâneos (Westergaard et al., 1997) e pedras podem ser utilizadas como martelos e bigornas para quebrar alimentos de consistência rígida, como a exploração de frutos de palmeiras para extrair a polpa por macacos-prego (Ottoni & Mannu, 2001; Fragaszy et al., 2004a; Ferreira et al, 2010). Deste modo, além de proporcionar acesso a fontes alimentares inacessíveis, o uso de ferramentas pode otimizar o tempo de processamento durante a manipulação do recurso (Ferreira et al., 2010). Um indicativo disso é quando o uso de ferramenta passa a ser uma forma alternativa de explorar o mesmo recurso alimentar. Acessibilidade e eficiência de forrageio são dois fatores que podem proporcionar vantagens seletivas a consumidores que desenvolvem o uso de ferramentas. De modo geral, ferramentas de quebra utilizadas por primatas, no contexto da exploração de recursos, são descritas como estratégias que possibilitam acesso. Na natureza, está associado a estudos com primatas em ambientes marcadamente sazonais e com espécies que desenvolvem a terrestrialidade. Na história humana, o uso de ferramentas parece ter surgido inicialmente como uma estratégia de acesso e que possibilitou, com a manufatura, também otimizar o tempo de processamento dos alimentos, aumentando o sucesso de forrageio. Assim, as primeiras ferramentas utilizadas por hominídeos extintos eram de pedras, as quais foram utilizadas para quebrar alimentos duros como frutos encapsulados ou ossos para extrair a medula óssea (Foley, 1993). O segundo passo tecnológico foi a manufatura de ferramentas (Davidson & McGrew,2005), em que lascas de pedra eram produzidas para 4 cortar ou confeccionar objetos, como os instrumentos de caça. A utilização de pedras para as mais diversas funções foi uma ferramenta tecnológica disponível a, possivelmente, mais de 2,5 m.a. (Panger et al., 2002) e o aperfeiçoamento desses instrumentos foi cada vez mais progressivo. Sua disseminação só foi possível através de aprendizagem social ao longo de gerações (Mithen, 1994). O uso de ferramentas deixou de ser considerada uma característica exclusivamente humana quando se descobriu que outros primatas antropóides como chimpanzés (Pan troglodytes) e, menos freqüentemente, orangotangos não solitários (Pongo pygmaeus) também produzem e utilizam ferramentas (van Schaik et al., 1996). A partir de então, o uso de ferramentas passou a ser interpretado como uma característica ancestral que havia se desenvolvido na linhagem dos grandes primatas. Desse modo, a proximidade evolutiva com o Homo sapiens os tornou modelos vivos em estudos comparativos utilizados para reconstituir um passado histórico dos possíveis passos evolutivos que tornaram possíveis o uso de ferramentas de pedra pelos primeiros hominídeos. Diante disso, várias propostas surgiram para explicar de que forma o uso de ferramentas pode ter se desenvolvido nos hominídeos. Entretanto, a herança comum e exclusiva de uma habilidade manipulativa associada ao uso de ferramentas por grandes primatas do Velho Mundo foi reavaliada com as observações de que primatas neotropicais com história de divergência evolutiva de aproximadamente 40 milhões de anos, como Cebus, também desenvolvem o uso de ferramentas (Visalberghi, 1990). A restrição deste comportamento a poucas espécies de primatas esteve sempre associada a espécies com comportamento manipulativo-extrativo e que apresentam elevada capacidade cognitiva. Além disso, os estudos sobre o desenvolvimento do uso de ferramentas por primatas antropóides avançaram de uma conotação predominantemente histórica (de herança evolutiva) para ecológica, em que a convergência no uso de ferramentas de quebra 5 entre estes primatas e macacos-prego pode estar relacionada à congruência de fatores ecológicos associados ao comportamento de forrageio manipulativo (Ottoni & Mannu, 2003). Macacos-prego são os únicos primatas neotropicais que desenvolveram por convergência essa tecnologia inovadora de forma elaborada. Apesar da distância evolutiva, o estudo do uso de ferramentas por eles na natureza pode elucidar novos cenários evolutivos para compreendermos as origens de nossas habilidades manipulativas com objetos que tornaram possíveis o uso de tecnologias progressivamente mais elaboradas. Entretanto, décadas de estudos sistemáticos em ambientes florestais com várias espécies de Cebus gerou poucos registros do uso de ferramentas na natureza, atribuindo-se este fato, de modo geral, ao seu comportamento arbóreo como fator limitante (Anderson, 1990). Em Cebus o uso de ferramentas já havia sido registrado em animais de cativeiro desde os séculos XVI e XVIII, como descrito por Gonzalo Fernández de Oviedo em 1526 (Urbani, 1998) e por Erasmus Darwin em 1794 no livro “Zoonomia or Laws of Organic Life” (Visalberghi, 1990). Entretanto, além dos estudos citados por Visalberghi (1990) e Ottoni & Izar (2008), que descrevem relatos sobre o uso de ferramentas por macacos-prego, somente recentemente este comportamento foi observado regularmente em animais de vida livre, gerando diversas hipóteses para explicar a evolução desse comportamento. Cebus libidinosus usa ferramentas de quebra em ambientes savanóides de Caatinga (Moura & Lee, 2004; Fragaszy et al., 2004b; Visalberghi et al., 2005, 2007; Ferreira, et. al., 2009; 2010) e Cerrado (Waga et al., 2006). Predominantemente, as ferramentas de quebra nestes ambientes são artefatos de pedra utilizados por C. libidinosus para quebrar frutos de palmeiras, como Attalea sp. (babaçu). Durante o uso de ferramentas de quebra nestas condições, estes animais descem das árvores e utilizam a técnica já desenvolvida por hominídeos, entre o Plio-Pleistoceno, que consiste em quebrar com pedras alimentos de consistência dura utilizando ferramentas para 6 bater e bigornas como ponto de apoio. De forma semelhante ao que ocorreu em várias regiões tropicais do mundo, como na África oriental durante a evolução do bipedalismo nos hominídeos, estes biomas sofreram períodos de resfriamento Pleistocênico em que um clima mais árido proporcionou a retração de florestas e a expansão de vegetação de savanas (Ab’Saber, 1977; Auler et al., 2004; Pessenda et al., 2005). O estudo do uso de ferramentas de quebra em ambiente florestal pode trazer diferentes perspectivas para o atual panorama. No manguezal, as condições ecológicas as quais macacos-prego estão sujeitos são bem diferentes das áreas de Caatinga e Cerrado. A estrutura da vegetação, os recursos disponíveis e o clima são, comparativamente, contrastantes e a história de ocupação, possivelmente, bem mais recente. Desse modo, a convergência do comportamento de uso de instrumentos observado em C. libidinosus e registrado em cenários florestais e savanóides poderão contribuir, juntamente com estudos que utilizam parentes antropóides como modelos vivos, com importantes informações para discussões sobre a compreensão da origem desse comportamento em primatas. 