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Do povo para o Povo_ uma nova História da Democracia - Roger Osborne

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poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir
a um novo nível."
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Tradução 
Ludimila Hashimoto
 
Rio de Janeiro | 2015
Copyright © Roger Osborne, 2011
Publicado originalmente sob o título Of the People, by the People: A New History of Democracy
Capa: Sérgio Campante
Imagem de capa: Grant Faint / Getty Images
Editoração da versão impressa: FA Studio
Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
2014
Produzido no Brasil
Cip-Brasil. Catalogação na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros - RJ
O89p
Osborne, Roger, 1936-2007
Do povo para o povo: [recurso eletrônico] : uma nova história da democracia /
Roger Osborne ; tradução Ludimila Hashimoto. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Bertrand
Brasil, 2014.
recurso digital
Tradução de: Of the people, by the people: a new history of democracy
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-286-1741-2 (recurso eletrônico)
1. Democracia - História. 2. Livros eletrônicos. I. Título.
13-1132
CDD: 320.9
CDU: 32(09)
Todos os direitos reservados pela:
EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA.
Rua Argentina, 171 — 2º. andar — São Cristóvão
20921-380 — Rio de Janeiro — RJ
Tel.: (0XX21) 2585-2070 — Fax: (0XX21) 2585-2087
Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquer meios, sem a prévia
autorização por escrito da Editora.
Atendimento e venda direta ao leitor:
mdireto@record.com.br ou (0XX21) 2585-2002
Produzido no Brasil
SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1: Atenas e o Mundo Antigo
O Cidadão Envolvido
CAPÍTULO 2: Parlamentos e Afins
O Cidadão Representado
CAPÍTULO 3: Aldeias Medievais e Cidades Repúblicas
O Cidadão Burguês
CAPÍTULO 4: Democracia nos Alpes
O Cidadão Comunal
CAPÍTULO 5: A Revolução Inglesa
O Cidadão Súdito
CAPÍTULO 6: Democracia na América
O Cidadão Eleitor
CAPÍTULO 7: França, 1789-95
O Cidadão Ativista
CAPÍTULO 8: Repúblicas da América Latina
O Cidadão Subjugado
CAPÍTULO 9: Europa no Século XIX
O Cidadão Rejeitado
CAPÍTULO 10: Aceitar e Recuar
O Cidadão Idealizado
CAPÍTULO 11: Índia
O Cidadão Independente
CAPÍTULO 12: O Ocidente Pós-Guerra
O Cidadão Consumidor
CAPÍTULO 13: Democracia e Descolonização
O Cidadão Explorado
CAPÍTULO 14: O Colapso do Comunismo na Europa
O Cidadão Triunfante
CAPÍTULO 15: Democracia desde 1989
O Cidadão Informado
Notas
Referências e Leituras Complementares
Créditos das Imagens
Índice
V
PRÓLOGO
amos deixar claro de início: a democracia é a conquista mais
admirável da humanidade. Pode ser idealizada, deturpada,
maltratada, mal aplicada, parodiada e ridicularizada; sem dúvida, já
foi cortejada por amantes infiéis, acolhida por falsos amigos e traída
por aliados inescrupulosos, mas a democracia enquanto modo de vida
e sistema de governo é a via pela qual os seres humanos modernos
podem satisfazer sua necessidade de construir vidas dotadas de
significado. Mais do que todos os quadros e esculturas do mundo,
mais do que todos os poemas, peças e romances, e mais do que todas
as invenções científicas e tecnológicas juntas, a democracia revela o
que há de mais criativo e inovador na humanidade. A democracia é
um empreendimento contínuo e coletivo que nos une, ao mesmo
tempo que nos permite viver como indivíduos. Enquanto ela durar,
existe esperança; sem a democracia, o mundo está em desamparo.
Quando buscamos uma maneira de pensar sobre a democracia, a
mudança é um bom ponto de partida. Em 2009, Barack Obama
pautou sua campanha para a presidência dos Estados Unidos pelo
seguinte slogan: “Mudar É Preciso.” Em 2010, David Cameron disse
ao povo britânico: “Votem na Mudança”, enquanto futuros aliados do
partido Liberal Democrata prometiam “Mudanças que Funcionam”.
Ainda que nossos líderes possam não gostar, a melhor forma de
mudar é votar para que deixem seus cargos. A sanção máxima contra
qualquer governo é tirá-lo do poder, e a grande vantagem da
democracia é permitir que isso ocorra de forma pacífica. Os
momentos coreografados em frente ao Capitólio dos Estados Unidos,
quando o novo presidente faz o juramento de posse diante do
predecessor derrotado, e a ida do primeiro-ministro britânico à
Downing Street para dizer ao mundo que ele (ainda, quase sempre, do
sexo masculino) está deixando o cargo e espera passar mais tempo
com a família são exemplos de rituais fundamentais da democracia —
equivalem ao funeral público, em que se marca a morte para que a
vida prossiga. Essas e outras cenas semelhantes em Paris, Berlim,
Nova Délhi, Tóquio e Santiago são expressões formais do acordo feito
por nossos governantes de atuarem apenas com o consentimento do
povo — e, quando esse consentimento é retirado, eles têm de partir.
