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FILOSOFIA DA FELICIDADE AULA 1 – QUAL A FINALIDADE DA VIDA HUMANA? - Por que felicidade? - Aristóteles e a Eudaimonia; - Prazeres, honras e riquezas como meio para a felicidade. Material de apoio - Ler artigo sobre a vida de Aristóteles e seu pensamento sobre a Felicidade: http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/A-eudaimon%C3%ADa- aristotélica-a-felicidade-como-fim-ético.pdf - Ver o filme “À procura da felicidade” AULA 2 – OS PRAZERES SÃO INDISPENSÁVEIS PARA A FELICIDADE? - Epicuro e sua reflexão sobre prazeres; - Sêneca e a tranquilidade da alma. Material de apoio: - “Carta sobre a Felicidade” de Epicuro a Meneceu https://criticanarede.com/meneceu.html - Principais ideias da obra “Sobre a tranquilidade da aula” de Sêneca: https://www.estoico.com.br/1605/resenha-sobre-a-tranquilidade-da-alma-seneca/ - Ver o filme “Na natureza selvagem”. AULA 3 – A FELICIDADE EXCLUI O SOFRIMENTO? - A relação entre desejo e tédio para Schopenhauer; - Felicidade no real e não no ideal, segundo Nietzsche. Material de apoio: - “Dez Conselhos de Schopenhauer para a felicidade” https://www.aconsolacaodafilosofia.com/post/dez-conselhos-de-schopenhauer-para-a- felicidade - https://universodafilosofia.com/2018/02/homem-nao-quer-felicidade-diz-nietzsche/ - Ver o filme “A vida é bela” AULA 4 – COMO SER FELIZ NA SOCIEDADE DO DESEMPENHO? - Princípio de prazer e princípio de realidade em Freud; - A sociedade do cansaço de Byung Chul-Han Material de apoio: - “Felicidade para Freud: https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-felicidade-para-freud/ - “Sociedade do cansaço”. Ver o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=8bo6pPBQ9uY http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/A-eudaimon%C3%ADa-aristotélica-a-felicidade-como-fim-ético.pdf http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/A-eudaimon%C3%ADa-aristotélica-a-felicidade-como-fim-ético.pdf https://criticanarede.com/meneceu.html https://www.estoico.com.br/1605/resenha-sobre-a-tranquilidade-da-alma-seneca/ https://www.aconsolacaodafilosofia.com/post/dez-conselhos-de-schopenhauer-para-a-felicidade https://www.aconsolacaodafilosofia.com/post/dez-conselhos-de-schopenhauer-para-a-felicidade https://universodafilosofia.com/2018/02/homem-nao-quer-felicidade-diz-nietzsche/ https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-felicidade-para-freud/ https://www.youtube.com/watch?v=8bo6pPBQ9uY - 1 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Ministério da Educação Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM Minas Gerais – Brasil Revista Vozes dos Vales: Publicações Acadêmicas Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM Nº 01 – Ano I – 05/2012 www.ufvjm.edu.br/vozes A eudaimonía aristotélica: a felicidade como fim ético Prof. Dr. Roberto Antonio Penedo do Amaral Faculdade Interdisciplinar em Humanidades – FIH Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM E-mail: penedo.amaral@gmail.com Deyse Amorim Silva Bacharel em Humanidades (UFVJM) Bolsista do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) – CAPES/UFVJM E-mail: deyamorim@gmail.com Luciene Izabel Gomes Bacharel em Humanidades (UFVJM) Escola Municipal de Sopa, Distrito de Sopa – Diamantina-MG E-mail: lucienedtna07@gmail.com Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo analisar as contribuições da filosofia aristotélica, tendo em vista sua formulação teórica no que tange ao conceito de felicidade (eudaimonía), realizável através da atitude ética. Para entender o pensamento deste filósofo, devemos ter em mente, tanto o contexto histórico- político, como também o contexto cultural e filosófico de sua época. Suas obras foram redigidas a partir do que já havia sido escrito, investigando e solucionando algumas questões sem resposta, sendo este um dos motivos que o levou a ser considerado um dos precursores da história do pensamento ocidental. Palavras-chave: Aristóteles. Filosofia. Felicidade. Ética. http://www.ufvjm.edu.br/vozes mailto:penedo.amaral@gmail.com mailto:deyamorim@gmail.com mailto:lucienedtna07@gmail.com - 2 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Introdução A vida no mundo contemporâneo tem levado as pessoas a se arrastarem num turbilhão de ideias, informações, inovações tecnológicas e preocupações de todo tipo, ao mesmo tempo em que não dá condições de o indivíduo olhar para si e refletir a respeito de sua existência. Neste trabalho apresentaremos o caminho trilhado por Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), através de uma vida inteira dedicada a estudos e pesquisas em diversos campos do saber, com a intenção de indicar ao homem, ser racional, moldável e por natureza aspirante ao bem, o meio de exercer as virtudes para cumpri r sua finalidade no mundo: ser feliz. O filósofo estagirita amadureceu seu pensamento no contexto de uma Grécia em ruínas, politicamente fraca, devido às constantes guerras e disputas políticas. A vontade de ver seu país prosperar por meio da mudança do comportamento dos cidadãos da pólis o inspirou a construir uma vasta produção filosófica e científica. A filosofia, para este pensador grego, tem “o ser” como objeto central de pesquisa, para tanto, ele faz uso da metafísica para explicar o mundo sensível, trazendo à tona os recursos da linguagem para que o homem possa comunicar seus valores. Abordaremos também, os preceitos da lógica, que segundo o filósofo, é a maneira de pensar corretamente, portanto, a estrutura pela qual Aristóteles fundou seu pensamento. Ética e a felicidade são alguns dos temas centrais discutidos na obra aristotélica, mediante tais conceitos, o filósofo escreveu um dos mais importantes tratados sobre as condutas e o agir humano perante a sociedade, destacando a relevância da racionalidade, prudência e moderação como forma de educação do caráter: Ética a Nicômaco. 1. Aristóteles: vida e obra Considerado um dos maiores pensadores do Ocidente, Aristóteles nasceu na cidade grega de Estagira. Era filho de Nicômaco, médico da corte do rei da - 3 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Macedônia. Seus pais morreram cedo, por isso foi criado por Proxeno, seu tio, que o iniciou em estudos da medicina, fato que explica seu interesse pela biologia. Na juventude, Aristóteles decide mudar-se para Atenas e ingressa na Academia de Platão, tornando-se um dos discípulos mais brilhantes, por desenvolver suas próprias pesquisas e teorias e contestar em vários pontos as teses de seu mestre. Lá torna-se logo um dos mais destacados alunos, sendo, ao que consta, apelidado de “A inteligência da Escola” e de “Leitor”. Permanece por mais de vinte anos ligado à Academia, que nessa época rivalizava em importância com a Escola de Isócrates. Bem cedo ultrapassa o nível de simples estudante (FARIA, 1994 p. 20). Permanece ligado à Academia até a morte de Platão. Sua origem naturalista não se adaptou ao matematismo místico que começou a reger a escola, abandonando-a por causa da divergência de opiniões com Espeusipo, novo diretor da Academia, sobrinho de Platão. A convite de Hérmias, governador de Atarneu, Aristóteles deixa Atenas e transfere-se para a cidade acima citada, onde passa a ministrar cursos, continuando os estudos de filosofia e política. Permanece ali por três anos e, com a morte do velho amigo que o convidara, transfere-se para Mitilene. O período em que passou entre essas três cidades (Atarneu, Assos e Mitilene) foium dos mais fecundos de sua vida, no qual aprofundou os estudos em física, lógica, moral e retórica. Em 342 a.C., o rei Filipe da macedônia o convida para ocupar-se da educação de seu filho Alexandre. Aristóteles permaneceu nessa atividade por três anos e a encerra com a morte do imperador, quando Alexandre assume o poder. Casa-se duas vezes, tendo uma filha no primeiro casamento. Do segundo, vem à luz o filho Nicômaco, ao qual é dedicada uma obra posterior chamada Ética a Nicômaco. Aristóteles retorna a Atenas e funda sua própria escola, o Liceu, que recebe este nome por localizar-se nos jardins do templo dedicado a Apolo Lício. O Liceu (que Aristóteles dirigiu de 335 a 323 a.C) possuía um edifício, um jardim e uma alameda para passeio – em grego: perípatos, passeio por onde se anda conversando –, motivo pelo qual a escola aristotélica foi chamada de peripatética, seja como referência à alameda, seja como - 4 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes referência ao fato de que Aristóteles e os estudantes passeavam por ali, discutindo animadamente filosofia (CHAUÍ, 2002 p. 336). Em razão disso, Aristóteles e seus discípulos foram apelidados de peripatéticos, ou seja, devido aos ensinamentos do mestre serem ministrados em forma de passeios pelo jardim. Nesse período escreve duas grandes obras sobre ética: Ética a Nicômaco e Ética a Eudemo. É importante ressaltar que apesar da divergência da opinião política do rei Alexandre, Aristóteles era seu amigo pessoal. Com a morte do rei, aumentam as divergências entre atenienses e macedônios. Aristóteles, por ter sido sempre ligado a estes últimos, sofre repúdio dos atenienses, chegando a ser acusado de traição, razão pela qual se retira de Atenas para não ser condenado. Diante dessa situação, parte para a Eubéia, onde morre um ano depois (321 a. C), doente e afastado de suas atividades e de seus discípulos. Falar sobre as obras de Aristóteles é uma tarefa difícil devido à sua abrangência e a alguns problemas, tais como, questões de autenticidade e o fato de muitas obras se terem perdido. O Estagirita buscou o conhecimento que existia em toda a Grécia para escrever suas obras, reuniu vários manuscritos e obras numa biblioteca por ele criada, além de construir uma espécie de museu onde guardava catálogos com as diversas espécies de plantas e animais que uti lizava para ilustrar suas aulas. Aristóteles se ocupou de quase todas as ciências conhecidas na Antiguidade, classificando seus escritos em: ciências teóricas, que se referem ao estudo dos primeiros princípios de todos os seres (matemática, física e teologia); em ciências práticas, o homem como agente da ação (ética e política), e as ciências poéticas, aplicação da técnica na produção de algo (poética e retórica). Ficou conhecido como verdadeiro fundador da lógica ao escrever Categorias, Da Interpretação, Analíticos I e II, Tópicos e as Refutações Sofísticas. Este conjunto de obras ficou conhecido mais tarde como Organon cujo vocábulo grego significa “instrumento”. O Estagirita também se preocupou em destacar nas suas obras, as ciências físicas e as biológicas, das quais podemos citar como exemplo: História dos Animais, Metrológicas, Da geração dos Animais, entre várias outras. - 5 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Em um conjunto de catorze livros, tratou de temas como o ser e a essência, tal obra foi posteriormente editada com o título de Metafísica. A moral e a política são discutidas nos livros: Ética a Nicômaco, Ética a Eudemo e nos oito livros que compõe a obra Política. Para tratar da retórica e da poética, escreveu livros que receberam estes mesmos títulos. Devido à vastidão de suas obras, Aristóteles ficou conhecido como um organizador do saber, aquele que se preocupou com a classificação e generalização, ao mesmo tempo em que respeitou as diferenças individuais de cada fenômeno estudado. Deste filósofo nos ficou essencialmente o conjunto de seus cursos, transcritos e eventualmente reorganizados por seus discípulos, cuja primeira compilação, atribuída a Andrônico de Rodes, remonta a meados do século I a.C, ou seja, três séculos depois da morte de Aristóteles. As obras de Aristóteles também são conhecidas de acordo com uma divisão em duas classes, resultantes de anotações realizadas, em cursos, pelos discípulos. As primeiras se referem aos escritos exotéricos1, que objetivam a divulgação das teorias filosóficas e eram destinadas ao público em geral. Estes escritos eram redigidos em forma de diálogo e versavam sobre retórica e dialética. Por serem escritas na forma de diálogos, tais obras carecem de certo rigor metodológico. Alguns exemplos desses diálogos são: Grylos, Eudemo, Protéptico, Sobre a filosofia, Sobre as idéias e também poemas variados. Os escritos acroamáticos2 eram anotações de cursos destinados especialmente aos alunos iniciados numa determinada matéria (lógica, física, filosofia, biologia, metafísica, ética, política, artes e história). Estes objetos de estudos requeriam um aprofundamento maior em termos de análise e discussão e interessavam a uma minoria devido ao rigor necessário por serem matérias mais abstratas. 1 Relativo à doutrina destinada ao grande público; o prefixo ex significa “fora”. Ao contrário, esotérico é a doutrina secreta, restrita a iniciados. 2 Doutrina acessível só aos iniciados, e não ao grande público. Deriva de akroama, “música ou discurso harmonioso”; “o que é agradável ao ouvido”. Os livros “acroamáticos” – termo usado pelo próprio Aristóteles – são também designados como esotéricos por alguns autores, uma vez que se destinavam ao estudo no âmbito do Liceu e não à publicação. - 6 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Atualmente muitas obras de Aristóteles têm sido alvo de crítica devido a questões de autenticidade e interpretação, inclusive em relação ao contexto e à cronologia. A organização de seus escritos derivou de um longo processo, que se iniciou depois de morte do autor. Em dois pontos essenciais os editores e os primeiros comentadores irão além das indicações de Aristóteles: por um lado, ao darem o t ítulo, no mínimo provisório, de Metaf ísica (ou seja, obra que deve ser lida “depois da física”) a um conjunto de especulações que haviam ficado sem título, nada indicando que Aristóteles pretendesse reuni-las sob uma denominação única; por outro lado, ao agruparem com o nome de Organon (que significa instrumento) o conjunto dos tratados que hoje em dia dizemos “lógicos”, nada indicando tampouco que Aristóteles tivesse visto uma unidade neles; unidade esta de resto problemática, pois não se pode afirmar, por exemplo, que o t ratado das Categorias, primeiro dos que constituem hoje o Organon, não esteja lá por erro, e não devesse ter sido incluído entre os escritos “metafísicos” (HUISMAN, 2001 p. 64). Uma das maiores críticas em relação às obras de Aristóteles se deve ao fato de que muitos cursos ministrados por ele foram redigidos por seus discípulos, e possuem um estilo e vocabulário diferentes dos empregados pelo filósofo, além de possuírem textos com datas e ideias distintas agrupadas em uma mesma obra. A obra aristotélica foi traduzida, a princípio em cinco idiomas, sob a forma de comentários e interpretações neoplatônicos, árabe, grego, latim e hebraico, de modo que não era lida no original, e partes destas obras foram censuradas pelas autoridades eclesiásticas da época, em razão de o pensamento do filósofoter sido considerado divergente do da Igreja: Nem tudo quanto Aristóteles escreveu era aceitável para a Igreja (por exemplo, para o filósofo o mundo não foi criado) e as autoridades eclesiásticas nunca tiveram dúvida nem escrúpulo em censurar partes da obra, esconder outras tantas em bibliotecas de monastérios, proibindo sua leitura (CHAUÍ, 2002 p. 341). A filosofia de Aristóteles por muito tempo esteve relegada ao esquecimento, mas volta a ser reconhecida pela Igreja através da influência de São Tomás de Aquino que a reformulou convertendo-a em doutrinas dogmáticas. Podemos inferir que, por um lado a interferência de São Tomás de Aquino foi exitosa, no que tange à revalorização da produção aristotélica, mas por outro, foi arbitrária, uma vez que Aristóteles jamais aprovaria tal dogmatismo. - 7 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes A renovação dos estudos aristotélicos, principalmente a partir do início deste século, possibilitou a correção dessa imagem unilateral de um Aristóteles dogmático, unicamente preocupado em organizar e concluir – prematuramente, segundo alguns – o campo do saber (HUISMAN, 2001 p. 64). Percebe-se que as teses aristotélicas novamente passam por alterações em termos de sentido, recuperando seu valor e fecundidade, abrindo-se para diversos campos do saber científico. 2. Contexto da Grécia que recebeu Aristóteles Aristóteles viveu numa época de intensos debates políticos, que giravam em torno de dois modelos: o ateniense, que idealizava a democracia e a liberdade, embora vivenciasse situações de instabilidade e corrupção. E o modelo espartano, oligárquico, visando uma sociedade intensamente organizada, com as liberdades individuais subordinadas à pólis. O confronto de partidos na Grécia resultou em um cenário de guerra que gerou problemas como miséria, injustiça social, enfraquecimento da ética, induzindo o povo à indiferença em relação aos problemas da pólis. Esta disputa política entre os dois partidos exerceu grande influência em algumas obras de Aristóteles. Nesta época, o mito servia para justificar os costumes e as leis. De maneira incontestável, segundo a concepção de Aristóteles, o mito é o “patrimônio de verdades”, anterior à ciência, pensamento que o levou a escrever em seu primeiro livro Metafísica, a relação entre o amor aos mitos e à sabedoria. Atenas passa do discurso mítico-político para o discurso jurídico-político, no qual a democracia se instaura em sua plenitude. Todos têm direito a voz perante os tribunais e assembleias. A partir daí, vem à tona o poder dos sofistas, mestres da retórica e educadores de magistrados com abundantes recursos. A cidade se torna o centro das discussões e o tema de maior relevo para o povo grego. Os recursos da linguagem são de grande importância no contexto jurídico, ressaltando o poder do convencimento em detrimento dos valores nela implícitos. Além das questões a favor da pólis e das causas humanas, surge uma preocupação com as leis da natureza e seus fenômenos que são apresentadas por meio do discurso científico. - 8 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Nesse contexto, Aristóteles introduz seu estudo sobre lógica. O homem apaga-se perante o objeto/fenômeno a ser estudado, surge uma nova linguagem, a analítica. A opinião (dóxa) torna-se pejorativa, dando vazão ao que possa ser argumentado ou provado, de modo que a razão assume lugar central na busca da verdade. Os interlocutores de Aristóteles são os pré-socráticos, os sofistas e os filósofos platônicos, estes últimos iniciaram o discurso sobre a metafísica, que Aristóteles retomou e ampliou. 3. A Filosofia em Aristóteles A filosofia aristotélica é reconhecida por sua busca da totalidade do saber, tendo o “ser” como objeto central de suas investigações. O fi lósofo não distingue a filosofia da ciência. Em sua perspectiva, a filosofia é um anseio de conhecer que tem como ápice o prazer no conhecimento. Ela é o único de todos os saberes verdadeiramente livre, pois somente ela é seu próprio fim. Chauí (2002) também conceitua a filosofia como: (...) a ciência mais elevada, aquela que não se subordina a nenhuma e à qual todas se subordinam; aquela que não recebe leis de nenhuma outra, mas dá leis a todas as outras, aquela que não obedece a nenhuma outra, mas é obedecida por todas (CHAUÍ, 2002 p.382). Neste sentido, afirma a superioridade da filosofia sobre as demais ciências, destacando que ela rege sobre as causas e princípios de todas as coisas. As discussões filosóficas sobre a linguagem tiveram uma posição de destaque no pensamento de Aristóteles. Segundo sua concepção, a linguagem e o pensamento são indissociáveis. O pensador grego atribui a ela tanta importância, a ponto de chegar a concordar com os sofistas e reconhecer que os homens só são capazes de constituir uma sociedade por serem dotados de linguagem (FARIA, 1994, p. 30). Por outro lado, os criticava por fazerem uso da retórica e da dialética sem assumir compromisso com a verdade. Aristóteles considerava que através da linguagem o homem conseguia se comunicar e demonstrar seus valores, opiniões e significados. Para ele, o homem - 9 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes que não conseguisse argumentar, ensinar ou participar de um diálogo era desprovido de razão, “(...) aquele que não consegue ouvir e responder, argumentar e compreender, ensinar e aprender, participar de um diálogo é álogos, isto é, ou é desprovido de razão ou está desprovido dela e é louco” (CHAUÍ. 