7 OBJETIVOS GERAL Propor um novo cenário para a compreensão do desenvolvimento do uso de ferramentas por macacos-prego a partir da colonização de manguezais da costa norte brasileira por grupos residentes de Cebus libidinosus. ESPECÍFICOS 1. Descrever a distribuição e o contexto de ocupação de C. apella e C. libidinosus nos manguezais da costa Amazônica (da costa do Estado do Maranhão ao nordeste do Estado do Pará) e identificar os possíveis fatores que podem limitar a distribuição das duas espécies em suas zonas de transição neste ecossistema (Capítulo 2); 2. Verificar, de forma exploratória, se há indicativos de associação entre o uso de ferramentas de quebra no manguezal com o seu desenvolvimento em áreas savanóides e se diferenças na disponibilidade de recursos podem explicar o desenvolvimento deste comportamento por Cebus libidinosus no manguezal (Capítulo 3); 3. Descrever as estratégias de predação e o uso de ferramentas de pedra associado ao comportamento extrativo-manipulativo desenvolvido por C. libidinosus, durante o consumo de mariscos em manguezais do Estado do Maranhão (costa norte do Brasil) considerando a premissa de que o uso de ferramentas não é uma condição necessária para a exploração de recursos encapsulados no manguezal (Capítulo 4). 8 DISTRIBUIÇÃO DE MACACOS-PREGO EM MANGUEZAIS DA COSTA AMAZÔNICA BRASILEIRA R. R. Santos1, 2; R. G. Ferreira2 , A. Araújo2 1Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Federal do Maranhão / Campus IV, Br 222, Km 04, S/N, Boa Vista, 65.500-000, Chapadinha, MA, Brasil. Caixa Postal 17; 2Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário, 59078-970 - Natal, RN, Brasil. Caixa Postal 1511. Resumo Os principais estuários da costa Amazônica brasileira, do nordeste do Estado do Pará até o limite oriental do Estado do Maranhão, foram vistoriados e a presença de duas espécies de macacos-prego em florestas de mangue foi registrada. Cebus apella teve a ocupação no manguezal associada principalmente à utilização de remanescentes florestais de terra firme Amazônicos ao longo da faixa costeira denominada Reentrâncias, mas também limitada por áreas abertas associadas ao manguezal. Cebus libidinosus teve distribuição restrita aos estuários a leste da costa Amazônica e um padrão de ocupação seguido de potencial isolamento nos estuários em que os manguezais estão associadosà vegetação de restinga e campos de dunas. A possível zona de transição proposta na literatura para as duas espécies não apresenta no manguezal barreiras evidentes. Neste capítulo verifica-se a distribuição e o contexto de ocupação dos manguezais por macacos-prego e identificam-se os possíveis fatores limitantes de expansão das duas espécies em suas zonas de transição neste ecossistema. PALAVRAS-CHAVE: Cebus; zona de transição; manguezal; biogeografia. 9 Introdução A distribuição geográfica das espécies pode estar associada a fatores como barreiras físicas e climáticas ou eventos de competição e dispersão. A influência dessas variáveis define os limites de distribuição de uma espécie, os quais nem sempre são evidentes. Estes limites correspondem às zonas periféricas de distribuição e freqüentemente estão associadas a áreas com lacunas de informação e que podem envolver simpatria ou eventos de hibridização entre espécies evolutivamente próximas. Em macacos-prego (gênero Cebus), fatores climáticos e vegetacionais já foram descritos como limites de distribuição para espécies do subgênero Sapajus (Vilanova et al., 2005). Cebus é um gênero de primata neotropical de ampla ocorrência no Brasil (Silva Jr, 2001; Rylands et al., 2005) cujos registros de ocorrência em florestas alagadas de mangue são escassos, um ecossistema à margem de sua distribuição. Baseado na distribuição geográfica do gênero (Silva Jr, 2001), quatro espécies são prováveis de terem colonizado os manguezais da costa Amazônica do Brasil: Cebus apella, Cebus kaapori e Cebus olivaceus, distribuídos principalmente na floresta Amazônica e Cebus libidinosus, que ocorre no Cerrado e Caatinga do nordeste do Brasil. Apesar dessas espécies apresentarem ampla distribuição geográfica, os registros sobre a ocorrência de macacos-prego em manguezais da costa Amazônica brasileira estão limitados somente às poucas localidades relatadas para C. apella e C. olivaceus (Fernandes, 1991; Fernandes & Aguiar, 1993; Silva Jr., 2001). As informações de como os manguezais são utilizados por macacos-prego e de que forma ocorre essa ocupação são limitadas e, possivelmente, isto ocorre em função das restrições impostas pelo ambiente para a realização de observações. Entretanto, este ecossistema pode funcionar como hábitat marginal, em que grupos transitam da floresta de terra firme para a floresta alagada (Fernandes & Aguiar, 1993), ou abrigando grupos residentes, quando os manguezais encontram-se isolados das florestas de terra firme 10 (Capítulos 3 e 4). Outro fator limitante para a dispersão de primatas em manguezais é a paisagem entrecortada por canais de maré e a distribuição naturalmente fragmentada deste ecossistema ao longo do litoral. Os manguezais da costa Amazônica do Brasil distribuem-se do rio Oiapoque, no Estado do Amapá, até o delta do rio Parnaíba, na divisa dos Estados do Maranhão e Piauí. Ao longo dessa extensão o manguezal é interrompido na foz do rio Amazonas (Souza-Filho, 2005) e é extensivamente fragmentado pelo avanço de campos de dunas na porção oriental em região conhecida como “Lençóis Maranhenses”. Entre estas duas áreas o litoral apresenta a maior formação contínua de florestas de mangue do mundo (Souza- Filho, 2005), sendo ocasionalmente intercalada por praias arenosas, falésias e campos naturais. Apesar de o manguezal estar inserido em uma paisagem dinâmica de transição com a terra-firme, a homogeneidade da cobertura vegetal pode camuflar os fatores limitantes de distribuição das espécies de Cebus que ocorrem dentro do manguezal. Em biomas de terra firme esses fatores são aparentemente mais claros, como nos limites Amazônia - Cerrado. A zona de transição entre C. apella e C. libidinosus no norte do Brasil ocorre no Estado do Maranhão e encontra-se entre os limites do Cerrado setentrional e a Amazônia oriental brasileira (Silva Júnior, 2001; Fragaszy et al., 2004, Rylands et al., 2005), uma região em que a vegetação é marcada por áreas abertas antropizadas e formações mistas de florestas e savanas com dominância de palmeiras de babaçu, Attalea phalerata (Arecaceae), conhecida como mata de cocais (Porro, 2005). Entretanto, a presença