Transições pacíficas de poder, governo mediante consentimento,
eleições livres e justas, sufrágio universal — todos são elementos da
democracia, porém, quando tentamos encontrar uma definição exata,
nos vemos procurando agulha em palheiro. O problema é que, toda
vez que nos aproximamos de uma definição ou compilamos uma lista
de condições que qualquer democracia deve cumprir, encontramos
exemplos de democracias em pleno funcionamento que não a
satisfazem, ou de sociedades que não são consideradas democráticas,
mas que atendem a alguns dos critérios. Além disso, qualquer
democracia que já tenha existido foi diferente de todas as outras, e,
quanto mais as conhecemos, mais percebemos que é impossível defini-
las.
Uma razão para essa dificuldade é que, embora seja uma invenção
aparentemente ocidental, a democracia entra em conflito com uma das
principais tradições intelectuais do Ocidente. Desde Platão, os
pensadores ocidentais assumem a tarefa de examinar o mundo de
forma conceitual. Dedicaram-se à construção de ideias, como justiça,
verdade e virtude, na crença de que nelas está o caminho para a
sabedoria, o conhecimento e a compreensão. Assim como outros
termos descritivos, por exemplo “civilização”, a democracia tem o azar
de receber o status de conceito,1 e, portanto, precisa ser definida,
analisada e contestada para que possamos obter uma compreensão
maior do mundo. Tal impulso é compreensível. Se pudéssemos
determinar a natureza essencial da democracia, se pudéssemos redigir
um manual, seria possível aplicar um “diagrama da democracia” a
qualquer sociedade. No entanto, as raízes da democracia estão na
tradição inversa à do Ocidente, que surgiu em paralelo ao universo
dos conceitos abstratos e como uma crítica a ele, isto é, baseiam-se na
experiência prática e na contínua interação humana. A democracia,
apesar dos esforços de filósofos e cientistas políticos, despreza teorias,
arregaça as mangas e enfrenta a tarefa diante de si. Ela não busca a
perfeição, e, nos momentosem que seus seguidores o fazem — seja por
meio de Constituições rígidas ou leis imutáveis —, é comum que
precipitem seu fim. Em vez disso, ela permanece em contínua
adaptação. A verdade de que não existe um diagrama da democracia
pode causar consternação a alguns especialistas e consultores políticos,
mas deveria nos encher de alegria.
Nos jornais, nos programas de TV e rádio, nas conversas do dia a
dia, assim como nos livros e nas revistas acadêmicas, o significado de
democracia gera discussões sem fim. E acabamos percebendo que a
natureza infinita do debate dá uma pista para sua própria conclusão. A
democracia está sempre mudando, sempre se adaptando, e não pode
ser explicada por fórmulas justamente porque sua função principal é
sustentar sociedades em que a mudança e a adaptação possam ocorrer
livremente. As democracias — tanto a instituição de governos como a
prática de governar de forma democrática — existem numa relação
simbiótica com a sociedade em que estão inseridas. Quando as
sociedades resistem às mudanças, as políticas democráticas não podem
agir. Quando as instituições e práticas democráticas são petrificadas, a
sociedade se fossiliza.
Tal natureza evasiva e adaptativa pode ser motivo de celebração,
mas deixa em aberto a questão de como escrever uma história da
democracia — e do que incluir e excluir. No entanto, também temos
aqui uma resposta. Em vez de partirmos para a produção de uma
história definitiva da democracia, devemos contribuir para a própria
democracia, mostrando diferentes aspectos de seu passado, revelando
a complexidade, a diversidade e a criatividade que fundamentam sua
existência fugidia. O objetivo deste livro, portanto, não é amarrar as
pontas soltas ou deixar o assunto guardado num lugar seguro, mas
fornecer um contexto histórico estimulante que traga informações
para pensarmos a democracia e o modo como nossas sociedades são
governadas.
Com isso em mente, este livro conduzirá o leitor por uma viagem
com início nos mercados abarrotados de Atenas e Roma antigas, onde
vemos não apenas a fundação da democracia ativa, mas a construção
da multiplicidade de instituições necessárias para sua fundamentação.
