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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Propriedades e ações das enzimas .................... 6 3. Cinética enzimática .................................................17 4. Inibidores enzimáticos ...........................................20 5. Cofatores e coenzimas ..........................................24 Referências Bibliográficas ........................................27 3ENZIMAS E COENZIMAS 1. INTRODUÇÃO São duas as condições fundamentais para haver vida. Primeiro, o organis- mo deve ser capaz de se autorre- plicar; segundo, ele deve ser capaz de catalisar reações químicas com eficiência e seletividade. A impor- tância central da catálise pode pa- recer surpreendente, mas é fácil de demonstrar. Os sistemas vivos fazem uso da ener- gia do ambiente. Muitos humanos, por exemplo, consomem quantidades substanciais de sacarose (o açúcar comum) como combustível, geral- mente na forma de comidas e bebidas doces. A conversão de sacarose em CO2 e H2O, em presença de oxigênio, é um processo altamente exergônico, liberando energia livre que pode ser usada para pensar, mover-se, sen- tir gostos e enxergar. Entretanto, um saco de açúcar pode permanecer na prateleira por anos a fio sem qualquer conversão evidente em CO2 e H2O. Embora esse processo químico seja termodinamicamente favorável, ele é muito lento. Mesmo assim, quando a sacarose é consumida por seres humanos (ou por qualquer outro organismo), ela libera sua energia química em segundos. A diferença é a catálise. Sem catálise, as reações químicas como aquelas da oxidação da sacarose poderão não ocorrer na escala de tempo adequada e então não podem sustentar a vida. CONCEITO! Catálise, em química, é o aumento da velocidade de uma reação, devido à adição de uma substância (ca- talisador); sendo assim, a catálise pode ser simplesmente definida como sendo a ação do catalisador. Esta substância, que normalmente está presente em pequenas quantidades, pode ser recu- perada ao final da reação, não sendo consumida pela mesma. Por sua vez, as enzimas consistem nos catalisadores biológicos, as quais participam das rea- ções bioquímicas. Neste SuperMaterial, o foco se vol- tará para os catalisadores das re- ações dos sistemas biológicos: as enzimas, as proteínas mais notáveis e mais altamente especializadas. As enzimas têm um poder catalítico ex- traordinário, geralmente muito maior do que os catalisadores sintéticos ou inorgânicos. Elas têm um alto grau de especificidade para os seus respecti- vos substratos, aceleram as reações químicas e atuam em soluções aquo- sas sob condições suaves de tem- peratura e pH. Poucos catalisadores não biológicos têm esse conjunto de propriedades. Importância das enzimas As enzimas estão no centro de cada um dos processos bioquímicos. Atu- ando em sequências organizadas, elas catalisam cada uma das reações das centenas de etapas que degra- dam as moléculas dos nutrientes, que 4ENZIMAS E COENZIMAS conservam e transformam energia química e que constroem as macro- moléculas biológicas a partir de pre- cursores elementares. O estudo das enzimas tem imensa im- portância prática. Em algumas doen- ças, especialmente nas doenças ge- néticas hereditárias, pode haver uma deficiência ou mesmo ausência total de uma ou mais enzimas. Outras do- enças podem ser causadas pela ati- vidade excessiva de determinada en- zima. A determinação das atividades de enzimas no plasma sanguíneo, nas hemácias ou em amostras de tecidos é importante no diagnóstico de certas enfermidades. Muitos medicamentos agem por interação com enzimas. As enzimas também são ferramentas importantes na engenharia química, tecnologia de alimentos e agricultura. Perspectiva histórica Em grande parte, a história inicial da enzimologia, o estudo das enzimas, se confunde com a própria histó- ria da bioquímica. Essas disciplinas evoluíram juntas a partir das investi- gações feitas no século XIX sobre a fermentação e a digestão. Aceita-se amplamente que as pesquisas sobre a fermentação começaram em 1810 com a determinação, feita por Joseph Gay-Lussac, de que os principais produtos da decomposição do açúcar por leveduras são etanol e CO2. Jacob Berzelius, em 1835, na pri- meira teoria geral proposta para a catálise química, mostrou que um ex- trato de malte conhecido como dias- tase (agora sabe-se que contém a enzima α-amilase) catalisa a hidrólise do amido com mais eficiência do que o ácido sulfúrico. Mais ainda, embora os ácidos minerais mimetizem o efei- to da diastase, eles não são capazes de reproduzir a maioria das demais reações bioquímicas no laborató- rio, fato que levou Louis Pasteur, na metade do século XIX, a propor que o processo de fermentação ocorre- ria apenas em células vivas. Assim, como era comum naquela época, Pasteur supôs que os sistemas vivos seriam dotados de uma “força vital” que permitiria que eles se evadissem das leis da natureza que governam a matéria inanimada. Outros, entretan- to, notavelmente Justus von Liebig, argumentavam que os processos bio- lógicos eram causados pela ação de substâncias químicas que então eram conhecidas como “fermentos”. Na re- alidade, o nome “enzima” (do grego: en, no + zyme, levedura) foi cunha- do em 1878 por Friedrich Wilhelm Kühne, em uma tentativa de enfatizar que havia alguma coisa dentro das leveduras, que não a própria levedu- ra, que catalisaria as reações de fer- mentação. Todavia, foi somente em 1897 que Eduard Buchner obteve um extrato de levedura livre de cé- lulas capaz de executar a síntese do 5ENZIMAS E COENZIMAS etanol a partir da glicose (fermenta- ção alcoólica). A descoberta de Emil Fischer, em 1894, de que as enzimas glicolíticas podem diferenciar entre açúcares es- tereoisômeros levou à formulação da hipótese da chave e fechadura. A especificidade de uma enzima (a fe- chadura) por seu substrato (a chave) provém das suas formas geométricas complementares. Mesmo assim, até o século XX já estar bem avançado, a composição química das enzimas não estava firmemente estabelecida. James Sumner, em 1926, ao cristali- zar a primeira enzima, a urease do fei- jão-de-porco, que catalisa a hidrólise