desta faixa de transição vegetacional entre estes dois biomas, associada à reduzida amostragem podem dificultar a determinação dos limites precisos entre as duas espécies ou abrigar a ocorrência de híbridos. Nos manguezais esses limites não são claramente reconhecíveis, principalmente em função da ausência de barreiras vegetacionais, mas supõem-se ocorrer em latitude próxima à localidade 11 costeira descrita por Hill (1960) para terra firme (entre os municípios de Humberto de Campos e Primeira Cruz, na baía de Tubarão), conforme relatado por Rylands et al. (2005). O objetivo deste estudo foi descrever a distribuição e o contexto de ocupação de C. apella e C. libidinosus nos manguezais da costa Amazônica (da costa do Maranhão ao nordeste do Pará) e identificar os possíveis fatores que podem limitar a distribuição das duas espécies em suas zonas de transição neste ecossistema. Métodos Área de estudo O estudo foi conduzido nos manguezais dos principais estuários presentes em 33 localidades do nordeste do Pará até o limite oriental de distribuição desses manguezais no nordeste do Maranhão, seguindo quatro setores geomorfológicos propostos por Souza-Filho (2005) e parte de duas zonas geográficas descritas por Schaeffer-Novelli et al. (1990). Os setores geomorfológicos apresentam como divisores as baías do Gurupi, Turiaçu, Cumã e Tubarão, que estão contidas na zona geográfica ocidental de influência Amazônica. As áreas são topograficamente e fitofisionomicamente homogêneas, mas estão separadas da zona geográfica oriental pela Ponta Mangues Secos, na baía de Tubarão (Schaeffer-Novelli et al.,1990), uma região proposta historicamente como área de transição entre C. apella e C. libidinosus. Os manguezais da zona geográfica ocidental apresentam-se em grande parte como floresta contínua cuja paisagem é entrecortada por canais de maré, rios e formações de ilhas de diversos tamanhos, sendo interrompida a leste da Ponta Mangues Secos pelos campos de dunas dos Lençóis Maranhenses (Souza-Filho, 2005). Na zona geográfica oriental, o manguezal está em região sob influência do nordeste do Brasil, tradicionalmente fora do 12 domínio Amazônico, mas que possivelmente fazia parte de um continuum antes do avanço das dunas. Entretanto, os manguezais de toda a costa Amazônica do Brasil estão sob condições climáticas semelhantes (Schaeffer-Novelli et al., 2000), com precipitações anuais médias de 2300 mm (Fisch et al., 1998) a 1600 mm no extremo leste (IBAMA, 2003) e macromarés que variam de 4 m a 7,5 m (Souza-Filho, 2005), que proporcionam manguezais com elevada produtividade biológica (Menezes et al., 2008). Amostragem O reconhecimento em campo foi conduzido de forma não sistemática ao longo dos anos de 2004 a 2008. A seleção dos sítios de amostragem ao longo das baías seguiu o padrão de distribuição naturalmente fragmentado dos manguezais, restritos à região de influência dos estuários. Os pontos de amostragem e tempo de permanência em cada área foram limitados em função da dimensão dos estuários e da dificuldade de acesso. Os sítios foram localizados através de imagens de satélite (Google Maps®) e acessados utilizando-se veículo, barco, canoa ou a pé. Áreas de florestas de terra firme adjacentes ao manguezal também foram vistoriadas na tentativa de identificar, in loco e/ou por entrevista, se existem indícios de fluxo potencial dos animais entre as duas fitofisionomias. Neste caso, o tipo de vegetação (manguezal ou terra-firme) e a presença/ausência dos animais foram registrados. A ocorrência de macacos-prego foi registrada através de avistamentos, entrevistas semi-estruturadas e direcionadas,registros fotográficos de animais cativos com confirmação de sua procedência ou registros indiretos, através da presença de sítios de alimentação ativos em manguezais. Estes sítios são caracterizados pela presença de fragmentos de conchas de moluscos ou carapaças de crustáceos em bigornas, que podem ser troncos caídos ou raízes aéreas de Rhizophora spp., utilizadas para quebrar alimentos (Capítulo 3). As entrevistas foram conduzidas por uma descrição, pelo entrevistado, dos primatas 13 presentes na área e de características diagnósticas que pudessem confirmar a identificação do táxon, conforme descrição de Silva Júnior (2001). Adicionalmente, foram fornecidos aos entrevistados fotografias para confirmação da validade e confiabilidade das informações. As entrevistas foram realizadas em todas as localidades amostradas e direcionadas indistintamente para pescadores, coletores de caranguejos, caçadores de subsistência locais de baixa renda ou moradores mais antigos com conhecimentos sobre a fauna da região e o manguezal. Estes registros foram realizados de maneira informal, individualmente ou em grupo, de modo que as informações pudessem ser extraídas naturalmente a partir da confiabilidade do entrevistado com o pesquisador. O diagnóstico foi aplicado em todos os estuários percorridos e permitiu a seleção dos pontos para registro dos avistamentos. Dentro do possível, as entrevistas foram complementadas com observações de macacos-prego em cativeiro presentes na região cuja procedência tenha sido confirmada pelo proprietário. Estes registros são viáveis, pois em pequenas cidades e vilarejos no norte do Brasil, filhotes de macacos-prego são comumente criados por ribeirinhos como animais de estimação após a captura local de indivíduos adultos para consumo de subsistência. Os avistamentos foram conduzidos através de observações diretas dos animais. Estes registros foram feitos nos canais dos estuários utilizando-se canoa, ou a pé no manguezal e em florestas de terra firme adjacentes. Todas as localidades registradas em campo foram georreferenciadas com GPS (Global Positioning System), incorporadas a um Sistema de Informação Geográfica (ArcView Gis 3.3) e complementadas com registros obtidos em literatura (Pinto, 1941; Vieira, 1955; Fernandes, 1991; Fernandes & Aguiar, 1993; Silva Jr., 2001). 