O mundo antigo também nos apresenta uma república em
funcionamento: um Estado sem um monarca em que os cidadãos são
soberanos. Do Mediterrâneo, partimos para os grandes agrupamentos
tribais do povo escandinavo, que revelam uma compreensão
sofisticada da participação no poder. De lá, passamos aos Parlamentos
da Europa medieval, que introduziram a representação política, e às
cidades prósperas dos Países Baixos e da Itália, onde a lealdade cívica
e as necessidades práticas de governo levaram à fundação do Estado
moderno. A próxima parada é o cantão de Grisões, nos Alpes suíços,
o primeiro Estado verdadeiramente democrático dos tempos
modernos, que sustenta a democracia como a maior expressão da vida
pública. Em seguida, viajamos para o salão de uma igreja em Putney,
onde soldados recém-chegados dos campos de batalha da Guerra Civil
Inglesa, com Bíblias vernáculas em mãos, defenderam o direito de
todo homem a ter voz ativa no governo. Do outro lado do Atlântico,
vemos como a prática da democracia chegou ao continente americano,
com origem nos encontros em igrejas, reuniões de eleitores e nas
convicções dos imigrantes colonizadores. A França da década de 1790
apresenta as maiores contradições de nossa jornada — a Revolução
Francesa combinou a crença apaixonada na igualdade e na democracia
com a violência política. As novas democracias das Américas Central e
do Sul no século XIX revelam como o governo está inserido na
história cultural da sociedade e como é difícil superar interesses
arraigados.
Na Europa, o turbulento século XIX mostra que as reformas
políticas foram introduzidas, a princípio, exatamente para proteger a
democracia, mas o governo democrático logo foi forçado a enfrentar a
realidade do poder do trabalho industrializado e da conveniência
política. No início do século XX, veremos a democracia se espalhar
pelo planeta, até o seu recuo mundial e catastrófico na década de
1930. O período pós-1945 apresenta destinos divergentes na história
da Índia e de outras ex-colônias, ao passo que, na década de 1950, a
democracia dos Estados Unidos enfrentou seu maior desafio interno.
Em 1989, o comunismo europeu desmoronou, deixando um mundo
em que a democracia se tornava o passaporte para a comunidade
internacional. No fim de nossa viagem, examinamos as condições para
a democracia na China, destinada a se tornar a maior potência
econômica do mundo, para então observarmos, finalmente, as
mudanças na democracia das sociedades ocidentais.
Nem todas as sociedades que examinaremos cumprem todos os
requisitos de uma democracia completa. Porém, em todos esses
lugares e épocas, testemunhamos o desenvolvimento da prática
democrática (tal como o voto) ou de instituições (como os
Parlamentos) que vieram a ser adotados mais tarde como ingredientes
fundamentais. As sociedades criam soluções para seus problemas
específicos, algumas das quais ficam disponíveis para ativistas políticos
e reformadores de outros lugares, ávidos para adaptá-las mais uma vez
às suas próprias circunstâncias.
Antes de embarcar nessa jornada histórica, há uma questão a ser
lembrada. A narrativa cronológica parece insinuar um
desenvolvimento, e isso pode nos levar a falsas conclusões. Primeiro,
que as democracias aprenderam com o que já ocorreu. Na verdade,
quase todas as democracias tiveram de criar instituições e práticas
democráticas ao seu modo. Acreditamos, por exemplo, que Thomas
Jefferson concebeu a Constituição americana com base em seu
conhecimento sobre Atenas e Roma clássicas; mas, como veremos no
capítulo 6, a democracia americana foi muito mais influenciada pela
prática das eleições, que seus cidadãos haviam trazido da Grã-
Bretanha, e pela administração das igrejas puritanas, do que pelo
mundo antigo. A segunda suposição falsa seria a de que
desenvolvimento indique melhora. Essa afirmação pode ser derrubada
mais facilmente ainda. A Atenas antiga teve, sob muitos aspectos, a
democracia mais bem desenvolvida que já existiu, ao passo que, em
tempos recentes, ela passou por episódios contínuos de declínio,
retrocesso e crescimento. Nossa história mostra que existem democracias
em tempos diferentes, mas que a democracia não evolui necessariamente
com o tempo.
A democracia está sempre em estado de sítio, porém ela é a nossa
defesa, não apenas contra um Estado opressor, mas contra o poder
enraizado do privilégio e das riquezas individual e corporativa. Não se
trata de um conceito intelectual árido, mas de um conjunto de
convicções e pressupostos inserido em nossa cultura — algo pelo qual
vale a pena lutar. Por mais imperfeita que seja, a democracia tenta
solucionar o grande dilema da vida humana: como prosperar como
indivíduo e, ao mesmo tempo, fazer parte de uma comunidade. Com
tudo isso em mente, vamos embarcar na história imperfeita de um
tema indefinível.