2002, p. 427). Para que haja comunicação e conhecimento faz-se necessário conhecer a existência das coisas e o sentido do nome estabelecido por convenção nas relações humanas. Aristóteles considera que a linguagem é presidida por certas regras, a partir do discurso (palavra) que reflete a estrutura do ser. É através da análise da linguagem que este fi lósofo busca o pensamento lógico. A lógica (do grego logos, “palavra”, “discurso”) é considerada uma ciência preparatória para a introdução de qualquer estudo. Para que este seja considerado válido e seguro, é necessário, portanto, o uso da lógica como instrumento (Organon), assim sendo: A lógica é o que devemos estudar e aprender antes de iniciar uma investigação filosófica ou cient ífica, pois somente ela pode indicar qual é o tipo de proposição, de raciocínio, de demonstração, de prova e de definição que uma determinada ciência deve usar. (...) é dita uma disciplina vestibular, um conhecimento que deve anteceder aos outros conhecimentos (CHAUÍ, 2002, p. 357). Vale destacar que Aristóteles não cunhou o termo “lógica” e sim, a palavra “analítica”, designando a esta expressão a maneira de se pensar corretamente, ou seja, uma estrutura de raciocínio e de linguagem. A divergência de opiniões entre Aristóteles e os sofistas residia no fato de que eles não se preocupavam com nenhum desses critérios em seus discursos. Aristóteles atribuía uma maior importância à analítica do que à dialética como método para a filosofia, uma vez que considerava esta última pouco rigorosa e baseada em discursos e opiniões. Para o filósofo grego, existe uma contradição entre a experiência dos sentidos e a verdade inteligível, ambas refletem uma busca de justificar a realidade, este é um pressuposto básico da filosofia aristotélica. Segundo Faria (2004), Aristóteles acredita que a sabedoria (sophia) é uma ciência superior que objetiva conhecer os fundamentos da totalidade do ser. Podemos observar que ele considera a sabedoriaa forma mais elevada de conhecimento, uma vez que esta não se restringe somente ao sensível, nem tampouco apenas ao inteligível. - 10 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes A “causa” é a parte mais importante do processo de conhecimento, pois é a partir dela que se pode chegar a generalizações. Para este filósofo, uma “causa é um princípio, seja do movimento, da natureza ou da existência de um ser” (FARIA, 1996, p. 44). Nesse sentido, podemos inferir que o pensador apreciava a importância de conhecer as causas para se chegar à ciência. Para o Estagirita a causa do ser é dividida em quatro sentidos: a matéria, a forma, o motor e o fim. A matéria é tudo o que está à disposição para ser moldado, adquirindo feição no processo de realização de algo, ela é indeterminada e caótica. A forma é o conceito que determina o ser, é imutável, não é criada, mas eterna, e não se separa da matéria. O motor é o terceiro sentido de causa, também chamado de causa eficiente, pois trata-se do princípio de onde parte o movimento do ser. O fim é o fundamento da ordem que rege o movimento de todas as coisas, é a causa final, também considerado como cíclico, pois fim e princípio coincidem. É por este motivo que a filosofia aristotélica é considerada como finalística ou teleológica, pois ele considera que, mediante a filosofia, o ser humano imita o divino e atualiza sua forma. Sendo racional, o ser humano deseja chegar à plenitude do conhecimento, essa é a motivação que poderá levá-lo à perfeição. Aristóteles, ao propor a teoria das quatro causas, deixa explícita a necessidade da combinação mútua entre elas, a fim de desvendar o ser e conhecer o real. Na tentativa de explicar a análise e exposição da linguagem, Aristóteles utilizou como ponto de partida o estudo classificatório das palavras, ou seja, as Categorias (coisas que servem para designar outras). Estas adquirem sentido a partir do momento em que são processadas pelo raciocínio, que combinado com a linguagem é considerado por ele como silogismo (do verbo syllogízo, que significa reunir, juntar pelo pensamento, conjeturar). A definição aristotélica do silogismo se refere a “um discurso em que, postas certas coisas, outras se derivam delas necessariamente” (CHAUÍ, 2002, p. 368). As categorias antecedem todos os silogismos, elas significam o indicador de alguma coisa que serve para revelar, ou seja, A palavra kategoría vem do verbo kategoréo, que significa: falar contra, acusar, revelar, tornar vis ível, dar a conhecer, exprimir, significar e afirmar. (...). Termos ou categorias são, pois, os gêneros das palavras tomadas - 11 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes quando ainda não combinadas com outras e que são a condição de tudo quanto dizemos ou pensamos (CHAUÍ, 2002 p. 359). Aristóteles referia que por meio das categorias o ser se diz de muitas maneiras, a união entre gramática e lógica indica a unidade entre dizer, pensar e ser. Ao se pensar sobre a filosofia aristotélica é imprescindível conhecer o conceito de metafísica, definida por assim por Chaui, A metafísica ou filosofia primeira é, portanto, uma c iência, embora deva ser diferente de todas as outras pela forma de conhecimento (a intuição) e pelo seu objeto (princ ípios, causas e o ser tomado em sua universalidade absoluta). Ela é ciência, em primeiro lugar, porque existem alguns princípios que são válidos para todos os conhecimentos e para todas as realidades (CHAUÍ, 2002 p. 388). A metafísica é considerada por Aristóteles como a ciência do ser enquanto ser, é a filosofia que abrange o princípio de todas as coisas. É importante ressaltar que o termo “metafísica” não foi cunhado por Aristóteles, ele apenas o utilizou para designar a sua compreensão do ser e suas categorias. A metafísica aristotélica sofreu severas críticas, principalmente no que se refere ao método e à aplicação do conceito. Alguns pensadores a consideraram distante da realidade e do concreto, focada no mundo dos sentidos e da essência. Por este motivo passa a ser negada como ciência universal. Apesar de tais críticas, observamos, na atualidade, o ressurgimento do interesse pela fi losofia aristotélica. Descobrem-se nela fontes de referência para aplicação em outras ciências, principalmente na busca pelo retorno de um conhecimento que envolva a visão de totalidade, portanto: A plenitude concebida como horizonte sempre distante que exerce uma poderosa atração sobre a carência; a vocação de todo ente para a uma plenitude; a noção de uma ordem harmônica e de uma “medida” que, apesar de todos os acidentes, tende a realizar-se, são as idéias que continuam a fascinar os homens contemporâneos (FARIA, 1994 p. 86). Muitos dos temas propostos por Aristóteles ainda são utilizados na contemporaneidade, abrindo perspectivas fecundas na tarefa de se exercitar o pensamento, principalmente no que tange à ética, tema que nos propomos a trabalhar no tópico seguinte. - 12 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes 4. A Ética aristotélica Ética é uma palavra que deriva de ethos, que em grego, significa “costume”, “caráter”, “tradição” (FARIA, 1994). É a forma que o homem uti liza para se organizar em sociedade, elaborando juízos de valor e criando leis de governo. Também se refere à índole, significando o estudo do caráter para determinar como o indivíduo poderá se tornar virtuoso. Desse modo, a natureza do homem apresenta duas dimensões: a política e a moral que se manifestam nos diferentes ethos. Aristóteles não foi o precursor nas discussões a respeito da ética, porém, foi o primeiro a denominá-la como filosofia prática e empregou o método, o conteúdo e a técnica para torná-la uma ciência: A ética é uma ciência prática ou uma ciência da práxis humana, isto é, um saber que tem por objeto a ação. (...) o homem age tendo em vista um fim ou uma finalidade e, portanto, ao agir, atualiza potências para realizar plenamente sua forma (CHAUÍ, 2002 p. 440). Esta finalidade está presente, segundo Aristóteles, em todas as atividades humanas que tem como alvo a busca do “bem”. No caso da ética, o bem é uma maneira de preparar o indivíduo para viver na pólis. A política que também é uma ciência prática não se dissocia da ética, elas apenas se diferenciam pelo fato de a primeira apresentar uma dimensão social, coletiva, enquanto a outra se restringe ao particular, individual, portanto, Quando se trata de determinar o mais alto dos fins humanos, Aristóteles dá a impressão de hesitar nas Éticas, entre a vocação contemplativa e a vocação política. Na verdade, não há contradição entre os dois ideais, que realizam, ambos, a natureza do homem: o primeiro, na mais eminente de suas virtualidades, que é a vida segundo intelecto, e o outro, na totalidade de suas aptidões, que são interligadas e consumadas pela capacidade de manter relações de justiça com outrem (HUISMAN, 2001 p. 70). Ao escrever sobre a ética, Aristóteles compõe um verdadeiro tratado sobre o agir humano na história do pensamento filosófico, refletindo sobre as condutas humanas e da sociedade. O filósofo considera que o homem é um animal capaz de pensar e de fazer política, ou seja, de exercitar a busca do bem comum por meio da cidadania. - 13 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Sendo uma ciência prática, a ética deve direcionar o fim a ser alcançado, dando subsídios para que se concretize emplenitude, ou seja, para que alcance a felicidade. Aristóteles concebia a ética como teleológica, que visa produzir um bem e chegar a um objetivo, de acordo com o primeiro parágrafo da Ética a Nicômaco: Toda arte e toda investigação, bem como toda ação e toda escolha, visam a um bem qualquer, e por isso foi dito, não sem razão, que o bem é aquilo a que as coisas tendem. Mas entre os fins observa-se uma certa diversidade: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades das quais resultam; e onde há fins distintos das ações, tais fins são, por natureza, mais excelentes do que as últimas (ARISTÓTELES, Livro I,1,1094 a, 2010). Percebemos que a ética em Aristóteles é interpretada como racional e natural, de modo que, o homem fazendo o uso da razão tem a capacidade de fazer escolhas tanto para o bem quanto para o mal. Ele nasce ético e a partir dos seus atos poderá ou não desenvolver suas virtudes aperfeiçoadas pelo hábito. Segundo Chauí (2002) Aristóteles concebia a virtude como um hábito adquirido ou uma disposição constante e permanente para agir racionalmente em conformidade com uma medida humana, determinada pelo homem prudente. Nesse ponto a ética tem como atributo, orientar o homem na obtenção do hábito (exercício da vontade) para se tornar virtuoso. Assim o filósofo escreve: A virtude também se divide em espécies, de acordo com esta subdivisão, pois dizemos que algumas virtudes são intelectuais e outras morais; por exemplo, a sabedoria filosófica, a compreensão e a sabedoria prática são algumas das virtudes intelectuais; e a liberalidade e a temperança são algumas das virtudes morais. De fato, ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui discernimento, mas que é calmo, amável ou temperante; porém, louvamos um homem sábio referindo-nos à sua disposição de espírito, e às disposições de espírito louváveis chamamos virtudes (ARISTÓTELES, Livro I, 13,1103 a, 2010). Em termos filosóficos, virtude (areté) quer dizer potencialidade, vitalidade e vigor. Segundo Aristóteles, ela se refere à função da alma e é o equilíbrio (moderação) entre dois extremos o justo meio – medida exata entre o excesso e a falta. A virtude se divide em dois grupos: as dianoéticas (dianóia, “conhecimento demonstrativo”) que são as virtudes inte lectuais formadas pela sabedoria e pela prudência. E as virtudes éticas ou morais que aludem ao instinto, à capacidade de desejar e à sensibilidade. - 14 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Todas as ações humanas visam uma finalidade com o propósito de obter um bem. Aristóteles considera o bem como uma finalidade própria do homem, que busca alcançar a felicidade (eudaimonía): (...) a felicidade é a vida plenamente realizada em sua excelência máxima. Por isso não é alcançável imediata nem definitivamente, mas é um exerc ício cotidiano que a alma realiza durante toda a vida. A felicidade é, pois, a atualização das potências da alma humana de acordo com sua excelência mais completa, a racionalidade (CHAUÍ, 2002. p. 442). Na visão do pensador grego, ela é percebida como um bem supremo, auto-suficiente que é aprazível em si mesmo. É um meio de nos aproximarmos do que é nobre e divino. Sendo uma atividade da vida contemplativa independe de bens exteriores (riqueza, poder), mas estes bens podem ser usados como instrumentos para alcançá-la, “(...) a felicidade necessita igualmente dos bens exteriores, pois é impossível, ou pelo menos não é fácil, praticar ações nobres sem os devidos meios” (ARISTÓTELES, Livro I, 8, 1099 a, 2010). Aristóteles destaca alguns equívocos de como alcançar a felicidade, que para muitos era vista como obra do acaso, dádiva dos deuses ou adquirida pela aprendizagem, porém ele a concebe como: Contudo, mesmo que a felicidade não seja uma graça concebida pelos deuses, mas nos venha como resultado da virtude e de alguma espécie de aprendizagem ou exercício, ela parece incluir -se entre as coisas mais divinas, pois aquilo que constitui o prêmio e a finalidade da virtude parece ser o que de melhor existe no mundo, algo de divino e abençoado (ARISTÓTELES, Livro I, 9, 1099 b, 2010). A ética aristotélica é a ciência da moderação e da prudência, pela qual o homem se revela através da educação do caráter, que busca na vida contemplativa a ação racional “o homem feliz vive bem e age bem” (ARISTÓTELES, Livro I, 8, 1098 b, 2010). 