14 Resultados Distribuição Um total de 33 sítios foram vistoriados e, em todas as localidades, foi confirmada a presença de macacos-prego em áreas de manguezais (Fig. 1). Cebus apella está presente em 77% das baías vistoriadas e sua distribuição oriental nos manguezais da Amazônia brasileira parece coincidir com o limite nordeste de distribuição da espécie em florestas de terra firme Amazônicas. Cebus libidinosus apresenta distribuição restrita e sua ocorrência foi confirmada in loco somente em três estuários na porção oriental da costa Amazônica, no nordeste do Maranhão (Tabela 1). Tendências de ocupação A dispersão de C. apella e C. libidinosus para o manguezal, a partir de florestas de terra firme, parece refletir atualmente duas tendências de ocupação: ocorrência em manguezal com conexão com terra firme e ocorrência com tendência ao isolamento. - Ocorrência de Cebus apella com conexão com terra firme Dos sítios 1 ao 21 a ocupação de manguezais e remanescentes florestais de terra firme por C. apella parece garantir fluxo dos animais entre as duas formações vegetais. - Ocorrência de Cebus apella com tendência ao isolamento A observação de grandes estuários entrecortados por canais e ilhas formadas somente de manguezais, entre os sítios 3 a 19, foram apontados através de entrevistas como potenciais áreas em que a ocupação do manguezal por C. apella pode ter sido seguido de potencial isolamento em relação às populações de terra firme costeiras. Estes estuários não foram extensivamente amostrados e os registros estiveram restritos às áreas de mais fácil acesso, 15 próximos a povoados. Na região de lagos sazonais denominada “Baixada Maranhense”, entre os sítios 22 e 25, a presença de extensos campos naturais forma um ecossistema pantanoso em torno dos manguezais e parece restringir a conectividade dos animais com as formações florestais de terra firme, formadas por matas de cocais. Campos margeando os manguezais também foram observados no sítio 2, no nordeste do estado do Pará. Neste sítio também se observou a ocupação de “ilhas de terra-firme” inseridas em florestas contínuas de mangue na zona costeira. Nos sítios 26 a 30, que são ilhas, foram observados os dois padrões de ocupação: grupos residentes (sítios 26 a 28) e com conexão terra firme - manguezal (sítios 29 e 30). Naquele caso, a presença de vegetação de pequeno porte (restinga) e dunas em torno dos manguezais ou a ocupação de ilhas de mangue, parece restringir C. apella ao padrão de isolamento semelhante ao observado nos estuários ocupados por C. libidinosus. - Ocorrência de Cebus libidinosus com tendência ao isolamento Em oposição à extensa faixa de manguezal presente nas Reentrâncias, foi observado que o padrão de distribuição naturalmente fragmentado dos manguezais é mais acentuado na área ocupada por C. libidinosus em função da presença de poucos estuários e de extensos campos de dunas móveis (Lençóis Maranhenses) que avançam sobre a área costeira (Figura 1). A presença de vegetação litorânea formada por restinga no entorno desses manguezais parece restringir a distribuição desses animais somente a estuários dos sítios 31-32, não sendo evidente qualquer tipo de conexão entre os estuários ou com as populações do Cerrado e Caatinga. O sítio 33, que é caracterizado pela presença de dezenas de ilhas com influência de 16 dunas e vegetação de restinga, foi apontado em entrevistas como área potencial em que, possivelmente, a colonização foi seguida de potencial isolamento. Zona de transição Não há registros de barreiras físicas evidentes que possam delimitar a distribuição das duas espécies nos manguezais na área proposta historicamente como zona de transição entre C. apella e C. libidinosus (Figura 1, Tabela 2, sítio A). Esta localidade era anteriormente denominada de Miritiba (atual município de Humberto de Campos) e marca, também no manguezal, o limite oriental de distribuição de C. apella a partir de onde os manguezais são interrompidos por extensa faixa costeira de dunas móveis em região conhecida como Lençóis Maranhenses (Figura 1), na baía de Tubarão. A ocupação deste complexo estuarino por Cebus é interrompida em parte também pela vegetação de restinga, na qual não foi observado registro de ocupação por nenhuma das espécies de Cebus. Restinga e dunas limitam a distribuição contínua de Cebus a leste da baía de Tubarão e os separam das populações do Cerrado e dos estuários ocupados por C. libidinosus observados neste estudo. Discussão Os manguezais estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo e, mesmo em estuários sob influência Amazônica, a diversidade de primatas que ocupam as florestas de mangue é baixa (Fernandes & Aguiar, 1993). Entretanto, isso também pode ser um reflexo da falta de amostragem nas florestas de mangue da costa Amazônica. Neste estudo descrevemos a distribuição e o contexto de ocupação de Cebus apella e Cebus libidinosus em manguezais da Amazônia brasileira, no litoral do Estado do Maranhão e nordeste do Estado do Pará, e sugerimos possíveis fatores que possam limitar a distribuição em suas zonas de transição. 17 Ao contrário do que se observa da distribuição de Cebus apella e Cebus libidinosus nos limites Amazônia/Cerrado do norte do Brasil (Silva Jr., 2001), no manguezal a vegetação não parece ser um fator limitante para a expansão de nenhuma das espécies. Entre os estados do Pará e Maranhão a dispersão para o manguezal parece ter tido sucesso em ambas asformas. As áreas de manguezais ocupadas por C. apella parecem refletir tendências de ocupação diferenciadas do registrado para C. libidinosus. No contexto da dispersão para o manguezal foi observado para C. apella, predominantemente, ocupação com manutenção de fluxo potencial dos animais em todas as áreas onde os manguezais apresentam continuidade com florestas remanescentes de terra firme Amazônicas (Reentrâncias, sítios 1 a 21). Mas também ocupação seguida de potencial isolamento nas áreas em que a floresta de mangue está associada à vegetação de campos naturais (ex., Baixada Maranhense, sítios 21 a 25). Entretanto, em todos os estuários ocupados por C. libidinosus registrados neste estudo, o extenso avanço do campo de dunas e a vegetação de restinga associado ao manguezal (Lençóis Maranhenses e Delta do rio Parnaíba, sítios 31 a 33) parecem garantir isolamento recente em relação às populações de terra firme do Cerrado e Caatinga do meio-norte do Brasil. Conforme destacado por Fernandes & Aguiar (1993), em áreas em que os manguezais apresentam estreita associação com florestas de terra firme, os manguezais parecem ser utilizados como ecossistemas alternativos ocupados marginalmente por grupos de florestas de terra firme. Entretanto, a grande extensão dos estuários ocupados por manguezais na região das Reentrâncias, associado à geografia local (Souza-Filho, 2005), inviabilizou o registro de localidades apontadas por entrevistas em que, possivelmente, a ocupação estaria vinculada ao aparente isolamento em ilhas de manguezais. Nesta condição, a ocupação por C. apella de manguezais sob condições de possível isolamento na região da Baixada Maranhense é menos 18 expressiva que o observado em C. libidinosus nos Lençóis Maranhenses, mas é um reflexo da distribuição restrita dessas florestas no estuário do rio Mearim, dada a predominância de áreas abertas limítrofes com formação de campos sazonalmente alagados. A distribuição restrita de C. libidinosus em áreas de manguezais na porção oriental da costa