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Catálise enzimática Apresentação Um catalisador é considerado um acelerador em uma reação química. Sua principal função é a redução da energia de ativação da reação, tornando mais fácil que reagentes se tornem produtos. Outra característica de qualquer catalisador é que ele não é consumido pela reação. Quando se fala de catálise enzimática, o que muda é que o catalisador é uma substância orgânica, normalmente uma proteína. Esses catalisadores apresentam algumas características que os diferenciam dos demais. Infográfico Uma função importante das enzimas no corpo humano é quebrar moléculas complexas em unidades menores, como as de carboidratos, gorduras e outras proteínas, que podem ser efetivamente absorvidas. De uma forma geral, as enzimas digestivas são produzidas naturalmente pelos órgãos do próprio sistema digestivo, e, no caso de qualquer adversidade que ocasione a falta de enzimas no corpo, é comum que problemas de digestão aconteçam. Neste Infográfico, você vai conferir o ciclo catalítico da sacarase, responsável pela quebra do açúcar em compostos menores. Conteúdo do livro As enzimas têm as mais diversas funções em nosso organismo e são essenciais para a vida. Elas estão presentes no nosso sistema digestivo, como a amilase (que age na digestão do amido) e a pepsina (que age na digestão de proteínas), ou, nos ruminantes, a celulase (que age na digestão de celulose). Elas atuam na contração muscular (miosina), como bombas iônicas nas membranas celulares, na transdução de sinais, entre centenas de outras funções. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. ( Catálise enzimática Luciano André Farina ) OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM · Diferenciar reações catalisadas de reações não catalisadas. · Identificar a influência de parâmetros físico-químicos na reação enzi- mática. · Reconhecer os mecanismos de catálise enzimática. Introdução Os catalisadores funcionam aumentando a velocidade das reações; já as enzimas são substâncias orgânicas, normalmente proteínas, que catalisam reações químicas. Ao se avaliar a equação global de uma reação qualquer, os catalisadores não aparecem como reagentes, ou aparecem tanto como reagentes quanto como produtos, pois eles participam da reação, mas não são consumidos. As enzimas, como catalisadores, também se comportam dessa forma. Uma vantagem importante das enzimas em relação aos catalisadores em geral é a especificidade, ou seja, elas costumam acelerar apenas um tipo de reação em específico, o que reduz a quantidade de subprodutos gerados. Neste capítulo, você vai revisar a importância dos catalisadores, com foco nas enzimas, entendendo os mecanismos da catálise enzimática e explorando os principais parâmetros físico-químicos envolvidos. 2 Catálise enzimática Reações com e sem catalisador Por natureza, todos devíamos buscar o equilíbrio. A termodinâmica e a fí- sico-química se baseiam nessa tendência da natureza por essa busca, e a melhor explicação que conseguimos dar é que os sistemas sempre buscam um estado com a menor energia possível. Em reações químicas, temos pro- dutos e reagentes, o que pode ser representado, muito simplificadamente, pela Equação 1: Reagentes → Produtos (1) Para que uma reação aconteça de forma natural, o nível energético dos produtos deve ser menor do que o nível energético dos reagentes. Podemos, então, pensar que quase todas as reações químicas aconteceriam de forma fácil, mas... na verdade, uma forma que a natureza encontrou de frear as reações, permitindo que os reagentes tenham certa estabilidade, foi complicar um pouco. A transformação de reagentes em produtos não é tão simples como mostrado; existem etapas intermediárias que precisam ser vencidas antes de os reagentes se tornarem produtos, e nessas etapas intermediárias nem sempre o estado energético será favorável à reação global. Assim, surge o que chamamos de energia de ativação. A Figura 1, a seguir, ilustra o caminho de uma reação, dando destaque para a energia de ativação. Figura 1. Caminho de uma reação. Embora a energia dos produtos seja menor do que a dos reagentes, para que aconteça a reação temos de vencer a barreira da energia de ativação, EA. Fonte: Adaptada de Rye et al. (2013). Catálise