da ureia em NH3 e CO2, demonstrou que esses cristais eram constituídos de proteína. Como a preparação de Sumner era algo impura, a natureza proteica das enzimas não foi ampla- mente aceita até a metade da década de 1930, quando John Northrop e Moses Kunitz mostraram haver uma correlação direta entre as atividades enzimáticas de cristais de pepsina, tripsina e quimotripsina e as quan- tidades de proteínas presentes. Desde então experiências en- zimológicas têm demons- trado amplamente que as enzimas são prote- ínas (embora recen- temente foi mostrado que o RNA também pode ter propriedades catalíticas). Embora a enzimologia como área de estudo tenha uma história longa, a maioria dos conhecimentos sobre a natureza e as funções das enzimas é fruto do trabalho dos últimos 50 anos. Somente com o aparecimento das técnicas modernas para separa- ção e análise é que o isolamento e a caracterização de enzimas deixaram de ser uma tarefa monumental. Foi somente em 1963 que a primeira se- quência de aminoácidos de uma en- zima; da ribonuclease pancreática bovina A, foi completamente deter- minada. Apenas em 1965 foi eluci- dada a primeira estrutura por raios X de uma enzima; da lisozima da clara de ovo. Desde então, dezenas de mi- lhares de enzimas foram purificadas e caracterizadas em maior ou menor grau. Essa aventura da humanidade tem avançado aceleradamente. 6ENZIMAS E COENZIMAS SAIBA MAIS! Durante muito tempo, admitiu se que todos os catalisadores biológicos fossem proteínas. No início da década de 1980, entretanto, verificou-se que moléculas de RNA catalisavam rea- ções químicas celulares. A descoberta foi surpreendente e este tipo particular de catalisador recebeu o nome de ribozima. Comporta-se deforma semelhante às proteínas enzimáticas. Sua atuação nas reações metabólicas está restrita a alguns casos especiais, porém impor- tantes. Cerca de 10 anos depois da identificação das ribozimas, foram selecionados, in vitro, pequenos segmentos de DNA com atividade catalítica, as desoxirribozimas, que, todavia, não são encontradas na natureza. Diante da maior atuação das proteínas como enzimas, focaremos na atuação das mesmas nas reações bioquímicas do organismo. 2. PROPRIEDADES E AÇÕES DAS ENZIMAS Nomenclatura das Enzimas Muitas enzimas receberam seus no- mes pela adição do sufixo “ase” ao nome dos seus substratos ou a uma palavra que descreve sua atividade. Assim, a urease catalisa a hidrólise da ureia e a DNA-polimerase catalisa a polimerização de nucleotídeos para formar DNA. Outras enzimas foram batizadas pelos seus descobrido- res em razão de uma função ampla, antes que fosse conhecida a reação específica catalisada por elas. Por exemplo, uma enzima conhecida por atuar na digestão de alimentos foi de- nominada pepsina, do grego pepsis (digestão), e a lisozima foi denomina- da pela sua capacidade de lisar (de- gradar) a parede de bactérias. Outras foram ainda denominadas a partir de sua fonte: a tripsina, denominada em parte do grego tryein (desgastar), foi obtida esfregando tecido pancreáti- co com glicerina. Às vezes, a mesma enzima tem dois ou mais nomes, ou duas enzimas têm o mesmo nome. Devido a essa ambiguidade e tam- bém ao número cada vez maior de enzimas que são descobertas, os bio- químicos, por meio de um acordo in- ternacional, adotaram um sistema de nomenclatura e classificação de enzi- mas. Esse sistema divide as enzimas em seis classes, cada uma com sub- classes, com base nos tipos de rea- ções que catalisam (Tabela 1). Para cada enzima, são designados dois nomes e uma classificação de quatro números da Comissão de En- zimas (número E. C., do inglês Enzy- me Commission). O nome aceito ou o recomendado é conveniente para o uso cotidiano e geralmente foi o pri- meiro nome adotado. O nome siste- mático é usado para minimizar a am- biguidade. Ele é formado pelo nome do(s) substrato(s) da enzima, seguido 7ENZIMAS E COENZIMAS por uma palavra terminando em -ase, que especifica o tipo de reação que a enzima catalisa, de acordo com o gru- po de classificação principal. Como exemplo, o nome sistemáti- co da enzima que catalisa a reação ATP + D-glicose α ADP + D-gli- cose-6-fosfato é ATP: glicose-fos- fotransferase, indicando que ela catalisa a transferência de um grupo fosforribosil do ATP para a glicose. Seu número da Comissão de Enzi- mas é 2.7.1.1. O primeiro número (2) indica o nome da classe (transferase); o segundo número (7), a subclasse (fosfotransferase); o terceiro núme- ro (1), uma fosfotransferase que tem um grupo hidroxila como aceptor, e o quarto número (1), D-glicose como o aceptor do grupo fosforil. O nome co- mum desta enzima, que é usado com maior frequência, é hexocinase. NÚMERO DA CLAS- SE (1º NÚMERO E.C.) NOME DA CLASSE TIPO DE REAÇÃO CATALISADA 1 Oxidorredutases Transferência de elétrons (íons hidrido ou átomos de H) 2 Transferases Reações de transferência de grupos 3 Hidrolases Reações de hidrólise (transferência de grupos funcionais para a água) 4 Liases Clivagem de C–C, C–O, C–N ou outras ligações por eliminação, rom- pimento de ligações duplas ou anéis, ou adição de grupos a ligações duplas. 5 Isomerases Transferência de grupos dentro de uma mesma molécula produzin- do formas isoméricas 6 Ligases Formação de ligações C–C, C–S, C–O e C–N por reações de conden- sação acopladas à hidrólise de ATP ou cofatores similares Tabela 1. Classificação internacional das enzimas. Fonte: Nelson (2014) Interação entre a enzima e o seu substrato A catálise enzimática das reações é essencial para os sistemas vivos. Nas condições biológicas relevantes, as reações não catalisadas tendem a ser lentas – a maioria das moléculas bio- lógicas é muito estável nas condições internas das células com pH neutro, temperaturas amenas e ambiente aquoso. Além disso, muitos proces- sos químicos corriqueiros, como a for- mação transitória de intermediários instáveis carregados ou a colisão de duas ou mais moléculas exatamente na orientação exata necessária para que as reações ocorram, são desfa- voráveis ou improváveis no ambiente celular. As reações necessárias para digerir os alimentos, enviar sinais 8ENZIMAS E COENZIMAS nervosos ou contrair os músculos