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CBI of Miami 1 CBI of Miami 2 DIREITOS AUTORAIS Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os direitos sobre ele estão reservados. Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou quaisquer veículos de distribuição e mídia. Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações legais. CBI of Miami 3 Habilidades Sociais no Autismo Leve I Mateus Brasileiro Ao falarmos do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é quase que inevitável não nos voltarmos imediatamente para aquela que talvez seja a característica mais marcante do quadro, um déficit no repertório comportamental necessário para a interação com outras pessoas. Ou, como colocam Weiss e Harris (2001), problemas nas interações sociais têm sido consideradas intrínsecas à definição e ao diagnóstico de autismo desde a primeira delimitação feita por Kanner (1943) até as mais recentes publicações do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria (APA). Alguns dos déficits apresentados por indivíduos com autismo incluem dificuldades em manter contato visual e se orientar a estímulos sociais, no reconhecimento de expressões faciais e (consequentemente) em responder às emoções de outras pessoas, na capacidade de inferir e compreender a perspectiva de outras pessoas, na expressão de respostas emocionais e no desenvolvimento e utilização de estratégias de auto controle, na iniciação de diálogos e em responder adequadamente à iniciação de outros, na compreensão e utilização de ironias, metáforas e termos com duplo sentido. E estas características tendem a se manter ao longo da vida do indivíduo. De acordo com White et al. (2007), estes “déficits de socialização são a maior fonte de prejuízo para indivíduos com TEA, independente de suas habilidades cognitivas ou de linguagem” (1858). Por causa desses déficits de habilidades sociais, crianças e adolescentes com autismo tendem a relatar maior solidão e desejo por interações e suporte social do que seus pares etários com desenvolvimento típico (BAUMINGER e KASARI, 2000), têm maior risco de rejeição social (CHAMBERLAIN et al., 2007), enfrentam maior dificuldade para alcançar sucesso acadêmico e profissional (Hartup, 1989) e tendem a ter maior probabilidade de desenvolver transtornos de ansiedade e humor (TANTAM, 2003). CBI of Miami 4 1. A Definição de Habilidades Sociais em uma Perspectiva Analítico- Comportamental Mas afinal de contas, do que se está falando quando se fala em habilidades sociais? Apesar de ser um termo comumente utilizado, tanto no senso comum como na literatura acadêmica especializada em autismo (mas não apenas nela), e julgar-se que sua compreensão é, muitas vezes, quase que intuitiva, a tarefa de se definir de forma precisa o conceito de habilidades sociais é muito mais árdua do podemos julgar inicialmente. De acordo com Rao et al. (2008), uma das dificuldades para o desenvolvimento de programas voltados para o trabalho com habilidades sociais para indivíduos com TEA é justamente a falta de uma definição universal do que seriam habilidades sociais. Este ponto fica bem exemplificado nas passagens a seguir: Habilidades sociais são as competências que usamos para interagir com outros na nossa sociedade. São baseadas em normas desta sociedade, definindo o que é normal, aceitável e esperado em situações específicas (PATRICK, 2008, pág. 15) “Aqueles comportamentos que, dentro de uma dada situação, prediz resultados sociais importantes” (MCKINNON & KREMPA, 2002, pág.21) Apesar de não serem excludentes (e talvez até mesmo complementares), as definições trazidas nestes dois diferentes manuais de treino de habilidades sociais (específicos para indivíduos com autismo) claramente enfocam aspectos diferentes. Ademais, a análise desses dois trechos acaba evidenciando um outro problema comumente encontrado na definição de habilidades sociais, uma delimitação tão ampla que acaba englobando quase qualquer coisa que uma pessoa faz, e falha em diferenciar a área das habilidades sociais de outros campos de intervenção. Diante do exposto, apesar de não termos como objetivo aqui sugerir uma definição universal para o campo das habilidades sociais (ou mesmo aprofundar tal discussão), ao apresentarmos um capítulo que se propõe a tratar do tema, não podemos nos furtar à responsabilidade de (pelo menos) delimitar o escopo que o termo deverá alcançar dentro do texto. Talvez a forma mais simples e conceitualmente coerente de fazermos isto seja apresentando uma definição de comportamento social e, a partir dela, delimitar o que seria um CBI of Miami 5 comportamento socialmente habilidoso. De acordo com Skinner (1953), “comportamento social pode ser definido como o comportamento de duas ou mais pessoas com respeito uma à outra ou em conjunto com respeito a um ambiente comum“ (297). Ou seja, comportamento social é comportamento cujas contingências controladoras (tanto antecedentes como consequentes) advêm ou dependem do comportamento de outra(s) pessoa(s). Um indivíduo socialmente habilidoso neste contexto, portanto, deveria ser alguém capaz de reagir aos estímulos relevantes do ambiente social e maximizar a produção de reforço/minimizar o contato com a punição mediados por outros. Mesmo após esta definição (ou talvez, a partir dela), no entanto, uma outra questão relacionada à delimitação do campo das habilidades sociais ainda precisa ser respondida: que características especiais possui o comportamento social para que possamos justificar as habilidades sociais como uma área de pesquisa e intervenção a parte? Para responder a esta pergunta, vamos mais uma vez recorrer a Skinner (1953) e sua caracterização do comportamento social. Comportamento social surge porque um organismo é importante para o outro como parte do seu ambiente. Um primeiro passo, então, é uma análise do ambiente social e de qualquer características especiais que ele possa possuir. [...] Comportamento reforçado através da mediação de outras pessoas diferirá em muitas formas do comportamento reforçado pelo ambiente mecânico. Reforçamento social varia de momento a momento, dependendo da condição do agente reforçador. Diferentes respostas podem, portanto, produzir o mesmo efeito, e uma resposta pode produzir diferentes efeitos, dependendo da ocasião. Como resultado, comportamento social é mais extenso do que comportamento comparável em um ambiente não social. Ele é também mais flexível, no sentido de que o organismo pode mudar mais rapidamente de uma resposta para outra quando o comportamento não é mais efetivo. [Além disso], uma vez que o organismo frequentemente pode não responder apropriadamente, reforçamento é provável de ser intermitente. (SKINNER, 1953, p. 298-299) Em outras palavras, a inconstância que é inerente ao ambiente social (tanto em relação às mudanças nas contingências em vigor e, até como uma consequência, na intermitência do reforçamento) acaba trazendo uma complexidade especial para aquela parte do nosso repertório voltada para a CBI of Miami 6 interação com outras pessoas: o comportamento social deve ser extenso e flexível para que possamos dar conta das contingências sociais. Ironicamente,é justamente esta complexidade do ambiente social que pode representar um dos principais obstáculos para a construção do repertório que seria necessário para que uma pessoa possa interagir de forma mais eficaz com esta parte do ambiente. Como a literatura (tanto básica como aplicada) já nos demonstrou inúmeras vezes, a aquisição e manutenção inicial de respostas, mesmo daquelas mais simples, se beneficia (e por vezes depende) de uma contingência de reforçamento que seja a mais contínua e consistente possível. E é neste sentido que a intermitência e inconsistência das contingências encontradas no ambiente social podem representar uma grande dificuldade na aquisição das habilidades sociais – em especial para indivíduos que não foram submetidos a uma história de aprendizagem mais cuidadosa (por exemplo, uma em que o reforço vá ficando apenas gradualmente contingente a comportamentos mais extensivos e diferenciados) e/ou que têm alterações marcantes na sensibilidade a certos aspectos do ambiente que seriam essenciais para lidar com as características especiais do ambiente social (ex. sensibilidade muito forte apenas a reforçadores muito imediatos, pouca sensibilidade a relações temporais e de contingência entre estímulos etc.) – e responder por muitos dos problemas observados naqueles quadros diagnósticos marcados por déficits nestas habilidades, dentre eles, o TEA. Por