enzimática 3 A energia mais comumente fornecida para vencer a EA é o calor, mas outras propriedades podem facilitar o caminho da reação, como pressão, agitação e outros. Mesmo reações que liberam muita energia, ou seja, nas quais a energia dos produtos é muito menor do que a energia dos reagentes, precisam vencer essa barreira. Nossa conhecida reação de combustão não costuma acontecer se não for fornecida energia para iniciar, mas, depois de iniciada, a reação se mantém, mantida pela energia liberada na queima (pense em você tentando acender uma lareira). Quimicamente também é possível reduzir a barreira com o uso de cata- lisadores. Basicamente o que os catalisadores fazem é conduzir a reação por outras rotas reacionais, com menor energia de ativação. A equação da reação, de uma forma mais completa, pode ser escrita pelas Equações 2 e 3 da seguinte forma: R1 + R2 + ... + RX + IneS + Cat ↔ Int1 + Int2 + … + IntN+ Ines + DH1 (1) Int1 + Int2 + ... + IntN + Ines ↔ P1 + P2 + … + PY + SPs + IneS + Cat + DH2 (2) onde: · Ri são os reagentes, de 1 a X; · IneS são diversos inertes, que não participam da reação, mas podem atrapalhar o processo, ao reduzir as concentrações de reagentes, ou facilitar, aumentando a pressão, por exemplo; · Cat é o catalisador (note que ele aparece junto aos reagentes e também junto aos produtos); · Inti são produtos intermediários, de 1 a N; · DHi é a variação de energia em cada uma das reações intermediárias; a energia global da reação será a soma de todos os DHi; · Pi são os produtos da reação, de 1 a Y; · SPs são subprodutos gerados na reação; · O sinal ↔ nos lembra que as reações químicas são sempre reversíveis, ou seja, acontecem em ambos os sentidos. O papel do catalisador, foco do nosso estudo, é reduzir a energia de ativa- ção. A Figura 2, a seguir, mostra um comparativo simplificado dessa redução. 4 Catálise enzimática Figura 2. Comparativo do caminho da reação com e sem catalisador. Reparar que a energia inicial do sistema e a energia final não se alteram. Fonte: Adaptada de Rye et al. (2013). Em alguns casos sem um catalisador, uma reação química simplesmente não acontece, ou acontece tão lentamente que não percebemos, porém o principal efeito é diminuir o tempo para que o sistema entre em equilíbrio. Em presença de ácido sulfúrico, o etanol se decompõe em eteno e água, conforme a reação ilustrada na Equação 4, a seguir. Sem o ácido, não vemos essa reação, e o ácido não entra na estequiometria, tendo assim função de catalisador. H2SO 4, 170o C H3C− CH2OH H2C− CH2 + H2 O (4) Etanol Eteno Água A Figura 3, a seguir, compara o tempo de reação com e sem catalisador de forma genérica. Catálise enzimática 5 Figura 3. Comparativo do tempo de reação com e sem catalisador em um sistema genérico. Na Figura 3, vemos que o catalisador reduz o tempo para que cheguemos ao equilíbrio reacional, mas a quantidade de matéria com ou sem catalisador não se altera. O equilíbrio é caracterizado pela redução das taxas de mudança a tal ponto que não detectamos mais essas mudanças ao longo do tempo, no caso as variações de quantidade de matéria. As curvas são assintóticas, de forma que matematicamente o equilíbrio somente seria alcançado em um tempo infinito, mas, na prática, quando não conseguimos mais medir a variação com a tecnologia que dispomos, podemos considerar que já estamos na situação de equilíbrio. Na indústria, ainda, muitas vezes não é economi- camente viável aguardar o tempo para se atingir o equilíbrio, e o tempo de reação é abreviado pensando no ótimo entre custos e benefícios. 6 Catálise enzimática Enzimas Diversas reações em sistemas biológicos são catalisadas. Os catalisadores desses sistemas são chamados enzimas. Louis Pasteur identificou que algumfator catalisava seus experimentos de fermentação, e que esse fator estava presente somente em células vivas. Quem batizou o fator identificado por Pasteur com “enzima” foi o fisiologista alemão Wilhelm Kühne, em 1878. A palavra enzima vem de uma palavra grega que significa “em fermento”. Em 1897, Eduard Buchner provou que as enzimas também catalisam reações fora de células vivas, ao utilizar o que chamou de zimase para fermentar sacarose (SCHMIDT, 2000). Eduard Buchner nasceu em Munique, na Bavária, atual Alemanha. Suas descobertas