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Autores: Prof. Alexandre Saramelli Profa. Divane Alves da Silva Colaboradores: Profa. Cristiane Nagai Prof. Livaldo dos Santos Ciências Contábeis Interdisciplinar Professores conteudistas: Alexandre Saramelli / Divane Alves da Silva Alexandre Saramelli Contador formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo e mestre profissional em Controladoria pela mesma Universidade. Atuou em empresas nacionais e internacionais de médio a grande porte como contador em áreas de custos e orçamentos e foi consultor em sistemas de controladoria da desenvolvedora alemã SAP. Foi professor adjunto na Universidade Paulista e consultor empresarial. Divane Alves da Silva Mestre em Contabilidade pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1998), especialista em Controladoria e Contabilidade Gerencial pela Faculdade Santana São Paulo (1992), especialista em Didática do Ensino Superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1996), especialista em Ensino a Distância – EaD (2011), graduada em Ciências contábeis pela Faculdade de Administração e Ciências contábeis Tibiriçá (1990) e em Filosofia – Bacharel e Licenciatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009). Funções empresariais na área técnica: controller, contadora, auditora e consultora; na área acadêmica: atualmente, é coordenadora do curso de Ciências contábeis nas modalidades presencial e a distância na Universidade Paulista – UNIP, professora de pós‑graduação – nível lato sensu em Instituições de Ensino Superior – IES: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Universidade Paulista – UNIP, Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU e em diversos cursos e disciplinas correlatas à formação. Também atua ministrando curso in company. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S243c Saramelli, Alexandre Ciências contábeis interdisciplinar / Alexandre Saramelli; Divane Alves da Silva. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 108 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230. 1. Contabilidade. 2. Interdisciplinaridade. 3. Tributos. I. Título. CDU 657.1 U515.67 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Virgínia Bilatto Andréia Gomes Vitor Andrade Sumário Ciências Contábeis Interdisciplinar APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 O DESAFIO DA CONTABILIDADE NO PADRÃO INTERNACIONAL ................................................... 11 1.1 Esquentando os motores ................................................................................................................... 11 1.2 O contador frente aos grandes desafios da sociedade atual ............................................. 12 1.3 Outros fatores da sociedade atual que trazem desafios aos contadores ...................... 19 1.4 Princípios de contabilidade .............................................................................................................. 24 1.5 O conceito de fair value – valor justo .......................................................................................... 25 1.6 Processo de convergência ................................................................................................................. 30 2 O DESAFIO DA INTERDISCIPLINARIDADE .............................................................................................. 34 2.1 Conceitos importantes para a aplicação do IFRS e as características qualitativas das demonstrações financeiras .............................................................................................................. 34 2.2 Definição da vida econômica e da vida útil de determinado ativo ................................. 35 2.3 Características qualitativas das demonstrações contábeis ................................................. 36 2.4 Características qualitativas fundamentais ................................................................................. 37 3 OUTRAS CARACTERÍSTICAS DESEJÁVEIS ............................................................................................... 44 3.1 Neutralidade ........................................................................................................................................... 44 3.2 Confiabilidade ........................................................................................................................................ 45 3.3 Limitações existentes na divulgação de informações financeiras ................................... 46 4 A INTERDISCIPLINARIDADE DO PROFISSIONAL DA CONTABILIDADE ........................................ 47 4.1 Como atender à necessidade de interdisciplinaridade? ....................................................... 47 Unidade II 5 UMA REVISÃO SOBRE AS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS – CONCEITO E LEGISLAÇÃO........... 55 6 COMO SURGIRAM AS EMPRESAS? .......................................................................................................... 65 6.1 Tipos de sociedades e enquadramento fiscal das empresas ............................................... 68 6.2 Tributos relacionados à atividade de compra e venda de materiais para o estoque para empresas industriais ......................................................................................................................... 70 6.3 Tributos relacionados ao resultado apurado pelas empresas, inclusive com a atividade industrial ..................................................................................................................................... 73 6.4 Tributos sobre a contratação de empregados .......................................................................... 76 7 UMA EMPRESA EM OPERAÇÃO ................................................................................................................. 77 8 UM ESTUDO SOBRE A ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS ..... 78 7 APRESENTAÇÃO O ensino da contabilidade no Brasil, desde o técnico em contabilidade até o bacharel em Ciências Contábeis, até poucos anos carregava uma preocupação essencialmente técnica. O profissional de contabilidade, via de regra, envolvia‑se em atividades como classificar contas, escriturar os livros da empresa, em sua maioria ainda de forma manuscrita ou mecanografada, gerenciar os fechamentos contábeis, preenchimento de documentos para o Fisco, entre outras. Todas essas atividades são da mais alta importância, porém, como diziam Johnson e Kaplan (1987) em seu famoso e polêmico livro The rise and fall of management accounting (O apogeu e declínio da contabilidade gerencial) oscontadores eram vistos trabalhando em salas isoladas, sem interação com os demais profissionais da entidade. De fato, um contador, para prestar bons serviços, não precisaria necessariamente se envolver com os gestores de uma empresa ou mesmo saber em detalhes como seria o processo produtivo. Tanto faz se o contador trabalhasse em uma metalúrgica, em um supermercado, em um clube de futebol, em uma emissora de rádio e TV, o trabalho contábil seria exatamente o mesmo. A tecnologia evoluiu de forma rápida e influenciou todas as áreas do saber. A contabilidade teve um enorme benefício com o desenvolvimento da tecnologia, e hoje o perfil do profissional passou de um técnico que realizava atividades mecânicas a um consultor, que precisa orientar os profissionais de outras áreas. É necessário, como dizem Miranda e Miranda (2007), que o Ensino Superior também acompanhe essa evolução e prepare o profissional da contabilidade para atuar em um ambiente em que a contabilidade é um sistema de informações para a tomada de decisões. Atento a essa mudança de perfil, o Conselho Nacional de Educação (CNE), ainda em 2004, considerou que o “novo” profissional de contabilidade deve contar com conhecimentos não somente da área em que atua, mas também de áreas afins. Esses novos conhecimentos podem ser entendidos como uma atividade de “interdisciplinaridade”. O Parecer CNE/CES 776/97, nas orientações gerais para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação, no ponto número 4, diz que devemos observar o seguinte: Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa. Ainda no Parecer CNE/CES 776/97, no artigo 4, inciso II, entre as competências e habilidades que devem ser embutidas na formação de bacharéis, está a de “demonstrar visão sistêmica e interdisciplinar da atividade contábil”. Essa orientação é atendida no planejamento do curso de Ciências Contábeis desta instituição. Na grade curricular, há várias disciplinas que fazem intersecção com outras áreas do saber indispensáveis ao “novo” contador, como direito, língua e interpretação de textos, matemática etc. No entanto, como comentam Miranda e Miranda (2007) baseados na opinião de Bellinaso (1998) “o aluno do ensino superior tem a impressão de estar estudando assuntos distintos sem ligação entre si, ou seja, uma colcha de retalhos, uma justaposição de informações, de especializações”. E como diz Santomé (1998), 8 “cada professor preocupa‑se apenas com sua disciplina, considerando‑a mais importante e forçando os alunos a se interessarem somente por ela”. A interdisciplinaridade, tal como proposta pelo Conselho Nacional de Educação, é um conceito complexo que vem sendo discutido nos meios acadêmicos e está em processo de construção. O Termo foi descrito pela primeira vez em 1937 pelo sociólogo Louis Wirtz, que deu a ele um significado filosófico prático, de integração de teorias, métodos, instrumentos. Miranda e Miranda (2006), baseados em autores como Luck (2002), Eagan (et al. 2002) e Caviglia‑Harris, Hatley J. (2004), dizem que a interdisciplinaridade é a “integração e engajamento de educadores no conjunto, na