Amazônica brasileira pode estar associada à menor quantidade de estuários presentes nessa região e da extensão reduzida de manguezais em função do soterramento pelo avanço natural de dunas. A colonização dos estuários nos rios Preguiças, Novo e Parnaíba (sítios 31 a 33) deu-se em um contexto de dispersão seguido de potencial isolamento, configurando ocupação atual por grupos residentes. Nessa região, os manguezais não são utilizados como hábitats marginais e a vegetação de restinga associada ao manguezal parece funcionar como barreira parcial que separa essas populações remanescentes de sua distribuição original, proveniente do Cerrado e Caatinga. Nesta condição, C. libidinosus parece desenvolver todo o seu ciclo de vida dentro do manguezal. Essa é a condição observada em C. libidinosus e em algumas áreas ocupadas por C. apella. Os animais utilizam o manguezal como sítios de alimentação e de dormida, não retornando para a terra firme. Obviamente, isso não inviabiliza a possível manutenção de fluxo ocasional de animais entre manguezal e terra firme ao longo de diferentes gerações. A área de terra firme litorânea no Maranhão colocada por Hill (1960), como limite de distribuição oriental para C. apella e possível zona de transição com C. libidinosus (sítio A), situa-se em localidade destacada por Oren (1988) como ocupada anteriormente por floresta Amazônica, mas cuja formação florestal foi substituída ao longo do tempo por vegetação de restinga. Nessa área, descrita como Miritiba (atual município de Humberto de Campos), C. apella pode ter ocupado o manguezal seguindo a sua distribuição original a partir da floresta Amazônica que cobria a região. As coleções de Ferdinand Schwanda destacadas por estes autores, do início do século XX para a região de Miritiba, apóiam a hipótese de que a floresta 19 Amazônica estendia-se além do estuário do rio Mearim (a leste da Baixada Maranhense), até a região proposta como zona de transição entre C. apella e C. libidinosus. Entre Humberto de Campos (sítio A) e o município de Primeira Cruz (sítio B), localidade próxima que marca o limite oriental das florestas contínuas de mangue, as duas espécies foram registradas por diversos autores (C. libidinosus: Pinto, 1941; Vieira, 1955; C. apella: Fernandes & Aguiar, 1993; Silva Jr, 2001), mas não há evidências de quaisquer barreiras geográficas que possam limitar a distribuição dessas espécies entre essas duas localidades. Os manguezais nessa região estão inseridos na baía de Tubarão formando, juntamente com a baía de São José, um complexo estuarino que se estende de forma contínua. Os manguezais nestas localidades não apresentam indícios de formações vegetacionais ou climáticas diferenciadas que possam funcionar como barreira à dispersão de ambas as espécies. O caráter homogêneo do manguezal indica que, possivelmente, essa zona de transição possa ser marcada por outro fator limitante ou o limite de distribuição das duas espécies esteja em outra localidade. Não há evidências da presença de C. libidinosus ocupando a vegetação de restinga entre essa região (sítio A) e o delta do rio Parnaíba (sítio 33), demonstrando o caráter de ocupação seguido de potencial isolamento nas florestas de mangue em relação às populações do Cerrado e Caatinga. A paisagem nesta porção oriental da costa Amazônica brasileira é marcada pelo avanço de dunas (Gonçalves et al., 2003) sobre as formações de restinga e manguezal, em processo constante de soterramento e fragmentação. Esse campo de dunas tem idade Holocênica (Rodrigues et al., 1986) e parece ter contribuído para a interrupção da faixa contínua de manguezal, a qual se estende atualmente desde o nordeste do Pará até a área proposta como zona de transição entre as duas espécies de macacos-prego. Se esse processo teve início antes da dispersão de C. libidinosus para os manguezais da costa oriental Amazônica, uma hipótese alternativa seria que esse campo de dunas pode ser considerado 20 como a principal barreira geográfica que separa as duas espécies, sendo Humberto de Campos (sítio A) e Primeira Cruz (sítio B) o limite oriental de C. apella e não uma zona de transição como proposta por Hill (1960). Entretanto, a confirmação da presença de C. libidinosus no sítio A, como descrito em Pinto (1941) e Vieira (1955), pode indicar uma ocupação mais antiga do manguezal e que foi interrompida pelo avanço do campo de dunas, consistindo a zona de transição proposta por Hill como uma provável área atual de contato com possível hibridização sem barreiras evidentes. Durante a retração da floresta de terra firme e avanço da restinga, as florestas de mangue podem ter funcionado como refúgios isolando C. libidinosus das populações do Cerrado. A ocupação do manguezal pode ter ocorrido desde o início do Holoceno, quando as florestas de mangue no Maranhão encontravam-se mais para o interior do continente (Behling & Costa, 1997) e, provavelmente, ainda não estavam sujeitas ao soterramento pelo campo de dunas dos Lençóis Maranhenses. Dentro deste contexto paisagístico de mudanças históricas na cobertura vegetal de terra firme a leste do estuário do rio Mearim (Oren, 1988), associada às florestas de mangue, a ocupação do manguezal por C. libidinosus na costa Amazônica brasileira é atualmente limitada por barreiras físicas e vegetacionais, tornando as populações potencialmente isoladas de sua distribuição de terra firme. A confirmação de uma zona de transição, como proposto por Rylands et al. (2005), que possa ser estendida às florestas de mangue sem a presença de barreiras evidentes, sugere um padrão de ocupação e potencial isolamento em que populações remanescentes de C. libidinosus possivelmente possam ter hibridizado com C. apella, gerando diferentes interpretações do material analisado da mesma localidade. Dessemodo, propomos que a ocupação de manguezais por macacos-prego pode estar associada inicialmente ao seu comportamento exploratório ou condicionada às flutuações de recursos alimentares em florestas de terra-firme das zonas costeiras. Os animais, neste caso, comportar-se-iam como visitantes do manguezal, um ambiente de ocupação marginal em sua 21 distribuição. A substituição dessa paisagem ao longo do tempo por grandes extensões de vegetações de restingas e dunas (Lençóis Maranhenses) ou campos (Baixada Maranhense) e a dinâmica dos estuários com formações de ilhas circundadas por canais de maré (Reentrâncias), podem ter funcionado como os principais fatores que conduziram a colonização e sucesso desses animais nos estuários, tornando-os residentes e dependentes dos recursos disponíveis nas florestas de mangue. A ocupação por grupos residentes de C. libidinosus neste ambiente periférico de sua distribuição demonstra que o manguezal não é uma fronteira intransponível e nos revela a adaptabilidade desses primatas diante de um novo cenário ecológico. Agradecimentos Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) pelo suporte financeiro (no. APP-01038/08) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa concedida a RRS (no 142604/2005-4) e AA (no 302012/2006-0). Referências Behling, H.; Costa, M. L. 1997. Studies on Holocene tropical vegetation, mangrove and coast environments in the state of Maranhão, NE Brazil. Quaternary of South America and Antartic Peninsula, 10: 93-118. Fernandes, M. E. B. 1991. Tool use and predation of oysters (Crassostrea rizophorae) by the tufted capuchin, Cebus apella apella, in brackish water mangrove swamp. Primates, 32 (4): 529-531. 