valeram um Prêmio Nobel de Química, em 1907, “por suas pesquisas bioquímicas e sua descoberta da fermentação sem células” (THE NOBEL PRIZE, 2022, documento on-line, tradução nossa). De maneira geral, podemos afirmar que toda enzima é um catalisador, mas nem todo catalisador é uma enzima. Um catalisador não enzimático pode ser uma substância pura, normalmente elementos inorgânicos, como a sílica, o dióxido de manganês ou íons de cobre, ou ainda misturas, como o ferro-molibdênio. Ácidos são utilizados para catalisar a reação de hidró- lise, metais de transição são utilizados para reações redox, e reações com hidrogênio são catalisadas pela platina (SCHMIDT, 2000). O que conhecemos como catalisador automotivo é um equipamento que converte gases tóxicos do escapamento em componentes mais inocentes: o monóxido de carbono (CO) é oxidado a dióxido de carbono, no nosso conhecido gás carbônico (CO2), e os óxidos de nitrogênio (NOX) são decompostos nos gases nitrogênio e oxigênio. Os principais catalisadores químicos no catalisador automotivo usam o paládio e a platina (BOLDT; SILVA, 2014). Já as enzimas são proteínas (quase na sua totalidade, algumas poucas são oriundas do RNA), formadas por grupos de aminoácidos, que por sua vez são compostos por apenas quatro elementos químicos muito comuns na natureza: carbono (C), hidrogênio (H), nitrogênio (N) e oxigênio (O). Embora formadas por poucos elementos, as diferentes formas com que estes se ligam permitem um sem-fim de moléculas diferentes, de tal forma que cada enzima atua como Catálise enzimática 7 catalisador de uma reação química específica, e esta é a principal vantagem das enzimas quando comparadas a catalisadores inorgânicos. Por outro lado, a principal desvantagem das enzimas é sua sensibilidade a condições como temperatura e pH, principalmente. São conhecidas hoje mais de 2.000 enzimas, e cada uma atua em uma reação específica. As enzimas são feitas de longas cadeias de aminoácidos que se dobram umas sobre as outras, dando origem a uma estrutura globular. Por exemplo, uma estrutura de uma enzima específica, a alfa amilase — presente na saliva humana e responsável por quebrar, por hidrólise, ligações de polissacarídeos como o amido e o glicogênio em cadeias mais curtas —, é tão complexa que costuma ser representada esquematicamente como na Figura 4, a seguir. Figura 4. A complexa estrutura da alfa amilase, encontrada na sua saliva. Fonte: Mobini-Dehkordi e Afzal Javan (2013, p. 41). Os principais tipos de enzimas que auxiliam o metabolismo são listados a seguir. · Amilase — decompõe carboidratos ou amidos em moléculas de açúcar; sua deficiência pode levar à diarreia. · Lipase — decompõe gorduras, liberando colesterol, ácidos graxos e glicerol; sua deficiência leva à falta de vitaminas lipossolúveis no organismo. 8 Catálise enzimática · Protease — quebra as proteínas em aminoácidos (na indústria é utilizada na fabricação de queijos). · Lactase — quebra a lactose, o açúcar do leite, em glicose. Pessoas com deficiência de lactase têm o que chamamos de intolerância à lactose. Um pirulito exposto ao ar pode levar séculos para se decompor. Já ao entrar em contato com a saliva, as enzimas agem como catalisadores sobre o açúcar, criando moléculas que reagem mais facilmente com o oxigênio e permitem consumir o doce em minutos. Industrialmente, as enzimas também são bastante utilizadas. Veja, a seguir, algumas aplicações (RIGO et al., 2021). · A indústria de alimentos utiliza enzimas na conservação e na preser- vação das características dos produtos. Com enzimas ativadas por meio de alta pressão, é possível acelerar processos em alimentos sem lactose, na fabricação de pães e na de cerveja. · O tratamento de efluentes industriais usa determinadas enzimas em lagoas, leitos de lagos, reservatórios e na água resultante da atividade da indústria, degradando moléculas de gordura, corantes e material orgânico, e possibilitando que a água usada nos processos produtivos possa ser devolvida à natureza, minimizando os impactos. · Na indústria de papel e celulose, as enzimas auxiliam na melhorada qualidade do produto. · Na ainda recente indústria dos biocombustíveis, as enzimas permitema conversão das estruturas complexas da biomassa em etanol, reduzindo custos na produção