interação das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade”. Ainda segundo Miranda e Miranda (2006), Fazenda (1998) menciona que a interdisciplinaridade possui duas finalidades que não devem ser confundidas, porém, [...] precisam ser trabalhadas conjuntamente em relação ao método didático adotado, que são: a científica e a escolar. A principal diferença entre elas está em seu objetivo. A científica está ligada à produção de novos conhecimentos em resposta a algumas necessidades sociais, e a escolar, por outro lado, está ligada à difusão do conhecimento e à formação de atores sociais. Como forma de apresentar meios para os alunos diminuírem a suposta sensação de “colcha de retalhos” do curso de Ciências contábeis, tal qual exposta por Bellinaso (1998) e da natural tendência de os professores preocuparem‑se apenas com suas disciplinas, como disse Santomé (1998), e ainda de promover a interdisciplinaridade de forma científica e escolar como disse Fazenda (1998), decidiu‑se incluir no currículo do curso de Ciências contábeis da Universidade Paulista a disciplina Ciências Contábeis Interdisciplinar. Esta disciplina, de acordo com o Plano Pedagógico do Curso (PPC), visa levar o aluno a estabelecer um diálogo entre os conhecimentos adquiridos em sua área e aqueles advindos de outros campos do saber. Pretende possibilitar o estabelecimento de um diálogo interdisciplinar, verificando áreas de intersecção, de complementação e de transferência de conhecimento. Como forma de obter os resultados almejados, os professores conteudistas optaram, para este livro‑texto, por realizar uma introdução com os principais requisitos necessários ao “novo” contador, por conta do uso no país das normas internacionais de contabilidade. Essa introdução é imprescindível porque traz uma reflexão sobre o que se espera do “novo” contador, acima de questões técnicas que as normas internacionais trazem. E, posteriormente, trabalha‑se o caso fictício das irmãs Josefa da Silva e Jussara da Silva, duas brasileiras que sonham em ter seu próprio negócio. A introdução desse caso, além de seguir uma opção pedagógica, que é uma tendência no moderno ensino de contabilidade, a exemplo de Hastings (2011) e sua “novela contábil”, possibilita a intersecção de conhecimentos e trabalha de forma transversal as pequenas e médias empresas, tão importantes para a economia atual. 9 INTRODUÇÃO Olá, aluno(a) Imagino que você esteja se perguntando: o que é Ciências Contábeis Interdisciplinar? E, mais do que isso, enfim, como estudá‑la? Além disso, o que de tão importante esta disciplina traz e o quais os benefícios para a sua atuação profissional? Vale a pena estudar Ciências Contábeis Interdisciplinar? Para quê? O objetivo desta disciplina é percorrer o conceito de aprendizado multidisciplinar e chamar a atenção para as diferenças das práticas e das teorias em Ciências Contábeis; objetiva um diálogo interdisciplinar, verificando áreas de intersecção, complementação e de transferência de conhecimento nas Ciências Contábeis. Esta disciplina, então, tem uma missão muito importante! A de promover uma reflexão sobre a intercomunicação entre as diversas disciplinas do curso de Ciências contábeis, e, para isso, serão propostas atividades práticas nas quais você possa vivenciar os conteúdos abordados. Mas, para entender perfeitamente a proposta desta disciplina, é interessante voltarmos um pouco no tempo e entender por quais modificações a profissão contábil passou nos últimos anos. A realidade da profissão contábil, até meados da década de 1980, era a de ser uma profissão de cunho técnico, prática. O ensino, então, era voltado a essa realidade, e continua a ser, em muitos aspectos. Embora alguns contadores sempre se envolvessem em atividades mais sofisticadas de uma entidade, a maioria gastava o seu dia em atividades essencialmente manuais, mecânicas, tinham de fato uma rotina de trabalho mais isolada. E como trabalhavam! Havia tanta carga de trabalho nas empresas que em muitos momentos não era possível sequer conversar com os contadores, completamente atarefados! Apesar de tanto trabalho, muitos questionavam se a contabilidade teria mesmo um lugar na nova sociedade. Essas críticas vieram até mesmo de acadêmicos muito importantes, como Johnson e Kaplan (1987), que levavam a entender que os contadores estariam perdendo a sua relevância, uma vez que não apresentavam nada de novo em termos científicos. Não seriam mais profissionais que pudessem trazer benefícios para a sociedade. Essa discussão, que, diga‑se de passagem, foi muito boa para a contabilidade, mostrou que Johnson e Kaplan (1987)estavam errados. Ao contrário, provou‑se que a contabilidade é cada vez mais relevante para a sociedade. As tecnologias evoluíram de maneira formidável nos últimos trinta anos, muito rapidamente e intensamente, e trouxeram mudanças fantásticas para todas as áreas do saber e da vida cotidiana, revolucionando a maneira como as pessoas vivem e trabalham. Para os contadores não foi diferente. Nem todos reconhecem, mas é fato que sempre utilizaram a mais avançada tecnologia disponível no momento ao seu favor. Foram os primeiros a utilizar calculadoras eletrônicas, as míticas “HP12C”, os computadores, a tecnologia da informação. Mais do que isso, com as 10 Unidade I possibilidades que a tecnologia da informação oferece, os contadores distribuíram parte de sua grande carga de trabalho a outras áreas da empresa. Por exemplo, se antes um contador precisava classificar uma nota fiscal da compra de uma nova máquina e depois escriturar nos livros contábeis, atualmente a classificação é realizada pelos engenheiros, quando da emissão do pedido de compra. Assim que a máquina chegar ao prédio da fábrica, é realizado um registro automático nos livros contábeis, sem nenhum envolvimento direto do contador. O envolvimento do contador com os profissionais da área de tecnologia da informação é tão grande que muitos chegam até a confundi‑lo com o analista de sistemas. Da mesma forma, muitos contadores não se envolvem mais no trabalho de escrituração, que é completamente automático. O contador passou muito rapidamente de uma atividade técnica, isolada, para ser um consultor. Com isso, pode‑se dizer que o contador simplesmente abandonou seu perfil técnico, mecanicista, e passou a ser um profissional que ajuda os profissionais de outras áreas em matéria contábil. Ou seja, o contador já não está mais isolado em sua sala, passou a ser um profissional atuante, que interage com pessoas de dentro e fora da organização. Mas essa não é uma tarefa nada fácil, exige um preparo cuidadoso. Você está tendo esse preparo desde o momento em que iniciou seu curso; mas, por conta da atual dinâmica do sistema universitário, é bem capaz que esteja nesse momento com uma sensação de que as disciplinas são uma grande “colcha de retalhos” sem relação entre si. A disciplina Ciências Contábeis Interdisciplinar surge, então, como uma oportunidade para você aplicar todos os conhecimentos que adquiriu até agora. E de forma muito próxima ao que vai encontrar ou já encontra no mercado de trabalho. Primeiramente, você será convidado(a) a entender, além das orientações mais imediatas, a forma como órgãos nacionais e internacionais, como o IASC (International Accounting Standard Committee – Comitê Internacional de Contabilidade), a IASB (International Accounting Standard Board – Comissão Internacional de Normas Contábeis) e o CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), esperam que você atue. E, depois, conhecerá o caso das irmãs Josefa e Jussara, que querem abrir um negócio próprio. Imagine que você é o(a) contador(a) dessas irmãs. E imagine também como iria lidar com essa situação que envolve os diversos conhecimentos que tivemos ao longo do curso. Se tiver dificuldades com esses conhecimentos, sempre que achar necessário, retorne aos livros das disciplinas anteriores. A proposta é que você atue de forma profissional, em uma privilegiada preparação, para agir em situações reais. Bom e entusiasmado estudo! 11 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Unidade I 1 O DESAFIO DA CONTABILIDADE NO PADRÃO INTERNACIONAL 1.1 Esquentando os motores Da mesma forma que um atleta se aquece antes de iniciar um dia de exercícios físicos, vamos nos “aquecer” para iniciar o estudo de Ciências Contábeis Interdisciplinar. O nosso aquecimento será baseado em um dos filmes mais aclamados da história do cinema internacional: Titanic. A pergunta é: Quanto custou o filme Titanic? Figura 1 – Cartaz do filme Titanic Disponível em: https://bit.ly/3u16IuE. Acesso em: 10 jun. 2022. 12 Unidade I A imprensa especializada diz que um dos filmes mais caros para serem produzidos na história do cinema foi Titanic. Grande parte da “conta” é devido ao fato de o diretor de cinema James Cameron, conhecido como um perfeccionista, ter exigido que fosse construído um gigantesco tanque de água onde uma réplica do navio, praticamente do tamanho real, foi afundada de verdade! A ideia era produzir uma cena autêntica, sem recorrer a efeitos especiais, que, por mais perfeitos que fossem, sempre deixariam escapar um artificialismo nas imagens. Os números exatos da contabilidade não estão disponíveis, mas a especulação em torno dos custos de produção gerou enorme polêmica. Diz‑se que uma boa parte dos custos foram relacionados com a construção da réplica do navio, com a decoração e a mobília luxuosa que foram usadas nos cenários e com a construção do tanque. No entanto, após as filmagens, o tanque onde Titanic foi filmado não foi desativado. Faz parte de um complexo dos Estúdios de Cinema Baja, no qual muitos outros filmes foram gravados desde então. Esse exemplo do cinema nos faz pensar sobre vários aspectos da contabilidade, atiçando nossa curiosidade e dando um prenúncio dos grandes desafios enfrentados atualmente pelos contadores. Por exemplo, como um contador deve responder a estas perguntas: 1) Se o tanque de água onde o “Titanic” foi filmado continua a ser usado para outras produções cinematográficas, não seria então um ativo? Ou seria uma despesa de produção do filme? 