5. A eudaimonía aristotélica A finalidade natural de todos os seres humanos, segundo Aristóteles, consiste em ter uma vida boa, justa e feliz. Partindo deste princípio, este filósofo propõe investigar qual é o fim ético que todo indivíduo aspira e quais caminhos ele deve trilhar em direção desta busca. - 15 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes Diferentemente da honra, da inteligência e da riqueza, a felicidade é auto- suficiente (autárkeia), pois não necessita de bens exteriores para ser atingida, ao passo que os outros meios são buscados em favor de distintos bens. Na visão de Aristóteles, segundo Chauí, aquilo que, à parte de todo o resto, torna a vida desejável e não carece de nenhum outro é um bem mais perfeito do que qualquer outro. E a felicidade é um bem desse gênero, pois ela não é buscada em vista de out ra coisa e sim as outras coisas é que são buscadas como meios para ela (CHAUÍ, 2002 p. 441). O bem é idealizado como uma virtude, uma atividade cotidiana que procura a excelência de acordo com o exercício da razão, sendo tão sublime que nos aproxima do divino. Sendo a felicidade um fim em si mesmo é conceituada na filosofia aristotélica como um bem supremo, algo absoluto que converge na ação. A ética é um saber prático que tem por objeto a ação humana, ao agir o homem atualiza sua forma e busca a excelência em todos os aspectos do seu ser (físico, biológico, social, psicológico etc.). Aristóteles diferenciou as ciências práticas (ética, política) das teoréticas (as artes ou técnicas), sendo que as primeiras possuem um fim em si mesmas, e as últimas não possuem esta mesma autonomia, pois seu fim é uma obra diferente. No entanto, tais atividades possuem um aspecto comum, ambas tem como finalidade um bem. Na ética aristotélica o bem é a forma harmoniosa de convivência entre os cidadãos da pólis. A ética tem como pressuposto mostrar o caminho para se chegar à felicidade, “Como toda ciência prática, a ética deve determinar a essência do fim a ser alcançado, a essência do agente e das ações e os meios para realizá-la” (CHAUÍ 2002, p. 441). Sendo assim, esta ética pretende investigar não somente o que é o bem, mas como nos tornarmos bons. O bem ético é a vivência das virtudes no cotidiano, se difere da felicidade uma vez que alcançá-la é o resultando da conquista de uma vida inteira. O bem se diz de várias formas de acordo com a substância (atividade pura; intelecto); a qualidade (excelência ou virtude); e a quantidade (justo meio), e também de acordo com a ação e a paixão (desejo racional). A ação ética se refere ao contingente, ou seja, uma atitude que não pode ser prevista, pois depende da escolha do indivíduo, esta determinará se ele é ético - 16 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes ou não. Aristóteles considerava o homem como um ser misto, dotado de tendências tanto racionais quanto irracionais, sendo estas últimas consideradas como apetites e inclinações. O homem vive em constante conflito entre os anseios racionais e os desejos, isto é, a vontade de substituir a dor pelo prazer, definida como paixão(páthos), tal como escreve Chauí, Por sua naturalidade, ela é o núcleo de nossa vida ética ou feliz; e por sua violência, ela está na origem de todos os vícios humanos. A presença da paixão como um elemento essencial da ação moral faz com que a tarefa da ética seja educar nosso desejo para que não se torne vício e colabore com a ação feita por meio da virtude. Em outras palavras, Aristóteles não expulsa a afetividade, mas busca os meios pelos quais o desejo passional se torne desejo virtuoso (CHAUÍ, 2002 p. 444). Nesse sentido, o desejo surge no momento em que o indivíduo é afetado por causas externas, este desejo é o agente dos sentimentos e das emoções presentes no ser humano, é um movimento representado por uma dualidade: por um lado, o objeto que afeta o homem e por outro o caráter ou índole que determinará como se tornar virtuoso. A virtude é o agir humano mediado pela razão, a ética tem a incumbência de orientar na aquisição deste hábito a fim de tornar o homem prudente (phrónimos). Chauí relaciona desejo e virtude da seguinte maneira: O desejo é paixão, páthos, passividade, submissão aos objetos exteriores que nos afetam e aos impulsos e inclinações interiores, determinados por nosso temperamento. A virtude é ação, atividade da vontade que delibera e escolhe segundo a orientação da razão, a qual determina os fins racionais de uma escolha, com vista ao bem do agente, isto é, sua felicidade. O virtuoso é feliz porque prudente e prudente porque moderador e moderado (CHAUÍ, 2002 p.447). Na perspectiva de Aristóteles, os desejos são neutros, se tornam maus a partir do momento em que não se ajustam à medida racional, por isso diz que as pessoas não nascem boas, mas se tornam boas quando praticam a ação ética para atingir a felicidade. O homem para ser considerado ético na perspectiva aristotélica precisa ter a capacidade de deliberar sobre as coisas boas e úteis para si, atento à totalidade do bem viver. O homem prudente é capaz de discernir e ditar regras, normas e preceitos de conduta. Não sendo considerada ciência nem arte, a prudência é uma disposição prática que garante a autonomia e a auto-suficiência - 17 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes para que o homem possa direcionar sua própria vida, enfim, libertando-se da escravidão causada pelos excessos de passividade ou paixão. Ao propor estudar a ética, Aristóteles deixa claro que o bem e a finalidade do homem é a felicidade, desse modo, diferia da cultura de seu tempo que compreendia o conceito de felicidade vinculado aos prazeres e ao gozo sensual: A julgar pela vida que os homens levam, estes, em sua maioria e os mais vulgares entre eles, parecem (não sem um certo fundamento) identificar o bem ou a felicidade com o prazer, e por isso amam a vida agradável. (...) A grande maioria dos homens se assemelha a escravos, preferindo uma vida comparável à dos animais (ARISTÓTELES, Livro I, 5, 1096 b [15], 2010). Entretando, o filósofo pondera que pessoas de maior discernimento identificam a felicidade com a honra, proveniente da vida política. E ainda aqueles que concebiam a felicidade com o acúmulo de riquezas. “Quanto à vida dedicada a ganhar dinheiro, é uma vida forçada (...) trata-se de uma coisa útil, nada mais, e desejada no interesse de outra coisa” (ARISTÓTELES, Livro I, 5, 1096 a [5], 2010). Tanto os prazeres, a honra, a riqueza, a razão e as demais virtudes são escolhidas no interesse da felicidade, contudo, essa que é considerada um bem supremo e auto-suficiente. Aristóteles apresenta outras condições para que o homem seja feliz, não descartando totalmente a possibilidade de utilizar os bens exteriores como forma de alcançá-la, (...) a felicidade necessita igualmente dos bens exteriores, pois é impossível, ou pelo menos não é fácil, praticar ações nobres sem os devidos meios. Em muitas ações usamos como instrumentos os amigos, a riqueza e o poder político; e há coisas cuja ausência empana a felicidade – como a estirpe, a boa descendência, a beleza (ARISTÓTELES, Livro I, 8, 1099 a [30], 2010). É importante ressaltar que ao falar sobre os instrumentos que empanam a felicidade, o filósofo impunha uma grande importância à aparência, ao companheirismo e à família, destacando que sem estes não haveria probabilidades de o homem ser feliz. Lembrando que no contexto em que Aristóteles viveu a cultura grega era permeada pela valorização do belo e da perfeição. O estudo da ética aristotélica nos apresenta várias condições para considerar uma vida feliz, tais como a prática das virtudes, o cultivo das amizades, - 18 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes preservação da saúde, suficiência de bens materiais, convivência harmoniosa na pólis e acesso as discussões filosóficas. A prática das virtudes é um dos temas centrais da ética aristotélica, pois molda o caráter humano e orienta os costumes das pessoas, elevando seus sentimentos e educando os instintos. A virtude pertence à atividade virtuosa, ou seja, agir bem de acordo com o que é justo e correto. Ao tratar do cultivo das amizades, Aristóteles as define como sendo “uma certa virtude, ou não podendo existir sem virtude. Além disso, é o que há de mais necessário para viver” (ARISTÓTELES, Livro VIII, 1, 1155 a, 2010). Ele considera a amizade como uma forma indispensável à vida do ser humano quando afirma “Sem amigos, a vida não vale a pena ser vivida” (ARISTÓTELES, Livro VIII, 1, 1155 a, 2010). Desse modo, mostra que a relação de amizade requer reciprocidade, um “querer bem” que só possível por meio de práticas virtuosas. No que se refere à saúde e a suficiência de bens materiais, o filósofo mostra a importância da moderação, dado que para ser feliz o homem não necessita de muitas ou de grandes coisas, uma vez que os excessos corrompem a mente. Assim escreve: Mesmo com recursos moderados, pode-se proceder virtuosamente (aliás, isso é evidente, pois se pensa que um cidadão pode praticar atos não menos dignos que os dos que detêm o poder; e muitas vezes até mais), basta que tenhamos o necessário para isso, pois a vida das pessoas que agem em conformidade com a virtude será feliz (ARISTÓTELES, Livro VIII, 8, 2010). Assim, o filósofo explica que mesmo não tendo riqueza e poder, no que diz respeito à virtude, é preciso possuí-la ou tentar todos os meios que possam ajudar o homem a tornar-se bom. Outra condição apontada por Aristóteles para que o homem seja feliz é conviver em uma sociedade justa, visando o bem coletivo e comunicando a percepção de valores. O pensador grego concebia o homem como “um animal político” que necessita viver em comunidade, buscando