simplesmente não ocorrem em velo- cidades adequadas sem catálise. As enzimas contornam esses proble- mas ao proporcionarem um ambiente específico adequado para que uma dada reação possa ocorrer mais rapi- damente. A propriedade característi- ca das reações catalisadas por enzi- mas é que a reação ocorre confinada em um bolsão da enzima denomina- do sítio ativo (Figura 1). A molécula que liga no sítio ativo e sobre a qual a enzima age é denominada substrato. O contorno da superfície do sítio ativo é delimitado por resíduos de amino- ácidos com grupos nas cadeias late- rais que ligam o substrato e que ca- talisam a sua transformação química. Frequentemente, o sítio ativo engloba o substrato, sequestrando-o com- pletamente da solução. O complexo enzima-substrato, cuja existência foi primeiramente proposta por Charles- -Adolphe Wurtz em 1880, é funda- mental para a ação enzimática. Figura 1. Complexo enzima-substrato ilustrando a complementaridade física e geométrica entre enzima e substrato. Fonte: Voet (2013) As forças não covalentes por meio das quais os substratos e outras mo- léculas ligam-se às enzimas são, em caráter, similares às forças que de- terminam a própria conformação das proteínas: ambas envolvem intera- ções de van der Waals, eletrostáti- cas, hidrofóbicas e ligações de hi- drogênio. De uma maneira geral, um sítio de ligação de um substrato con- siste em uma reentrância ou fenda na superfície da molécula de enzima que é, na sua estrutura, complementar ao substrato (complementaridade geo- métrica). Além disso, os aminoácidos 9ENZIMAS E COENZIMAS que formam o sítio ativo estão orga- nizados de tal modo que interagem especificamente com o substrato de uma maneira que envolve atração (complementaridade eletrônica). As moléculas que diferirem do substrato quanto à forma ou à distribuição dos grupos funcionais não se ligarão pro- dutivamente à enzima, isto é, elas não formarão complexos enzima-substra- to que levem à formação de produtos. O sítio de ligação ao substrato, de acordo com a hipótese chave e fe- chadura, já existe mesmo na ausên- cia de ligação do substrato ou pode, como é sugerido pela hipótese do ajuste induzido, formar-se sobre o substrato à medida que ele se liga à enzima. Estudos por raios X indicam que os sítios de ligação ao substra- to da maioria das enzimas estão em grande parte pré-formados, mas a maioria deles apresenta ao menos algum grau de ajuste induzido ao se ligar ao substrato. Atuação das enzimas na cinética das reações Uma reação enzimática simples pode ser escrita como: E + S ⇌ ES ⇌ EP ⇌ E + P onde E, S e P representam enzima, substrato e produto, respectivamen- te; ES e EP são complexos transi- tórios da enzima com o substrato e com o produto. Para entender a catálise, deve-se pri- meiro avaliar a importância de distin- guir entre o equilíbrio e a velocidade de uma reação. A função do catali- sador é aumentar a velocidade da reação. A catálise não afeta o equi- líbrio da reação. Qualquer reação, como S ⇌ P, pode ser descrita por um diagrama de coordenadas da re- ação (Figura 2), que representa a va- riação de energia durante a reação. A energia é descrita nos sistemas bioló- gicos, em termos de energia livre, G. SAIBA MAIS! Para descrever a variação de energia livre das reações, químicos definiram um conjunto de condições padrão (temperatura de 298 K; pressão parcial de cada gás de 1 atm e concen- tração de cada soluto de 1 M) e expressam asmudanças de energia livre de um sistema reagindo sob essas condições como ΔG°, a variação de energia livre padrão. Uma vez que os sistemas bioquímicos geralmente envolvem concentrações de H+ muito abaixo de 1 M, bioquímicos definiram uma variação de energia livre padrão bioquímica, ΔG’°, a variação de energia livre padrão em pH 7,0. 10ENZIMAS E COENZIMAS No diagrama de coordenadas da re- ação, a energia livre do sistema é co- locada no gráfico em função do pro- gresso da reação (a coordenada da reação). O eixo horizontal (coorde- nada da reação) reflete as mudanças químicas progressivas (p. ex., quebra ou formação da ligação) à medida que S é convertido em P. O ponto de par- tida tanto da reação direta quanto da reação reversa é denominado esta- do fundamental, a contribuição que uma molécula (S ou P) fornece para a energia livre do sistema, sob dadas condições do sistema. Estado de transição S Estado fundamental P Estado fundamental Coordenada da reação En er gi a liv re , G Figura 2. Diagrama da coordenada da reação. Fonte: Nelson (2014) O equilíbrio entre S e P reflete a di- ferença entre as energias livres dos seus estados fundamentais. No exemplo mostrado na Figura 2, a energia livre do estado fundamental de P é menor do que a de S, e então ΔG’° para a reação é negativa (reação exergônica) e o equilíbrio favorece mais P que S. A posição e a direção do equilíbrio não são afetadas pe- los catalisadores. Porém, um equilíbrio favorável não significa que a conversão S → P ocor- ra em uma velocidade detectável. Um exemplo já dado é a conversão de sa- carose em CO2 e H2O, em presença de oxigênio; este é um processo al- tamente exergônico, porém, um saco de açúcar pode permanecer na pra- teleira por anos a fio sem qualquer conversão evidente em CO2 e H2O. Embora esse processo químico seja 11ENZIMAS E COENZIMAS termodinamicamente favorável, ele é muito lento. A velocidade da reação depende de um parâmetro totalmente diferente. Há uma barreira energética entre S e P: a energia necessária para alinhar os grupos reagentes, para a forma- ção de cargas instáveis transitórias, rearranjos de ligações e ainda outras transformações necessárias para que a reação ocorra em qualquer direção. Isso é ilustrado pela curva de ener- gia na Figura 2. Para que a reação ocorra, as moléculas devem suplan- tar essa barreira e atingir um nível de energia mais alto. O topo da curva de energia é um ponto a partir do qual o decaimento para o estado S ou para o estado P tem a mesma probabilidade de ocorrer (nos dois casos a curva é descendente). Isso é denominado es- tado de transição. O estado de tran- sição não é uma forma química com alguma estabilidade significativa e não deve ser confundido com