2) Um filme pode ser ativado nos balanços de um estúdio de cinema ou... é uma despesa? 3) Caso seja possível manter um filme no ativo de uma empresa, por quanto tempo ele poderá permanecer? 4) E as receitas, por quanto tempo poderão ser lançadas? Observação No final deste livro‑texto, há um texto sobre como os norte‑americanos lidam com a contabilidade do audiovisual. 1.2 O contador frente aos grandes desafios da sociedade atual O mundo precisa da contabilidade? Essa inquietante pergunta traz um enorme desconforto, um amargor digno das maiores ameaças! Será que a contabilidade teria perdido o seu valor e sua razão de existir, caducando à margem das modernas e dinâmicas tecnologias? Será que a contabilidade já não mais atenderia aos anseios da sociedade e deveria ser encaminhada a um museu para que as pessoas do presente e do futuro conheçam “como as coisas eram feitas”? Todo nosso esforço como contadores (e, é claro, também o seu como estudante da ciência contábil) já não faria mais sentido? 13 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Ou... as modernas tecnologias e as mudanças sociais estariam dando para a contabilidade oportunidades valorosas? Estaríamos em um momento em que todas as condições seriam favoráveis para a contabilidade dar um salto qualitativo e ser reconhecida como um importante instrumento não apenas para administrar patrimônios e negócios, mas de democracia? Felizmente, nos últimos trinta anos muitos contadores ao redor do planeta não esmoreceram frente às ameaças e trabalharam em prol de uma contabilidade de oportunidades. No entanto, esse não é um caminho fácil e que está consolidado. Tornar a contabilidade relevante é uma tarefa de todos nós. Nesse sentido, abre‑se outra pergunta, que é o centro dos estudos da disciplina Ciências Contábeis Interdisciplinar. O que devemos fazer? Para responder a essa pergunta, precisamos, antes, estudar o que ocorreu nos últimos trinta anos na contabilidade e o significado do processo de convergência da contabilidade às normas internacionais. Segundo Chua (2001), a partir da década de 1970, os acadêmicos sentiram um grande desconforto em relação ao desenvolvimento da pesquisa contábil e, em 1977, a Associação Americana de Contabilidade concluiu que não haveria uma teoria contábil geralmente aceita, mas uma proliferação de paradigmas que possibilitam somente uma orientação limitada para os tomadores de decisão. Ainda segundo Chua (2001), em 1976, Wells escreveu o livro Revolution ofAccounting Thought – Revolução no pensamento contábil –, em que afirmava que a contabilidade careceria de um paradigma definitivo ou de uma matriz disciplinar. Em 1987, aumentando ainda mais um sentimento de insegurança que rondava a contabilidade, Johnson e Kaplan (1987) assustaram a comunidade acadêmica e a profissão contábil em geral quando afirmaram no livro The relevance lost (A perda da relevância) que a contabilidade havia perdido a relevância, sobretudo a contabilidade gerencial. Para essa afirmação, os autores apontaram como o motivo dessa “perda de relevância” o fato de que os gerentes continuavam a adotar técnicas que haviam sido desenvolvidas ainda no início do século passado. Esses autores argumentavam que se passaram várias décadas sem a adoção de novos e mais avançados artefatos contábeis. As teorias, então, teriam sido exageradamente simplificadas. Mesmo os mais modernos desenvolvimentos da tecnologia da informação usavam as mesmas teorias que já haviam sido criadas no período pós‑Revolução Industrial. Então, como não se produzia nada de novo, a contabilidade teria caducado ou se tornado irrelevante. Essas (fortes) críticas de Johnson e Kaplan (1987) receberam a atenção de vários pesquisadores desde então, que contestaram essa situação de irrelevância. Houve desenvolvimentos de novos artefatos contábeis, mas também a criação de uma certeza de que é necessário conferir para a contabilidade uma contínua relevância. Segundo Borinelli et al. (2005), houve respostas positivas da contabilidade gerencial. A seguir, um quadro com as principais críticas de Johnson e Kaplan (1987): 14 Unidade I Quadro 1 – Quadro-resumo dos argumentos e das críticas do Relevance Lost Argumento Justificativa Crítica Crescimento das organizações e descentralização da gestão Administração profissional desconhece o processo produtivo. Tomada de decisão com base em indicadores financeiros de curto prazo. Crescimento de custos não identificáveis diretamente com os produtos. Todos os custos e despesas deveriam ser imputados aos produtos. Como imputar todos os custos e despesas aos produtos? A relevância é perdida em função das relações sociais e do trabalho. Influência das informações contábeis para usuários externos Inexistência de informações periódicas. Subserviência da contabilidade gerencial à contabilidade financeira. Informações financeiras inadequadas para informações gerenciais. Os argumentos são baseados em evidências não empíricas. Necessidade de J&K se posicionares sobre os propósitos da contabilidade gerencial e da contabilidade financeira são os mesmo. Redução do foco de gestão de custos e ênfase na contabilidade de custos Ênfase na contabilidade e não na gestão de custos. Alto custo de geração de informações por produtos. Formação universitária pautada em informes financeiros. A educação contábil de custos não ficou estagnada, uma vez que houve diversas publicações que contemplavam informações para a gestão. Automatização dos sistemas de informação Automatização dos sistemas já existentes. Ausência de inovações. Novos sistemas estão limitados ao custo x benefício. Pouca participação dos acadêmicos Desaparecimento da avaliação gerencial de custos de produtos pós 1ª Guerra Mundial. Educação pautada na administração com base em indicadores financeiros. Pesquisadores acadêmicos influenciados por um modelo simplificado do comportamento das empresas. Estudiosos acadêmicos enfatizam: Relação custo x benefício das diferentes alternativas de decisão. Limitações da contabilidade financeira. A importância de outros dados para o planejamento e controle das operações. Os profissionais não estavam divulgando novas técnicas Questionamento das contribuições dos profissionais nos últimos sessenta anos. Tem havido sim relacionamento entre profissionais e acadêmicos. O poder dos profissionais e acadêmicos vem do seu conhecimento técnico. não aprimorá‑lo seria contraproducente ao interesse da classe. Fonte: Borinelli et al. (2005). Johnson e Kaplan (1987) dão a entender que os contadores estariam trabalhando de forma isolada, automática, restritos a seu escritório e a suas próprias preocupações, sem envolvimento com a equipe de profissionais da empresa, conforme podemos visualizar na figura a seguir: 15 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Figura 2 – Isolamento funcional dos contadores dentro das organizações Além de a contabilidade gerencial (ou seja, a contabilidade para usuários internos) ter sofrido esse diagnóstico negativo, também a contabilidade financeira (ou seja, a contabilidade para usuários externos) estava enfrentando problemas muito graves. Cada país mantinha seu próprio conjunto de normas contábeis, sendo que as normas norte‑americanas, devido ao gigantismo e à importância da economia dos Estados Unidos da América, passaram a ser utilizadas como um padrão internacional, principalmente pelas empresas com ações nas bolsas americanas. Em alguns casos vergonhosos, empresas passaram a interpretar as normas contábeis da forma que melhor lhes conviesse. Não demorou para que surgissem escândalos, que foram agravados ainda mais pelas recentes crises internacionais, como a crise da Ásia. O diagnóstico de vários especialistas era de que a contabilidade não estaria atendendo às necessidades de informação dos investidores e gerando dúvidas ao invés de incertezas. É possível entender esse momento negativo da contabilidade pelas palavras de Sir David Tweedie, numa declaração ao jornal britânico The Guardian: Se nós tivermos uma regra que diz que “se ABC acontecer, a contabilidade é X”, eu sei que em três minutos os bancos de investimento vão produzir um esquema BCD que não vai ser coberto por essa regra. Então, teremos que criar uma nova regra. Porém, se você disser que “O princípio diz que ABC acontece e aqui está a regra contábil X”, quando eles criarem o BCD, nós poderemos dizer: Desculpe, isso é apenas uma variação, te pegamos! Figura 3 – Declaração de Sir David Tweedie Fonte: The Guardian (2002). Mais do que isso, os próprios fundamentos da contabilidade passaram a ser questionados. As entidades contábeis internacionais passaram, então, a tentar estabelecer um conjunto de regras com validade internacional, mas esse processo não decolava por várias razões. Essa situação chegou a seu ápice com a crise de 2007‑2008, em que finalmente os governos nacionais, em particular o G20 (Grupo dos vinte), entenderam que adotar um conjunto comum de normas contábeis, com validade planetária, seria indispensável para evitar novas crises econômicas internacionais. 