22 Fernandes, M. E. B. & Aguiar, N. O. 1993. Evidências sobre a adaptação de primatas neotropicais às áreas de mangue com ênfase no macaco-prego Cebus apella apella. A Primatologia no Brasil, 4: 67-80. Fisch, G.; Marengo, J. A. & Nobre C. 1998. Uma revisão geral sobre o clima da Amazônia. Acta Amazônica 28 (2): 101-126. Fragaszy, D. M.; Visalberghi, E.; Fedigan, L.; Rylands, A. B. 2004. In: The complete capuchin: the biology of genus Cebus. D. M. Fragaszy, E. Visalberghi, L. Fedigan (Eds.), Cambridge Univ. Press, Cambridge, pp. 13-35. Gonçalves, R. A.; Lehugeur, L. G. O.; Castro, J. W. A.; Pedroto, A. E. S. 2003. Classificação das feições eólicas dos Lençóis Maranhenses – Maranhão – Brasil. Mercator – Revista de Geografia da UFC, 2 (3): 99-112. Hill, W. C. O. 1960. Primates. Comparative Anatomy and Taxonomy. IV. Cebidae. Part A. Edinburgh: University of Edinburgh Press. IBAMA. 2003. Plano de manejo do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. São Luís, MA. 499p. Menezes, M. P. M.; Berger, U. & Mehlig, U. 2008. Mangrove vegetation in Amazonia: a review of studies from the coast of Pará and Maranhão states, north Brazil. Acta 23 Amazonica 38 (3): 403-420. Oren, D. C. 1988. Uma reserva biológica para o Maranhão. Ciência Hoje, 44: 36-45. Pinto, O. 1941. Da validez de Cebus robustus Kuhl e de suas relações com as formas mais afins. Papéis Avulsos, 1: 111-120. Porro, R. 2005. Palms, pastures, and swidden fields: the grounded political ecology of “agro- extractive/shifting-cultivator peasants” in Maranhão, Brazil. Human Ecology, 33 (1): 17- 56. Rodrigues, J. E.; Liu, C. C.; Miranda, F. P. 1986. Alguns aspectos geológicos do lineamento Pirapemas. IV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. Gramado-RS, 891-825. Rylands, A. B. 2004. Taxonomy, distribution and conservation. Where and what are they and how did they get there? In: The complete capuchin. Cambridge University Press. D. M. Fragaszy; E. Visalbergui; L. Fedigan (Eds.). pp. 13-35. Rylands, A. B.; Kierulff, M. C. M.; Mittermeier, R. A. 2005. Notes on the taxonomy and distributions of the capuchin monkeys (Cebus, Cebidae) of South America Lundiana, 6, 97-110. Schaeffer-Novelli, Y.; Cintrón-Molero, G.; Adaime, R. R.; Camargo, T. M. 1990. Variability of mangrove ecossistems along the Brasilian coast. Estuaries, 13 (2): 204-218. 24 Schaeffer-Novelli, Y.; Cintrón-Molero, G.; Soares, M. L. G.; De-Rosa, T. 2000. Brasilian Mangroves. Aquatic Ecosystem Health and Management 3: 561-570. Silva Jr, J. de S. 2001. Especiação nos macacos-pregos e caiararas, gênero Cebus Erxleben,1777 (Primates, Cebidae). Doctoral thesis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Souza-Filho, P. W. 2005. Costa de manguezais de macromaré da Amazônia: cenários morfológicos, mapeamento e quantificação de áreas usando dados de sensores remotos. Revista Brasileira de Geofísica, 23 (4): 427-435. Vieira, C. da C. 1955. Lista remissiva dos mamíferos do Brasil. Arquivos de Zoologia, 8: 341- 460. Vilanova, R.; Silva Jr., J. S.; Grelle, C. E. V; Marroig, G. & Cerqueira, R. 2005. Limites climáticos e vegetacionais das distribuições de Cebus nigritus e Cebus robustus (Cebinae, Platyrrhini). Neotropical Primates, 13, 14-19. Fi gu ra 1 . L oc al iz aç ão d as á re as a m os tra da s da c os ta A m az ôn ic a br as ile ira (n or de st e do P ar á e M ar an hã o) . R eg is tro s de C eb us a pe lla (1 -3 0) e C eb us li bi di no su s (3 1- 33 ) o bt id os e nt re 2 00 4 e 20 08 (v er T ab el a I). C írc ul os p re to s m os tra m re gi st ro s ob tid os d e C . a pe lla em li te ra tu ra (A – E ) e á re a de tr an si çã o (A ). O s sí tio s co m c oo rd en ad as n ão fo rn ec id as (v er T ab el a 2) a pr es en ta m a lo ca liz aç ão n o m ap a do m un ic íp io c or re sp on de nt e. 2º S 44 º W km O ce an o A tlâ nt ic o A m az ôn ia C er ra do Ba ix ad a M ar an he ns e R es tin ga 1 2 3 4 5 6 7 8 9 13 18 19 20 21 22 23 24 25 26 2 7 28 31 32 3 3 A B C D E 30 29 17 16 15 14 10 ,1 1, 12 W W W W W X X X Pa rá M ar an hã o T ab el a 1. L oc al id ad es v is to ria da s, m un ic íp io s e m ét od os d e de te cç ão e m q ue s e re gi st ro u a pr es en ça d e C eb us a pe lla ( 1 a 30 ) e C eb us lib id in os us (3 1 a 33 ). Sí tio Lo ca lid ad e M un ic íp io D at um S AD 6 9 M ét od o 1 Pr ai a da C or vi na , B aí a do M ar ac an ã Sa lin óp ol is 0º 36 ’1 4. 93 ”S / 47 º2 2’ 25 .4 2” W 3 2 Fa ze nd a Sa lin a, B aí a do C ae té B ra ga nç a 0° 55 ’2 1. 30 ”S / 46 º4 0’ 11 .5 0” W 1, 3 3 R io A ra pi ra ng a, B aí a do G ur up i C ar ut ap er a 1º 11 ’5 8. 53 ”S / 46 º0 1’ 26 .4 2” W 3 4 Ilh a de T uc un di ua , B aí a do T ro m aí Lu is D om in gu es 1° 05 '5 4. 03 "S / 45 °5 1' 05 .4 1" W 1* ,3 5 “I lh a” d e Fo ra , B aí a do T ro m aí Lu ís D om in gu es 1° 14 '4 6. 31 "S / 45 °5 5' 15 .8 8" W 3 6 Po vo ad o Li vr am en to , B aí a do T ro m aí Lu ís D om in gu es 1º 19 ’0 9. 14 ”S / 45 º5 5’ 44 .7 5” W 3 7 Po rto , B aí a do T ro m aí Lu is D om in gu es 1º 19 ’1 3. 02 ”S / 45 º5 3’ 38 .8 1” W 1, 2, 3 8 R io A ur iz on a, B aí a do T ro m aí G od of re do V ia na 1º 16 ’1 3. 28 ”S / 45 º4 6’ 27 .3 6” W 3 9 C am po , B aí a do T ro m aí G od of re doV ia na 1º 22 ’4 1. 17 ”S / 45 º4 7’ 10 .2 6” W 3 10 Po rto , B aí a do T ro m aí G od of re do V ia na 1º 25 ’2 1. 17 ”S / 45 º4 6’ 25 .0 6” W 3 11 C an al B ar ão , B aí a do T ro m aí G od of re do V ia na 1º 24 ’0 3. 04 ”S / 45 º4 9’ 06 .0 7” W 3 12 B oc a do A le m ão , B aí a do T ro m aí G od of re do V ia na 1º 23 ’1 1. 44 ”S / 45 º4 4’ 42 .7 4” W 3 13 R io M ar ac aç um é, B aí a do M ar ac aç um é C ân di do M en de s 1º 27 ’2 2. 23 ”S / 45 º4 3’ 41 .1 8” W 3 14 Po vo ad o A ss u, B aí a do T ur ia çu B ac ur i 1º 38 ’3 7. 36 ”S / 45 º1 5’ 53 .0 7” W 3, 4 15 Po vo ad o Po rtu ga l, B aí a do T ur ia çu B ac ur i 1º 37 ’5 7. 41 ”S / 45 º1 4’ 30 .3 4” W 3, 4 16 Po vo ad o Tr aj an o, B aí a do T ur ia çu B ac ur i 1º 41 ’0 3. 