os in- termediários da reação (como ES ou EP). CONCEITO! O estado de transição é um momento molecular transitório em que eventos como a quebra de ligação, a for- mação de ligação ou o desenvolvimento de carga ocorrem com a mesma proba- bilidade de seguirem tanto para formar novamente o substrato como para for- mar o produto. A diferença entre os níveis energéti- cos do estado basal e do estado de transição é a energia de ativação, ΔG‡. A velocidade da reação refle- te essa energia de ativação: uma energia de ativação maior corres- ponde a uma reação mais lenta. A velocidade da reação pode aumentar pela elevação da temperatura e/ou da pressão, o que aumenta o número de moléculas com energia suficiente para suplantar a barreira energética. Alternativamente, a energia de ativa- ção pode ser diminuída pela adição de um catalisador (Figura 3). Os ca- talisadores aumentam a velocida- de das reações por diminuírem as energias de ativação. As enzimas não são exceções à regra de que os catalisadores não afetam o equilíbrio da reação. As flechas bidi- recionais na equação (E + S ⇌ ES ⇌ EP ⇌ E + P) indicam isso: qual- quer enzima que catalise a reação S → P também catalisa a reação P → S. O papel da enzima é acelerar a in- terconversão entre S e P. A enzima não é gasta no processo e o ponto de equilíbrio não é afetado. Entre- tanto, a reação atinge o equilíbrio muito mais rapidamente quando a enzima apropriada estiver presen- te, pois a velocidade da reação é aumentada. 12ENZIMAS E COENZIMAS Figura 3. Diagrama da coordenada da reação comparando uma reação catalisada por enzima com uma não catalisa- da. Fonte: Nelson (2014) durante a reação catalisada pela enzima. Muitos tipos de reações quí- micas ocorrem entre substratos e grupos funcionais da enzima (cadeias específicas de aminoácidos, íons me- tálicos e coenzimas). Grupos funcio- nais catalíticos na enzima podem for- mar ligações covalentes transitórias com um substrato e ativá-lo para a reação, ou um grupo pode ser tran- sitoriamente transferido do substrato para a enzima. Geralmente, essas re- ações ocorrem apenas no sítio ativo da enzima. Interações covalentes en- tre enzimas e substratos diminuem a energia de ativação, acelerando a re- ação, por fornecerem condições para que a reação ocorra por uma via alter- nativa de baixa energia. Estado de transição S Estado fundamental P Estado fundamental Coordenada da reação En er gi a liv re , G Modo de ação das enzimas As enzimas são catalisadores extra- ordinários. O aumento de velocidade conferido pelas enzimas situa-se na faixa de 5 a 17 ordens de magnitu- de. As enzimas também são muito específicas, distinguindo facilmente substratos com estruturas muito se- melhantes. Como é que esse enorme e altamente seletivo aumento de ve- locidade pode ser explicado? Qual é a fonte de energia para essa grande diminuição nas energias de ativação de reações específicas? A resposta para essas questões tem duas partes distintas, embora interligadas. A primeira parte baseia-se no re- arranjo de ligações covalentes 13ENZIMAS E COENZIMAS A segunda parte da explicação fun- damenta-se em interações não co- valentes entre enzima e substrato. É importante lembrar que interações fracas não covalentes ajudam a esta- bilizar a estrutura das proteínas e as interações proteína-proteína. Essas mesmas interações são cruciais para a formação de complexos entre pro- teínas e moléculas pequenas, incluin- do os substratos de enzimas. Muito da energia necessária para diminuir a energia de ativação provém de in- terações fracas não covalentes entre substrato e enzima. O que realmente distingue as enzimas de outros cata- lisadores é a formação de um com- plexo ES específico. A interação entre substrato e enzima nesse complexo é mediada pelas mesmas forças que estabilizam a estrutura das proteí- nas, incluindo ligações de hidrogênio e interações hidrofóbicas e iônicas. A formação de cada interação fraca no complexo ES é acompanhada pela li- beração de uma pequena quantidade de energia livre que estabiliza a inte- ração. A energia proveniente da inte- ração enzima-substrato é denomina- da energia de ligação, ΔGB. O seu significado abrange mais que uma simples interação enzima-substrato. A energia de ligação é a principal fonte de energia livre utilizada pe- las enzimas para a diminuição da energia de ativação das reações. Dois princípios fundamentais in- ter-relacionados possibilitam uma explicação geral de como as enzi- mas utilizam a energia de ligação não covalente. • Muito do poder catalítico das enzi- mas provém basicamente da ener- gia livre liberada na formação de muitas ligações fracas e interações entre a enzima e seu substrato. Essa energia de ligação contribui tanto para a especificidade como também para a catálise. • Interações fracas são otimizadas no estado de transição da reação. Os sítios ativos das enzimas são complementares não aos subs- tratos por si mesmos, mas aos es- tados de transição pelos quais os substratos passam ao serem con- vertidos em produtos durante a re- ação enzimática. As interações fracas entre enzima e substrato são otimizadas no estado de transiçãoPara entendermos a ação das enzi- mas, considere, por exemplo, uma reação imaginária, a quebra de um bastão de metal magnetizado; a rea- ção não catalisada está mostrada na Figura 4a. Duas enzimas imaginárias – duas “bastonases” – poderiam ca- talisar essa reação. Ambas utilizam forças magnéticas como paradigma para a energia de ligação utilizada por enzimas reais. 