fim, uma outra complexidade do ambiente social pode estar associada à dificuldade de aquisição de um repertório social eficiente: as propriedades complexas dos estímulos antecedentes que controlam as respostas sociais. Colocar uma resposta sob controle de um determinado estímulo social antecedente pode ser uma tarefa bastante difícil, não porque não conheçamos os processos e procedimentos responsáveis e necessários para isto, mas porque é, muitas vezes, difícil definir os aspectos da situação estimuladora que deveriam controlar uma determinada classe de respostas. Como indaga Skinner (1953), “Quais, por exemplo, são as dimensões físicas de um sorriso?” (301). A maioria de nós conseguiria, com relativa facilidade, identificar um sorriso no nosso dia a dia. No entanto, provavelmente teríamos muito mais dificuldade em descrever o padrão de estímulos que CBI of Miami 7 formam o que chamamos de sorriso, o que seria uma condição importante para que pudéssemos montar um treino discriminativo mais eficiente. Colocando de forma bem simples, nós podemos saber reagir de forma adequada a sorrisos, mas não necessariamente sabemos ensinar alguém a fazê-lo. A partir do exposto, podemos complementar a definição de habilidades sociais apresentada anteriormente adicionando um novo elemento a ela, o tipo especial de complexidade que este repertório traz, e, com isto, começar a delimitar o campo destas habilidades em relação a outras áreas de intervenção. 2. Componentes de uma Resposta Socialmente Hábil Caballo (2003), descrimina quatro componentes de uma resposta socialmente hábil: A. Motivação: o termo motivação aqui utilizado tem um escopo mais amplo do que comumente utilizamos na análise do comportamento e refere-se à capacidade de estímulos sociais interessarem e reforçarem os indivíduos. É comum observar que estímulos sociais (ou uma parte deles) têm pouco ou nenhum efeito comportamental (seja como antecedente, seja como consequente) em pessoas com TEA. Assim sendo, um primeiro passo seria justamente avaliarmos o quanto nosso paciente/aluno é sensível a estes estímulos sociais (proximidade das pessoas, expressões faciais, a voz das pessoas e/ou outras reações dos pares) e, se necessário, intervir para que ele fique mais sensível a esta parte do ambiente. B. Decodificação: aqui refere-se à capacidade de uma percepção completa dos estímulos interpessoais relevantes. Ou seja, o paciente/aluno com TEA, é capaz de ficar sob controle de todos os estímulos sociais relevantes para que respostas socialmente competentes sejam adequadamente evocadas nas situações corretas? C. Tomada de decisão: a importância de processar de forma flexível estes estímulos para gerar e avaliar as possíveis opções de resposta. É importante salientar aqui que este componente faz sentido em uma visão cognitivista do fenômeno, mas precisa ser mais bem compreendido em uma visão analítico- comportamental. A partir de uma visão cognitivista, uma resposta socialmente CBI of Miami 8 hábil dependeria de um processamento muitas vezes consciente das informações sociais. O analista do comportamento, no entanto, considera que uma resposta socialmente hábil precisa apenas estar sob controle dos estímulos antecedentes adequados, quer o indivíduo esteja ou não consciente de tais estímulos, De qualquer forma, aqui temos uma área que também na análise do comportamento tem sua relevância, que seria a capacidade do indivíduo formular regras acerca do ambiente social. Ou seja, além de ficar sob controle dos estímulos sociais e reagir a eles, o indivíduo pode (e também deve) aprender a descrever tais estímulos e gerar regras que possam afetar sua ação sobre o mundo. O conceito e os efeitos das regras dentro de uma perspectiva analítico-comportamental serão mais bem descritos posteriormente quando formos falar sobre as estratégias de intervenção. D. Codificação: por codificação, Caballo (2003), refere-se, na verdade a elementos diferentes. I. A capacidade de execução adequada da resposta. Ou seja, a pessoa emite respostas sociais com as topografias que seriam esperadas? Por exemplo, a criança já cumprimenta as outras, mas ela o faz olhando para seu interlocutor? Ela estende a mão para ele? Fala com uma voz firme? Pergunta como a outra pessoa está? Responde ao cumprimento do outro? Muitas vezes o foco da intervenção está aqui. Ensinar a pessoa o que fazer. Mas é interessante perceber que este é apenas um dos pontos da intervenção, pois se a pessoa sabe o que fazer, mas não tem motivação para fazer ou não percebe adequadamente as situações de quando deve fazer, isto pouco adiantará. II. A sensibilidade aos feedbacks sociais. Muitas vezes vamos modulando nossos comportamentos a partir do retorno que recebemos dos outros. Se eles sorriem e mantêm a conversa, continuamos no assunto. Se eles se mostram desinteressados, podemos tentar mudar ou abreviar o que estamos falando, bem como sua forma. Portanto, um elemento importante da resposta socialmente hábil é perceber e reagir corretamente às reações dos outros aos nossos comportamentos. CBI of Miami 9 III. Capacidade de auto-observação. De nada adianta o indivíduo observar como o outro reage a si, se também não consegue observar como ele mesmo está agindo. Modificar/modular meu comportamento depende também da observação que eu tenho do que eu estou fazendo e como estou fazendo. Portanto, precisamos também incorporar este objetivo na nossa avaliação e, quando necessário, na nossa intervenção. Assim, apesar de estarmos aqui bebendo de fontes que são de fora da análise do comportamento, podemos utilizar nossos conhecimentos acerca dos processos comportamentais para compreender melhor o que autores de outras áreas estão dizendo e incorporar parte do conhecimento produzido por eles a uma avaliação e intervenção analítico-comportamental. A formulação de Caballo (2003), por exemplo, nos dá várias pistas de possíveis objetivos de avaliação e intervenção que devemos dar conta. Referências Bibliográficas 1. CABALLO, V. Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. São Paulo: Santos, 2003. 2. BAUMINGER N, KASARI C. Loneliness and friendship in high- functioning children with autism.Child Development 2000; 71, 447–456. 3. CHAMBERLAIN BO, KASARI, C, ROTHERAM-FULLER E. Involvement or isolation? The social networks of children with autism in regular classrooms. J Autsm Dev Disord 2007; 37 230-242. 4. HARTUP W. Social relationships and their developmental significance. American Psychologist 1989; 44, 120–126. 5. KANNER L. Austistic disturbance of affective contact. Nervous Child 1943; 2, 217-240 (1943). 6. MCKINNON K, KREMPA JL. Social Skills solutions: an aands-on manual for teaching social skills to children with autism. Nova York: DRL, 2002. CBI of Miami 10 7. RAO A.O., BEIDEL C.B., MURRAY JM. Social skills interventions for children with Asperger’s syndrome or high-functioning autism: a review and recommendations. J Autism Dev Disord 2008; 38, 353-361. 8. SKINNER B.F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 1953. 9. TANTAM D. The challenge of adolescents and adults with Asperger syndrome. Child Adolescence and Psychiatric Clinics of North America 2003; 12, 143–163. 10. WEISS MJ, HARRIS SL. Teaching social skills to people with autism. Behavior Modification 2001; 25, 785-802. 