16 Unidade I A seguir, uma carta encaminhada ao Presidente Barack Obama pelos presidentes da IASB e da FASB (International Accounting Standards Board – Comissão Internacional de Normas Contábeis e Financial Accounting Standards Board – Comissão de Normas Contábeis dos Estados Unidos da América, respectivamente). Figura 4 – Miniatura de uma carta do IASB/IFRS ao Presidente dos Estados Unidos Barack Obama Adaptada de: https://bit.ly/3Osva0a. Acesso em: 10 jun. 2022. Saiba mais O G20 e um grupo que reúne os ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo (incluindo o Brasil) mais a União Europeia. Foi criado em 1999 como uma ação intergovernamental para enfrentar os problemas de sucessivas crises financeiras mundiais e após a crise financeira mundial de 2008 passou a assumir a centralidade como fórum de discussão sobre governança internacional antes ocupada pelo G7 (atual G8). Para mais informações, consulte o site da entidade: Disponível em: https://g20.org/. Acesso em: 10 jun. 2022. 17 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR A IASB/IFRS respondeu a recomendações da declaração do grupo do G‑20 publicada em abril de 2009 e, desde então, a cada reunião desse grupo é emitida uma carta ao anfitrião (o líder político máximo do país) do país que sediauma reunião do G‑20, atualizando os líderes com as ações que estão em curso para a convergência contábil internacional. As cartas são escritas em língua inglesa e sua leitura literal é muito recomendável para refletir e entender o enorme esforço que está sendo empreendido. Uma das cartas foi traduzida para o português: 24 de junho de 2010 Ao honorável Stephen Harper Primeiro‑Ministro Gabinete do Primeiro‑Ministro 80 Wellington Street Ottawa – Canadá K1A 0A2 Prezado Sr. Primeiro‑Ministro: Em nome do Comitê Internacional de Normas Contábeis – International Accounting Standards Board (IASB) e do Comitê de Normas Contábil‑Financeiras – Financial Accounting Standards Board (FASB), que representam os órgãos normativos encarregados de desenvolver padrões contábeis de alta qualidade, escrevemos ao senhor na qualidade de anfitrião da próxima reunião da Cúpula de Líderes do G20. Solicitamos respeitosamente que a Secretaria da reunião faça circular esta carta para todos os outros participantes da reunião. Entendemos a importância que os líderes do G20 atribuem à questão da normatização de contabilidade. No encontro de Pittsburgh, em setembro de 2009, os líderes do G20 afirmaram: Apelamos aos nossos organismos internacionais de contabilidade para redobrar seus esforços para alcançar um conjunto único, global e de alta qualidade para normas de contabilidade, que dentro do âmbito do seu padrão independente e de seus processos de decisão, completem o seu projeto de convergência até junho de 2011. O Comitê Internacional de Normas Contábeis – International Accounting Standards Board (IASB) deverá aumentar ainda mais o envolvimento dos vários intervenientes. Relatamos o progresso do nosso trabalho para os Ministros das Finanças do G20 antes de sua reunião na Coreia no início deste mês. Atribuímos essa carta para o seu conhecimento. 18 Unidade I Essa carta ressaltava nosso compromisso comum para a melhoria internacional das normas internacionais – Financial Reporting Standards (IFRS), e a convergência dos princípios geralmente aceitos norte‑americanos (USGAAP). Destaque‑se também a nossa compreensão da relevância do objetivo de junho de 2011 como meta para os que os membros do G20 adotem as IFRS, e 2011 ou 2012 para os outros países, incluindo o Japão e os Estados Unidos que consideram a continuidade da melhoria e convergência como um aspecto importante para os seus mercados de capitais. Observamos também que muitas partes interessadas (stackholders) manifestaram a sua preocupação sobre a capacidade de fornecer informações de alta qualidade para os relatórios que foram planejados para publicação no segundo trimestre deste ano. Por essa razão, no momento da nossa redação ao grupo de ministros de finanças do G20, as duas entidades estavam no processo de desenvolvimento da revisão de uma estratégia que dê condições de cumprir o prazo de junho de 2011 ou antes disso. Para tal, o mais urgente é melhorar as IFRSs e as normas contábeis geralmente aceitas norte‑americanas. Nós também estamos identificando projetos que são adequados e podem ser analisados em um segundo momento, aqueles que acreditamos tenham assuntos que acreditamos ter uma prioridade menor ou que vão demandar análise e pesquisa. Já completamos nossa atenção nas estratégias a serem modificadas e enviamos em anexo o programa de trabalho atualizado. O pronunciamento dos líderes em Pittsburgh enfatizou a importância do engajamento das partes interessadas (stakeholders). Acreditamos que o programa modificado de trabalho, onde há fases para a publicação de pronunciamentos e interpretações, possibilitam a participação das partes interessadas (stakeholders) de forma ampla e eficaz nesse processo que é crítico para atingir uma boa qualidade nos nossos padrões. A natureza dos comentários recebidos em nossos documentos de discussão vai determinar a extensão das redeliberações necessárias e outros passos e esforços que vão ser necessários para atingir esse objetivo. Nós gostaríamos do suporte do G20 para o desenvolvimento de um conjunto comum de padrões contábeis globais de alta qualidade. As duas instituições continuam compromissadas em alcançar o objetivo. Iremos continuar a providenciar atualizações periódicas relatando os progressos. Atenciosamente, David Tweedie Presidente da IASB Robert Herz Presidente da FASB Tradução: Prof. Me. Alexandre Saramelli 19 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Saiba mais No site da IASB, é possível encontrar uma página exclusiva dedicada aos documentos emitidos ao G20, relatando as ações da IASB/IFAC (em inglês). Disponível em: https://bit.ly/3A0Hctc. Acesso em: 18 out. 2012. Durante as discussões das normas internacionais pela IASB e outros órgãos, a questão da relevância foi muito lembrada. Para conferir às demonstrações financeiras maior relevância, entendeu‑se que seria imprescindível conferir para a contabilidade características qualitativas e uma preferência por demonstrações contábeis que vão ao encontro dos interesses dos investidores, como é o caso da Demonstração do Fluxo de Caixa. Segundo Chua (2001), a tendência atual da contabilidade alicerça‑se em um conjunto de pressupostos filosóficos sobre o conhecimento, o mundo empírico e a relação entre teoria e prática. Os contadores teriam a tendência de lidar apenas com o que seria “mais eficiente e efetivo” para estabelecer quais são as necessidades de um tomador de decisões. Um contador não se envolveria com julgamentos morais sobre as necessidades ou objetivos de um tomador de decisões, limitando‑se a orientar o que deve fazer para que esse tomador de decisões tenha mais sucesso, seja mais rentável. Chua (2001) (apud CHAMBERS, 1966, p. 40‑58) dá ao contador uma característica de neutralidade. Observação Estudaremos as características qualitativas das demonstrações contábeis nas próximas unidades. 1.3 Outros fatores da sociedade atual que trazem desafios aos contadores Neste tópico, analisa‑se o cenário mundial e os principais fatores que afetam o trabalho dos contadores e o ambiente da contabilidade internacional. A globalização e a União Europeia O fenômeno da globalização, visto simplificadamente como o comércio internacional entre nações, não é recente. Há séculos, ocorre comércio entre pessoas de diversas nacionalidades. Os diversos Estados Nacionais (países) influenciam e regulamentam esse processo, e nem sempre há permissão para a livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais. Não raramente, impede‑se a um cidadão de certa nacionalidade o direito de viver em um país que proporcione melhores condições de vida, embora, na maioria dos casos, seja permitido a esse mesmo cidadão acesso a mercadorias e serviços produzidos em outros países, além de liberdade para remeter capitais. 20 Unidade I Com a livre circulação de capitais, é possível formar negócios em diversos países, o que naturalmente abre o desejo de que esses negócios estejam sob as mesmas normas contábeis. Porém, por si só, a globalização não traz necessariamente uma necessidade de adoção de uma contabilidade internacional. O que vimos, poucos anos atrás, é que as nações mais desenvolvidas, principalmente a pujante economia norte‑americana, faziam de suas normas internacionais um padrão a ser seguido também em outros países, atuando na prática como com normas internacionais. Apesar de já haver normas internacionais, as IAS (International Accounting Standards – Normas Contábeis Internacionais), emitidas pela Federação Internacional de Contadores, não havia motivação para a aplicação prática. A situação, de certa forma, estava confortável dessa maneira. Essa situação começou a mudar por ocasião de uma iniciativa notável: a formação da Comunidade Europeia, fato relevante que vem inspirando a adoção de atitudes semelhantes por outros países. Conforme comenta Thorstensen (1992), após conflitos sangrentos nos quais se tentou, por meio da força, impor uma unificação entre os países europeus, chegou‑sea um acordo no qual os países, por livre e espontânea vontade, criaram uma união comercial com livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais. O ponto básico de toda a experiência da Comunidade Europeia é a consciência de que ganhos econômicos só seriam possíveis através de uma integração política, o que implicaria a transferência de grande parte das soberanias nacionais para o âmbito da estrutura de poder da Comunidade (THORSTENSEN, 1992). Essa experiência trouxe, naturalmente, a necessidade de tentativas de padronização da contabilidade, porque se fez necessário uma integração entre os negócios da comunidade. Dessa forma, os países, em matéria de adoção de princípios e normas contábeis, ao invés de olharem apenas para seus problemas nacionais, passaram a olhar também para a comunidade e a agir em conjunto. Foram justamente as reuniões da União Europeia e as publicações de “diretivas” comuns que fizeram o sonho das normas realmente internacionais de contabilidade começarem a virar uma realidade. O surgimento de grupos políticos, como o G7 (Grupo dos Sete) e atualmente o G20 (Grupo dos Vinte), também é acompanhado por iniciativas de padronização contábil por meio de órgãos internacionais, conforme estudaremos em capítulo específico. O ordenamento jurídico nas nações O Brasil adota como base jurídica o chamado direito romano. Não são todos os países que adotam essa mesma base jurídica. Alguns, como a Inglaterra, preferem outros ordenamentos jurídicos, como a Common Law, outros preferem a Sharia, a lei islâmica. 