a completude em seus semelhantes. Finalmente, as discussões filosóficas completam as condições da vida feliz, é o mais alto grau da felicidade, o conhecimento das verdades imutáveis (a vida contemplativa) em que Aristóteles considerava acessível apenas a alguns - 19 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes filósofos. Isso não implica que somente estes têm a possibilidade de ser feliz, pois sendo a felicidade um bem humano, está ao alcance de todos que contemplem as demais condições. A felicidade como fim ético é uma atividade da alma em consonância com as virtudes, tendo em vista um bem que pode ser tanto coletivo quando individual. O homem para ser feliz deve agir retamente e saber deliberar sobre todas as coisas, só assim alcançará a mais nobre e aprazível coisa do mundo: a eudaimonía aristotélica. Conclusão Ao se pensar sobre a ética atualmentenão há como descartar as contribuições que Aristóteles legou à humanidade. Ele construiu um sistema de preceitos e condutas que orientam as pessoas a agirem retamente buscando um ideal de felicidade baseado na convivência harmoniosa na cidade, de forma que a natureza do homem seja moldada e encontre completude no âmbito da política e da ética. A fragmentação do mundo contemporâneo faz com que os elevados conceitos da ética em Aristóteles chegassem até nós baseados no contrato social e não mais no princípio de natureza humana. Porém esta mudança não suprimiu a busca de criar uma sociedade justa, solidária e pacífica. Muitas das concepções apresentadas por Aristóteles, no percorrer do tempo, foram interpretadas e ressignificadas afastando-nos das suas proposições originais, assim os temas ética e felicidade ganharam novas formulações conceituais. A ética contemporânea baseia-se em normas de condutas e preceitos morais e não mais como um conjunto de boas ações direcionadas ao bem, quer seja individual ou coletivo. A felicidade é buscada hoje pela maioria das pessoas no sentido de obter ganhos materiais, se perdendo em um consumismo exacerbado e alienante, de maneira que o comportamento seja ditado pelo o que os diversos tipos de mídia veiculam, tendo o individualismo e a competitividade como mobilizadores deste processo desumanizante. Já a eudaimonía aristotélica postula as condições para o ser humano alcançar a felicidade, baseada nos princípios da racionalidade, - 20 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes considerando o justo-meio o principal caminho para conduzir o homem a tal bem supremo. A leitura e o estudo da obra aristotélica nos revelam que, através do exercício das virtudes, é possível ser feliz, tendo uma vida equilibrada e consciente de que não basta somente viver, mas viver bem culminando numa existência livre e satisfatória. Abstract: The present article has as main objective to analyze the contributions of the Aristóteles philosophy had in view its theoretical formulation on that refer on the concept of possible happiness thought of a ethical attitude. To understand the philosopher’s thought, we must have in mind both the historical and political context like also the cultural and philosophical context of his time. His works were written from what was already written, investing and solving some questions unanswered been this a of the reasons that led him to be considered one of the forerunners of the history of the ocidental thought. Key-words: Aristóteles. Philosophy. Happiness. Ethical. Referências ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. [Trad. Torrieri Guimarães]. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2010. 237 p. CHAUI, M. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. Vol. 1. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 328-486. FARIA, M. B. Aristóteles: a plenitude como horizonte do ser. 1. ed. São Paulo: Moderna, 1994. 136 p. HUISMAN, D. Dicionário dos Filósofos. [Trad. Cláudio Berliner et alli]. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 61-71. Texto acadêmico publicado em 10 de maio de 2012, na Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG – Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012 Reg.: 120.2.095–2011 – PROEXC/UFVJM – www.ufvjm.edu.br/vozes http://www.ufvjm.edu.br/vozes 27/04/2023, 11:37 Carta a Meneceu https://criticanarede.com/meneceu.html 1/4 Crítica 18 de Março de 2008 História da filosofia Carta a Meneceu Epicuro Tradução de Desidério Murcho Epicuro a Meneceu, saudações. Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e que nenhum velho se canse dela; pois nunca é demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado cedo ou demasiado tarde para a felicidade. Logo, tanto o jovem como o velho devem estudar filosofia, o primeiro para que à medida que envelhece possa mesmo assim manter a felicidade da juventude nas suas memórias agradáveis do passado, o último para que apesar de ser velho possa ao mesmo tempo ser jovem em virtude da sua intrepidez perante o futuro. Temos portanto de estudar o meio de assegurar a felicidade, visto que se a tivermos, temos tudo, mas se não a tivermos, fazemos tudo para a obter. Pratica e estuda sem cessar aquilo que estava sempre a ensinar-te, tendo a certeza de que estes são os primeiros princípios da vida boa. Depois de aceitar deus como o ser imortal e bem-aventurado descrito pela opinião popular, nada mais lhe atribuas que seja estranho à sua imortalidade ou à sua bem-aventurança, mas antes acredita acerca dele seja o que for que possa sustentar a sua imortalidade bem-aventurada. Os deuses existem realmente, pois a nossa percepção deles é clara; mas não são como a multidão os imagina, pois a maior parte dos homens não retêm a imagem dos deuses que primeiro recebem. Não é o homem que destrói os deuses da crença popular que é ímpio, mas antes quem descreve os deuses nos termos aceites pela multidão. Pois as opiniões da multidão sobre os deuses não são percepções mas antes falsas suposições. De acordo com estas superstições populares, os deuses enviam grandes males aos perversos, e grandes bem-aventuranças aos íntegros, pois, sendo sempre favoráveis às suas próprias virtudes, aprovam quem é como eles, encarando como estranho tudo o que é diferente. Habitua-te à crença de que a morte não nos diz respeito, dado que todo o mal e todo o bem assentam na sensação e a sensação acaba com a morte. Logo, a crença verdadeira de que a morte nada é para nós faz uma vida mortal feliz, não ao acrescentar-lhe um tempo infinito, mas ao eliminar o desejo de imortalidade. Pois não há razão para que o homem que tem plena certeza de que nada há a recear na morte encontre algo que recear na vida. Assim, também é tolo quem diz que receia a morte não por ser dolorosa quando chegar mas por ser dolorosa a sua antecipação; pois o https://criticanarede.com/ https://criticanarede.com/historia.html 27/04/2023, 11:37 Carta a Meneceu https://criticanarede.com/meneceu.html 2/4 que não é um peso quando está presente é doloroso sem razão quando é antecipado. A morte, o mais temido dos males, não nos diz consequentemente respeito; pois enquanto existimos a morte não está presente, e quando a morte está presente nós já não existimos. Nada é portanto nem para os vivos nem para os mortos visto que não está presente nos vivos, e os mortos já não são. Mas os homens em geral por vezes fogem da morte como o maior dos males, por vezes almejam-na como um alívio para os males da vida. O homem sábio nem renuncia à vida nem receia o seu fim; pois a vida não o ofende, nem supõe que não viver é de algum modo um mal. Tal como não escolhe a comida da qual há maior quantidade mas a que é mais agradável, também não procura a satisfação da vida mais longa mas sim a da mais feliz. Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem é tolo não apenas porque a vida é desejável, mas também porque a arte de viver bem e a arte de morrer bem são uma só. Contudo, muito pior é quem diz que é bom não ter nascido mas, uma vez nascido, que o melhor é passar depressa pelos portões do Hades. Se um homem diz isto e realmente acredita nisto, por que razão não se retira da vida? Certamente que os meios estão à mão se for realmente essa a sua convicção. Se o diz a zombar, é visto como um tolo entre quem não aceita o seu ensinamento. Lembra-te que o futuro nem é nosso nem é completamente não nosso, de modo que nem podemos contar que virá de certeza nem podemos abandonar a esperança nele com a certeza de que não virá. Tens de considerar que alguns desejos são naturais, outros vãos, e dos que são naturais alguns são necessários e outros apenas naturais. Dos desejos naturais, alguns são necessáriospara a felicidade, alguns para o bem-estar do corpo, alguns para a própria vida. O homem que tem um conhecimento perfeito disto saberá como fazer toda a sua escolha ou rejeição tender para ganhar saúde do corpo e paz de espírito, dado que este é o fim último da vida bem-aventurada. Pois para alcançar este fim, nomeadamente a libertação da dor e do medo, fazemos tudo. Quando se atinge esta condição, toda a tempestade da alma sossega, dado que a criatura nada mais precisa de fazer para procurar algo que lhe falte, nem de procurar qualquer outra coisa para completar o bem-estar da alma e do corpo. Pois só sentimos a falta de prazer quando sentimos dor com a sua ausência; mas quando não sentimos dor já não precisamos de prazer. Por esta razão, dizemos que o prazer é o princípio e o fim da vida bem-aventurada. Reconhecemos o prazer como o bem primeiro e natural; partindo do prazer, aceitamos ou rejeitamos; e regressamos a isto ao ajuizar toda a coisa boa, usando este sentimento de prazer como o nosso guia. Precisamente porque o prazer é o bem principal e natural, não escolhemos todo o prazer, mas por vezes abstemo-nos de prazeres se estes forem cancelados pelas privações que se seguem; e consideramos muitas dores melhores do que prazeres quando um maior prazer virá até nós depois de termos sofrido dores demoradas. Todo o prazer é um bem dado ter uma natureza congénere da nossa; contudo, nem todo o prazer deve ser escolhido. De igual modo, toda a dor é um mal, contudo nem toda a dor é de natureza a ser evitada em todas as ocasiões. Pesando e olhando para as vantagens e desvantagens, é apropriado decidir todas estas coisas; pois em certas circunstâncias tratamos o bem como mal e, igualmente, o mal como bem. 27/04/2023, 11:37 Carta a Meneceu https://criticanarede.com/meneceu.html 3/4 Encaramos a auto-suficiência como um grande bem, não para que possamos desfrutar apenas de poucas coisas, mas para que, se não tivermos muitas, nos possamos satisfazer com as poucas, estando firmemente persuadidos de que quem retira o maior prazer do luxo é quem o encara como menos preciso, e que tudo o que é natural se obtém facilmente, ao passo que os prazeres vãos são difíceis de obter. Na verdade, temperos simples dão um prazer igual ao dos banquetes pródigos quando a dor devida à necessidade for removida; e pão e água dão o máximo