A
1
ATENAS E O MUNDO ANTIGO
O Cidadão Envolvido
o caminhar de Elêusis a Atenas, é possível notar um aumento no
número de viajantes. Atravesse o Portal Sagrado, onde o rio
Erídano corre para a cidade e as muralhas se agigantam, depois siga
pela Via Panatenaica no sentido sudeste, rumo à ágora e ao centro da
cidade. Há homens que vieram de toda a Ática, alguns após viajarem
um dia inteiro, e o espaço aberto da ágora está cada vez mais cheio de
gente. Os comerciantes se esforçam para fazer negócios, enquanto
homens se reúnem em grupos, conversando e discutindo. Estão
cercados de monumentos que enaltecem sua cidade — templos em que
é possível agradecer aos deuses pela boa sorte, homenagens a heróis
derrotados e prédios públicos onde são tratadas questões
governamentais.
É uma cidade majestosa. A sudeste fica a colina da Acrópole,
coroada pelo recém-construído templo Partenon. Logo ao sul está o
Areópago, ponto de encontro do conselho de nobres. A oeste,
encontra-se o templo de Hefesto, no alto de uma encosta. Em torno da
ágoraestão: o Bouleuterion, local de encontro do Conselho dos
Quinhentos; dois tribunais de justiça com um terceiro em construção;
a casa da moeda com os oficiais de pesos e medidas à disposição; o
Strategeion, local de encontro dos generais; o Tholos, residência oficial
do líder do conselho; e uma série de stoas, “varandas” cobertas, usadas
para cultos e aulas. Entre eles também estão os templos a Apolo e
Afrodite, e o altar aos doze grandes deuses da Grécia. Por fim, dentro
da ágora, do lado oeste, estão as estátuas dos heróis que dão nome aos
dez grupos pertencentes à Cidade-Estado, ou pólis.1 Estamos no ano
do mandato do arconte Lisímaco — 436-35 a.C. — e Atenas está no
auge do poder e do prestígio.
De repente, a ágora começa a esvaziar, quando os homens vão
subindo a colina em direção à Pnyx, o vasto anfiteatro esculpido na
encosta da Colina das Ninfas. Como cidadãos, é seu direito e dever
juntarem-se na assembleia dos cidadãos, ou ekklesia, que ocorre a cada
dez dias durante todo o ano. Assistentes passam cordas lambuzadas
em tinta vermelha pela ágora para desestimular a demora dos
cidadãos. O trabalho da assembleia terá sido preparado pelo Conselho
dos Quinhentos, do qual todo cidadão faz parte durante um ano, em
sistema de revezamento. Os quinhentos membros sentam em bancos
diante de uma assembleia com cerca de 6 mil participantes,
acomodados nas arquibancadas esculpidas em rocha bruta. Porém,
antes do início dos trabalhos, é feito um sacrifício a um dos deuses: os
atenienses acreditam que a democracia lhes foi concedida como uma
graça divina. Em seguida, os cidadãos se revezam sobre um pequeno
palco, de onde se dirigem à assembleia antes do início da votação, que
pode ser realizada pelo gesto de levantar a mão ou pela colocação de
pedras em diferentes urnas. A assembleia não é dividida em partidos
(conspirar é ilegal), e cada cidadão vota de modo individual. As
decisões são registradas e guardadas nos arquivos da cidade. As
reuniões são respeitosas, mas, de vez em quando, os ânimos se
exaltam. A cobrança de impostos e as obras públicas são debatidas, e
figuras importantes fazem discursos ardentes, deixando à assembleia a
escolha entre guerra e paz. As decisões dizem respeito à aceitação de
pedidos de paz feitos por inimigos da cidade, à sanção de invasões e
expedições navais e à escolha entre serem vizinhos pacíficos ou uma
potência agressiva. Quando os trabalhos do dia terminam, os cidadãos
saem em filas e voltam para casa, para retomar a vida de fazendeiros,
comerciantes, artesãos e navegadores.
Acabamos de testemunhar a democracia em ação, mas as reuniões
abertas representavam apenas parte de sua estrutura na Atenas antiga.
No início dessa que foi a primeira democracia registrada de forma
completa, os cidadãos atenienses perceberam que, para que seu desejo
fosse devidamente aprimorado, articulado e concretizado, tinham de
criar um grande número de instituições para dar suporte aos
encontros. Primeiro, o Areópago, ou conselho de nobres, analisava
cada medida aprovada pela assembleia. Depois de 460 a.C., essa
função foi transferida para os tribunais de júri, que tinham uma
função política e judicial. Os poderes políticos do jurado eram
corroborados por ainda outra medida. De acordo com a lei ateniense,
qualquer cidadão poderia contestar uma medida aprovada pela
assembleia, com o argumento de ser ilegal ou, usando um termo mais
controverso, injusta.