11. WHITE SW, KEONIG K, SCAHILL L. Social skills development in children with autism spectrum disorder: a review of the intervention research. J Autism Dev Disord 2007; 37, 1858-1868. CBI of Miami 11 Implicações da Definição de Habilidades Sociais A partir da natureza das habilidades sociais exposta em sua definição, começamos a entender por que esta parte do repertório comportamental apresenta um obstáculo importante para pessoas com TEA, especialmente se entendermos algumas características de funcionamento que geralmente acompanham o estabelecimento do diagnóstico em si. De forma mais clara, muito comumente quando se fala de pessoas com autismo, se está falando de indivíduos que apresentam uma ou uma combinação das seguintes características: • Interesses restritos: um dos aspectos marcantes das habilidades sociais é ficar sob controle de reforçadores sociais intermediários (as próprias reações das outras pessoas ao meu comportamento, por exemplo), visto que os reforçadores finais tendem a ser bastante atrasados. Imagine só o quanto geralmente demoramos desde o início de uma conquista amorosa até que tenhamos conseguido estabelecer uma relação de namoro ou satisfação sexual. Neste meio tempo ficamos sob controle de pequenas conquistas ou avanços, com um sorriso, os olhares a mera oportunidade de conversar com a outra pessoa. Agora imagine a dificuldade que é para alguém manter toda esta longa cadeia de respostas se ela está sob controle de um número limitado de reforçadores. Conversas sobre assunto “banais” não interessam, olhares e sorrisos significam muito pouco. Esta pessoa terá pouca probabilidade de se manter engajado nos comportamentos que, eventualmente poderiam levar às consequências finais desejáveis. • Maior dificuldade em variação: foi apresentado anteriormente que o sucesso social depende, pelo menos em parte, da capacidade que temos de trocarmos estratégias que funcionaram anteriormente, mas que agora não estão funcionando, por outras. Ocorre que uma das características comumente observadas em indivíduos com TEA é justamente a dificuldade de mudar seus padrões de ação. Logo, nós podemos ter pessoas que têm dificuldade de produzir consequências sociais mais vantajosas justamente pela dificuldade em apresentar maior variabilidade comportamental. • Dificuldade no estabelecimento de controle de estímulos complexos: dadas as inúmeras possibilidades de ação que temos em uma determinada CBI of Miami 12 situação, como sabemos qual será a atuação com maior probabilidade de ser reforçada? Geralmente refere-se a pessoas socialmente habilidosas como tendo uma capacidade de “ler” e se adaptar às diferentes sociais que se apresentam. Mas esta leitura significa estar sob controle de múltiplos estímulos do ambiente social (vários dos quais nem estamos conscientes que nos controlam), que acabam por aumentar a probabilidade de comportamentos que são mais prováveis de produzirem reforço em uma determinada situação específica. No entanto, pessoas com TEA muitas vezes têm maior dificuldade de ficar sob controle de estímulos múltiplos e acabam focando em uma parte da situação ao invés do todo. Isto tende a prejudicar que as respostas mais adequadas sejam evocadas. Assim, tendo em vista a natureza ubíqua e pervasiva dos problemas relacionados às interações sociais em indivíduos com TEA, em conjunto com a complexidade envolvida na aquisição (e, consequentemente, no ensino) dessas habilidades, temos aqui um dos principais desafios enfrentados por analistas aplicados do comportamento que trabalham com pessoas com autismo: desenvolver tecnologia que possa ajudar na remediação desses déficits e na construção de um repertório que possibilite interações sociais mais proveitosas. Em uma linha geral, o que precisamos é criar uma história especial de aprendizagem na qual o reforço vá ficando apenas gradualmente contingente a comportamentos mais extensos e diferenciados, à medida que vamos também gradualmente aumentando a quantidade de estímulos sociais que afetam o comportamento da pessoa e, a partir disso, vamos fazendo com que responde discriminadamente a um conjunto mais complexos de estímulos combinados. Avaliando as Habilidades Sociais – Parte I Como para qualquer intervenção de base analítico comportamental, antes mesmo de se iniciar um treino em habilidades sociais propriamente dito, uma etapa inicial indispensável e que irá guiar todo processo é uma criteriosa avaliação que permita: definir uma linha de base, realizar uma avaliação funcional dos déficits e excessos comportamentais observados, selecionar CBI of Miami 13 metas para a intervenção e fazer uma análise de tarefas dessas específicas habilidades selecionadas. 1. Linha de Base O objetivo principal da linha de base é que possamos ter dados concretos sobre o que o indivíduo já é ou não capaz de fazer. Para isto, devemos ter como uma preocupação constante medidas do comportamento, pois elas nos darão não apenas um ponto de partida mais seguro para iniciarmos a intervenção, mas também bases sólidas para avaliarmos seu sucesso, que muitas vezes ocorre de forma lenta e não necessariamente linear. Abaixo segue uma lista de algumas medidas comportamentais importantes de serem consideradas em uma avaliação inicial A. Frequência/taxa: utilizados muitas vezes como termos intercambiáveis para fins práticos, frequência de respostas refere-se ao número total de respostas emitidas por um determinado indivíduo (ex. Joãozinho se levantou 30 vezes durante a aula, enquanto taxa refere-se a esta quantidade numérica por unidade de tempo (ex. em uma aula de 60 minutos, Joãozinho de se levantou 0,5 vezes por minuto). Elas são comumente vistas como as medidas essenciais do efeito do reforço, e realmente representam o dado básico quando nossa preocupação é aumentar ou diminuir o número de vezes que uma pessoa se engaja em uma determinada ação, mas a depender do objetivo estabelecido, outras medidas podem ser tão ou mais importantes. B. Oportunidades: Nem sempre o número absoluto de respostas é um dado confiável para o objetivo em questão na intervenção. Por exemplo, se estamos preocupados em medir o número de vezes que uma criança reagiu à iniciação de interação de um dos seus pares, a primeira pergunta que deveríamos fazer é “quantas oportunidades ela teve de fazeristo?”. Se antes da intervenção ela respondeu 10 vezes em 20 oportunidades que deu e depois dela respondeu oito vezes em oito oportunidades, a observação da frequência nos faria pensar em um fracasso da intervenção, mas o registro por oportunidades (mais relevante neste caso) nos mostra que ela aumentou o número de vezes que reage à iniciação de outros de 50% para 100%. C. Duração: como o próprio nome sugere, duração se refere a quanto CBI of Miami 14 tempo uma resposta durou desde que começou a ser emitida até que seja finalizada. Para uma criança que tem poucas respostas de “birra”, por exemplo, talvez a diminuição da frequência não seja uma preocupação, mas quanto tempo está birra dura. Neste caso, o dado básico seria a duração. D. Magnitude: refere-se à força ou intensidade de uma determinada resposta. Mais uma vez tomando episódios de birra como exemplo, uma criança pode apresentar frequência baixa e uma duração curta, mas chora de forma muito alta e bate nos objetos e nas pessoas com muito vigor. Neste caso, o problema maior talvez seja a magnitude da resposta; E. Latência: é o tempo transcorrido entre a apresentação de um estímulo e o aparecimento de uma resposta. No exemplo dado sobre Joãozinho, ele poderia estar reagindo às iniciações de seus pares de forma bastante consistente, mas demorando em média 10 segundos para isto. Neste momento, a preocupação da intervenção deveria ser menos com as oportunidades e mais com a latência da resposta; F. Topografia: por fim, o problema pode não estar em nenhum dos parâmetros especificados anteriormente, mas sim na forma que a resposta toma. Mariazinha é capaz de cumprimentar seus colegas sempre que os encontra, mas ela sempre o faz com a mesma topografia (mesmas palavras, mesmo tom de voz etc.). Estas são algumas das propriedades do comportamento que podem ser observadas, medidas e sobre as quais uma intervenção (ou determinadas partes da intervenção) em habilidades sociais pode se apoiar. Mas como estes dados podem ser coletados? Não se pretende aqui sugerir um roteiro para a observação do comportamento, mas um caminho que pode ser bastante útil e é comumente relatado pode ser assim apresentado: (i) uma entrevista com os pais e/ou cuidadores da criança para que se possa ter uma noção geral do quadro, as principais queixas encontradas e quais classes de respostas podem merecer especial atenção durante uma observação; (ii) observações da criança em ambiente natural (no qual o aplicador não faz nenhuma intervenção direta), devendo-se começar com registros mais gerais (ex. registro cursivo) e apenas posteriormente passar para registros específicos (ex. frequência de iniciação CBI of Miami 15 de interações com pares); (iii) observações em situação programadas pelo aplicador, nas quais ele programa mais diretamente o ambiente para ser possível criar condições de se avaliar repertórios não possíveis de serem observados em situações naturais. Por fim, uma forma de mensuração do comportamento que nem sempre é muito bem aceita dentro da análise do comportamento é a utilização de escalas. Neste tipo de medida, pede-se para que o observador atribua a cada comportamento ou categoria um certo valor após o fim de um período de observação ou após a passagem de um determinado tempo. Por exemplo, quer-se avaliar quanto tempo uma criança passa em pé durante as aulas, mas ao invés de se medir a duração deste comportamento, pede-se que a professora pontue em uma escala de 1 a 5, sendo que 1 significa que a criança ficou pouco tempo em