prazer quando uma pessoa necessitada os consome. Estar acostumado à vida simples e básica conduz à saúde e faz um homem ficar pronto a enfrentar as tarefas necessárias da vida. Prepara-nos também melhor para usufruir o luxo se por vezes tivermos a sorte de o encontrar, e faz-nos intrépidos face à fortuna. Quando dizemos que o prazer é o fim, não queremos dizer o prazer do extravagante ou o que depende da satisfação física — como pensam algumas pessoas que não compreendem os nossos ensinamentos, discordam deles ou os interpretam malevolamente — mas por prazer queremos dizer o estado em que o corpo se libertou da dor e a mente da ansiedade. Nem beber e dançar continuamente, nem o amor sexual, nem a fruição de peixe ou seja o que for que a mesa luxuosa oferece gera a vida agradável; ao invés, esta é produzida pela razão que é sóbria, que examina o motivo de toda a escolha e rejeição, e que afasta todas aquelas opiniões através das quais a mente fica dominada pelo maior tumulto. De tudo isto o bem inicial e principal é a prudência. Por esta razão, a prudência é mais preciosa do que a própria filosofia. Todas as outras virtudes nascem dela. Ensina-nos que não é possível viver agradavelmente sem ao mesmo tempo viver prudentemente, nobremente e justamente, nem viver prudentemente, nobremente e justamente sem viver agradavelmente; pois as virtudes cresceram em união íntima com a vida agradável, e a vida agradável não pode ser separada das virtudes. Quem pensas então que é superior ao homem prudente, que tem opiniões reverentes sobre os deuses, que não tem qualquer medo da morte, que descobriu qual é o maior bem da vida e que compreende que o mais alto bem é fácil de alcançar e manter e que o extremo do mal tem limites no tempo ou no sofrimento, e que se ri do que algumas pessoas inventaram como a regente de todas as coisas, a Necessidade? Ele pensa que o poder de decisão principal nos cabe a nós, apesar de algumas coisas surgirem por necessidade, algumas por acaso e algumas pelas nossas próprias vontades; pois ele vê que a necessidade é irresponsável e o acaso incerto, mas que as nossas acções não estão sujeitas a qualquer poder. É por esta razão que as nossas acções merecem louvor ou censura. Seria melhor aceitar o mito sobre os deuses do que ser um escravo do determinismo dos físicos; pois o mito sugere uma esperança de graça através das honras concedidas aos deuses, mas a necessidade do determinismo é inescapável. Visto que o homem prudente não encara, como muitos, o acaso como um deus (pois os deuses nada fazem de maneira desordenada) ou como uma causa instável de todas as coisas, acredita que o acaso não dá ao homem o bem e o mal para fazer a sua vida feliz ou miserável, mas que fornece oportunidades para grandes bens ou males. Finalmente, ele pensa que é melhor encontrar o infortúnio quando se age com razão do que calhar a ter boa fortuna ao agir insensatamente; pois é melhor não ocorrer o que foi bem planeado nas nossas acções do que ser bem-sucedido por acaso o que foi mal planeado. Medita nestes preceitos e noutros como estes, de dia e de noite, sozinho ou com um amigo da mesma opinião. Então nunca terás receio, de dia ou de noite; mas viverás como 27/04/2023, 11:37 Carta a Meneceu https://criticanarede.com/meneceu.html 4/4 um deus entre os homens; pois a vida no seio de bem-aventuranças imortais não é de modo algum como a vida de um mero mortal. Epicuro Nota do tradutor Esta é uma tradução da tradução inglesa anónima disponível no site da Universidade da Colúmbia. Esta tradução supera claramente a tradução de Brad Inwood e L. P. Gerson (Hackett) e a mais antiga de Robert Drew Hicks, iluminando algumas partes do texto que até agora eram algo incongruentes. O que procura? Procurar FILOSOFIA DA FELICIDADE AULA 2 – OS PRAZERES SÃO INDISPENSÁVEIS PARA A FELICIDADE? TEXTO: Resenha: Sobre a Tranquilidade da Alma - Sêneca Texto extraído do link: https://www.estoico.com.br/1605/resenha-sobre-a-tranquilidade- da-alma-seneca/ O diálogo Sobre a Tranquilidade da Alma foi claramente escrito como um meio de orientação para todos aqueles que aspirassem a dedicar-se ao aperfeiçoamento moral. É dirigido ao amigo Aneu Sereno destinatário também das obras Sobre a Constância do Sábio e ainda de Sobre o Ócio. Foi um grande amigo de Sêneca, pertencente à ordem equestre, formada pelos cidadãos mais abastados. Sereno também tinha cargo na administração pública, tendo obtido, por influência de Sêneca, a função de praefectus, responsável por combate a incêndios, atividade importante na cidade de Roma. No texto é dito que o amigo é seguidor de Epicuro, talvez por isso, Sêneca apresenta o estoicismo em termos muito claros e concentra em conselhos construtivos e práticos. Sêneca apresenta a resposta da doutrina estoica para nos ajudar a superar os tormentos causados pelos temores e desejos humanos e alcançar a tranquilidade, o estado ideal de serenidade vivenciado de forma plena e permanente pelo sábio estoico. Para que a resenha não fique muito longa, está dividida em duas partes, segue a primeira, com meus comentários sobre os primeiros nove capítulos: Sobre a Tranquilidade da Alma começa com uma carta de Sereno pedindo conselhos e dizendo que sente ter um bom domínio sobre alguns de seus vícios, mas não sobre outros, e, como resultado disso, sua alma não tem tranquilidade. Diz “Eu não estou doente nem saudável” e percebe que seu julgamento sobre seus próprios assuntos é distorcido por preconceitos pessoais. “Estou bem ciente de que essas oscilações da alma não são perigosas e nem me ameaçam de nenhuma desordem séria. Para expressaraquilo de que me queixo por um simulacro exato, não estou sofrendo de uma tempestade, mas de enjoo do mar. Tire de mim, pois, esse mal, seja ele qual for, e ajude aquele que está em aflição mesmo ao avistar a terra“. (I, 17) Sereno lista seus problemas: Hesitação diante do desejo de bens e de prazeres corporais (§5-9); Alternância entre desejo de atuação social e de recolhimento aos estudos (§10-12) ; Dilema ético e estético relativo a busca pela fama (§13-14). https://www.estoico.com.br/1605/resenha-sobre-a-tranquilidade-da-alma-seneca/ https://www.estoico.com.br/1605/resenha-sobre-a-tranquilidade-da-alma-seneca/ https://amzn.to/3ebRY1A https://www.estoico.com.br/tag/Epicuro https://play.google.com/store/books/details?id=kXHmDwAAQBAJ&PAffiliateID=1011l9tIb Apresentados os sintomas, fazendo uso da imagem do paciente frente ao médico, Sereno pede o diagnóstico e o remédio: “Rogo, então, se tem algum remédio que possa deter esta minha vacilação e me faça digno de lhe dever a paz de espírito”. A resposta de Sêneca toma os demais capítulos e começa com a descrição completa das características da doença. Informa a Sereno que ele busca a coisa mais importante da vida, um estado que chama de tranquilidade (tranquillitas) e que os gregos chamavam de euthymía(II,3). A definição de tranquilidade é fantastica, e deve ser colocada na íntegra: “O que buscamos, então, é como a alma pode sempre seguir um rumo firme, sem percalços, pode estar satisfeita consigo mesma e olhar com prazer para o que a rodeia, e não experimentar nenhuma interrupção dessa alegria, mas permanecer em uma condição pacífica, sem nunca estar eufórica ou deprimida: isso será ‘tranquilidade’.” (II,4) Ele então explica que há vários tipos de homens que não alcançam a tranquilidade da alma, por diferentes razões. Alguns sofrem de inconstância, mudando continuamente seus objetivos e mesmo assim sempre lamentando do que acabaram de desistir. Outros não são inconstantes, mas ficam numa posição infeliz por seu entorpecimento. Eles “continuam a viver não da maneira que desejam, mas da maneira que começaram a viver“, ou seja, por inércia (II,6). Outros ainda acreditam que a maneira de vencer a sua inconstância é viajando para longe, mas é claro que apenas carregam consigo seus próprios problemas: “Assim, cada um sempre foge de si mesmo” (II,14). Sêneca conclui seu preâmbulo sugerindo que nossos problemas não residem no lugar onde vivemos, mas em nós mesmos, e retoricamente pergunta: “Por quanto tempo vamos continuar fazendo a mesma coisa? (II,15) A partir do capítulo III Sêneca apresenta uma série de conselhos específicos para Sereno sobre como alcançar a tranquilidade da alma. O primeiro vem de Atenodoro: “O melhor é ocupar- se dos negócios, da gestão dos assuntos do Estado e dos deveres de um cidadão“. Isso porque estar a serviço dos outros e do próprio país é, ao mesmo tempo, exercitar-se em uma atividade e fazer o bem. Mas também se pode fazer o bem e manter-se ocupado engajando- se na filosofia. Esse tipo de ocupação proporcionará satisfação e, portanto, tranquilidade de espírito e tornará nossas vidas diferentes daquelas de pessoas que não terão nada para mostrar ao final das suas: “Muitas vezes um homem de idade avançada não tem outro argumento com que comprove ter vivido longo tempo exceto seus anos.” Segue-se então com preceitos sobre atividades e sobre o ócio (negotia × otium). Nos capítulos VI e VII Sêneca elucida como se auto avaliar e assim conseguir escolher um caminho onde é possível ter sucesso. Começa por advertir seu amigo que é comum as pessoas pensarem que podem conseguir mais do que realmente conseguem. A pessoa sábia, ao invés disso, está ciente das suas limitações. Também é preciso lembrar que algumas buscas simplesmente não valem o esforço e devemos nos afastar delas porque nosso tempo na vida é curto e precioso. E então, diz Sêneca, “apegue-se a algo que possa terminar, ou, pelo menos, que acredite poder terminar” (VI,4). Devemos também ter cuidado na escolha de nossos associados, dedicando partes de nossas vidas a pessoas que valham o esforço. Além disso, nossas buscas devem ser do tipo que nós realmente gostamos, se possível: “pois nenhum bem se faz forçando a alma a se engajar em um trabalho não apropriado: quando a Natureza resiste, o esforço é vão.