O tribunal do júri e os direitos dos cidadãos sustentavam e
regulavam o poder da assembleia, mas o centro da democracia
ateniense era o Conselho dos Quinhentos, formado por meio de um
sistema complexo de sorteio em todas as partes da pólis. O conselho
elegia os oficiais que serviriam por um ano e avaliava seu
desempenho. Esses oficiais cuidavam de programas de obras, limpeza
de ruas, festivais, procissões e pesos e medidas. Serviam como jurados,
magistrados civis e militares e, por último, mas não menos importante,
strategoi, ou generais. Os atenienses tinham uma percepção aguçada
com o risco de sua democracia ser minada por aqueles que pretendiam
adquirir poder pessoal; portanto, além de monitorar os oficiais,
introduziram o famoso sistema de ostracismo para se livrarem do
excesso de ambição política.2
O elemento-chave desse sistema complexo era a transparência. Na
maioria das sociedades antigas, as decisões cruciais eram tomadas de
modo confidencial, os cidadãos podiam ser punidos sem o recurso de
apelação pública e os julgamentos ocorriam a portas fechadas. Apesar
de não sabermos todos os detalhes da vida na Atenas antiga, podemos
concluir que as principais decisões políticas eram tomadas após
discussões públicas, enquanto todo cidadão tinha o direito de encarar
seus acusadores e ser julgado em público. O conceito de sociedade
aberta tornou-se popular entre os filósofos do século XX,3 mas Atenas
já unia a prática da democracia à ideia de transparência 2.500 anos
antes.
A cultura que nos deixou a palavra democracia (demos = povo;
kratos = governo) fornece indícios de seu funcionamento prático
durante um período de aproximadamente 200 anos, mais tempo que o
de quase todas as democracias modernas: a Cidade-Estado de Atenas
foi uma democracia por volta de 507 a 323 a.C. Esses indícios são
incompletos, mas imprescindíveis, e nos dão uma imagem convincente
de um sistema político sofisticado e plenamente funcional. Embora
muitas outras sociedades anteriores possam ter sido governadas, até
certo ponto, por meio do consenso e da consulta, Atenas é a primeira
democracia plenamente desenvolvida de que temos conhecimento.
Como e por que a democracia surgiu nesse tempo e lugar específicos?
Os gregos dos séculos VI e V a.C. se viam como descendentes de
imigrantes. Seus mitos falavam de cidades fundadas pela benevolência
dos deuses do Olimpo, mas há indícios históricos de que os povos que
ocuparam a península e as ilhas gregas vieram do norte, nas mesmas
migrações do século XII a.C., em que outros povos partiram para o
oeste do continente europeu. Isso foi muitos séculos antes do período
clássico, mas as atitudes culturais são profundas e duradouras — o
mito histórico central dos gregos foi o cerco a Troia, um
acontecimento agora datado do século XI a.C., mas recontado
infinitas vezes.
A percepção de si mesmo como um povo imigrante é significativa
por diversas razões. Sociedades migrantes apresentam alto grau de
mobilidade social. Com frequência, opõem-se a hierarquias e vivem
sem reis, príncipes ou aristocratas. Isso pode se dever ao fato de que o
poder social está ligado à posse de terras, ao passo que a passagem
para novos territórios dissolve as estruturas sociais baseadas na
deferência e possibilita uma cultura e uma sociedade mais igualitárias.
Em determinadas épocas e lugares, essas conexões são discerníveis,
mas, na maioria das vezes, a oportunidade para que imigrantes
mantenham uma sociedade igualitária é anulada quando pequenos
grupos assumem o poder. A conquista dos atenienses, como veremos,
foi desenvolver um sistema que preservava a estrutura fundamental de
sua sociedade.
Os séculos que vão do ano mil ao 650 a.C., chamados pelos
historiadores de Idade das Trevas da Grécia, são quase um mistério,
com pouca ou nenhuma manifestação histórica ou arqueológica da
região. No entanto, algumas descobertas mostram que a escrita
alfabética entrou no mundo grego entre 800 e 750 a.C.. O alfabeto
fenício foi ampliado e desenvolvido pelos gregos, e dois achados do
fim do século VIII a.C. — a taça de Nestor, no sul da Itália, e o vaso
de Dipylon, em Atenas — têm longas inscrições em que o alfabeto
grego está reconhecível.
Nessa época, as Cidades-Estado gregas tornavam-se mais prósperas
por meio do comércio, da agricultura, da mineração e da manufatura
de metais. Algumas dessas cidades começaram a formar colônias às
margens do mar Negro e do Mediterrâneo. Erétria, Cálcis, Corinto e
Rodes foram colonizadoras notáveis, que fundaram povoações a oeste,
até Neápolis (Nápoles), Massília (Marselha) e Saguntum (Sagunto, na
Espanha). Atenas não estavaà frente desses desenvolvimentos, e é
provável que seu tamanho e sua geografia tenham sido empecilhos.