pé e 5 que ela passou a maior parte do tempo em pé. O problema com este tipo de medida é que não se está registrando nenhuma propriedade do comportamento, mas as impressões que alguém tem sobre o comportamento de alguém. Assim, é uma medida muito aberta a muitas inferências e difíceis de serem verificadas. No exemplo dado anteriormente, poderíamos ter dois observadores diferentes e um marcar 2, enquanto o outro marca 4, pois cada um tem sua percepção do que é pouco ou é muito e suas próprias expectativas de como a criança deveria se comportar. Não obstante, a utilização de checklists e escalas ainda é feita por analistas do comportamento, pois elas possibilitam uma forma ágil de registro e, com isso, que o aplicador consiga olhar para vários comportamentos ao mesmo tempo, bem como intervir sobre eles. Assim, apesar da preferência por medidas diretas do comportamento, talvez possamos admitir o uso de escalas e trabalhar para contornar algumas de suas limitações. Aqui seguem quatro indicações gerais para isto: A. Foco em comportamentos bem descritos e passíveis de observação direta ao invés de traços de personalidade, sentimentos e intenções. Por exemplo, seria preferível ter uma escala que pede que observemos se um indivíduo utiliza marcadores de educação (como por favor, obrigado etc.) do que uma que pedíssemos para avaliar se ele foi educado. CBI of Miami 16 B. Estabelecimento de critérios claros de pontuação da escala. Utilizando o exemplo anterior, poderíamos sugerir que o indivíduo marcasse 1 ponto caso nunca utilizasse os marcadores de educação, 2 se utilizasse menos de 20% das vezes em suas interações com os outros, 3 se utilizasse entre 20% e 30% e assim por diante. Dessa forma, apesar de ainda estarmos sujeitos a alguma inferência, nós forneceríamos algum parâmetro para o observador. C. Dividir uma habilidade em várias categorias. Quando dizemos que uma pessoa é educada, não estamos apenas falando da utilização de marcadores de educação. Estamos falando também de saber esperar sua vez de falar, de perguntar como as pessoas estão se sentindo, de fazer elogios etc. Então, deveríamos dividir uma classe maior nas várias classes de comportamentos menores que a compõem. A partir do estabelecimento de uma linha de base, estaremos preparados para avançar para as próximas etapas de nossa avaliação e, com isso, montar o nosso plano de intervenção. Avaliação das Habilidades Sociais – Parte II 2. Análise Funcional Além de saber se um indivíduo é capaz ou não de fazer algo, devemos entender também por que ele faz/não faz aquilo e que contextos/partes de um contexto controlam/falham em controlar suas respostas. Quando buscamos de forma sistemática estas informações, estamos fazendo uma análise funcional do comportamento. Quando estamos interessados em fazer uma análise funcional, portanto, devemos atentar basicamente às seguintes perguntas: que consequências determinado comportamento produz? Quais destas parecem ser relevantes? Que consequências geralmente são relevantes para os comportamentos dos pares, mas não para os da criança em questão? Em que contexto (e sob que condições) um determinado comportamento ocorre/não ocorre? Que aspectos de um determinado contexto parecem ser relevantes? É importante ressaltar que a análise funcional pode ter diferentes graus de estruturação, sistematicidade e controle, desde uma que se baseia apenas CBI of Miami 17 na observação para gerar hipóteses funcionais não necessariamente testadas, até análises que tenham uma total estruturação do ambiente, com um método bem estabelecido, como a que Iwata et al. (1982) denominou de avaliação funcional. No entanto, o presente capítulo não irá se aprofundar nesta discussão. Para saber mais sobre o tema, ver capítulo 2. Duas formas muito comuns de se coletar dados sobre as possíveis variáveis ambientais que afetam as respostas de interesse são o registro contínuo cursivo e o registro ABC. O registro contínuo cursivo geralmente é utilizadoem momentos iniciais de nossa coleta de dado, pois permite que o observador registre um grande número de ações e eventos ambientais, ao invés de focar em comportamentos específicos. Segundo Danna e Matos (1984), o “registro contínuo cursivo consiste em, dentro de um período ininterrupto de tempo de observação, registrar, utilizando de linguagem científica e obedecendo à sequência temporal em que ocorrem, os eventos tais como eles se apresentam” (p. 72). Ou seja, durante o período de observação, o observador deverá registrar tudo que estiver ocorrendo com o indivíduo, incluindo sua localização, posição, postura, eventos comportamentais (se ele se mexeu, falou, quais expressões faciais etc.) e eventos ambientais, tanto os físicos (onde ele estava, como era este local) como os sociais (quem estava no local, como interagiram com o indivíduo em questão). Um exemplo dado pelas autoras está apresentado a seguir: S se encontra no canto cd da sala de refeição, de pé, defronte da mesa 6, a aproximadamente 20 cm desta mesa. Atendente entra na sala com toalha na mão. S olha em direção à atendente. Atendente coloca a toalha sobre a mesa 6. S vira-se de costas, anda em direção à atendente. De pé, retira a toalha da mesa 2. Dobra a toalha. Toalha dobrada em forma aproximadamente de bola. S joga a toalha em direção a um menino. Menino pega a toalha. S sorri. (DANNA E MATOS, 1984, p. 74) A partir das informações coletadas, o observador pode, posteriormente, retomar tudo que for registrado e buscar relações entre eventos comportamentais e eventos ambientais, estabelecendo hipóteses funcionais bem fundamentadas. CBI of Miami 18 Assim, apesar de ser um tipo de registro bastante completo, ele também exige bastante do observador que vai utilizá-lo. Então, quando já se tem um bom conhecimento do indivíduo a ser observado e seus comportamentos (especialmente os comportamentos problema), talvez ele não seja tão necessário e podemos utilizar um registro que foque mais diretamente na busca de relações funcionais entre as respostas e os eventos antecedentes e consequentes. O registro mais comum para este propósito é o registro ABC, como exemplificado a seguir. Folha de Registro de comportamentos disruptivos Nome da Criança: Antecedente Geral: Data __/__/__ Horário: _______________ Ambiente: _________________________ ANTECEDENTE IMEDIATO COMPORTAMENTO CONSEQUÊNCIAS No exemplo aqui apresentado, o observador deveria colocar dados sobre o antecedente geral (data, horário e o ambiente onde foram observados), bem como registrar todos os comportamentos de interesse (aqui no exemplo, comportamentos disruptivos), decompondo-os já no momento de registro de forma a explicitar não apenas o que a pessoa fez, mas também o que ocorreu imediatamente antes e imediatamente depois da ação. 3. Seleção de Metas Específicas Quando estamos aqui falando do estabelecimento de metas específicas, estamos apenas tendo o cuidado de lembrar o leitor que em qualquer intervenção o foco deveria ser em comportamentos, devendo-se evitar CBI of Miami 19 descrições vagas que parecem se referir mais a “traços de personalidade” e pouco especificam o que seria esperado do indivíduo. Por exemplo, é muito comum ouvirmos a queixa inicial “eu gostaria que meu filho fosse mais gentil com as pessoas”. Mas o que exatamente significa “ser gentil”? Talvez os pais estejam dizendo que gostariam que seu filho cumprimentasse as outras pessoas quando as encontrasse ou que ele simplesmente deveria aprender a usar os marcadores de educação como “por favor” e “obrigado”. Quando estamos realizando uma avaliação inicial, uma de nossas preocupações deve ser justamente tentar especificar os comportamentos que vêm embutidos nessas descrições gerais. O Quadro 1 traz alguns exemplos adicionais de como categorias pouco descritivas poderiam ser expressas em forma de metas específicas. Categorias vagas Metas específicas Ser mais calmo - Ser capaz de expressar frustração e raiva verbalmente (ou fazê-lo em tom de voz mais baixo) - Fazer as coisas em um ritmo mais lento - Não bater no irmão Ser educado à mesa - Falar apenas quando já tiver engolido a comida - Comer mais devagar - Mastigar de boca fechada Ser respeitoso com os pais - Não gritar com os pais - Atender quando estes o fazem algum pedido - Obedecer às regras gerais da casa Ser cuidadoso com suas coisas - Guardar os brinquedos depois de usá-los - Não riscar ou rasgar seus livros - Arrumar a cama depois de levantar-se Claro que existem inúmeras outras possibilidades do que podem significar “ser calmo”, “ser educado”, “ser respeitoso” ou “ser cuidadoso”, “. A intenção aqui é apenas exemplificar duas diferentes formas de se descrever as CBI of Miami 20 metas de uma intervenção e frisar para o leitor a diferença prática que existe a depender de como esta descrição é feita: quando especificamos as metas em termos de comportamentos, sabemos o que deve ser ensinado. 