“(VII,2) Os capítulos VIII e IX tratam de preceitos sobre o patrimônio, “fonte mais fértil das dores humanas” (VIII,1). Sêneca adverte Sereno que, em sua experiência, os ricos não suportam perdas melhor do que os pobres, pois “dói aos carecas tanto quanto aos cabeludos terem seus cabelos arrancados” (VIII,3). “Patrimônio, essa fonte mais fértil das dores humanas: se compararmos todos os outros males de que sofremos – mortes, enfermidades, medos, arrependimentos, dores e fadigas – com as misérias que o nosso dinheiro nos inflige, este último pesará muito mais do que todos os outros. Reflita, pois, quanto menos dor é nunca ter tido dinheiro do que tê-lo perdido. (VIII, 1- 2) É por isso que Diógenes não era dono de nada, para impossibilitar que alguém pudesse tirar algo dele: “Fortuna, não se intrometa: Diógenes não tem mais nada que lhe pertença“(VIII,7). É claro que o próprio Sêneca não era nenhum Diógenes, e na verdade era um homem muito rico. Ele frequentemente foi atacado e acusado de hipocrisia por causa disso, mas seu ponto é que não se deve ter apego aos bens materiais. É possível ter bens, desde que não seja possuído por seu patrimônio. Ainda assim, na mesma seção ele aconselha a reduzir a quantidade de nossos bens, de modo a diminuir a probabilidade de nos apegarmos a eles de forma exagerada: “Nunca poderemos afastar a tão profunda e vasta diversidade da iniquidade com que somos ameaçados a ponto de não sentir o peso de muitas tempestades, se oferecermos largas velas ao vento do mar” (IX,3). O capítulo IX termina com uma frase muito citada de Sêneca, porém citada de forma enganosa, pois ele critica homens que compram livros e não os estudam: Você verá as obras de todos os oradores e historiadores empilhadas sobre estantes que chegam até o teto. Nos dias de hoje, uma biblioteca tornou-se tão necessária como um apêndice de uma casa como um banho quente e frio.” (IX,7) https://www.estoico.com.br/tag/riqueza https://www.estoico.com.br/tag/Di%C3%B3genes FILOSOFIA DA FELICIDADE AULA 3 – A FELICIDADE EXCLUI O SOFRIMENTO? TEXTO 1: “DEZ CONSELHOS DE SCHOPENHAUER PARA A FELICIDADE” Texto extraído do link: https://www.aconsolacaodafilosofia.com/post/dez-conselhos-de- schopenhauer-para-a-felicidade Não me considero um seguidor as ideias de Schopenhauer. Os motivos são vários, mas se resumem ao fato de ele fundamentar sua filosofia nas ideias de Kant. Para Kant, não conhecemos a realidade (coisa em si), mas somente a configuração que nossas estruturas mentais (categorias a priori do entendimento) impõem sobre os dados sensoriais. Mas negar o conhecimento objetivo da realidade parece (e é) algo bastante contraintuitivo. Dessa forma, as ideias de Kant foram sendo desenvolvidas no Idealismo Alemão até chegarmos no racionalismo extremo de Hegel que identificava pensamento e realidade: “O que é real é racional, o que é racional é o real”!... Schopenhauer, discordando de Hegel, desenvolve o pensamento kantiano em outra direção. Se tudo que aparece no horizonte de nosso entendimento é uma representação, a única realidade objetiva (coisa em si) será uma vontade irracional. De fato, se negarmos a luz da verdade como farol que guia nossas decisões, não restará outra alternativa que definir o ser humano como uma vontade e descontrolada. Daí outro aspecto de seu pensamento, o pessimismo. Se não podemos transcender a nossa subjetividade para conhecer o mundo real, menos ainda isso será possível para conhecer a realidade Transcendente por excelência. Logo, tal vontade insaciávelnunca encontrará um descanso definitivo no Bem e no Fim Último que é Deus. Contudo, há alguns aspectos desse filósofo que me agradam. Ao criticar o Idealismo, ele desenvolve uma filosofia, digamos, mais “pé no chão” e existencial. A final de contas, nem tudo em nossa vida é sucesso, existem também os fracassos e as decepções. Além disso, a vontade é uma dimensão real de nosso ser (o que não implica uma visão irracional do homem). Por isso que encontro uma sabedoria e uma valor nos dez conselhos para a felicidade que ele nos oferece: 1. Evite a inveja e as comparações "Nada é tão implacável ou cruel como a inveja". Ela é uma das emoções mais negativas que podemos experimentar porque nos condena a um estado de insatisfação permanente, afastando-nos da felicidade. https://www.aconsolacaodafilosofia.com/post/dez-conselhos-de-schopenhauer-para-a-felicidade https://www.aconsolacaodafilosofia.com/post/dez-conselhos-de-schopenhauer-para-a-felicidade Comparar-se com os outros implica dedicar tempo e energia a uma tarefa infrutífera, porque geralmente nos comparamos com aqueles que nos parecem mais ricos, mais capazes ou mais felizes. Portanto, o primeiro passo para a felicidade é parar de nos comparar e entender que a inveja não tem sentido porque todos nós somos diferentes. 2. Pare de se preocupar com resultados Schopenhauer disse que antes de embarcar em qualquer projeto ou tomar uma decisão importante, devemos pensar ponderadamente sobre o assunto, mas uma vez dado o passo, devemos parar de se preocupar obsessivamente com os resultados. Devemos dar o melhor de nós mesmos e permanecer com a satisfação íntima de ter feito o melhor, sem estarmos muito ansiosos com os resultados obtidos, pois muitas vezes eles nem sequer dependem exclusivamente de nós. 3. Siga seus instintos Schopenhauer pensava que há pessoas muito criativas e outras mais lógicas, pessoas que são levadas à ação e outras a contemplação. Portanto, uma de suas dicas para ser feliz é ouvir nossas intuições. Isto é, encontrar nossa autêntica paixão e segui-la. 4. Faça sua felicidade depender somente de você Se nossa felicidade depende dos outros, então não é nossa própria felicidade. Por isso, "a felicidade pertence àqueles que são autossuficientes, porque todas as fontes externas de felicidade e prazer são, de acordo com sua espécie, inseguras, defeituosas, fugazes e sujeitas ao acaso". Devemos, portanto, procurar razões para sermos felizes dentro de nós mesmos, não fora. 5. Limite seus desejos Schopenhauer pensava que os descontrolados nos afundariam continuamente em uma espiral de insatisfação que nos leva a perseguir coisas que nunca acabarão por nos realizar, pois gerarão novas necessidades e desejos. Portanto, ele estava profundamente convencido de que um dos segredos da felicidade é querer muito menos. 6. Controle suas expectativas Não somente devemos limitar nossos desejos, mas também nossas expectativas, pois estas são muitas vezes a causa da infelicidade. Toda expectativa que não é atendida é um terreno fértil para a frustração. De fato, ele afirmou que "em vez de especular sobre possibilidades favoráveis, inventando centenas de ilusões esperançosas, todas repletas de decepções se não forem cumpridas, devemos nos concentrar em todas as possibilidades adversas, o que nos levaria a tomar precauções". Em outras palavras, ele nos incentiva a desenvolver uma visão mais realista que nos permite lidar com os obstáculos, em vez de ter falsas expectativas que nos fazem infelizes. 7. Valorize o que você tem como se você o perdesse amanhã "Raramente pensamos no que temos; mas sempre no que nos falta". Portanto, devemos aprender a olhar para a vida através de lentes mais positivas, sentindo- nos gratos por esses "dons" e aproveitando-os enquanto podemos. Começar o dia agradecendo pelo que temos é uma excelente maneira de cultivar a felicidade. 8. Seja compassivo consigo mesmo Analisando nossas vidas e os erros que cometemos, podemos exagerar, levando a um profundo sentimento de culpa e insatisfação, o que, por sua vez, gera amargura. Por esta razão, Schopenhauer disse que "a bondade é como um travesseiro, que mesmo que não tenha nada dentro, ao menos amortece a devastação da vida". O filósofo nos encoraja a sermos mais gentis e compreensivos com nossas falhas e fraquezas, o que não significa que não devemos tentar melhorar, mas sem autoflagelação. 9. Equilibrar a atenção entre o presente e o futuro Schopenhauer pensou que um desequilíbrio entre a atenção que damos para o presente e a atenção que damos ao futuro pode fazer com que um estrague o outro. Em essência, ele nos exorta a fazer planos, mas mantendo os pés no chão, aproveitando o aqui e agora, sem adiar a felicidade para um futuro que pode nunca vir. Sua ideia era que não deveríamos hipotecar nossa felicidade para um objetivo futuro, mas também não deveríamos estar muito enevoados pela adversidade presente para pensar que o futuro não nos trará nada de positivo. A chave é mover-se fluidamente através do tempo, para encontrar em cada momento o que precisamos para seguir em frente. 10. Aprender e aprender, sempre Schopenhauer disse "não há vento favorável para aqueles que não sabem para onde estão indo". Portanto, ele sempre deu grande importância aos planos e projetos futuros, que trazem uma boa dose de entusiasmo à vida. Quando ficamos em nossa zona de conforto, sem aprender nada ou planejar novos desafios, pouco a pouco nos queimamos todos os dias. Portanto, para sermos felizes, temos que continuar avançando, aprendendo sempre algo novo e estabelecendo novos desafios que nos permitam crescer como pessoas TEXTO 2 “ O HOMEM NÃO QUER FELICIDADE, DIZ NIETZSCHE” Texto extraído do link: https://universodafilosofia.com/2018/02/homem-nao-quer- felicidade-diz-nietzsche/ O que Nietzsche fala sobre Felicidade? Todo mundo quer ser feliz, certo? Quem não? Claro, você pode não querer sacrificar tudo por prazer, mas você certamente quer se divertir. Há uma enorme quantidade de drogas no mercado para resolver os problemas de depressão, e os métodos para alcançar a felicidade muitas vezes são vendidos e anunciados como algo que você pode começar, e o que você deseja acima de tudo. https://universodafilosofia.com/2018/02/homem-nao-quer-felicidade-diz-nietzsche/ https://universodafilosofia.com/2018/02/homem-nao-quer-felicidade-diz-nietzsche/ http://psicoativo.com/2018/01/antidepressivos-como-funcionam-eficacia-e-efeitos-colaterais.html http://psicoativo.com/2018/01/antidepressivos-como-funcionam-eficacia-e-efeitos-colaterais.html A busca da felicidade é tão essencial para a nossa ideia da boa vida que foi declarada sendo um direito inalienável por Thomas Jefferson. Ele resume o sonho americano como nenhuma outra ideia. Para muitas pessoas é o sentido da própria vida. É difícil para algumas pessoas imaginar que há uma maneira de pensar que sugere que você não quer, pelo menos, tentar ser tão feliz como você pode ser. Bem, há um filósofo que não acha que você quer a felicidade em si. Friedrich Nietzsche. Frase descrita na imagem: A Felicidade é frágil e volátil, pois, só é possível senti-la em certos momentos. Na verdade, se pudéssemos vivenciá-la de forma ininterrupta, ela perderia o valor, uma vez que só percebemos que somos felizes por comparação. (Nietzsche) Niietzsche viu a mera busca da felicidade, aqui definida como aquilo que dá prazer, como um desperdício sem graça da vida humana. Declarando: “ A humanidade não se esforça para a felicidade; apenas o inglês o faz”, fazendo referência a filosofia inglesa do utilitarismo, e seu foco na felicidade total. Uma filosofia que ele rejeitou com a sua parábola do “Último homem“, um ser patético que vive num tempo em que a humanidade “inventou a felicidade“. Os últimos homens? Na mente de Nietzsche eram felizes, mas sem brilho. Nietzsche estava dedicado à ideia de encontrarsentido na vida. Ele sugeriu o Ubermensch (O Superhomem ou Além do Homem), e sua criação de sentido na vida, como uma alternativa para o último homem, e ofereceu-nos a ideia de pessoas que estavam dispostas a empreenderem um grande sofrimento em nome de um objetivo que eles criaram, como exemplos. Podemos imaginar que Michelangelo achou agradável pintar do teto da Capela http://universodafilosofia.com/2017/12/os-3-principios-basicos-do-utilitarismo/ http://psicoativo.com/2016/04/nietzsche-e-o-super-homem-alem-do-homem-ubermensch.html http://psicoativo.com/2016/04/nietzsche-e-o-super-homem-alem-do-homem-ubermensch.html