72 ”S / 45 º0 9’ 49 .7 7” W 3, 4 17 Po rto , B aí a do T ur ia çu B ac ur i 1º 43 ’3 4. 95 ”S / 45 º0 8’ 27 .6 0” W 2, 3 18 Po rto , B aí a do C ab el o da V el ha C ur ur up u 1º 49 ’5 2. 21 ”S / 44 º5 2’ 14 .6 6” W 3 T ab el a 1 (c on tin ua çã o) Sí tio Lo ca lid ad e M un ic íp io D at um S AD 6 9 M ét od o 19 R io P er ic um ã, B aí a de C um ã G ui m ar ãe s 2° 07 ’5 1. 28 "S / 44 °3 5’ 45 .9 1" W 2, 3 20 R es er va d o C LA (C en tro d e La nç am en to d e A lc ân ta ra ), B aí a de S ão M ar co s A lc ân ta ra 2° 20 '0 1. 24 "S / 44 °2 1' 48 .7 3" W 1, 3 21 Po vo ad o C uj up e, B aí a de S ão M ar co s A lc ân ta ra 2° 30 ’1 3. 87 ”S / 44 °3 1’ 11 .2 0” W 3 22 Po rto d o B al ta za r, B aí a de S ão M ar co s B ac ur itu ba 2º 43 ’0 5. 60 ”S / 44 º4 1’ 35 .5 7” W 3 23 Pr ai a de It ap eú na (r io M ea rim ), B aí a de S ão M ar co s C aj ap ió 2º 50 ’5 6. 98 ”S / 44 º3 8’ 02 .9 0” W 3 24 Po rto (r io M ea rim ), B aí a de S ão M ar co s C aj ap ió 2º 53 ’1 0. 29 ”S / 44 º4 0’ 25 .7 0” W 3 25 Pe riz es - Es tre ito d os M os qu ito s ( rio M ea rim ), B aí a de S ão M ar co s B ac ab ei ra 2° 45 '5 8. 31 "S / 44 °2 2' 56 .9 3" W 3 26 Pr ai a do A ra ça gy , B aí a de S ão M ar co s Sã o Jo sé d e R ib am ar 2° 26 ’4 0. 31 ”S / 44 °8 ’3 9. 92 ”W 2, 3 27 Ilh a de C ur up u, e nt re B aí a de S ão M ar co s e B aí a de S ão Jo sé d e R ib am ar R ap os a 2º 25 ’1 5. 00 ”S / 44 º0 4’ 21 .2 9” W 1, 2, 3 28 Po vo ad o Ig ua íb a, B aí a de S ão Jo sé d e R ib am ar Pa ço d o Lu m ia r 2º 28 ’0 5. 89 ”S / 44 º0 5’ 47 .8 3” W 3 29 Po vo ad o M oj ó, B aí a de S ão Jo sé d e R ib am ar Pa ço d o Lu m ia r 2º 30 ’1 5. 08 ”S / 44 º0 3’ 58 .2 2” W 2, 3 30 Sí tio A gu ah y, B aí a de S ão Jo sé d e R ib am ar Sã o Jo sé d e R ib am ar 2° 41 '2 1. 09 "S / 44 °1 0' 2. 89 "W 1, 3 31 R io P re gu iç as , Á re a de P ro te çã o A m bi en ta l d o R io Pr eg ui ça s e P eq ue no s L en çó is B ar re iri nh as 2º 39 ’1 7. 57 ”S / 42 º4 1’ 07 .8 0” W 1, 2, 3, 4 32 R io N ov o, Á re a de P ro te çã o A m bi en ta l d o R io P re gu iç as e Pe qu en os L en çó is Pa ul in o N ev es 2º 42 ’4 3. 09 ”S / 42 º3 1’ 05 .9 8” W 1, 2, 3, 4 33 D el ta d o rio P ar na íb a, B aí a de T ut ói a Tu tó ia 2º 45 ’5 5. 02 ”S / 42 º1 6’ 28 .8 2” W 3 1. A vi st am en to ; 2 . O bs er va çã o de a ni m ai s c at iv os ; 3 . E nt re vi st a; 4 . R eg is tro in di re to . * Es qu el et o cr an ia no . 1- 2. P ar á; 3 -3 3. M ar an hã o. T ab el a 2. R eg is tro s o bt id os e m li te ra tu ra d e C eb us a pe lla e C eb us li bi di no su s a ss oc ia do s a á re as d e m an gu ez al . Sí tio Es pé ci e Lo ca lid ad e M un ic íp io D at um d es co nh ec id o Fo nt e A C . l ib id in os us M iri tib a, B aí a de T ub ar ão H um be rto d e C am po s N ão fo rn ec id a Pi nt o, 1 94 1; V ie ira , 1 95 5 A C . a pe lla M iri tib a, B aí a de T ub ar ão H um be rto d e C am po s 2° 37 'S / 43 °2 8' W Si lv a Jr , 2 00 1 B C . a pe lla Po vo ad o C ae té , r io M ar ci an o, B aí a de T ub ar ão Pr im ei ra C ru z N ão fo rn ec id a Fe rn an de s & A gu ia r, 19 93 ; Si lv a Jr , 2 00 1 C C . a pe lla Po vo ad o de C an el at iu a, B aí a de Sã o M ar co s A lc ân ta ra 2° 24 'S / 44 °2 4' W Fe rn an de s, 19 91 ; F er na nd es & A gu ia r, 19 93 ; S ilv a Jr , 2 00 1 D C . a pe lla Po vo ad o de B iti ua , B aí a do G ur up i V iz eu N ão fo rn ec id a Fe rn an de s & A gu ia r, 19 93 E C . a pe lla Ilh as d e A lg od oa l e M ai an de ua ; B aí a do M ar ac an ã M ar ac an ã N ão fo rn ec id a Fe rn an de s & A gu ia r, 19 93 Pi nt o (1 94 1) , b as ea do e m m at er ia l t om ba do n o M us eu P au lis ta (a tu al M ZU SP , M us eu d e Zo ol og ia d a U ni ve rs id ad e de S ão P au lo ), B ra si l. Si lv a Jr . ( 20 01 ), ba se ad o em m at er ia l t om ba do n o M ZU SP e M PE G (M us eu P ar ae ns e Em íli o G oe ld i), B ra si l. A -D . M ar an hã o; E . P ar á. 29 USO DE FERRAMENTAS DE QUEBRA POR Cebus libidinosus EM MANGUEZAL R. R. Santos1,2; R. G. Ferreira2 , A. Araújo2 1Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Federal do Maranhão / Campus IV, Br 222, Km 04, S/N, Boa Vista, 65.500-000, Chapadinha, MA, Brasil. Caixa Postal 17; 2Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário, 59078-970 - Natal, RN, Brasil. Caixa Postal 1511. Resumo Macacos-prego (Cebus libidinosus) utilizam ferramentas de quebra para consumir moluscos e crustáceos em manguezais no norte do Brasil. Neste capítulo verificamos, de forma exploratória, se o uso de ferramentas no manguezal tem associação com o uso em áreas savanóides e se a hipótese da disponibilidade de recurso proposta para estas áreas pode ser aplicada ao manguezal. O uso de ferramentas não está difundido em todos os grupos verificados no manguezal e não foi registrado nas áreas de terra firme estudadas. Sítios de quebra e alimentos encapsulados são utilizados nos dois estuários analisados, mas ferramentas para quebrar conchas de moluscos e carapaças de caranguejos foram registradas somente em um estuário. Entre os estuários não houve diferenças significativas na disponibilidade do recurso alimentar explorado (caranguejos), nos sítios de quebra disponíveis e nos utilizados. Desse modo, não há evidências que expliquem que o uso de ferramentas em manguezal por C. libidinosus possa ter relação com grupos que fazem uso em áreas savanóides, assim como não há evidências que o uso de ferramentas em manguezal tenha relação com a escassez de recursos, visto que o recurso encapsulado analisado pode ser consumido sem o uso de ferramentas. PALAVRAS-CHAVE: manguezal; savana; uso de ferramenta; macaco-prego. 30 Introdução Macacos-prego sãoprimatas neotropicais onívoros, que apresentam extensas áreas de vida (Spironello, 2001) e ocupam os mais diversos ambientes (Defler, 2003). No Brasil, as espécies do subgênero Sapajus ocorrem em florestas de terra firme, igapós, savanas e manguezais (Silva Jr, 2001). Cebus libidinosus é uma das espécies que apresenta ampla distribuição geográfica e ocorre em ambientes tão contrastantes, como a Caatinga do nordeste do Brasil (Fragaszy et al, 2004) e as florestas de manguezais do leste Amazônico (Capítulo 2). Diante de hábitats tão diversificados, é previsível que estes animais empreguem diferentes estratégias de uso dos recursos ou adotem estratégias semelhantes de exploração frente aos mesmos desafios. Esses animais são oportunistas e forrageadores ativos que exploram os diferentes estratos da floresta (Fragaszy et al, 2004), mas também podem explorar recursos no chão, como em ambiente savanóide (Moura & Lee, 2004; Visalberghi et al., 2005; Waga et al, 2006; Ferreira et al., 2010). Possivelmente, a flexibilidade na dieta seja a característica marcante que torna possível a sua