4. Análise de Tarefas Uma apresentação mais completa do que é e como fazer uma análise de tarefas já foi apresentada no capítulo 10. No entanto, até por estarmos tratando de um tipo de comportamento que é justamente marcado por sua complexidade, vale a pena enfatizar: mesmo uma habilidade/comportamento aparentemente simples pode (e, por vezes, deve) ser dividida em unidades de treino ainda menores. Como colocam McKinnon e Krempa (2002), O componente mais importante ao se ensinar uma criança com autismo é construí-lo em direção ao sucesso através de uma definição clara de metas, trabalhando sistematicamente, consistentemente e sequencialmente, e estando certo de não inundar a criança com muitas expectativas e demandas de uma vez. (MCKINNON e KREMPA 2002, p. 68) Ou seja, um dos aspectos essenciais na intervenção em habilidades sociais com indivíduos com autismo é que possamos construir um ambiente que (ao contrário do que provavelmente ocorre no seu ambiente social natural) garanta sistematicamente o acesso ao reforço durante a aquisição do repertório e, para isto, devemos adequar as metas da intervenção às possibilidades do indivíduo através de uma análise de tarefas cuidadosa. Apenas para exemplificar. Referências Bibliográficas 1. DANNA, M. F. E MATOS, M. A. Ensinando Observação: uma introdução. 4ª. Ed. São Paulo: Edicon, 1999. 2. Iwata, B. A., Dorsay, M. F., Slifer, K. J., Bauman, K. E., Richman, G. S. Toward a Functional Analysis of self-injury. Analysis and Intervention in Developmental Disabilities. 1982, 2, 3-20. 3. MCKINNON K, KREMPA JL. Social Skills solutions: an aands-on manual for teaching social skills to children with autism. Nova York: DRL, 2002. CBI of Miami 21 Protocolos de Avaliação em Habilidades Sociais: Quais e Como Utilizar? Uma possível definição para o termo “protocolo” apresentada pelo Dicionário Oxford5 é a de “característica do que segue normas rígidas; formalidade, etiqueta”. Por isso, antes mesmo de se adentrar no propósito principal do presente capítulo, faz-se necessária a apresentação de uma definição mais particular do que se está chamando aqui de Protocolos de Avaliação de Habilidades Sociais. Qualquer intervenção baseada na Análise do Comportamento Aplicada (ABA) deverá ser totalmente pensada de forma individualizada, com avaliações, objetivos e estratégias voltadas para as capacidades e necessidades do tomador do serviço. Não obstante, nas últimas duas décadas têm crescido bastante o númerode publicações e materiais disponibilizados para ajudar a nortear a avaliação e o estabelecimento de um Programa de Ensino Individualizado (PEI) para crianças com autismo, nas mais diversas áreas de intervenção – ex. VBMAPP, ABLLS, AFLLS etc. Tais publicações são, por vezes, denominadas protocolos. Esses materiais não têm como objetivo, no entanto, delimitar a avaliação e/ou a intervenção àquelas categorias e classes de respostas neles descritas, mas de funcionarem como antecedentes que ajudam a controlar adequadamente o olhar do analista do comportamento para o vasto universo de possíveis habilidades relevantes nas mais diversas áreas intervenção, bem como estabelecer e organizar hierarquicamente os objetivos desta intervenção. Manuais são especialmente úteis pois, uma vez que a situação específica de uma criança foi determinada, é muito mais fácil para professores e pais priorizarem as habilidades com mais necessidades de intervenção, desenvolver estratégias para dar conta delas e monitorar o sucesso dessas estratégias (p. 1).2 Uma afirmação que parece especialmente verdadeira para a área das habilidades sociais, uma vez que: Ensinar habilidades sociais pode ser uma tarefa exaustiva. Inicialmente você precisa decidir quais habilidades sociais específicas são importantes para uma criança aprender e se a criança está pronta para aprender aquela habilidade em particular. Uma vez que você sabe quais as habilidades sociais na quais você está focando, é um processo complexo quebrar conceitos sociais abstratos como CBI of Miami 22 “desculpar-se”, “interromper” ou “comprometer-se” em programas concretos a partir dos quais uma criança pode ser ensinada. 3 (p. 71) Nesse sentido, Protocolos de Avaliação em Habilidades Sociais serão compreendidos aqui como manuais que: 1. Organizam as habilidades sociais em classes gerais ou grupos maiores de habilidades (ex. alternância de turno, aceitar perder e convidar para brincar são todas habilidades que compõem a categoria maior do “brincar social); 2. Apresentam a divisam de tais classes em habilidades mais específicas, em forma de comportamentos mensuráveis; 3. Trazem um sistema para a mensuração das habilidades apresentadas. Além disso, considera-se desejável, mas não obrigatório para a classificação, que tais materiais apresentem também critérios que ajudem no estabelecimento e hierarquização dos objetivos e exemplos de procedimentos de modificação do comportamento. Dos diversos materiais de base analítico comportamental que tratam de alguma forma do treino de habilidades sociais com pessoas com Autismo (TEA), foram escolhidos quatro manuais, por preencherem pelo menos os três requisitos iniciais estabelecidos acima, estarem totalmente dedicados ao trabalho com habilidades sociais e serem de amplo conhecimento na área: Socially Savvy 2, Social Skills Solution 4, Social Skills Training 1 e Crafting Connections 6. Eles serão apresentados e comparados entre si e posteriormente será realizada uma discussão sobre os alcances e limites dos materiais encontrados na área. 1. Apresentação dos Manuais para Treino de Habilidades Sociais de Base Analítico Comportamental Os manuais a serem aqui analisados, apesar de partirem da mesma matriz teórica, apresentarem preocupações metodológicas semelhantes e servirem a um mesmo propósito, apresentam taxonomia, organização próprias (as veze variando até em relação público-alvo) e, por isso, merecem uma apresentação inicial em separado, destacando suas peculiaridades. CBI of Miami 23 1.1. Socially Savvy 2 Publicado em 2014 por Ellis e Almeida, este manual tem como propósito “oferecer uma ferramenta de avaliação e monitoramento, bem como um guia para intervenção” 2 (p. 1) para o treino de habilidades sociais para crianças em idade pré-escolar. No Brasil, portanto, para crianças de até sete anos de idade. No entanto, como é um manual que avalia o repertório a partir da perspectiva do desenvolvimento de crianças neuróticas, é possível utilizá-lo até mesmo para crianças mais velhas que apresentam atraso no desenvolvimento. Como apresentado no Quadro 1, o Socially savvy divide as habilidades sociais em sete grandes áreas: • Atenção compartilhada – habilidades relacionadas à capacidade de demonstrar interesse mútuo e trocas com outras pessoas (entre si ou em relação a um ambiente em comum); • Brincar social – habilidades relacionadas à capacidade de se engajar em vários níveis de interações lúdicas (brincar cooperativo, competitivo, sócio simbólico, convidar para e entrar em brincadeiras) com outras crianças; • Autorregulação – capacidade de demonstrar flexibilidade, conseguindo regular seu próprio comportamento em situações inesperadas, de erros, correções ou outros eventos emocionalmente desafiadores; • Social/emocional – capacidade de identificar e reagir a diferentes emoções em si e nos outros; • Linguagem social – utilização da linguagem (aqui o foco é quase que exclusivo no que se chama tradicionalmente de linguagem verbal) para iniciar e manter diferentes níveis de interação social; • Comportamento de sala de aula/grupo – capacidade de seguir regras que são necessárias para convivência e atividades em grupo; • Linguagem social não verbal – habilidades relacionadas e interpretar e utilizar linguagem “não verbal” nas interações sociais. Estas categorias mais amplas, por sua vez, são divididas em unidades concretas menores, o que facilita uma delimitação mais clara do que precisa ser observado e avaliado. Para cada um desses comportamentos específicos, deve-se atribuir um valor de 0 a 3, onde 0 significa que a criança ainda não tem CBI of Miami 24 aquelas respostas em seu repertório, 1 e 2 que ela está desenvolvendo o repertório e 3 que ela já domina aquele repertório e, portanto, nenhuma intervenção