de combustíveis a partir de resíduos agrícolas. As enzimas geralmente são maiores do que seus respectivos substratos. Apenas uma pequena parte de uma enzima participa de uma reação enzimática. O sítio ativo é onde os substratos se ligam à enzima para facilitar a reação. Catálise enzimática 9 Parâmetros físico-químicos na reação enzimática Conforme estudamos, as principais enzimas conhecidas estão presentes nos organismos vivos. Assim, foram “projetadas” para operar nas condições comuns dos seres vivos. As estruturas químicas complexas com alto peso molecular das enzimas e proteínas em geral podem, inclusive, se degradar em condições extremas. Os principais parâmetros que influenciam a atividade das enzimas são a temperatura, o pH e a concentração de substrato (reagentes). Efeito da temperatura Da mesma forma que a maior parte das reações de decomposição, nas quais temos quebra de moléculas reagentes para gerar os produtos — o tipo mais comum de ação das enzimas —, um aumento de temperatura tende a acele- rar as reações. Como regra geral, diz-se que um aumento de 10°C no meio reacional é capaz de duplicar a velocidade de reação. Em reações catalisadas por enzimas, porém, temos algumas diferenças importantes. Temperaturas elevadas, normalmente acima de 40°C, fazem com que a maioria das enzimas sofra desnaturação, que é a desorganização da sua complexa estrutura, e com isso temos a perda das funções catalíticas. O ponto ótimo de atividade das enzimas ocorre na temperatura de 36°C a 38°C, não por acaso a temperatura comum dos mamíferos em geral (os animais do Ártico têm enzimas adaptadas para terem temperaturas ótimas mais baixas, enquanto os animais em climas desérticos têm enzimas adaptadas a temperaturas mais altas). Em temperaturas abaixo de 0°C, as enzimas podem entrar em estado latente, quando não são efetivas, mas também não são destruídas (FEY, 2016). A Figura 5, a seguir, mostra o efeito da temperatura na atividade enzimática das reações. Relembrando, a atividade em uma reação é uma indicação de quanto produto é formado, ou quanto substrato é consumido, em determi- nado tempo. 10 Catálise enzimática Figura 5. Efeito da temperatura nas reações catalisadas por enzimas. Fonte: Chaves e Mello-Farias (2008, documento on-line). A faixa de operação é limitada pela baixa atividade, em temperaturas menores, e pela desnaturação, em temperaturas maiores. O ponto ótimo fica próximo do limite superior, o que pode ser considerado um desafio para a aplicação das enzimas na indústria. Imagine ter de controlar a temperatura de uma bacia de tratamento de efluentes. Vamos encontrar na literatura que muitas enzimas sofrem desna- turação somente acima de 45 ou mesmo 55ºC. É importante levar em conta que o processo de produção das enzimas pelo organismo é lento, e, assim, mesmo uma pequena, mas constante queda da sua quantidade pode levar a efeitos indesejados. Na Figura 6, podemos ver o efeito da desnaturação das proteínas em geral. Com a quebra de ligações, as estruturas tendem a perder a configuração enovelada e tridimensional original, e com isso suas propriedades também mudam. Quando as condições do meio são normalizadas, em alguns poucos casos as enzimaspodem recobrar sua forma original, mas na maioria dos casos as modificações são irreversíveis. A clara do ovo, formada basicamente de proteína (albumina), por exemplo, se solidifica ao ser cozida, mas não se liquefaz quando esfria (VOET; VOET, 2013). ( Desnaturação Proteína desnaturada Proteína na forma original )Catálise enzimática 11 Figura 6. Condições desfavoráveis levam à desnaturação das proteínas, incluindo as enzimas. Fonte: Adaptada de Voet e Voet (2013). Efeito do pH Cada enzima tem o seu pH, que mede a concentração de íons H+, específico para funcionar da melhor maneira. A pepsina, por exemplo, enzima digestiva que faz parte do suco gástrico, só atua em pH ácido em torno de 1,8 e 2,2; a tripsina do suco pancreático atua em meio alcalino, com pH de 8 a 9. A maioria das enzimas prefere um meio neutro, e algumas poucas se adaptam bem em uma faixa um pouco mais ampla. O Quadro 1, a seguir, mostra o pH para uma série de enzimas. Quadro 1. pH ótimo para diferentes enzimas Enzima pH ótimo Lipase (estômago) 4,0-5,0 Lipase (pâncreas) 8,0 Pepsina 1,5-1,6 Tripsina 7,8-8,7 Urease 7,0 Maltase 6,1-6,8 Amilase (pâncreas) 6,7-7,0 Amilase (malte) 4,6-5,2 Catalase 7,0 Invertase 4,5 Fonte: Adaptado de Worthington Biochemical Corporation (2021). 