Na época, a Cidade-Estado era mais um conjunto de terras agrícolas,
com povoações espalhadas pelos 4 mil quilômetros quadrados da
planície ática, do que um centro com uma zona de influência, como
seria a definição mais estrita de Corinto e Tebas. O primeiro evento
político registrado em Atenas foi a tentativa malsucedida de um
homem chamado Cílon de tomar o poder em 632 a.C.. Isso é um
sinal de que a pólis Atenas já existia enquanto entidade política.
Sabemos que as leis regulares de Atenas e Ática da época eram
baseadas no uso da terra. Num sistema conhecido como hektemoriori, os
agricultores pagavam um aluguel de um sexto de sua produção aos
proprietários das terras. Esses provavelmente adquiriam as terras em
acertos de dívidas num processo em que Ática começou a deixar de
ser uma sociedade de pequenos agricultores e passou a constituir uma
hierarquia de proprietários de terras prósperos e agricultores
arrendatários. No entanto, o processo de hektemoriori começou a
enfraquecer no final do século VII a.C., quando muitos camponeses
que não conseguiam pagar aluguel se tornaram posse dos donos de
terras. Esse sistema de servidão por dívida foi tão difundido em
Atenas que, como Aristóteles comentou, duzentos anos depois,
“muitos se tornaram escravos de poucos”.
No século VII a.C., a pólis de Atenas era governada por meio da
divisão e do revezamento do poder entre as famílias dominantes.
Nessa oligarquia, um grupo de três líderes, ou arcontes, era escolhido
por outros nobres. De acordo com Aristóteles, no início, os arcontes
eram selecionados para mandatos vitalícios, e depois o período no
cargo passou a ser de dez anos. Concluído o mandato, cada arconte
permanecia no Areópago até o fim da vida. Esse sistema servia bem à
nobreza, mas o restante da população não tinha voz no governo.
Embora isso seja algo habitual na história da humanidade, o que
ocorreu em seguida parece singular. Em algum momento por volta de
600 a.C., os atenienses decidiram pedir a um cidadão eminente,
chamado Sólon, que redigisse um conjunto de leis para o governo da
pólis. Essas leis tinham o objetivo de resolver os problemas causados
pela servidão por dívida e de fazer de Atenas uma sociedade mais
harmoniosa. Mas por que a classe rica e dominante concordaria com
isso? Por que Atenas não se tornou uma sociedade polarizada de
proprietários de terras e agricultores escravizados? Podemos apenas
fazer suposições, a partir das poucas evidências que temos, e alguns
fatos podem nos ajudar a entender por que Atenas veio a se tornar
uma democracia.
É provável que a pólis não fosse tão próspera quanto seus vizinhos
e a classe governante possa ter se disposto a acreditar. Havia uma
incapacidade de extrair mais riquezas das terras e, em termos de
comércio, Atenas tornara-se fornecedora de mercadorias para cidades
mais ricas. Pode ter havido a necessidade de reverter essa estagnação.
Além disso, após a tentativa de golpe de Cílon, as famílias governantes
teriam temido que qualquer um levantasse apoio suficiente dos
cidadãos para realizar a tomada do poder. A defesa da pólis também
dependia de um Exército voluntário formado por tropas de
agricultores e artesãos, e, quando associados, os agricultores pobres
tinham mais poder militar que os governantes.
A mudança também pode ter ocorrido por motivos culturais.
Quando analisamos as sociedades do mundo antigo, vemos uma
variedade de modos de permissão, restrição, delegação e
reconhecimento de poder, todos muito mais sutis e sofisticados do que
sugerem simples classificações, como império, monarquia, clã, tribo,
tirania e oligarquia. Os agricultores, pescadores e comerciantes da
Ática podem ter passado pela humilhação da servidão por dívida ao
mesmo tempo que mantinham uma forte crença nos antigos costumes
e práticas que conferiam acesso ao poder, justiça e dignidade a todos
os membros da sociedade. Quando a escravidão de agricultores
atingiu níveis epidêmicos, a classe dominante pode ter enfrentado uma
revolução social.