é requerida para aquela habilidade específica. Um aspecto que merece ainda ser destacado sobre as categorias de habilidades sociais apresentadas pelo socially savvy, é que o manual não dá a mesma ênfase para todas elas. Por exemplo, enquanto para as categorias “brincar social” e “comunicação social” o manual apresenta-se bem completo, descrevendo 24 comportamentos específicos a serem avaliados, para as áreas “social/emocional” e “linguagem social não verbal”, apenas 6 comportamentos específicos são apresentados, o que torna limitada a capacidade do terapeuta avaliá-las utilizando apenas este manual. Quadro 1. Descrição das categorias gerais de habilidades contidas em cada um dos quatro Protocolos aqui apresentados. Por fim, o grande destaque do socially savvy, na verdade, é para sua colaboração dada para atividades de intervenção. O manual descreve 50 atividades lúdicas para serem utilizadas (principalmente para grupos, mas com potencial de adaptação para o 1 x 1) no treino de habilidades sociais, discriminando os objetivos que podem ser trabalhados a partir delas, os materiais a serem utilizados, como podem/devem ser apresentadas e possíveis Socially Savvy Social Skills Solution Crafting Connections Social Skills Training Atenção compartilhada Brincar social Autorregulação Social/emocional Linguagem social Comportamento de sala de aula/grupo Linguagem social não verbal Atenção compartilhada Cumprimentos Brincar social Autoconsciência Conversação Olhar em perspectiva Pensamento crítico Repertório de amizade Habilidades em comunidade Percepção social Comunicação social Interação social Aprendizagem social Proximidade social Habilidades de comunicação - Habilidades de conversação - Habilidades de brincar cooperativo - Gerenciamento de amizadesHabilidades de manejo emocional - Autorregulação - Empatia - Manejo de conflitos CBI of Miami 25 variações. Não à toa, cerca de metade do livro é voltado para a descrição e suporte de tais atividades. 1.2. Social Skills Solution 4 Desenvolvido por Mckinnon e Krempa em 2002, é o mais antigo dos manuais com base em ABA para treino de habilidades sociais para indivíduos com pessoas com TEA. O Social skills solution não especifica a idade do público-alvo para o qual é voltado e, até por isso, apresenta um amplo espectro de complexidade das habilidades a serem avaliadas e trabalhadas (desde atender a chamados pelo nome e imitação até reagir adequadamente às emoções dos outros e locomover-se utilizando transporte público), divididas em 10 grandes áreas (Quadro 1): • Atenção compartilhada – mais do que habilidade de compartilhar interesses e fazer trocas com outras pessoas, os autores destacam aqui aspectos mais gerais como a capacidade de reconhecer e reagir adequadamente à presença de outras pessoas e atentar aos estímulos socialmente relevantes; • Cumprimentos – capacidade de cumprimentar e se apresentar para outras pessoas. Envolve também outros comportamentos de polidez (ex. pedir licença); • Brincar social – definição semelhante à apresentada pelo Socially savvy; • Autoconhecimento – assim como na categoria de autorregulação do Socially savvy, refere-se à capacidade de se adaptar e reagir adequadamente a situações estressoras; • Conversação - definição semelhante à apresentada pelo Socially savvy; • Tomada de perspectiva – habilidades de identificar/inferir os sentimentos e pensamentos de outras pessoas e alterar seu comportamento a partir deles; • Pensamento crítico – capacidade de utilização da linguagem para planejamento (funções executivas) e resolução de problemas; CBI of Miami 26 • Linguagem avançada – relacionada às habilidades tradicionalmente referidas como “linguagem pragmática”. Capacidade de compreensão de metáforas, ironia, gírias e piadas; • Amizade – capacidade de reconhecer e descrever os atributos necessários para a formação de relações de amizade; • Habilidades em comunidade – habilidades relacionadas à capacidade do indivíduo realizar tarefas de forma independente fora de casa e/ou da escola, como ir ao mercado, tomar um ônibus, pagar uma conta etc. Como a própria descrição das classes gerais de habilidades sociais já deve ter revelado, o Social skills solution apresenta várias intersecções com o manual apresentado anteriormente, mas vai além, apresentando categorias que exigem um nível maior de complexidade nas habilidades sociais do indivíduo (ex. tomada de perspectiva, linguagem avançada) e também uma descrição mais minuciosa dos comportamentos específicos que compõe cada área. Cada módulo (área de habilidade social) do manual, inclusive, é subdividido em três níveis com graus crescentes de complexidade em suas habilidades, como exemplificado pela Figura 1. Figura 1. Representação esquemática da divisão em níveis para o módulo 1 (atenção compartilhada) do manual Social Skills Solution MÓDULO 1 Nível 1: envolve o ensino de habilidades sociais básicas em um nível de responder baixo. Isso significa, por exemplo, reconhecer/atentar ao outro quando participando de algum evento/atividade, brincar com brinquedos/jogos e começar a resolver problemas básicos Nível 2: envolve ir além de comportamentos sociais básicos e começar a reconhecer quando se comportar de uma determinada forma (contexto) Também envolve o ensino de sustentar o comportamento e comportamentos sociais que requerem mais de uma resposta e/ou interações longas Nível 3: envolve trabalhar generalização das habilidades aprendidas para ambientes mais naturais e relevantes (portanto, mais complexos); a responder a regras sociais mais implícitas, auto-gerenciamento e a habilidade de de entender e demonstrar emoções e perspectivas mais refinadas nas situações do dia-a-dia CBI of Miami 27 A avaliação dos comportamentos específicos contidos em cada uma das categorias gerais (e seus respectivos níveis) também difere da apresentada pelo Socially Savvy, pois ao invés de um modelo de escala Lickert, o Social Skills Solution apresenta uma pontuação de tudo ou nada para a habilidade em diferentes senttings: 1x1, em grupo e ambiente natural. Ou seja, o avaliador, ao invés de determinar um grau de domínio de habilidade entre dois extremos, deve apenas dizer se o indivíduo apresenta ou não tal habilidade em cada um dos três contextos avaliados. Por fim, apesar de também apresentar estratégias gerais de intervenção em alguns de seus capítulos – em especial no 10 (uso de estímulos visuais para ensinar habilidades sociais), 11 (Tecnologia e videofeedback) e 12(Utilização de pares para ensinar habilidades sociais) –, o Social Skills Solution foca mais em ensinar o leitor a como conduzir uma avaliação, coletar/analisar dados e montar um plano de ensino de habilidades sociais do que em descrever atividades específicas, como é o foco do Socially Savvy. 1.3. Social Skills Training 1 Publicado em 2003 por Jed Baker, o manual é voltado para crianças e adolescentes para o que costumava ser diagnosticado como Síndrome de Asperger, mas também com aplicabilidade para pessoas neurotípicas. Ou seja, pode-se dizer que é um protocolo voltado para habilidades sociais mais complexas, tendo como público-alvo principal indivíduos com o que poderia ser descrito hoje como Autismo com nível 1 de apoio. Nos dois primeiros capítulos, o livro dedica-se a apresentar a síndrome de Asperger e questões relacionadas a intervenção em grupo para treino de HS com esta população. No capítulo 3 é quando é, de fato, apresentado que se está considerando aqui como um currículo para avaliação para as habilidades sociais. Nele, são descritas duas grandes áreas de habilidades sociais (conversação e manejo emocional), sendo cada uma delas subdivididas em três categorias gerais de: • Conversação: Habilidades de conversação, Habilidades de brincar cooperativo, Gerenciamento de amizade, CBI of Miami 28 • Manejo emocional: Autorregulação, Empatia e Gerenciamento de conflitos. No entanto, diferente dos dois protocolos apresentados anteriormente, o Social Skills Training não traz uma definição clara de quais os critérios para delimitação dessas categorias. O que ele faz é (assim como os outros manuais) é dividir cada uma dessas habilidades em unidades menores de comportamentos específicos, que podem ser avaliados em um modelo de escala Lickert com o seguinte sistema de avaliação proposto: 1 – A criança quase nunca usa a habilidade; 2 – A criança raramente usa a habilidade; 3 – A criança as vezes usa a habilidade; 4 – A criança frequentemente usa a habilidade; 5 – A criança quase sempre usa a habilidade. Pode-se dizer, portanto, que apesar de apresentar uma proposta de protocolo, o foco principal do livro não é este, visto que todos os capítulos que se seguem são utilizados para descrever estratégias de intervenção, com especial foco no que o autor chama de “aprendizagem estruturada” (p. 2). Do capítulo 4 ao 7, são apresentadas e discutidas estratégias gerais de intervenção. No entanto, “a maioria deste livro é dedicada (...) a uma série de 70 lições e atividades para habilidades com crianças e adolescentes que têm déficit de habilidades” 1(p. 2). Não à toa, cerca de ¾ do livro são de fato utilizados para apresentar atividades específicas desenvolvidas pelo autor para o treino de habilidades sociais em pessoas com TEA. Nesse sentido,pode-se dizer que o Social Skills Training se aproxima mais do Socially Savvy do que do Social Skills Solution. 