14ENZIMAS E COENZIMAS A noção moderna da catálise enzi- mática, primeiramente proposta por Michael Polanyi (1921) e Haldane (1930), foi elaborada por Linus Pau- ling em 1946 e por William P. Jencks na década de 1970. Para poder ca- talisar reações, as enzimas devem ser complementares ao estado de transição da reação. Isso significa que interações ótimas entre substra- tos e enzimas só ocorrem no estado de transição. A Figura 4b demonstra como uma enzima dessas pode funcionar. O bastão de metal liga-se à bastona- se, mas apenas um subconjunto das interações magnéticas possíveis é usado para formar o complexo ES. O substrato ligado ainda deve ter au- mento na energia livre para atingir o estado de transição. Agora, entretan- to, o aumento de energia livre neces- sário para tensionar o bastão em uma curvatura e quebrar parcialmente a conformação é compensado (“pago”) pelas interações (energia de liga- ção) que se formam entre a enzima e o substrato no estado de transição. Muitas dessas interações envolvem partes do bastão distantes do ponto de quebra. Assim, as interações en- tre a bastonase e as regiões não rea- gentes do bastão fornecem parte da energia necessária para catalisar a quebra do bastão. Figura 4. Proposta de uma enzima imaginária (bastonase) que catalise a quebra de um bastão metálico. Fonte: Adap- tado de Nelson (2014) 15ENZIMAS E COENZIMAS agem segundo um princípio análogo. No complexo ES há a formação de interações fracas, mas a completa complementaridade entre o subs- trato e a enzima ocorre apenas quando o substrato estiver no es- tado de transição. Esta hipótese do ajuste da enzima ao substrato na sua conformação de transição é chamada de hipótese do ajuste induzido. A energia livre (energia de ligação) liberada durante a formação dessas interações compensa parcialmente a energia necessária para atingir o topo da curva de energia. A soma da energia de ativação ΔG‡ desfavorável (positiva) e a energia de ligação favo- rável ΔGB (negativa) resulta em uma redução líquida da energia de ativa- ção (Figura 5). SE LIGA! Antes da quebra, o bastão primeiro deve ser curvado (o estado de transição). Uma enzima com bolsão complementar ao estado de transição da reação ajuda a desestabilizar o bas- tão, contribuindo para a catálise da re- ação. A energia de ligação das intera- ções magnéticas compensa o aumento da energia livre necessária para curvar o bastão. Os diagramas das coordena- das das reações (à direita) mostram as consequências energéticas da comple- mentaridade ao estado de transição (os complexos EP estão omitidos). ΔGM, a diferença entre as energias dos estados de transição da reação catalisada e da não catalisada, reflete a contribuição das interações magnéticas entre o bastão e a bastonase. Esse “pagamento de energia” tradu- z-se em diminuição efetiva na ener- gia de ativação e aumento na velo- cidade da reação. As enzimas reais Coordenada da reação En er gi a liv re , G P S Figura 5. Papel da energia de ligação na catálise. Fonte: Nelson (2014) 16ENZIMAS E COENZIMAS Fatores que interferem na atividade enzimática: pH e temperatura A estrutura e a forma do sítio ativo são uma decorrência da estrutura tridimensional da enzima e podem ser afetadas por quaisquer agentes capazes de provocar mudanças na conformação da proteína. Isto torna a atividade enzimática dependente das características do meio, notadamente do pH e da temperatura. As considerações referentes a am- plas variações de pH são pertinentes ao estudo da atividade enzimática in vitro. Os seres vivos têm suas rea- ções ocorrendo em ambiente tampo- nado, já que todas as células dispõem de mecanismos para manutenção do pH. Mesmo assim, microambientes celulares podem apresentar peque- nas variações de pH que afetam a atividade das enzimas e que servem para o controle de sua ação. A tem- peratura tem influência decisiva so- bre a distribuição geográfica dos se- res vivos. Microrganismos, vegetais e animais ectotérmicos têm suas ativi- dades vitais inteiramente dependen- tes da temperatura ambiente; aves e mamíferos, endotérmicos, são menos afetados. pH do meio: Para a maioria das enzi- mas existe um valor de pH no qual a sua atividade é máxima - a velocida- de da reação diminui à medida que o pH se afasta desse valor ótimo. Ele é característico para cada enzima, mas, com frequência, está próximo do pH neutro. A influência do pH sobre a catálise enzimática pode ser melhor compreendida lembrando que as en- zimas apresentam grupos ionizáveis nos resíduos de aminoácidos. Alguns destes grupos podem fazer parte do sítio ativo ou serem importantes na manutenção da estrutura espacial da molécula. Existe uma concentração hidrogeniônica que propicia um de- terminado arranjo de grupos protona- dos e desprotonados que leva a mo- lécula de enzima à conformação ideal para exercer seu papel catalítico. Este pH ótimo decorre do número e tipo de grupos ionizáveis que uma enzima apresenta e da sequência em que es- tão organizados, ou seja, depende de sua estrutura primária. Por outro lado, quando o substrato contém grupos ionizáveis, as varia- ções de pH também poderão afetar suas cargas. A eficiência da catálise dependerá, então, de encontrarem- -se, enzima e substrato, com confor- mação e carga adequadas para per- mitir a interação. Temperatura: A velocidade de rea- ção enzimática, a 0°C, apresenta va- lores próximos de zero. A elevação da temperatura aumenta a velocida- de somente enquanto a enzima con- servar sua estrutura nativa. Acima de 50 - 55°C, a maioria das enzimas são desnaturadas, acarretando a per- da do poder de catálise. Entre 0°C e 17ENZIMAS E COENZIMAS 50°C, vive a grande maioria dos seres vivos; há entretanto, exceções, entre as quais a mais notável é representa- da por bactérias que vivem em águas termais, com temperaturas ao redor de 100°C. 3. CINÉTICA ENZIMÁTICA Um fator-chave que afeta a velocida- de das reações catalisadas por enzi- mas é a concentração do substrato, [S]. Entretanto, o estudo dos efeitos da concentração do substrato é com- plicado pelo fato de [S] modificar-se durante o curso de uma reação in vi- tro à medida que o substrato é con- vertido em produto. Uma abordagem que simplifica os experimentos de cinética enzimática é medir a velo- cidade inicial, designada como V0. Em uma reação típica, a enzima pode estar presente em quantidades nano- molares, enquanto [S] pode estar em uma ordem de magnitude cinco ou seis vezes maior. Se apenas o início da reação for monitorado (frequente- mente os primeiros 60 segundos, ou menos), a mudança em [S] pode estar limitada a alguns poucos pontos per- centuais e [S] pode ser considerada constante. V0 pode ser explorado em função de [S], que é ajustada pelo in- vestigador. O efeito da variação de [S] sobre V0 quando a concentra- ção da enzima é mantida constante está