É óbvio que essas razões subjacentes são cruciais para a
compreensão de como a democracia ateniense surgiu, mas,
infelizmente, são interpretações baseadas em conjecturas. Na história
posterior, é frequente o nascimento da democracia a partir de uma
crise na liderança política. É frustrante não termos nenhuma
informação concreta sobre as circunstâncias que ocasionaram o
surgimento da primeira democracia registrada no mundo. De fato,
muitos dos indícios que temos do desenvolvimento da democracia
ateniense não é historicamente seguro. As fontes mais antigas de quase
todas as reformas políticas de Atenas datam de um período posterior
ao final do século V, dois séculos após Sólon. O obra descritiva mais
importante que sobreviveu, Constituição de Atenas, de Aristóteles, foi
escrita por volta de 350 a.C.. É provável que esses textos posteriores
não apenas apresentem imprecisões devidas ao lapso de tempo, assim
como suposições e distorções propositais que devem ter sido incluídas
com propósitos políticos contemporâneos. O que apresentaremos a
seguir, portanto, é uma aproximação limitada do desenvolvimento da
democracia em Atenas.4
Embora a maior parte das medidas de Sólon, adotadas por volta de
580 a.C., tenha sido econômica, seus efeitos foram altamente políticos.
As dívidas contraídas no sistema de arrendamento de terras foram
abolidas e toda a terra que fora tomada de agricultores arrendatários
foi devolvida. Um boicote na exportação de alimentos — exceto azeite
de oliva, que os atenienses produziam com excedente — foi
introduzido, e pesos e medidas foram padronizados de acordo com os
de Corinto, a principal cidade mercantil da região. Além disso,
trabalhadores especializados de outros locais receberam incentivos
para se estabelecerem na Ática.
Sólon dividiu os cidadãos de Atenas em quatro classes de
propriedades — provavelmente um reconhecimento formal da situação
já existente — e deu aos membros das três classes superiores a chance
de participarem do governo da pólis. Os membros da classe mais alta
(os pentacosiomedimni), agora incluindo os ricos, assim como os nobres,
podiam ser arcontes, a serem escolhidos por sorteio. O Areópago,
formado por ex-arcontes, foi transformado no guardião da
Constituição e das leis. As duas classes seguintes — os hippeis (com
posses no valor de trezentas medidas) e os zeugitae (duzentas medidas)
— podiam ser membros da assembleia, ou boule, agora chamado
formalmente de Conselho dos Quatrocentos. Esse grupo era formado
por cem membros de cada uma das quatro tribos antigas, ou phylae, de
Atenas; também podiam exercer diversos cargos administrativos.
Cidadãos da ordem mais baixa, os thetes, podiam participar da
assembleia dos cidadãos — a ekklesia que vimos em atividade na
encosta de uma colina em Atenas —, embora os poderes desse grupo
não fossem tão abrangentes no início quanto viriam a se tornar depois.
Thetes com mais de 30 anos podiam atuar como jurados nos tribunais
especiais (dikasteria), cargo que lhes permitia restringir o poder dos
ricos. (Os residentes de Atenas abaixo dos thetes — mulheres,
estrangeiros e escravos — não eram considerados cidadãos.) Essas
quatro instituições — o conselho superior, o Conselho dos
Quatrocentos, a assembleia dos cidadãos e os tribunais do júri — se
tornariam os pilares da democracia ateniense nos séculos V e IV a.C.;
ao participarem delas, os cidadãos de Atenas governavam sua pólis.
Sólon saiu de Atenas logo após a adoção das reformas, de acordo
com Heródoto, para “evitar a necessidade de revogar qualquer lei que
ele criara”.5 Aristóteles conta que ele se cansou das críticas de todos os
lados. A ampla participação no poder que Sólon planejara durou
apenas algumas décadas, até 546 a.C., quando a autoridade foi
dominada por um único governante, Pisístrato. No entanto, para os
atenienses Sólon tornou-se uma figura quase mítica: o fundador de sua
liberdade e de seu método de governo.
Os eventosque anunciaram a era de ouro da democracia ateniense
são prejudicados nos feudos familiares e nas fraudes políticas. O tirano
Hípias, filho de Pisístrato, foi retirado do poder em 510 a.C. pela
aliança entre a poderosa família Alcmeônida e os governantes da
vizinha Esparta. O líder dessa família era Clístenes, que manteve o
poder diante de rebeliões por parte de outras famílias nobres,
buscando a ajuda de classes inferiores — os agricultores, pescadores,
artesãos e comerciantes da Ática. Não sabemos os motivos de sua
restauração da democracia: ele pode ter ficado ávido por recompensar
a base de seu poder entre os cidadãos comuns de Atenas; ele pode ter
visto, quando forçado ao exílio, estilos democráticos de governo em
outros lugares e decidido imitá-los; ou pode ser que Clístenes tenha
sido apenas uma peça num movimento mais amplo de reforma
política.
Qualquer que tenha sido a natureza exata dos eventos, há fortes
indícios para que Clístenes seja considerado o fundador da
democracia ateniense. Ele elaborou reformas para as instituições
políticas da cidade que concediam poder substancial aos cidadãos,
tanto individual quanto coletivamente, e teve influência política para
impulsioná-las. Clístenes entendeu que para restaurar os antigos
direitos dos atenienses como cidadãos livres, a Constituição de Sólon
não seria suficiente. Mais reformas seriam necessárias.