1.4. Crafting Connections 6 Organizado por Taubman, Leaf e McEachin em 2011, o livro (diferente dos outros manuais apresentados) é fruto de uma compilação de textos de diversos colaboradores. Assim, apesar de se encaixar nos critérios estabelecidos para a seleção dos Protocolos de Habilidades Sociais do CBI of Miami 29 presente capítulo, este é um aspecto que já começa a revelar a peculiaridade desta publicação, que tem organização, objetivos e conteúdo que a destacam em relação às demais descritas até aqui. Numa apresentação resumida dos próprios autores: O livro provê informações sobre assuntos importantes relacionados a habilidades sociais e pessoas com TEA (ex. Capítulos 1, 4 e 5), formas de acessar competências e desenvolver programas (ex. Capítulos 6 e 7), currículo de habilidades sociais e conteúdo instrucional (ex. Capítulo 8 e a sessão de Currículo) e métodos e meios para programação e ensino de habilidades sociais (ex. Capítulos 2, 3, 4 e 5). (p. xiii) O Crafting Connections, portanto, apresenta um escopo maior que os outros manuais, indo bem além do foco na avaliação, currículo e intervenção, dedicando espaço considerável para a discussão de aspectos teóricos (ex. o que são habilidades sociais? Como a diferimos de outras classes de habilidades? Por que uma taxonomia especial?), sobre o desenvolvimento humano (ex. Que características do TEA tendem a trazer dificuldades na aquisição de habilidades sociais? Como se dá a socialização na adolescência?) e uma problematização sobre medidas e intervenções que vão além da sua utilização no próprio currículo apresentado (ex. Que tipos de medidas são possíveis? Que medidas indiretas existem? Como grupos de habilidades sociais podem ser utilizados?). E por ser um livro composto de capítulos escritos por autores diferentes, cada um deles traz, por vezes, todos esses elementos dentro de si mesmo. Mesmo na sessão em que, como os outros protocolos, se dedica à apresentação de seu currículo de habilidades sociais, o Crafting Connections traz ainda uma ressalva que, mais uma vez, o diferencia dos demais: Dada a variedade de comportamentos sociais que são necessários para a maioria dos indivíduos ter sucesso em seu mundo interpessoal, e dada a variedade de necessidades sociais geralmente exibidas por crianças com TEA, é impossível criar um currículo de habilidades sociais exaustivo para essa população. As habilidades apresentadas na sessão de Currículo deste livro são voltadas para prover conteúdo instrucional para o treino de habilidades sociais em um número de necessidades específicas comum a indivíduos com TEA. Ao mesmo tempo, as habilidades sociais apresentadas servem para outro propósito – como exemplos de programas sociais específicos sob um sistema taxonômico de classificação das CBI of Miami 30 habilidades sociais. Dessa forma, na medida que necessidades específicas surgem para uma criança em particular, currículo adicional individualizado pode ser desenvolvido para tal criança baseado nesses modelos. 6 (pp. 71-72) Ou seja, por um lado, o Crafting Connections se aproxima dos outros manuais ao apresentar uma descrição daqueles que os autores consideram como alguns dos principais déficits de habilidades sociais observados em pessoas com TEA. Por outro, deixa claro que o objetivo é muito mais ensinar o leitor a adotar um sistema taxonômico e se organizar (na avaliação, determinação dos objetivos e estabelecimento das estratégias), do que fornecer um currículo em si. Nesse sentido, pode-se dizer que se aproxima mais do Social Skills Solutions do que dos outros dois, mas vai além dele, pois deixa claro o foco maior no PEI (programa de ensino individualizado) do que no Protocolo. Não obstante, um modelo de currículo é utilizado por pelos autores para apresentar o seu sistema taxonômico e as classes gerais de habilidades, bem como os comportamentos específicos descritos pelos autores estão discriminados a seguir. • Consciência social – consiste na discriminação e compreensão das pistas sociais; • Comunicação social – envolve todos os aspetos da comunicação. Por exemplo, o que é dito, como é dito, expressões faciais, linguagem direta e figurada, uso do humor etc.; • Interação social – assim como na comunicação social, também envolve aspectos da conversação, mas vai além delas, focando nas habilidades que são necessárias para obter sucesso social. Inclui desde habilidades básicas (como respeitar o espaço do outro) até habilidades mais avançadas (como utilização da linguagem na resolução de conflitos interpessoais); • Aprendizagem social – habilidade de uma pessoa aprender e ser influenciada por seu ambiente social; • Relacionamento social – está menos relacionada às habilidades em si (no sentido de o que fazer) e mais relacionada à motivação social. Assim como nos outros manuais aqui apresentados, portanto, os autores estabelecem e delimitam áreas gerais de habilidades. No entanto, como pode CBI of Miami 31 ser observado no Quadro 2, ao discriminar os componentes de tais habilidades, ao invés de descrever comportamentos específicos e mensuráveis, parecem descrever subcategorias de habilidades, que precisam, por sua vez, ainda ser desmembradas posteriormente pelo avaliador/aplicador em unidades menores. Quadro 2. Categorias gerais de habilidades sociais e subcategorias apresentadas pelo manual Crafting Connections. Esta forma de apresentar as habilidades sociais deve-se, provavelmente, à próprias características já descritas aqui para o livro. Ao invés de discriminar totalmente os comportamentos que devem ser observados, o foco fica em descrever categorias mais gerais, mas que podem ser bem delimitadas, e ensinar o leitor a estabelecer seus próprios objetivos e realizar uma análise de tarefas. Por fim, o Crafting Connections não especifica idade e nem o grau das habilidades de seu público-alvo. No entanto, ao olhar as categorias (e subcategorias) descritas, bem como os exemplos de programas de intervenção, pode-se inferir que ele é voltado para o ensino de habilidades sociais mais complexas para crianças e adolescentes com TEA nível 1 ou, no máximo, nível 2, de suporte. Consciência Social Comunicação Social Interação Social Aprendizagem Social Relacionamento Social Categorias sociais Identificação de relacionamento “Como eu ajo nesse lugar?” “As pessoas nem sempre dizem o que elas querem dizer” Tomada de perspectiva Identificando traços de personalidade Fazendo cumprimentos Pedindo por ajuda e solicitando favores Desculpando-se Argumentando, Discutindo, persuadindo e deixando pra lá “Seguindo o fluxo” Responsividade Iniciando contato e interação social Brincar: reciprocidade e fluxo Sendo um bom esportista Respondendo a provocações e bullying Interrompendo outros Ganhando atenção através de resolução de problemas Segredos Dividindo Imitação social Busca por informação Fluxo do grupo no brincar social Aprendizagem vicariante Afiliação a grupos e influência social Tolerando aproximação e presença de outros Atenção compartilhada II Interesse social e engajamento de pares Sendo um bom amigo Respostas de cuidado e empatia CBI of Miami 32 2. Uma Comparação Entre Manuais Pela descrição individual dos Protocolos realizadas até aqui, já ficou claro que cada um tem seus próprios enfoques, organização e sistema taxonômico. No entanto, todos giram em torno de um objetivo em comum,ensinar habilidades sociais para pessoas com autismo. Por isso, a presente sessão pretende fazer uma comparação mais direta entre os diferentes manuais, buscando destacar semelhanças e diferenças entre eles em duas áreas: objetivos/ênfase dada e Habilidades sociais gerais descritas. O Quadro 3 traz um resumo dos objetivos e ênfases em cada uma das publicações. Para que se fosse considerado um objetivo, considerou-se