mostrado na Figura 6. Em concentrações relativamente bai- xas de substrato, V0 aumenta quase linearmente com o aumento de [S]. Em altas concentrações de substrato, V0 aumenta em pequenas quantida- des em resposta ao aumento da [S]. Enfim, é atingido um ponto além do qual o aumento de [S] leva a um au- mento insignificantemente pequeno em V0. Essa região de V0 tipo platô está próxima à velocidade máxima, Vmáx. O complexo ES é a chave para en- tender este comportamento catalí- tico, e por isso foi o ponto inicial da nossa discussão sobre catálise. O pa- drão da cinética mostrada na Figura 6 levou Victor Henri, seguindo o ca- minho proposto por Wurtz, a propor, em 1903, que a combinaçãode uma enzima com a molécula do subs- trato formando um complexo ES é uma etapa necessária na catálise enzimática. Essa ideia foi ampliada em uma teoria geral de ação de enzi- mas, particularmente por Leonor Mi- chaelis e Maud Menten, em 1913. Os dois postularam que a enzima primei- ramente combina-se de modo rever- sível com o substrato, formando um complexo enzima-substrato em uma etapa reversível e relativamente rápi- da: E + S ⇌ ES. Então, o complexo ES é rompido em uma segunda etapa mais lenta, fornecendo a enzima livre e o produto P: ES ⇌ E + P Uma vez que a segunda reação, por ser mais lenta, limita a velocidade da 18ENZIMAS E COENZIMAS reação total, a velocidade total deve ser proporcional à concentração das espécies que reagem na segunda etapa, isto é, ES. Em determinado instante de uma re- ação catalisada por enzima, a enzima existe em duas formas, na forma livre ou não combinada (E) na forma com- binada (ES). Em baixa [S], a maior parte da enzima está na forma não combinada E. Assim, a velocidade é proporcional à [S] porque o equilíbrio da equação E + S ⇌ ES é deslocado na direção da formação de mais ES à medida que [S] aumenta. Ou seja, a velocidade de formação do comple- xo ES aumenta com o incremento de substrato no meio. A velocidade ini- cial máxima de uma reação catalisada (Vmáx) ocorre quando quase toda a enzima estiver presente como com- plexo ES e [E] é desprezível. Nessas condições, a enzima está “saturada” com o substrato, e então um incre- mento de [S] não produz efeito na ve- locidade. Essa condição ocorre quan- do [S] for alta o suficiente para que essencialmente toda a enzima livre se converta na forma ES. Após o rompimento do complexo ES, fornecendo produto (P), a enzima fica livre para catalisar a reação de mais uma molécula do substrato (e sob condições saturantes segue fazendo isso rapidamente). O efeito da satu- ração é uma característica que dife- rencia a catálise enzimática, sendo responsável pelo platô observado na Figura 6. Às vezes, o padrão mostra- do na Figura 6 é denominado ciné- tica de saturação. Figura 6. Efeito da concentração do substrato sobre a velocidade inicial de uma reação catalisada por enzima. Fonte: Nelson (2014) A curva que expressa a relação en- tre [S] e V0 (Figura 6) tem a mesma forma geral para a maioria das enzi- mas (aproximadamente uma hipér- bole retangular) e pode ser expressa algebricamente pela equação de Mi- chaelis-Menten. Michaelis e Menten deduziram essa equação partindo da sua hipótese básica de que a etapa limitante da velocidade em uma re- ação enzimática é a quebra do com- plexo ES em produto e enzima livre. A equação é: V0 = Vmáx[S] / Km + [S] A constante de Michaelis Menten (Km) é numericamente igual à concentração de substrato que 19ENZIMAS E COENZIMAS determina a metade da velocidade máxima, o que permite a determi- nação experimental desta constan- te. As enzimas que seguem a lógica da equação de Michaelis-Menten são chamadas de enzima Michaelianas. Elas possuem apenas um sítio-ati- vo e sua cinética depende somente da presença ou não do substrato no meio. As enzimas que possuem mais de um sítio-ativo são chamadas de enzimas não-Michaelianas ou alostéricas. Elas não obedecem a equação de Mi- chaelis-Menten. Os sítios adicionais são sítios reguladores, chamados de alostéricos. A cinética destas enzi- mas é modulada a partir da ligação de uma substância (um neurotrans- missor, um hormônio, um mensagei- ro intracelular, etc.) ao sítio alostéri- co, atuando na dependência desta ligação, além da própria presença do substrato. Por conta disso, sua curva de cinética não segue o padrão da curva da Figura 6. SE LIGA! O valor do Km indica o grau de afinidade da enzima pelo substrato. Recordando o conceito de que o Km é a concentração do substrato necessária para que a enzima atinja a metade de sua Vmáx de reação, podemos observar num gráfico Velocidade x Substrato (Fi- gura 7), que quanto menor o Km, menor a quantidade de substrato necessária para atingir esta velocidade, o que deno- ta maior afinidade da enzima em ques- tão com seu substrato. Ou seja, quanto menor o Km de uma enzima, maior é sua afinidade com seu substrato. Figura 7. Comparação da cinética de três enzi- mas com Km progressivamente maiores. 20ENZIMAS E COENZIMAS 4. INIBIDORES ENZIMÁTICOS A atividade enzimática pode ser di- minuída pela ação de substâncias, genericamente chamadas de inibi- dores. Algumas destas substâncias são constituintes normais das células, outras são estranhas aos organis- mos. Os inibidores enzimáticos en- contrados nas células que cumprem um papel regulador importante são designados alostéricos. Como es- tes inibidores são produzidos pelas próprias células, a variação de sua MAPA MENTAL CINÉTICA ENZIMÁTICA Velocidade da reação enzimática X Concentração do substrato no meio CINÉTICA ENZIMÁTICA A velocidade de formação do complexo enzima-substrato aumenta com o incremento de substrato no meio Quando a enzima se encontra saturada, acréscimos subsequentes na concentração do substrato leva a um aumento insignificantemente pequeno da velocidade de reação. Esta é a velocidade máxima (Vmáx) da reação enzimática A constante de Michaelis- Menten (Km) é numericamente igual à concentração de substrato que determina a metade da velocidade máxima da reação enzimática O valor do Km indica o grau de afinidade da enzima pelo substrato Quanto menor o Km, menor a quantidade de substrato necessária para atingir a Vmáx/2, o que