21 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Walton (apud NIYAMA, 2005) resume com enorme lucidez, e até bom humor, as diferenças de ordenamento jurídico entre os países: A compreensão de regras internacionais é muito difícil porque as regras têm diferentes significados: na Alemanha, tudo é proibido a menos que esteja explicitamente previsto na lei, enquanto na Inglaterra tudo é permitido a menos que esteja explicitamente proibido em lei. No Irã, tudo é proibido, mesmo que esteja permitido na lei, enquanto na Itália tudo é permitido, especialmente se é proibido. Certamente, o fenômeno da globalização não irá alterar essas preferências, o que significa que um mesmo objeto poderá ter várias interpretações e decisões diferentes de acordo com o país. Como consequência, os aspectos contábeis também são afetados. A evolução das telecomunicações, da tecnologia da informação e o uso de sistemas integrados na área contábil Ainda no estudo da globalização, observou‑se a adoção de tecnologias de telecomunicação e de informação que diminuem as distâncias. Atualmente é possível que um brasileiro interaja em seu trabalho, ao mesmo tempo, com um indiano e um sul‑africano, distantes entre si milhares de quilômetros. Isso não significa que perdem sua cultura e seus costumes, mas que podem trabalhar em conjunto como se estivessem em uma mesma sala. Dessa sala, esses cidadãos podem controlar negócios a distância, entrar em sistemas de informação e remeter capitais entre países, mesmo não tendo sequer um passaporte. É cada vez maior o uso, nas empresas, de sistemas informatizados integrados, como os ERPs (Enterprise Resource Planning – Planejamento dos Recursos Empresariais). Podem‑se encontrar dezenas de empresas multinacionais que controlam suas atividades em tempo real, em diversos países ao redor do globo, por meio de redes de computadores ligadas a esses sistemas integrados. Segundo Saramelli (2010), os sistemas geralmente embutem melhores práticas – best‑practices – que são utilizadas, mas nem sempre completamente compreendidas. Ainda segundo Saramelli (2010), é muito grande o apelo à padronização dos procedimentos para que esses sistemas possam atuar de forma mais eficiente, mas nem sempre isso é possível, porque os fatos contábeis podem guardar diferenças significativas entre os países. Surge, então, uma difícil situação, na qual, ao mesmo tempo, se espera do contador que padronize as operações e aplique julgamento profissional, o que força o surgimento de procedimentos diferenciados. O contador, ao mesmo tempo em que precisa preparar informações periódicas e de qualidade para os usuários externos (o simples atraso de um dia na publicação de balanços contábeis pode criar grandes aborrecimentos), precisa preparar informações contábeis relevantes para os usuários internos, muito antes que as operações ocorram. 22 Unidade I Também na área financeira, há uma crescente e rápida informatização. As operações financeiras são realizadas em tempo real em todos os fusos horários, e muitas vezes de forma tão ágil que o mercado e os jornalistas, não raramente, descobrem e/ou analisam situações antes mesmo que o próprio contador e/ou gestor da empresa consigam fazer o mesmo. O resultado é, como comenta Garcia (2004), o surgimento repentino de crises que, se não forem rapidamente esclarecidas, podem afetar com gravidade a empresa. Isso requer dos contadores habilidades para lidar com a mídia e com os jornalistas. O conhecimento como fator de produção Definia‑se em economia que os fatores de produção seriam “terra, trabalho e capital”. O conhecimento, embora sempre existisse, não era, e por muitos continua não sendo, considerado como fator de produção. Toffler e Toffler (1996) defendem a ideia de que atualmente o conhecimento não só deve ser considerado um fator de produção, como é o mais importante de todos. Dizem Toffler e Toffler (1996) que uma máquina computadorizada, trabalhando com conhecimentos formados ao longo de um histórico de aprendizados, pode economizar matérias‑primas. Mais do que isso, o conhecimento pode ser aplicado em locais diferentes, ao mesmo tempo. A crescente informatização e o surgimento das redes de comunicação fazem com que muitos negócios trabalhem exclusivamente de forma virtual, sem forma física. Os serviços são cada vez mais importantes para uma economia. Ao mesmo tempo, Toffler e Toffler (1996) tecem uma crítica aos economistas e contadores tradicionais que ainda usam técnicas do passado e que não reconhecem as novas possibilidades e formatos de negócios que surgem com a chamada “era do conhecimento”. Observação Alvin e Heide Toffler são influentes pensadores sociais nos EUA, famosos pela publicação do livro A terceira onda. É muito difícil para a maioria dos contadores, por exemplo, o reconhecimento de temas sofisticados, como o valor de um fundo de comércio (goodwill), ativos intangíveis e/ou de capital intelectual. Alguns temas sofisticados, como os ativos intangíveis, já são tratados nas normas internacionais de contabilidade. A crise financeira de 2008-2010 Assim como a histórica crise financeira de Nova York na década de 1930 gerou profundas consequências para a história da humanidade e para a melhoria dos procedimentos contábeis, a crise financeira de 2008‑2010 será estudada nos próximos anos e trará diversas reflexões, inclusive no que se refere aos procedimentos contábeis. Os estudos seminais sugerem que a recente adoção das normas internacionais de contabilidade e, em especial, a adoção do fair value (valor justo) tiveram um efeito benéfico. A crise teria sido uma espécie de “batismo de fogo” das IFRS, embora seja muito cedo para uma conclusão mais fundamentada. 23 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Observação Quando o assunto é muito recente, obviamente não há estudos científicos que abordem o fenômeno. Os primeiros estudos exploratórios realizados sobre o fenômeno são, então, denominados de “estudos seminais”. Em reuniões do G20 realizadas em 2010, enfatizou‑se a necessidade e o reconhecimento desses países quanto ao desenvolvimento de normas contábeis internacionais. Figura 5 Disponível em: https://bit.ly/39UXGs0. 10 jun. 2022.♠ Foto oficial dos chefes de Estado que participaram do encontro do G20 em Seul, na Coreia do Sul, em novembro de 2010. A crise de 2008‑2010 sugeriu que a iniciativa privada não deve agir sozinha nos mercados internacionais. A atuaçãodo Estado seria fundamental para o bom funcionamento dos mercados. Longe de um mercado financeiro que mais se parece com um cassino global, os mercados exigem, acima de tudo, honestidade, ética, responsabilidade, prudência e bons controles. Nesse sentido, o mundo passou a olhar com mais atenção para a economia e os bancos de inspiração islâmica, assunto que será tratado no tópico a seguir. Saiba mais A fim de aprofundar‑se no assunto crise mundial, acesse o link a seguir: BARRETO, E. A contabilidade a valor justo e a crise financeira mundial. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: https://bit.ly/3QU2uii. Acesso em: 10 jun. 2022. 24 Unidade I Novos mercados: BRICS e finanças islâmicas Após o final da Segunda Grande Guerra, no século passado, durante o período da chamada Guerra Fria, o mundo estava dividido entre duas superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética, e os aliados dessas potências. Cada qual representando um sistema econômico, capitalistas de um lado e socialistas do outro. Com o fim da União Soviética, o mundo foi dividido entre os EUA, a maior e mais representativa economia; a Europa, com a União Europeia, com menos força econômica; e os demais países desenvolvidos e/ou em desenvolvimento. Posteriormente, entre os países em desenvolvimento, observou‑se que cinco países reunidos na sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China, e alguns também incluem a África do Sul) relatam força econômica e política diferenciada, o que justifica uma classificação própria. O ambiente de negócios entre esses países apresenta muitas diferenças, enquanto Brasil, Rússia, Índia e, principalmente, a China crescem a taxas invejáveis, países desenvolvidos enfrentam problemas econômicos severos. Os países islâmicos, principalmente o Catar e os Emirados Árabes Unidos, apresentam um notável crescimento, e possuem planejamento estratégico para serem países que oferecerão qualidade de vida invejável a seus habitantes nos próximos anos. Cidades como Dubai ou Abu Dhabi são atualmente tão cosmopolitas como São Paulo, Roma, Nova York ou Tóquio, e possuem centros financeiros importantes. Em específico, nos países islâmicos, conforme reportam jornalistas como Belkaid (2008) e Phillip (2008), surgiu um tipo de banco que segue as orientações da religião islâmica, a lei Sharia, na qual não existe a cobrança de juros. A remuneração dos bancos se dá a partir da cobrança de mais‑valias. Esse sistema chama a atenção por sua novidade e por uma atitude prudente. A contabilidade islâmica será analisada em capítulo específico, pela sua relevância para o estudo de contabilidade internacional. O surgimento do BRIC, o fortalecimento dos países e das finanças islâmicas trazem impactos aos contadores brasileiros, surgindo a necessidade de estudar esses fenômenos com mais atenção. 