12 Catálise enzimática A melhor explicação para a influência do pH está no fato de que as cargas dos aminoácidos que formam a enzima são os reais responsáveis por atrair ou repelir os reagentes e produtos. Assim, meios ácidos ou alcalinos podem ajudar, ou atrapalhar, o funcionamento das enzimas como catalisadores (WORTHINGTON BIOCHEMICAL CORPORATION, 2021). Da mesma forma que ocorre em determinadas temperaturas, um pH ex- tremo também pode levar à desnaturação das enzimas. A Figura 7, a seguir, mostra o efeito do pH na atividade enzimática para um processo hipotético. Figura 7. Efeito do pH nas reações catalisadas por enzimas. Fonte: Chaves e Mello-Farias (2008, documento on-line). Em quase todos os processos biológicos, uma pequena variação no pH do meio pode levar a alterações significativas da velocidade das reações químicas envolvidas. Fernbach e Hubert, em 1900, em seus estudos focados na enzima estudando a amilase, descobriram que uma solução de ácido fos- fórico parcialmente neutralizado agia como uma “proteção contra mudanças abruptas na acidez e alcalinidade”. Suas descobertas levaram ao que hoje conhecemos como solução tampão (buffer solution, se você for pesquisar em inglês). A saliva funciona como uma solução tampão, neutralizando os ácidos presentes na boca e evitando o desenvolvimento da placa bacteriana. O pH normal da saliva varia entre 6,4 e 6,9 no intervalo entre as refeições e de 7,0 a 7,3 enquanto comemos (FIORUCCI; SOARES; CAVALHEIRO, 2001). Efeito da concentração de substrato Catálise enzimática 13 A velocidade da ação enzimática é diretamente proporcional à quantidade de substrato. Em poucas palavras: se não há reagente, não temos reação! Mas há um limite. Imagine uma certa quantidade de enzima. À medida que vamos colocando substrato em contato com a enzima, a concentração aumenta, e também a velocidade da reação... até que chegamos a uma velocidade limite, quando um aumento adicional na concentração do substrato não produz nenhuma mudança significativa. Neste ponto podemos imaginar que todos os sítios ativos da enzima têm substrato ligado a eles, e as moléculas da enzima estão saturadas com substrato. As moléculas de substrato em excesso não podem reagir até que o substrato já ligado às enzimas reaja e seja liberado, reagindo ou não (BALL; HILL; SCOTT, 2012). A Figura 8, a seguir, apresenta de forma simplificada o efeito da concen- tração de substrato na atividade enzimática. Figura 8. Efeito da concentração de substrato nas reações catalisadas por enzimas. Fonte: Chaves e Mello-Farias (2008, documento on-line). A Figura 8 apresenta o problema de forma simplificada. Em 1913, os pesqui- sadores Michaelis (bioquímico alemão) e Menten (médica, primeira mulher no Canadá a obter um doutorado) publicaram resultados com enorme influência no progresso da bioquímica, sendo citados ainda hoje, definindo a metodologia para experimentos de estado estacionário que permaneceu padrão por 100 anos, a partir do método de análise de taxa inicial (CORNISH-BOWDEN, 2015). 14 Catálise enzimática Mecanismos de catálise enzimática Exagerando, podemos dizer que cada enzima é única para uma determinada reação. Com sua estrutura tridimensional, os impedimentos estéricos, somente o substrato específico pode se aproximar do sítio ativo e reagir, gerando os produtos. Ao fim da reação, os produtos se soltam e a enzima volta ao seu estado original. O encaixe do substrato com a enzima normalmente acontece por meio de ligações covalentes transitórias. Para entender de forma simples, costumamos utilizar o que chamamos de modelo chave-fechadura, proposto em 1894 por Emil Fischer, no qual o sítio ativo da enzima tem a forma complementar à molécula do substrato, de modo que outras moléculas não teriam acesso a ela. Em 1958, Koshland e colaboradores desenvolveram outra teoria, batizada de “encaixe induzido”, que afirma que o substrato pode provocar pequenas alterações na estrutura da enzima. Com a teoria mais recente, mais aceita atualmente no mundo acadêmico, passamos a entender que a interação entre substrato e catalisador não é 100% rígida. Em