denota maior afinidade da enzima em questão com seu substrato 21ENZIMAS E COENZIMAS concentração é um recurso por elas largamente empregado no controle da velocidade das reações. Adicionalmente, o uso in vitro de ini- bidores tem trazido um enorme vo- lume de conhecimento sobre a es- trutura das enzimas, a organização do centro ativo, o mecanismo de ca- tálise etc., além de contribuir para a elucidação da sequência de reações que compõem uma via metabólica. A possibilidade de inibir reações enzi- máticas é também um campo aberto para aplicações farmacológicas. Mui- tos medicamentos de uso corrente na prática terapêutica baseiam suas propriedades na inibição específica de certas enzimas. Embora exista grande variação quan- to aos mecanismos de inibição, po- de-se agrupar os inibidores em duas grandes categorias, irreversíveis e re- versíveis, segundo a estabilidade de sua ligação com a molécula de enzi- ma. Os inibidores irreversíveis rea- gem com as enzimas, levando a uma inativação praticamente definitiva. Alguns exemplos são os compostos organofosforados, que constituem o princípio ativo de muitos inseticidas; eles formam ligações covalentes com o grupo OH de resíduos de serina. Os inibidores reversíveis são clas- sicamente divididos em três grupos: os competitivos, os não competi- tivos e os mistos, que podem atuar como inibidores competitivos e não competitivos. Inibidores reversíveis competitivos Os inibidores competitivos (IC), por apresentarem configuração espacial semelhante à do substrato, são ca- pazes de ligarem-se ao centro ativo da enzima, produzindo um comple- xo enzima inibidor (EIC) (Figura 8). A constante de equilíbrio da reação E + Ic ⇌ EIC é chamada de constan- te do inibidor (KI), e mede a afinida- de da enzima pelo inibidor, como o Km mede a afinidade da enzima pelo substrato. O complexo EIC jamais gera produto e a atividade enzimática ficará diminuída proporcionalmente à fração de enzima que estiver ligada ao inibidor. Uma vez que este tipo de inibidor se liga ao mesmo sítio onde se liga o substrato, a ligação do ini- bidor e a ligação do substrato a uma dada molécula de enzima são even- tos mutuamente exclusivos. Quando a molécula da enzima é libe- rada (seja por dissociação do comple- xo EIC ou por decomposição do com- plexo ES em E + P), ela irá associar-se a novas moléculas de substrato ou de inibidor, com uma probabilidade que dependeráde suas concentrações e das afinidades entre a enzima e o substrato e entre a enzima e o ini- bidor. Em concentrações baixas de substrato, será encontrada uma fra- ção das enzimas associada ao subs- trato (gerando produto) e uma fração ligada ao inibidor e a velocidade da 22ENZIMAS E COENZIMAS reação ficará reduzida. Se a concen- tração do substrato for muito grande em relação à concentração do inibi- dor competitivo, a probabilidade de formação do complexo ES é pratica- mente 100%, e tudo se passa como se não houvesse inibidor presente no meio de reação. A velocidade máxi- ma da reação será idêntica à veloci- dade máxima da reação na ausência do inibidor, mas só será obtida com concentrações de substrato maiores do que as da reação não inibida. Por outro lado, se a concentração do inibidor competitivo for exagerada- mente alta em relação à concentração do substrato, a probabilidade de a en- zima livre ligar-se ao substrato será, praticamente, nula e a velocidade da reação será zero. Visto que mesmo na presença de ini- bidor competitivo a velocidade máxi- ma pode ser atingida, há, neste caso, uma aparente alteração do valor do Km, que parece maior do que o da reação sem inibidor. Ou seja, o ini- bidor competitivo atua diminuindo a afinidade da enzima com o seu substrato. É claro, entretanto, que este valor não pode ser usado como uma medida de Km, cuja determi- nação deve ser feita na ausência de inibidores. A nova constante, medida em presença de inibidores, é chama- da Km aparente. Figura 8. Inibição competitiva de uma enzima. Fonte: Nelson (2014) Inibidores reversíveis não-competitivos Os inibidores pertencentes a esta classe não guardam qualquer seme- lhança estrutural com o substrato da reação que inibem. Seu efeito é pro- vocado por ligação a grupamentos que não pertencem ao centro ativo (Figura 9); esta ligação altera a es- trutura enzimática a tal ponto que in- viabiliza a catálise. O ponto de ligação do inibidor não competitivo (INC) é 23ENZIMAS E COENZIMAS a cadeia lateral de um aminoácido (o grupo OH de serina, ou o grupo SH de cisteína, por exemplo). Como estes grupos são frequentes nas enzimas, a ação de inibidores não competitivos é bastante inespecífica, o mesmo ini- bidor podendo atuar sobre um gran- de número de enzimas (ao contrário do que ocorre com os inibidores com- petitivos). A reação do inibidor não competitivo com a enzima pode ser representada por: E + INc ⇌ EINC O que diferencia este tipo de inibidor dos inibidores irreversíveis é que, no caso destes últimos, uma molécula enzimática ligada ao inibidor está de- finitivamente inativada, enquanto, no caso dos inibidores reversíveis não competitivos, uma molécula de en- zima, que em um instante está liga- da ao inibidor (inativa), pode encon- trar-se livre (ativa) em um momento seguinte. Sendo assim, o fato de a ligação do inibidor não competitivo à molécula de enzima ser reversível não diminui seu poder de ação. Como o sítio de ligação do inibidor não competitivo é diferente do sítio ativo, em alguns casos é possível a ligação concomitante de inibidor e substra- to à enzima, formando um comple- xo ternário ESINC, incapaz de gerar produto. Na presença de um inibidor não competitivo, tudo se passa como se efetivamente houvesse uma con- centração menor de enzimas. Uma vez que a velocidade da reação en- zimática é diretamente proporcional à concentração de enzimas ativas, a velocidade de reação será menor do que na ausência do inibidor para qualquer concentração de substra- to; é claro que a velocidade máxima da reação também será reduzida. Ainda mais, já que o substrato e o inibidor não-competitivo não compe- tem pelo mesmo sítio de ligação na enzima, aumentos na concentração do substrato não podem anular ou mesmo atenuar o efeito do inibidor. As características descritas permitem prever, para o inibidor não competiti- vo, uma cinética diferente da do ini- bidor competitivo. Além disso, com inibidores não competitivos, o valor do Km aparente coincide com o va- lor do Km. Isto porque as velocida- des medidas resultam da ação de enzimas que não estão ligadas ao inibidor e que conservam a mesma afinidade pelo seu substrato. SE LIGA! No caso da inibição não com- petitiva, a constante de dissociação do complexo EINC e a própria concentração do inibidor interferem no valor de Vmáx, e não no de Km, ao contrário do que ocorre com o inibidor competitivo. 