1.4 Princípios de contabilidade Após estudar os desafios da profissão contábil na sociedade atual, iremos estudar alguns aspectos sobre os princípios de contabilidade. Apesar de a Resolução que dispunha sobre tais princípios ter sido revogada, eles são importantes para entendermos as normas internacionais de contabilidade Saiba mais Consulte sempre o site do Comitê de Pronunciamentos Contábeis para ficar por dentro das audiências públicas. Disponível em: http://www.cpc.org.br/. Acesso em: 10 jun. 2022. 25 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Os Princípios Fundamentais de Contabilidade (como eram conhecidos durante a vigência da Resolução n. 750/93 do Conselho Federal de Contabilidade), num esforço para a harmonização contábil internacional, foram alterados pela Resolução CFC n. 1.282/10 NBTC TI1 (atualmente também revogada). Conforme Iudícibus et al. (1990), princípios contábeis são premissas básicas sobre os fenômenos e eventos contemplados pela contabilidade. Muitos profissionais no mercado e/ou estudantes costumam chamar os princípios contábeis norte‑americanos de USGAAP (United States Generally Accepted Accounting Principles – princípios contábeis geralmente aceitos dos Estados Unidos da América do Norte) e, por analogia, os princípios brasileiros de BRGAAP (Brazilian Generally Accepted Accounting Principles – princípios contábeis geralmente aceitos do Brasil). Observação O GAAP, ao final dessas siglas, abrevia a expressão Generally Accepted Accounting Principles ou princípios contábeis geralmente aceitos. Segundo Iudícibus et al. (1990), para um princípio ser incorporado à doutrina contábil, é necessário que atenda a duas condições básicas: 1) o objetivo deve ser considerado praticável pelo consenso profissional; 2) deve ser considerado útil. A ordem de classificação é importante porque, para muitos profissionais da contabilidade, é de fundamental importância que um princípio seja praticável antes de ser relevante. Não basta que um princípio seja aderente a uma realidade econômica, é necessário que tenha como ser colocado em prática com facilidade, em uma relação de custo‑benefício. Isso não quer dizer que um potencial princípio contábil que hoje é considerado impraticável não venha a ser considerado praticável no futuro, mas quer dizer que a tecnologia e a cultura podem favorecer sua aceitabilidade. Saiba mais Leia o artigo a seguir para compreender o que consta na revogação da Resolução n. 750/1993: GIROTTO, M. Revogação da Resolução n. 750/1993: contexto e considerações. CFC, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3AmTv3l. Acesso em: 10 jun. 2022. 1.5 O conceito de fair value – valor justo Uma das novidades que as normas internacionais trazem para o universo contábil brasileiro é o conceito de true and fair value – valor justo e verdadeiro, certamente um conceito muito polêmico, por isso mesmo, necessita ser estudado com muita profundidade. 26 Unidade I A FASB norte‑americana, por meio de seu pronunciamento SFAS 157, definiu valor justo como “o valor que seria recebido ao vender um ativo, ou pago ao transferir um passivo em uma operação normal, entre participantes do mercado na data de mensuração”. Anteriormente, entendia‑se que um ativo deveria ser mantido em seu custo de aquisição, sendo que, na sua venda, se apurava um lucro ou prejuízo, de acordo com as condições de mercado. Esse conceito, no entanto, foi amplamente debatido e entendeu‑se que não era razoável manter um ativo a seu custo de aquisição, porque os ativos sofrem modificações de valor ao longo do tempo. Segundo a pesquisa de Barreto (2009), Iudícibus e Martins (2007, p. 3) definiram valor justo como “O montante pelo qual um determinado item poderia ser transacionado entre participantes dispostos e conhecedores do assunto numa transação sem favorecimento”. Nessa definição, há mais clareza sobre o aspecto “justo” do conceito, porque, de fato, se um imóvel foi comprado a um valor X alguns meses atrás e, por algum motivo, passa a ter um valor Y, um valor maior (ou menor), não é certo mantê‑lo no valor histórico, surge a necessidade de reconhecer esse fato. Da mesma forma, não se deve sobrevalorizar o valor desse imóvel, muito menos subvalorizar. O valor deve ser correto, verdadeiro. Sá (2008) argumentou contra a aplicação desse conceito porque entendia que a questão não estaria em conservar valores históricos, mas em saber de forma objetiva como atualizá‑los. Para Sá, a questão não estaria em volatilidade, mas em responsabilidade técnica e social. Seu receio era de que, se a informação contábil ficasse à mercê do subjetivismo, teria toda a condição de lesar seus usuários. Ele via dificuldades para a aplicação prática desse princípio, que é um desafio para todos os contadores. Os contadores europeus entenderam que havia condições práticas para a aplicação do valor justo e adicionaram esse conceito na 4ª Diretiva europeia, em que se tratava da contabilidade praticada pelas empresas situadas nos países da União Europeia. A 4ª Diretiva foi o primeiro e mais importante documento de harmonização das normas contábeisna União Europeia. Castro Neto et al. (1992) escreveram um artigo para o XIV Congresso Brasileiro de Contabilidade com uma aprofundada análise das origens do termo true and fair view, uma contribuição que, por ser muito esclarecedora para nosso estudo, é descrita a seguir: Observação O Congresso Brasileiro de Contabilidade é um dos mais importantes eventos da classe contábil brasileira. Segundo Castro Neto et al. (1992), Parker (1990) expõe que o true and fair view surgiu na lei inglesa Company Acts, em 1947, e posteriormente na Company Acts de 1948. O 1º item (ou parágrafo) desse 27 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR normativo pronunciava que: “todo balanço e demonstração de resultado de uma companhia deve espelhar uma visão justa e verdadeira dos negócios da empresa”. Castro Neto et al. (1992) comentam que Walton (1991) sugeriu adotar os ensinamentos de Saussure de distinguir entre o “significado” e o “significante” para explicar o que vem a ser visão justa e verdadeira. No caso, o primeiro refere‑se aos termos true e fair view, sua “imagem acústica” (cadeia de sons) no plano da forma, enquanto o segundo implica as ideias, os conceitos veiculados por essas palavras no plano do conteúdo. Observação Ferdinand de Saussure foi um linguista e filósofo suíço que viveu entre 1857 e 1913. O significado de true and fair view estaria originado na sua origem inglesa; porém, os significados em outras línguas europeias não seriam traduções literais. A 4ª Diretiva europeia teria introduzido diversos significados, de acordo com os países aos quais ela se aplica. Veja, a seguir, quadro com as principais traduções, segundo Castro Neto et al. (1992): • Inglaterra e Irlanda: true and fair view; • Holanda: een getrouw beed; • Dinamarca: et palideligt; • França, Luxemburgo e Bélgica: une image fidèle (een getrouw beeld, em flamenco); • Alemanha: ein den Tatsachlichen Verhaaltnissen entsprechendes Bilds; • Grécia: ten pragmatiki ikona; • Espanha: una imagem fiel; • Portugal: uma imagem fiel; • Itália: un quadro fedele. 28 Unidade I Observação Todos os documentos emitidos pela União Europeia são disponibilizados nas línguas de todos os países‑membros. Consequentemente, é possível surgirem divergências ocasionadas por causa da tradução. Nos Estados Unidos, o significador usado é present fairly in conformity with generally accepted accounting principles. Castro Neto et al. (1992) continuam a análise comentando que “o Reino Unido concebe que espelhar uma true and fair view deve ser o objetivo final das demonstrações contábeis, o que implica aceitar a ideia de que certos procedimentos contábeis sobrepõem‑se à letra da lei”. E citam um exemplo, discutido por Nobes (1993), que diz que “... a prática de alguns países do norte da Europa de lançar ativos contra reservas para tirar proveito fiscal não deveria ser permitida na contabilidade, pois tal não favoreceria uma visão justa e verdadeira das contas”. Nessa mesma discussão, segundo Castro Neto et al. (1992) (apud HOPWOOD, 1990, p. 84) teria sugerido que a true and fair view: [...] tornou‑se particularmente importante no Reino Unido como uma contraposição ao excessivo legalismo do texto da 4ª Diretiva. O significado do conceito relacionava‑se à interpretação que os advogados do Reino Unido davam à ele e estava associado às práticas correntes da contabilidade. Castro Neto et al. (1992), baseados em Flint (1995, p. 15) ensaiam, então, uma conclusão de que não existiria uma unanimidade quanto ao significado e à interpretação da true and fair view. Seria um “conceito filosófico” e, portanto, não suscetível de definição por um conjunto de regras detalhadas. Essa opinião revelaria um dos pontos fracos do termo, aquele sobre o qual alguns estudiosos centram suas críticas. Dessa forma, ainda segundo Castro Neto et al. (1992), o entendimento da noção de valor justo é polêmico, porque pode ser interpretado de diferentes formas, Tweedie (1983, p. 424) sugeriu três cenários alternativos para os legisladores da área contábil abordarem o conceito: a) deixar os administradores decidirem, à luz das circunstâncias, quais informações são necessárias; b) uma prescrição das regras de avaliação e mensuração, além das exigências de disclosure; c) uma prescrição estatutária do conceito de verdade (Truth) e justiça (Fairness). 