http://psicoativo.com/2016/04/nietzsche-e-o-super-homem-alem-do-homem-ubermensch.html http://psicoativo.com/2016/04/nietzsche-e-o-super-homem-alem-do-homem-ubermensch.html http://psicoativo.com/2016/04/nietzsche-e-o-super-homem-alem-do-homem-ubermensch.html http://psicoativo.com/2016/04/nietzsche-e-o-super-homem-alem-do-homem-ubermensch.html Sistina? Nikola Tesla declarou que seu celibato era necessário para o seu trabalho, mas queixou-se de sua solidão toda a sua vida. Essa é a felicidade? Se essas grandes mentes quisessem felicidade em si mesma, teriam feito o que fizeram? Não, diz Nietzsche. Em vez disso, eles escolheram perseguir significado, e encontraram. Isto é o que as pessoas realmente querem. A Psicologia muitas vezes concorda. O psicólogo Victor Frankl sugeriu que a chave para a boa vida é encontrar significado, indo tão longe a ponto de sugerir significados positivos para o sofrimento de seus pacientes para ajudá-los a seguir em frente. Suas ideias, publicadas no best-seller Em Busca de Sentido, foram inspiradas por seu tempo em um campo de concentração e suas notas sobre como as pessoas que sofrem horrores inimagináveis foram capazes de continuar através do significado, ao invés da felicidade. Há também uma questão de matemática utilitarista aqui para Nietzsche. Em sua mente, aqueles que fazem grandes coisas sofrem muito. Aqueles que fazem coisas pequenas sofrem trivialmente. Nesse caso, se alguém tentasse fazer cálculos utilitários, seria difícil, se não impossível, encontrar um cenário onde a felicidade líquida é muito grande. É por isso que o último homem é tão maçante; as únicas coisas que lhe concedem um grande retorno líquido de felicidade são assuntos bastante maçantes, e não as atividades indutoras de sofrimento que iríamos achar interessantes. Este problema é chamado de “o paradoxo da felicidade”. Atividades que são feitas para aumentar diretamente o prazer não são suscetíveis de ter um alto retorno. Nietzsche compreendeu este problema e deu voz quando ele disse que “A alegria acompanha, a alegria não se move”. Uma pessoa que gosta de colecionar selos não faz porque isso a faz feliz, mas porque ela acha interessante. A felicidade é um efeito colateral. Uma pessoa que sofre por anos fazendo uma obra-prima não é feita feliz por ela, mas encontra alegria na beleza criada após o fato. Claro, há oposição à ideia de Nietzsche. O grande pensador Inglês Bertrand Russell condena Nietzsche em sua obra A História da Filosofia Ocidental. A maior entre suas críticas à Nietzsche é que ele viu como uma brutalidade e abertura ao sofrimento, e ele comparou as ideias de Nietzsche contra as do compassivo Buda, visando Nietzsche gritando: “Por que ir a chatear porque as pessoas triviais sofrem? Ou, porque grandes homens sofrem? As pessoas triviais sofrem de forma trivial, os grandes homens sofrem muito, e grandes sofrimentos não devem ser arrependidos, porque são nobres. Seu ideal é puramente negativo, ausência de sofrimento, que pode ser completamente garantida pela inexistência. Eu, por outro lado, tenho ideais positivos: admiro Alcibíades, o imperador Frederico II e Napoleão. Por causa de tais homens, qualquer miséria vale a pena”. Russell, cujas interpretações de Nietzsche eram menos do que precisas e que sofria de ter más traduções para trabalhar, viu sua filosofia como o trampolim para o fascismo, e como sendo focada na dor. Então, enquanto você pode valorizar algo acima de felicidade, o quanto você está disposto a sofrer para obtê-lo? Nietzsche argumenta que você vai desistir de tudo por um valor maior. Outros ainda discordam. Você é mesmo capaz de buscar a felicidade e recebê-la? Ou Nietzsche está correto que você deve se concentrar em outros lugares, em significado, a fim mesmo de esperar a satisfação mais tarde? http://psicoativo.com/2016/04/nietzsche-nazista-hitler.html FILOSOFIA DA FELICIDADE AULA 4 – COMO SER FELIZ NA SOCIEDADE DO DESEMPENHO? TEXTO: - “Felicidade para Freud” Texto extraído do link : https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-felicidade-para-freud/ Uma das grandes obras em Freud discute o que é felicidade chama-se “O mal-estar na civilização“. Assim sendo, falaremos sobre alguns pontos deste livro para discutir aqui o que seria felicidade para o pai da Psicanálise. Nesse contexto, suas ideias importam muito para quem quer se tornar psicanalista. Isso porque muitas pessoas procuram a Psicanálise para compreender como podem ser felizes. Assim sendo, qual a base mais confiável para um psicanalista aconselhar um indivíduo? Freud, precisamente. A complexidade da felicidade Nesse contexto, a felicidade seria entendida como a presença de prazeres, que podem ser apenas imediatos? Ou será que ser feliz é viver na ausência de sofrimentos? Parece um conceito bastante complexo. Para uma pessoa doente, por exemplo encontrar a cura é uma felicidade. No entanto, no caso de uma pessoa saudável isso não parece ter a menor importância. A felicidade está em outras coisas, como encontrar um amor. Por outro lado, há pessoas que vivem ao lado de seus amados, são saudáveis, mas não se sentem felizes até terem filhos. Nesse contexto, as pessoas estão sempre em busca de uma parte que lhes falta. Assim sendo, a felicidade é muito complicada de entender. Ao que tudo indica, é um conceito que é muito líquido para compreender com facilidade. Nesse contexto, faz sentido que a entendamos pelas lentes de um teórico em especifico, já que muitas pessoas terão coisas diferentes para falar. Felicidade é não sofrer Para Freud essa é a resposta para quem pergunta o que é felicidade. Nesse contexto, é feliz quem obtém o prazer intenso e a ausência do sofrimento. Essa é uma proposta teórica que provém de pesquisas conduzidas por ele. Por sua vez, foram feitas com o objetivo de entender a felicidade humana e compõem os fundamentos Psicanálise. Nesse contexto, é possível pensar que a felicidade está não só na realização dos desejos que comentamos mais acima. Nem todas as pessoas são completamente realizadas. Há quem precise, por sua vez, desatar “nós” emocionais, ou curar frustrações e desejos reprimidos. Geralmente é esse o tipo de pessoa que vai procurar um psicanalista para descobrir como ser feliz. https://www.psicanaliseclinica.com/o-que-e-felicidade-para-freud/ https://www.amazon.com.br/mal-estar-na-civiliza%C3%A7%C3%A3o-Sigmund-Freud/dp/8563560301 https://www.amazon.com.br/mal-estar-na-civiliza%C3%A7%C3%A3o-Sigmund-Freud/dp/8563560301 Felicidade, infelicidade e repressão sexual Freud, por sua vez, acreditava que todas as nossas frustrações adivinham da repressão sexual. Assim, a falta da prática da libido além da sua restrição, para ele acabavam por desencadear muitos traumas e as fobias. Nesse contexto, Freud afirmou que o ser humano se adapta melhor a infelicidade, do que a própria felicidade. Isso principalmente com relação à nossa habilidade humana de reprimir desejos. Mas o que é ser infeliz? Ainda segundo Freud, ser infeliz é possuir a sensação de não ter algo que se deseja. Nesse contexto, pode ser não ter a saúde esperada, ou uma pessoa para amar verdadeiramente. É ainda aceitar ou tentar aceitar que o corpo com tempo perde o vigor, a energia, o viço. Como mencionamos anteriormente,é não poder expressar sua sexualidade da forma como se deseja. É além disso não poder falar de seus traumas, medos, frustrações. A relação entre a infelicidade e as doenças Ainda com relação à infelicidade, de acordo com Freud as frustrações e fobias, que são mentais, podem aparecer nos corpos como doenças e chagas. Assim sendo, uma doença pode ser fruto de uma infelicidade contida, mas disfarçada para que se consiga viver. Desta forma, existiria algo em nosso subconsciente nos avisando de que é mais fácil cuidar de uma frustração se ela se manifestar do corpo. Nesse contexto, não seria necessário falar sobre os desejos reprimidos, já que algum tipo de tratamento seria empregado para a parte da frustração que surge como doença. No entanto, os desejos ficam mais e mais reprimidos, gerando chagas e problemas sem fim. Freud observou isto tratando de seus pacientes. Ele entendeu quão problemática é a ausência da felicidade. Ademais: percebeu quão grande é a alegria que surge quando uma dor cessa. Em alguns casos, é maior do que a felicidade que vem após uma cura definitiva. No entanto, essa mesma cura estaria associada ao desemaranhamento de nós emocionais. É possível ser feliz mesmo sentindo falta de algo? Ainda segundo Freud, é possível ser feliz ao aceitar nossas frustrações e desejos oprimidos, reprimidos e não vivenciados. Algumas pessoas acreditam que a felicidade é uma questão de ter e não de ser. Assim, para elas ter um carro novo, uma nova casa, um novo emprego trariam alegria. No entanto, para Freud esses desejos culminam apenas em um prazer momentâneo, aquele que vai passar assim que a satisfação do desejo deixar de ser novidade. Nesse contexto, um novo romance, uma nova paixão momentânea e passageira podem causar os mesmos efeitos. Com o passar do tempo percebe-se o quanto podem ser fruto de euforia e virar apenas mais um conteúdo em nossas vidas. O que é felicidade: ter ou ser? Assim sendo, quando algum paciente pergunta o que é felicidade, o psicanalista responde que se trata de ser feliz e não de ter para ser feliz. É compreender e aceitar as nossas fobias e tratá-las. É não reprimir mais os nossos desejos, principalmente os sexuais, e aceitar o que somos. No entanto, com o cuidado e vontade de nos melhorarmos. Assim, podemos acreditar que a cura do corpo e da infelicidade está na cura da mente. Nesse contexto, portanto, a psicanálise tem um papel crucial. Trata-se da responsabilidade de nos mostrar o que é a felicidade e como praticá-la, aceitando as infelicidades que não poderemos mudar. Iremos morrer um dia, por exemplo. Isto é um fato. No entanto, não precisamos viver infelizes porque isto um dia irá acontecer. Enquanto não acontece, devemos aproveitar ao máximo a nossa vida, e se possível em prol do outro. É uma grande ilusão acharmos que podemos mudar tudo. O mundo, as regras de uma sociedade. Não podemos fazer com que o outro goste de nós. Além disso, maior ilusão ainda seria colocar a responsabilidade da nossa felicidade nas mãos dos outros. Por essa razão, o psicanalista ajuda o indivíduo a ser feliz sozinho. Conclusão A felicidade está em aceitar o que não podemos mudar. Isto não é dito por nós, mas sim por todos que trabalham na área da saúde mental e na psicanálise. A aceitação é o primeiro passo para deixar para traz a infelicidade. É impossível ser feliz o tempo todo. Isto seria alienação, loucura. Contudo, podemos sim buscar a felicidade. Isso por meio do nosso próprio conhecimento e da aceitação do que é imutável. Nesse contexto, ter tudo não é ser feliz. No entanto, ter o que precisamos e aceitar o que temos é verdadeiramente uma grande felicidade. Assim, seja feliz com o que você é e não por aquilo que você tem.