que o material deveria ter pelo menos um capítulo sobre o tema. Para que fosse considerado uma ênfase (ou foco), deveria trazer mais de um capítulo ou dedicar pelo menos ¼ da publicação ao assunto. Quadro 3. Comparação entre os diferentes objetivos e ênfases dadas pelos quatro Protocolos de habilidades sociais aqui analisados. O traço significa que o manual não contempla o objetivo; “S” que o objetivo é contemplado; “F” que o objetivo é uma das áreas de foco/ênfase do manual. • Sistema de avaliação e medida: até por ser uma condição para que as publicações fossem selecionadas para serem aqui avaliadas, todos os manuais apresentam um sistema de avaliação e medida das habilidades sociais. No entanto, enquanto para 1 e 2 este parece ser um dos principais focos, para 3 e 4 é apresentado de forma mais sucinta e menos enfatizada; • Apresentar as habilidades sociais: apesar de todas as publicações abordarem o tema, o Socially Savvy o faz apenas em breves passagens do primeiro capítulo, que tem como objetivo apresentar o Protocolo como um todo; Manuais Sistema de avaliação e medida Apresentar habilidades sociais Apresentar característic as do TEA Apresentar princípios ABA Apresentar estratégias gerais Apresentar estratégias específicas Ensinar criação de PEI 1. Socially Savvy (Ellis e Almeida, 2014) F - - - - F - 2. Social Skills Solution (McKinnon e Krempa2002) F S - S S - S 3. Social Skills Training (Baker, 2003) S S S - S F - 4. Crafting Connections (Taubman et al., 2011) S S S S S - F CBI of Miami 33 • Apresentar características do TEA: mais uma vez, todos os manuais abordam o assunto, mas apenas 3 e 4 se aprofundam e separam um capítulo para ele, nos capítulos 2 e 4, respectivamente (além disso, o Crafting Connections retomar o tema de forma pulverizada em outros capítulos); • Apresentar princípios básicos de ABA: por princípios básicos entende-se aqui a apresentação de aspectos conceituais e/ou metodológicos da análise do comportamento aplicada. É curioso perceber que, apesar de todas anunciarem explicitamente sua base analítico-comportamental, apenas as publicações 2 e 4 se dedicam a explicar o que é ABA e alguns de seus princípios; • Apresentar estratégias gerais e específicas: todos os manuais se dedicam, em algum momento a descrever estratégias de intervenção. No entanto, enquanto 2, 3 e 4 aproveitam para apresentar as estratégias gerais (ex. modelação, Behavior Skills Training), o Socially Savvy descreve apenas estratégias e atividades específicas, sendo este um dos principais focos da publicação, assim como no caso do Social Skills Training; • Ensinar criação de PEI: é inegável que qualquer publicação que ajude o aplicador a avaliar e estabelecer objetivos está, em alguma menina colaborando na construção de um Programa de Ensino Individualizado (PEI). No entanto, apenas o Social Skills Solution e o Crafting Connections se dedicam a descrever e ensinar as etapas para a criação de um programa individual de intervenção, sendo este o principal foco do último. Em relação às categorias de habilidades sociais descritas por cada publicação, a ideia aqui é ir além das nomenclaturas e classificações utilizadas e encontrar semelhanças entre os diferentes manuais, destacando aquelas categorias gerais de habilidades que aparecem em todos (ou quase todos) os protocolos. O Quadro 4 revela estas categorias. CBI of Miami 34 Quadro 4. Categorias gerais de habilidades sociais comuns aos quatro Protocolos aqui avaliados. “S” significa que o Protocolo destaca tal habilidade, “P” significa que o Protocolo aborda apenas parcialmente a habilidade em questão. Percebe-se, portanto, que apesar do uso de uma taxonomia própria, os diferentes autores, em diferentes publicações, se aproximam em vários dos objetivos gerais a serem trabalhados. Em todas elas, com maior ou menor ênfase, aborda-se habilidades relacionadas à capacidade de reconhecer, nomear e lidar com sentimentos (autorregulação); de cumprimentar, se aproximar de forma adequada e utilizar marcadores de educação (civilidade); de brincar com outras pessoas (brincar social); de descrever eventos, fazer e responder perguntas e trocar turnos de fala (conversação e fluência verbal); utilizar e reconhecer gestos, posturas e expressões faciais (linguagem não verbal); reconhecer e entender os sentimentos dos outros, bem como reagir adequadamente a eles (tomada de perspectiva e empatia). 3. E Então, Que Protocolo Utilizar? Apesar de este não ser o objetivo principal do presente capítulo, é impossível deixar de discutir uma pergunta tão recorrente. Afinal de contas, qual deve ser o protocolo utilizado? Talvez seja um pouco frustrante, mas não existe uma resposta direta e universal para tal questionamento. No entanto, alguns critérios podem ser estabelecidos como um guia para a tomada de decisão. A seguir, cada um deles será apresentado e discutido a partir das características dos quatro protocolos aqui descritos. • Qual a população para qual o Protocolo se destina: O Socially Savvy, por exemplo, é voltado para crianças em idade pré-escolar (por volta de 7 anos de idade nos Estados Unidos, país da publicação. Os demais protocolos Classes de Comportamentos 1. Socially Savvy 2. Social Skills Sotulion 3. Social Skills Training 4. Crafting Connections Autorregulação S S S S Habilidades de civilidade S S S S Brincar social S S S P Conversação e fluência verbal S S S S Linguagem não verbal S S S P Tomada de perspectiva e empatia P S S P CBI of Miami 35 são destinados tanto a crianças quanto adolescentes, mas enquanto o Sotial Skills Solution apresenta um escopo grande, trabalhando desde habilidades bem elementares até aquelas mais complexas, o Crafting Connections e o Social Skills Tarining são mais focados nas habilidades sociais mais complexas; • Quais os principais objetivos/ênfase de cada Protocolo: como apresentado na sessão anterior, todos se destinam, ao treino de habilidades sociais para pessoas com TEA, mas diferentes ênfases são colocadas em determinados assuntos por cada manual. Então, o aplicador deveria ter clareza do que está buscando para determinar a publicação mais adequada para seus objetivos. Ele quer ter acesso a exemplos de atividades específicas a serem utilizadas, possivelmente o Socially Savvy e/ou o Social Skills Training serão os mais úteis para si. Mas se o foco for aprender a construir planos de ensino para o treino de habilidades sociais, é possível que o Social Skills Solution e/ou o Crafting Connections oferecerão maior ajuda; • Que habilidades precisam ser trabalhadas com o indivíduo com TEA: existem muitos pontos de aproximação entre os diferentes protocolos. No entanto, nenhum deles apresenta categoria idênticas e, mesmo quando este é o caso, os comportamentos específicos que compões cada categoria são diferentes. Assim, conhecer bem os diferentes manuais e as características e necessidades do indivíduo com o qual o treino será realizado também será importante na tomada de decisão sobre que protocolo utilizar. Por fim, um Protocolo para o treino de habilidades sociais é, acima de tudo, uma organização taxonômica para aguçar a visãodo aplicador sobre os possíveis déficits a serem encontrados e facilitar sua vida, fornecendo exemplos de organização da avaliação e do plano de ensino. Assim, é possível que também seja uma variável importante na tomada de decisão o quanto o aplicador se sente confortável e adaptado com o sistema oferecido. Mas mais ainda, que a partir da familiaridade com os diferentes sistemas de organização e taxonomia, ele possa ir desenvolvendo seus próprios sistemas a depender do indivíduo com quem esteja trabalhando.3 CBI of Miami 36 Referências Bibliográficas 1. BAKER, J. Social Skills Training For Children and Adolescents with Asperger Syndrom and Social-Communication Problems. Shawnee Mission: APC Publishin; 2003. 2. ELLIS, JT, ALMEIDA, C. Socially Savvy: an assessment and curriculum guide for young children. Nova York: DRL; 2014. 3. MCKINNON, K. Creating Curricula: task and strategic analysis. In: Taubman, M, Leaf, R, McEachin, J. (ed.). Nova York: Autism Partnership; 2011. 4. MCKINNON, K, KREMPA, JL. Social Skills Solution: a hands-on manual for teaching social skills for children with autism. Nova York: DRL; 2002. 5. SIMPSON, J (ed.). Dicionário Oxford. Oxford: Press; 2017. 6. TAUBMAN, M, LEAF, R, MCEACHIN, J. Crafting Connections: contemporary behavior analysis for enriching the social lives of persons with autism spectrum disorders. Nova York: Autism Partnership; 2011.
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