ocupação nesses diferentes hábitats e nos mais diversos estratos florestais. A Caatinga está situada em uma região de chuvas irregulares e é caracterizada por uma vegetação adaptada a longos períodos de estiagem (Rizzini, 1997). Nessas condições sazonais, C. libidinosus utiliza diferentes estratégias para explorar recursos alimentares durante períodos de escassez e uma delas é a utilização de ferramentas de pedra ou madeira para quebrar frutos encapsulados de palmeira no chão (Moura & Lee, 2004). Trata-se dos primeiros registros sistemáticos de uso de instrumentos de quebra por C. libidinosus na natureza. Há tendências divergentes para explicar o desenvolvimento do uso de ferramentas de quebra por estes primatas nestas condições e, uma delas, propõe que a principal seja a disponibilidade de recursos (Langguth, & Alonso, 1997; Moura & Lee, 2004). Assim, 31 recursos inacessíveis, como frutos encapsulados, são explorados utilizando-se ferramentas de quebra em períodos críticos de seca sazonal. Dada a ampla distribuição desta espécie em áreas savanóides no Brasil (Silva Jr, 2001), é de se esperar que a colonização dos manguezais por C. libidinosus do leste Amazônico (nordeste do estado do Maranhão) tenha ocorrido a partir das áreas de Caatinga do nordeste brasileiro, pelo Estado do Maranhão ou Piauí, ou a partir do Cerrado norte do Brasil, pelo estado do Maranhão, pois são as rotas mais próximas para o manguezal e prováveis áreas de dispersão. Neste caso, é possível que o repertório comportamental de uso de ferramentas tenha se desenvolvido sob influência da disponibilidade sazonal de recursos nas áreas de savana e esteja presente nos animais que colonizaram os manguezais. Seja qual for o fator causal, se há relação direta e estrita entre uso de ferramenta de quebra e ambiente savanóide para C. libidinosus, então o uso de ferramentas estará presente e disseminado no repertório comportamental dos animais que habitam os manguezais e que exploram recursos encapsulados. Deste modo, este estudo tem por principal objetivo verificar, de forma exploratória, se há indicativos de associação entre o uso de ferramentas de quebra no manguezal com o seu desenvolvimento em áreas savanóides e se diferenças na disponibilidade de recursos podem explicar o desenvolvimento deste comportamento por Cebus libidinosus no manguezal. Métodos Área de estudo O estudo foi conduzido em manguezais de dois estuários do nordeste do Maranhão, Brasil: o rio Preguiças (2º38'37,4”S; 42º41'36,1”W), no município de Barreirinhas, e o rio Novo (2º42’43.09”S; 42º31’05.98”W), no município de Paulino Neves (Figura 1A). Nesta região, o clima é caracterizado como tropical sazonal, com duas estações bem 32 definidas: uma estação chuvosa, que ocorre de janeiro a junho, e uma seca, de julho a dezembro. A temperatura é estável ao longo do ano com média anual de 26ºC e precipitação de 1.600 mm (IBAMA, 2003), abaixo das demais áreas litorâneas da costa Amazônica (Fisch et al., 1998). Um campo de dunas móvel com lagoas sazonais conhecido como Lençóis Maranhenses e uma extensa formação vegetacional de restinga (IBAMA, 2003; Floriani et al., 2004), de influência marinha, não colonizada por macacos-prego estão associados ao manguezal desta região. Esta paisagem separa os manguezais do rio Preguiças, do estuário mais próximo colonizado por C. libidinosus, o rio Novo, distante aproximadamente 20 km a leste da margem direita. A distribuição desta matriz no entorno destes manguezais configura também uma possível situação de potencial isolamento dos animais em relação às populações de terra firme do Cerrado norte do Brasil. A restinga é uma vegetação típica de área costeira e apresenta porte arbóreo baixo e comunidades arbustivas. Nesta região, as dunas de areia avançam sobre essa vegetação e o manguezal, dando origem a um campo de dunas conhecido como “Pequenos Lençóis”. Desse modo, estes dois estuários apresentam florestas de mangue caracterizadas por fragmentos naturais, florestas contínuas bem preservadas e ilhas colonizadas por diversos grupos de C. libidinosus. O manguezal é um ambiente florestal composto por vegetação com influência fluvio- marinha que, na costa Amazônica, está associado a um regime de marés semi-diurnas. Nesta região, várias espécies arbóreas associadas ao manguezal são conhecidas e há registro de seis espécies exclusivas no Maranhão as quais estão distribuídas nos gêneros Rhizophora (mangue vermelho), Avicennia (siriba) e Laguncularia (mangue branco) (Menezes et al., 2008), todos presentes no rio Preguiças (Floriani et al., 2004). As seis espécies deste estuário são: R. mangle, R. racemosa, R. harrissoni, A. germinans (Menezes et al., 2008), A. shaweriana e L. 33 racemosa (R.R.S., obs. pess.) e no rio Novo estão presentes R. mangle e L. racemosa. Em ambos os estuários são encontradas algumas espécies arbustivas e lianas. As áreas próximas em que o estudo foi realizado no rio Preguiças são constituídas por cinco pequenos povoados ocupados, cada um, por três (Espadarte, Vassouras e Recanto da Vassoura) e doze (Morro do Boi e Alazão) famílias permanentes e por pescadores nômades que habitam a margem direita. No rio Novo, as áreas de estudo ficam entre a cidade de Paulino Neves e um pequeno povoado, com aproximadamente dez famílias, conhecido como praia do Tatu. Em ambas as áreas os manguezais são utilizados ocasionalmente, e de forma restritiva, para a extração de madeira, que é utilizada na construção de cercas para a criação de animais e de casas típicas locais (ranchos de pesca). Entretanto, a exploração de crustáceos e moluscos em larga escala para fins comerciais não é praticada. Procedimentos Levantamento de grupos em manguezal associados ao uso de ferramentas Em função da lacuna de informações sobre a distribuição de C. libidinosus nos manguezais do litoral norte do Brasil, a taxonomia empregada neste estudo se baseia nas classificações de Rylands et al. (2000), Silva Jr (2001), Rylands (2004) e Rylands & Mittermeier (2009) e no mapa de distribuição de Cebus libidinosus em manguezais da costa Amazônica do Brasil (Capítulo 2). Com base neste mapa, foi realizado um diagnóstico preliminar nos dois estuários sobre as áreas de ocorrência de grupos de Cebus libidinosus, as quais foram georreferenciadas, e das áreas em que há registros de sítios de quebra associados ou não ao uso de ferramentas de quebra. Nesta etapa procurou-se verificar se o uso de ferramentas está difundido nos dois estuários ocupados por C. libidinosus. Neste caso, sítios de quebra são considerados como os locais onde C. libidinosus quebra carapaças de crustáceos (exoesqueletos) ou conchas de moluscos gastropoda durante o 34 consumo dos animais. Para isso, os
Compartilhar