29 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Castro Neto et al. (1992) expõem que Flint defendia o uso da última alternativa, e reconhecia que “tal opção impõe uma maior obrigação dos administradores em escolher a informação adequada a evidenciar para satisfazer obrigações legais e estatutárias das empresas que representam”. Finalizando a exposição da análise de Castro Neto et al. (1992), que contribui para este texto, os autores procuram uma definição de cunho mais prático, de Rutherford (1985, p. 483): true and fair view é “aquilo que é correntemente empregado pelo profissional, de modo consistente e coerente” e expõe dois entendimentos de órgãos regulamentadores: Comitê de Padrões Contábeis da Inglaterra: As contas não serão verdadeiras (true) nem justas (fair) a menos que as informações nelas contidas sejam suficientes em quantidade e qualidade para satisfazer as expectativas razoáveis dos leitores a quem elas se destinam. International Accounting Standards Committee (IASC) Uma true e uma fairview somente podem ser alcançadas se: Fatos, e não ficção, são evidenciados nas demonstrações contábeis. As bases de avaliação e determinação da receita são aceitáveis. Referidas bases são evidenciadas em notas explicativas. O agrupamento e o arranjo dos itens nas demonstrações contábeis estão adaptados ao negócio. Há poucas reflexões ou mesmo opiniões e reclamações de contadores não acadêmicos (ou práticos) brasileiros, o que parece indicar que ou o conceito ainda está sendo ignorado ou o conceito de valor justo está sendo entendido e soluções para sua aplicabilidade estão sendo desenvolvidas. No entanto, a aplicação do conceito de valor justo no trabalho do contador é necessária. Saiba mais O artigo a seguir, de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Universidade de Brasília, explora os impactos do complexo conceito de fair value. MELO, C. L. L. et al. Mensuração a valor justo: um estudo sobre a percepção dos professores e profissionais contábeis. Revista Ambiente Contábil, Natal‑RN, v. 4, n. 1, p. 138‑155, jan./jun. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3HToCF4. Acesso em: 10 jun. 2022. 30 Unidade I 1.6 Processo de convergência O que é convergência? Além de um conjunto de normas internacionais, o que é necessário para a aplicação correta das IFRS? Neste tópico, iremos estudar o processo de convergência para entender como agir na “nova contabilidade”: Três conceitos precisam ser estudados para melhor compreensão do que significa convergência contábil: • convergência; • harmonização; • padronização. O processo de globalização e as facilidades para o comércio internacional acabam por gerar um desejo de padronização, no qual as regras precisariam ser rigorosamente as mesmas em todos os países. Assim, harmonizar seria aplicar as mesmas regras, na íntegra. Logo nos lembramos de normas técnicas, como as que a ISO (International Standardization Organization – Organização Internacional para a Padronização) publica. Por exemplo, se alguém quiser produzir cabos telefônicos, independentemente se uma fábrica está no Paquistão ou na Argentina, deve aplicar as mesmas regras de qualidade. Não deve haver influência do país e/ou da cultura do país. No entanto, em matéria contábil, não é possível dar esse tratamento. Como vimos, até mesmo nas coisas mais simples, a língua e os usos e costumes precisam ser observados para que não ocorram situações problemáticas. Portanto, o uso da palavra harmonizar no sentido de padronizar, tornar as coisas rigorosamente iguais, não é razoável. Então, fez‑se ou faz‑se necessário o uso de outra palavra, outroconceito que é muito mais difícil e complexo de ser colocado em prática: a convergência. Sob o conceito de convergência, as regras e/ou procedimentos podem ser diferentes, respeitando a cultura, a língua, os usos e os costumes e/ou legislação local, desde que o resultado final leve ao mesmo entendimento, ao mesmo objetivo. Essa é uma costura complexa de ser realizada. Como, por exemplo, fazer com que um contador árabe relate a sua contabilidade de forma que um contador asiático ou da América Central possa entender essa contabilidade, mesmo sabendo que as diferenças culturais influenciam nos negócios? 31 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Figura 6 – Processo de padronização Figura 7 – Processo de harmonização A respeito dessa problemática, Weffort (2005, p. 19) complementa: A contabilidade é moldada pelo ambiente no qual opera. Da mesma forma que as nações têm diferentes histórias, valores e sistemas políticos, elas também têm diferentes padrões de desenvolvimento da contabilidade financeira. (…) Esta diversidade é resultante da variação dos ambientes de negócios ao redor do mundo e do fato de a contabilidade ser ambientalmente sensível. 32 Unidade I Harmonização, o ato de deixar harmônico, ou, comparando com a música, o fato de uma melodia soar de forma agradável e empolgante, independentemente da nacionalidade do músico, na contabilidade significa não a padronização, mas a convergência. Uma analogia para entender o que significa convergência: muito se fala que a palavra “saudade” só existe na língua portuguesa. Figura 8 – Saudade, de Almeida Júnior, 1899 A palavra, o sentimento, ou ainda o conceito de “saudades” inspirou dois importantes gêneros musicais: o fado em Portugal e o samba no Brasil. Apesar de ser o mesmo sentimento, é notória a herança cultural que cada um desses povos imprime. Mas se “saudades” é um termo próprio da língua portuguesa, então, como um cidadão que nasceu nos Estados Unidos ou na Inglaterra, que fala inglês, expressaria esse sentimento? Pela não existência de uma palavra em seu idioma como “saudade”, o sentimento não existiria? Segundo Jacobs (2001), existe uma palavra que expressa esse sentimento na língua inglesa, que é homesickness. Essa palavra, que na verdade é uma composição de duas palavras, significa na língua portuguesa “doente de lar”. Ou seja, o cidadão americano ou inglês fica “doente” quando sente “saudades”, o que é tão forte ou até mais significativo do que o que a palavra “saudade” expressa. 33 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR E, complementando, um russo não sentiria saudades? Certamente sente, mas não há uma palavra no idioma russo que seja equivalente a “saudades”. Geralmente, recorre‑se ao equivalente, à palavra “nostalgia”. No entanto, os russos têm no seu idioma a palavra razbliuto, que demonstra um sentimento que permanece após um amor que não existe mais. De qualquer forma, apesar de terem significados diferentes, tanto a palavra em português “saudade” como a palavra homesickness levam à demonstração do mesmo sentimento. Portanto, temos uma oportunidade de “convergência”, ou seja, independentemente da cultura, é possível relatar as mesmas coisas. Após essa análise comparativa, voltemos para a área contábil: observa‑se, no Comitê de Pronunciamentos Contábeis – (2010), o cuidado de Alfried Ploger, como coordenador de relações institucionais do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, ao comentar uma preocupação para não criar resistências para que as normas internacionais sejam adotadas no Brasil: Destinado a buscar soluções para as questões que se apresentarem, com ampla e indiscriminada consulta a quem possa ser afetado, o Comitê inova no trato de questões regulamentares porque reúne representantes de entidades da área privada, do mundo acadêmico e do setor governamental, sentados à mesma mesa e imbuídos de um único critério, que é a busca da modernidade. Na verdade, estamos diante de uma dupla convergência: de um lado, a necessidade universal de integrar regras contábeis aos padrões internacionais; de outro, a participação, no debate interno, de representantes de todos os atores do mercado brasileiro – governo, iniciativa privada e órgãos acadêmicos – dialogando livre e democraticamente no CPC. Nós sabemos, por nossa própria experiência de vida, que nada será fácil na trajetória do CPC. O mundo da contabilidade é complexo e sutil; as soluções buscadas devem responder às questões levantadas e aos ambientes nos quais proliferam, mas nem sempre isso é muito fácil de identificar Para citar um exemplo já muito discutido, será necessário muito cuidado para verificar se alguma norma ou procedimento adotado produzirá elevação dos custos tributários, de modo a minimizar as possíveis resistências à adoção de procedimentos modernizantes. São cuidados que deveremos ter, para tocar a difícil tarefa, que será gratificante, de colocar o CPC em pleno funcionamento. Uma vez, no entanto, vencida a dificuldade de convergir, o resultado é empolgante: uma demonstração contábil em língua portuguesa poderá ser usada no exterior sem necessidade de um trabalho de conversão. Da mesma forma, uma demonstração contábil feita em outra língua também poderá ser usada por nós, brasileiros, sem a necessidade de conversão, no máximo, com uma tradução linguística. É o que comentam Carvalho, Lemes e Costa (2006, p. 15): 34 Unidade I Balanços de empresas (…) em diversos países tinham que ser comparados quanto a margens, retornos, custos de oportunidade, estruturas patrimoniais e desempenhos, e havia (ainda há) enorme desperdício de tempo e dinheiro para entender as distintas normas contábeis nacionais e reconciliá‑las para um padrão único. Isso deixará de ser obstáculo e deixará de ser um custo a partir das IFRS – as normas das empresas de países que as adotarem já sairão, na origem, em IFRS e eventualmente o máximo que se exigirá será a tradução do idioma, e não mais das práticas contábeis. Em suma, as IFRS nos trazem o desafio de ser verdadeiros tradutores, preparando demonstrações financeiras que não sejam entendíveis apenas em uma região ou apenas por um grupo muito específico de usuários. As demonstrações financeiras precisam ser entendidas por qualquer usuário, independentemente do país e/ou da cultura. Saiba mais Veja a seguir quem é e qual a missão das IFRS: IFRS. Who we are. [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/2s0O7hw. Acesso em: 10 jun. 2022. 