24ENZIMAS E COENZIMAS Figura 9. Inibição não competitiva de uma enzima. Fonte: Nelson (2014) 5. COFATORES E COENZIMAS A maioria das enzimas necessita da associação com outras moléculas ou íons para exercer seu papel catalítico. Esses componentes da reação enzi- mática são genericamente chama- dos cofatores. Os cofatores podem ser íons metálicos ou moléculas orgâ- nicas, não proteicas, de complexidade variada, que recebem o nome de co- enzimas. Íons metálicos como Zn2+, Fe2+, Cu2+ e Co2+ costumam fazer parte da estrutura da enzima ou por ligarem-se a cadeias laterais de ami- noácidos, frequentemente perten- centes ao sítio ativo da enzima, ou por estarem presentes em grupos pros- téticos como, por exemplo, o heme. Outros íons metálicos como Na+, K+, Mg2+, Mn2+e Ca2+ associam-se fraca e reversivelmente à enzima, ao substrato ou à co- enzima. É o caso de reações catalisadas por quinases, que utilizam como co- enzima o comple- xo ATP–Mg2+: na ausência de Mg2+, o ATP não se liga à enzima. As coenzimas atu- am como aceptores de átomos ou gru- pos funcionais do substrato em uma dada reação e como doadores destes mesmos grupos ao participarem de outra reação e, por isto, diz-se que as coenzimas são transportadoras de determinados grupos (Tabela 2). Durante a catálise, coenzima e subs- trato acham se alojados no centro ati- vo da enzima, consistindo a reação na remoção de um grupo químico do substrato e sua transferência para a coenzima, ou vice versa. Fica evidente que as coenzimas não apenas sofrem modificações em sua estrutura ao participar de uma reação enzimática, mas são necessárias em quantidades estequiométricas em re- lação ao substrato. Todavia, o fato de as coenzimas serem constantemente recicladas, oscilando entre duas for- mas, permite que suas concentrações celulares possam ser bastante redu- zidas, muito menores do que as con- centrações de substrato. 25ENZIMAS E COENZIMAS Nem sempre é imediata a distinção entre substrato e coenzima. Um cri- tério diferencial é o fato de, em rea- ções metabólicas subsequentes, o substrato sofrer novas alterações, enquanto a coenzima volta à sua forma original. A coenzima pode en- contrar-se covalentemente ligada à molécula enzimática, constituindo um grupo prostético, como a flavina ade- nina dinucleotídio (FAD), uma coenzi- ma transportadora de hidrogênio. Ou a coenzima pode ser uma molécula “livre”, reunindo-se à enzima apenas no momento da catálise, como acon- tece com a nicotinamida adenina di- nucleotídio (NAD+). Algumas coenzimas, como o ATP e o GTP, são integralmente sintetizadas pelas células. Outras apresentam em sua molécula um componente orgâ- nico que não pode ser sintetizado pelos animais superiores. Este com- ponente, ou um seu precursor, deve então ser obtido da dieta, constituin- do uma vitamina. As vitaminas são compostos orgânicos sintetizados por plantas ou microrganismos, indis- pensáveis ao crescimento e às fun- ções normais dos animais superiores. Ao contrário de carboidratos, proteí- nas e lipídios, são requeridos na die- ta em pequenas quantidades (micro- gramas ou miligramas diários), já que são precursores de coenzimas, cujas concentrações celulares são muito pequenas, por serem constantemen- te recicladas. COENZIMA GRUPO TRANSPORTADO VITAMINA Adenosina trifosfato (ATP) Fosfato ------------------- Tiamina pirofosfato (TPP) Aldeído Tiamina (B1 ) Flavina adenina dinucleotídio (FAD) Hidrogênio Riboflavina (B2) Nicotinamida adenina dinucleotídio (NAD)Hidreto Nicotinamida (B3 ) Coenzima A Acila Ácido pantotênico (B5 ) Piridoxal-fosfato Amino Piridoxina (B6 ) Biotina CO2 Biotina (B7 ) Tetraidrofolato Carbono Ácido fólico (B9 ) Metilcobalamina Metil Cobalamina (B12) Tabela 2. Grupos transportados por coenzimas e vitaminas presentes em suas moléculas. Fonte: Nelson (2014) 26ENZIMAS E COENZIMAS MAPA MENTAL FINAL Os substratos interagem com os sítios ativos das enzimas através de complementaridade geométrica e complementaridade eletrônica ENZIMAS E COENZIMAS Hipótese do ajuste induzido Catálise: É o aumento da velocidade de uma reação, devido à adição de uma substância (catalisador) A estrutura e a ação enzimática são uma decorrência da estrutura tridimensional da enzima e podem ser afetadas por alterações no pH e da temperatura do meio Cofatores são íons ou moléculas cuja sua associação com as enzimas é necessária para que elas exerçam o seu papel catalítico Inibidores enzimáticos As enzimas consistem nos catalisadores biológicos, as quais participam das reações bioquímicas Os catalisadores aumentam a velocidade das reações por diminuírem as energias de ativação das reações A energia de ligação é a principal fonte de energia livre utilizada pelas enzimas para a diminuição da energia de ativação das reações. Coenzimas são moléculas orgânicas, não proteicas, que atuam como cofatores Inibidores Irreversíveis Inibidores Reversíveis Inibidor Misto Inibidor Não Competitivo Inibidor Competitivo Atua diminuindo a velocidade de reação máxima enzimática Atua diminuindo a afinidade da enzima com o seu substrato 27ENZIMAS E COENZIMAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Marzzoco A, Torres BB. Bioquímica Básica. 4. ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Nelson DL, Cox MM. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 6. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2014. Voet D, Voet JG. Bioquímica. 4. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2013. 28ENZIMAS E COENZIMAS
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