ambos os casos, a enzima age na variação de entropia da reação, direcionando o substrato para que ele não colida de forma aleatória, aumentando a eficiência da reação (CHAVES; MELLO-FARIAS, 2008). A Figura 9, a seguir, mostra o modelo chave-fechadura. Figura 9. Modelo chave-fechadura. Catálise enzimática 15 A Figura 10 mostra o modelo do encaixe induzido. Repare na sutil modifi- cação na conformação geométrica da enzima para que o substrato consiga se encaixar. Poderíamos exagerar na modificação da forma, mas é importante notar que as alterações são realmente sutis, então pratique seus conheci- mentos de jogo dos 7 erros! Obs.: aqui só tem uma diferença. Figura 10. Modelo do encaixe induzido. A ação das enzimas por sua associação temporária com as moléculas que estão reagindo pode aumentar a velocidade das reações em até impressio- nantes de 1014 vezes (100.000.000.000.000 vezes!). A ligação com o substrato é relativamente forte, e assim as enzimas podem enfraquecer as ligações químicas do substrato, facilitando a formação de novas ligações. A ligação de moléculas específicas em locais específicos, os sítios de ativação, forma o que chamamos de complexo transitório, que ao fim do processo se desfaz, liberando os produtos e a enzima, em sua forma original (CHAVES; MELLO- -FARIAS, 2008). Como em outras reações químicas, as enzimas podem atuar em sequência, formando as chamadas vias metabólicas, passando por alguns intermediários. Revisando as equações de equilíbrio químico e os gráficos de energia de ativação (Figuras 1 e 2) apresentados no início do capítulo, podemos mostrar como acontece o caminho da reação, no caso de processos enzimáticos em mais de uma etapa, na Figura 11. 16 Catálise enzimática figura 11. Comparativo do caminho da reação com e sem catalisador para um processo que segue uma via metabólica com mais de uma etapa. Na Figura 11, a equação da reação química pode ser representada por E + S ↔ ES ↔ EP ↔ E + P1 + P2 onde E é uma enzima, S o substrato, ES um intermediário, EP um segundo intermediário, e P1 os produtos da reação. Repare que a enzima E aparece como reagente e como produto. Ainda vale salientar que a etapa em que temos o valor mais alto de energia vai corresponder ao limitante da reação (no caso da Figura 11, seria a etapa de transformação de ES para EP). O arranjo geométrico foi aqui apresentado no plano, para simplificar o entendimento, mas na verdade é tridimensional. Além dos efeitos geométricos, as enzimas apresentam, nesses sítios ativos, um arranjo adequado de carga elétrica e de regiões hidrofílicas (interagem com água) e hidrofóbicas(não interagem com água). Neste capítulo, nós revisamos o papel dos catalisadores nas reações químicas, aprendendo a diferenciar um catalisador enzimático de um não enzimático e entendendo as diferenças entre eles. Os conceitos das reações químicas são fundamentais para um engenheiro químico, sendo o seu grande diferencial em relação aos demais engenheiros. Químicos, farmacêuticos e bioquímicos também são profundos conhecedores desses temas, mas não é exclusivo destes. Durante nosso texto, referenciamos alguns médicos que trabalharam como pesquisadores e foram fundamentais para o entendimento das enzimas nos processos biológicos. As aplicações industriais foram con- sequência dessas descobertas. Dica do professor Uma das funções comuns das enzimas é a de quebrar moléculas complexas em moléculas menores, que podem ser processadas no nosso organismo ou em processos industriais. A amilase é uma enzima que catalisa a hidrólise do amido em açúcares. Nesta Dica do Professor, você vai explorar o histórico, a função e a forma da amilase, a primeira enzima pesquisada pelo ser humano e a mais importante na indústria. Você verá também que a pesquisa sobre as enzimas, que teve início nos anos 1800, ainda hoje é foco dos cientistas. Na prática Um papel importante que os técnicos têm na indústria é levar para a prática os conceitos teóricos estudados. Otimizar um processo produtivo faz parte do dia a dia — significa tornar o nosso processo melhor ou ótimo do ponto de vista econômico e ambiental. Sendo assim, o objetivo de uma otimização é fazer com que o processo fique mais enxuto e gere melhores resultados em menos tempo, utilizando menos recurso.