2 O DESAFIO DA INTERDISCIPLINARIDADE “O trabalho da contabilidade é manter o capitalismo honesto.” (Hans Hoogervorst – IAAER Conference 2012 Amsterdã – Holanda) 2.1 Conceitos importantes para a aplicação do IFRS e as características qualitativas das demonstrações financeiras Lembrete A IASB fomenta demonstrações financeiras de maior relevância para o usuário, com características qualitativas. Uma vez que estudamos os desafios para o trabalho do contador na sociedade atual e o processo de convergência, em que se definiu que é importante o contador conferir às demonstrações contábeis elementos não apenas quantitativos, mas qualitativos, começaremos a estudar quais são esses elementos qualitativos. A seguir, alguns conceitos que são importantes para a aplicação do IFRS, segundo Mourad e Paraskevopoulos (2010). 35 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR 2.2 Definição da vida econômica e da vida útil de determinado ativo Embora vida econômica e vida útil de um bem sejam definições simples, de compreensão intuitiva, provocam muitas confusões no dia a dia. Dessa forma, faz‑se necessário estudar com muita atenção as seguintes definições: Benefício econômico Os benefícios econômicos são fatores importantes para a consecução de metas e objetivos de curto ou longo prazo. O conceito de benefício econômico é o resultado atingido por uma entidade após realizar uma atividade. Vida útil e vida econômica A vida útil de um bem é a quantidade de tempo que uma entidade deseja usar determinado ativo. Já a vida econômica,é a quantidade de tempo que um bem dura. Caso real A linguagem de computador COBOL, sigla de Common Business Oriented Language (Linguagem Orientada aos Negócios), foi criada na década de 1950, tornando‑se uma das mais utilizadas no mundo. Atualmente, a COBOL é considerada ultrapassada, pois outras linguagens muito mais ágeis e modernas foram desenvolvidas. No entanto, vários bancos e instituições financeiras no Brasil continuam a utilizar sistemas desenvolvidos em COBOL. Sistemas em COBOL não teriam valor algum no mercado. Mas, se considerarmos sua importância dentro do ambiente da empresa, principalmente aspectos como diferenciação estratégica, são fundamentais, por isso teriam um valor muito alto. Assim, pode‑se dizer que sistemas em COBOL já ultrapassaram há muito tempo a sua “vida econômica”, mas continuam a ter “vida útil” e a gerar benefícios econômicos para a entidade. Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação A empresa eletrônica Eetris Ltda. mudou‑se para um excelente e barato terreno, mas com muita dificuldade de acesso. Como não encontrou um prestador de serviço para transportar os funcionários, por causa das péssimas condições de uma estrada vicinal, decidiu comprar dez veículos de transporte para seus funcionários (vans ou “peruas” em São Paulo). Espera‑se que a estrada vicinal seja finalmente asfaltada em cerca de três anos. Nesse período, a empresa acredita que as vans irão se desgastar completamente, embora o fabricante afirme enfaticamente que elas foram construídas para enfrentar essas condições adversas e que irão durar pelo menos 15 anos. Nessa situação, qual seria a vida econômica e a vida útil dessas vans? Resposta: a vida útil das Resposta: a vida útil das vansvans é de três anos e a vida econômica, de 15 anos. é de três anos e a vida econômica, de 15 anos. 36 Unidade I 2.3 Características qualitativas das demonstrações contábeis De acordo com a Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro, conhecido como CPC 00, as demonstrações devem ser: • compreensíveis; • relevantes; • materiais ou importantes para os usuários; • confiáveis; • comparáveis. Entende‑se que os contadores devem se preocupar não somente com a acurácia quantitativa do seu trabalho, mas também em aumentar as informações de cunho qualitativo que venham a melhorar a experiência dos usuários da contabilidade ao consultarem e analisarem as demonstrações financeiras. Esse aspecto foi muito bem exposto pelo presidente da IASB, Hans Hoogervorst (2012): Se sabemos que nem sempre há uma resposta precisa a todas as perguntas, o nosso trabalho precisa ser fundamentado no pragmatismo e no senso comum. Como dizia Keynes, é melhor estar aproximadamente certo do que ser precisamente errado. Devemos evitar que as empresas tentem conseguir alcançar a precisão, sem precisão. Devemos melhorar o significado dos resultados quantitativos de nossos padrões sempre que possível. Em caso de impossibilidade, devemos deixar isso claro e colocar mais ênfase em informações qualitativas. O CPC 00 indicou como características qualitativas dos relatórios contábeis duas classes de características: • as características qualitativas fundamentais; • as características qualitativas de melhoria. Entende‑se que as características fundamentais devem ser observadas em todas as demonstrações financeiras, tendo um cunho mais crítico. Já as características de melhoria não são críticas ou imprescindíveis, mas desejáveis. A seguir, as características qualitativas fundamentais e as características qualitativas de melhoria: 37 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Características qualitativas fundamentais: • Relevância. • Materialidade. • Representação fidedigna. Características qualitativas de melhoria: • Comparabilidade. • Verificabilidade. • Tempestividade. • Compreensibilidade. Há ainda uma preocupação em analisar eventuais restrições de custo na elaboração e divulgação da informação contábil‑financeira útil. A seguir, vamos estudar cada uma dessas características: 2.4 Características qualitativas fundamentais Relevância Entende‑se que a relevância da informação financeira ocorre quando ela ajuda os usuários a avaliar o passado, o presente e o futuro, ou na confirmação de alguma atividade no passado. Entende‑se ainda que a relevância da informação financeira é afetada pela sua natureza e materialidade. Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação A Carbo Veler Indústria Naval, apesar do nome, atua em diversos segmentos. Como a indústria naval é cíclica, ainda mais no ramo específico de barcos e pequenos navios de veraneio, a Carbo Veler usa os equipamentos também para fabricar silos industriais, banheiras, piscinas residenciais, caixas d´água e bebedouros para fazendas de gado. Se a Carbo Veler preparar informações contábeis para cada um dos segmentos em que atua, estará tendo relevância? Resposta: sim, lembre‑se de que é necessário que as empresas segmentem suas informações Resposta: sim, lembre‑se de que é necessário que as empresas segmentem suas informações contábeis, conforme o IFRS 8, que estudaremos ainda nesta unidade.contábeis, conforme o IFRS 8, que estudaremos ainda nesta unidade. 38 Unidade I Figura 9 – Relevância Uma empresa sempre produz um tipo de produto. Por algum motivo, passa a produzir um produto diferente. Isso deve ser relatado ao usuário externo da contabilidade? Materialidade Entende‑se que quem prepara as informações contábeis deve analisar e decidir se as informações que está preparando são úteis para os usuários. Uma das formas para observar se algo é material ou não é imaginar o que ocorreria se a informação fosse omitida e/ou divulgada de forma inexata. Há também situações nas quais tanto a materialidade quanto a natureza são importantes, como é o caso das quantias de estoque realizadas em cada categoria principal do negócio. Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação A Pedro de Toledo Equipamentos Médicos Ltda. é uma média indústria e prestadora de serviço especializada em equipar unidades de tratamento intensivo em hospitais, clínicas e residências. Apesar de quase a totalidade de seus produtos serem de terceiros, a Pedro de Toledo produz um dos melhores e mais bem conceituados monitores cardiovasculares brasileiros. Recentemente, por conta de conversas com amigos, a Pedro de Toledo foi convidada a abrir uma pequena indústria na Escócia, de onde irá atender a toda a Europa. Apesar de a fábrica já estar em funcionamento há seis meses, nenhum investidor brasileiro foi informado sobre o negócio. O presidente comentou que não queria que ninguém soubesse de seus planos de expansão. Essa informação é material? O presidente da empresa (e o contador) estão corretos ao omitir essa informação? Resposta: não, o presidente e o contador não estão agindo de forma adequada nessa situação. Resposta: não, o presidente e o contador não estão agindo de forma adequada nessa situação. A omissão dessa importante informação, a abertura de uma subsidiária no exterior, poderá vir a ter A omissão dessa importante informação, a abertura de uma subsidiária no exterior, poderá vir a ter consequências econômicas para os investidores, portanto, dever‑se‑ia informar.consequências econômicas para os investidores, portanto, dever‑se‑ia informar. 39 CIÊNCIAS CONTÁBEIS INTERDISCIPLINAR Figura 10 – Materialidade. A informação é útil para o usuário? Características qualitativas de melhoria Comparabilidade Para atender aos anseios dos usuários das demonstrações contábeis, faz‑se necessário preparar as demonstrações financeiras de forma que possam ser comparadas entre os anos e as empresas de ramos semelhantes. O ideal é que as políticas contábeis sejam divulgadas e que os empresários no mesmo ramo também divulguem suas demonstrações, para que haja comparabilidade. Caso real: comparativo entre balanços de times de futebol Observe os seguintes balanços, do Esporte Clube Milan e do Manchester United, duas entidades distintas em países diferentes,
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