Em primeiro lugar, a medida mais radical de Clístenes foi abolir as
quatro antigas tribos de Atenas. Elas tinham origem nos tempos em
que a pólis era um conjunto desigual de povoamentos e refletia as
lealdades baseadas em redes de parentesco e na localização. É provável
que o território de Atenas tenha sido dividido originalmente em
quatro esferas de influência. Clístenes viu essas tribos como uma
importante fonte de poder, por meio de sistemas de proteção e
deferência, favorecendo as famílias principais. No lugar delas, ele
introduziu novas tribos, organizadas de modo que a participação de
cada uma representasse igualmente circunscrições, ou demes, no litoral,
no interior e na cidade. Isso não apenas dissolveu as antigas bases do
poder, como possibilitou o contato entre pessoas de diferentes partes
da pólis, reforçando a noção de identidade comunitária. Essa
redistribuição política durou, com pequenas alterações, setecentos
anos. Precisamos lembrar que as phylae eram divisões verticais da
sociedade, que continham membros de todas as classes, ao passo que
as próprias classes — as pentacosiomedimni, hippeis, zeugitae e thetes — eram
divisões horizontais baseadas na riqueza.
O Conselho dos Quatrocentos de Sólon foi transformado no
Conselho dos Quinhentos, com cinquenta membros de cada tribo
selecionados anualmente por sorteio, num sistema que garantia que
cada deme fosse representada e que cada cidadão atuasse no conselho
em rodízio. As próprias demes passaram a ter autonomia de governo
para questõescivis, e a participação tornou-se motivo de orgulho,
sendo pedido a cada cidadão que acrescentasse o nome de sua deme ao
seu próprio,no lugar do nome herdado. A ekklesia também recebeu
mais poder e se reunia com mais frequência. Oficiais públicos, que
mantinham o cargo por um ano — os strategoi eram a única exceção e
podiam permanecer no cargo por tempo indefinido —, eram avaliados
ao fim do período por membros do conselho, com punições infligidas
aos que não tivessem servido bem à pólis.
Os cidadãos não podiam integrar o Conselho dos Quinhentos por
dois anos consecutivos, e o limite era de um total de dois mandatos.
Encontrar conselheiros suficientes era, portanto, um problema
contínuo. Devemos lembrar também que as demes tinham de ser
administradas, e por isso os cidadãos ficavam envolvidos numa
quantidade de deveres cívicos. Se, por um lado, era provável que, no
início, os cidadãos estivessem animados com o sistema político
reformado, como seu envolvimento poderia se sustentar com o passar
do tempo? Por que os atenienses estavam prontos para dedicar tanto
tempo ao governo da pólis? Uma razão deve ter sido o fato de que a
vida política fazia com que os cidadãos se sentissem valorizados e
iguais entre si. Além disso, a pólis não era uma entidade separada: na
esfera política — reuniões, debates, votos —, eles protegiam seu estilo
de vida, e sua identidade comum era enfatizada e celebrada.
Havia também um forte elemento militar na administração da pólis.
Atenas precisava ter uma força de combate efetiva, e toda tribo devia
oferecer um regimento de hoplitas, um Exército de infantaria pesada,
com seu próprio equipamento. A partir de 501 a.C., um conselho de
dez strategoi era eleito anualmente, embora cada general pudesse
sempre ser reeleito. O compromisso com a defesa da pólis e o espírito
do serviço militar sem dúvida contribuíram para o senso de
envolvimento político dos cidadãos.
Clístenes é uma figura fascinante para qualquer interessado na prática
política. Suas reformas revelam o eterno paradoxo da democracia — o
de que a mecânica do sistema democrático deve mudar
periodicamente para preservar suas qualidades essenciais. Para
retomar as formas habituais de compartilhamento do poder, Clístenes
estava pronto para ser totalmente radical. As quatro tribos de Atenas
tinham sido a base da sociedade por muito tempo, mas Clístenes
acreditava que representavam uma barreira à distribuição da
autoridade. Enquanto as quatro tribos existissem, as grandes famílias
poderiam controlar a pólis nos bastidores. Acabar com elas talvez
tenha sido o acontecimento mais extraordinário na história política de
Atenas — engenharia social em larga escala que só poderia ter sido
conduzida por alguém que fosse acolhido como um libertador.
Clístenes introduziu suas reformas por volta de 507 a.C., e durante
os trinta anos seguintes Atenas passou por uma série de eventos
críticos. A cidade estava prestes a ser destruída e, no entanto, num
período incrivelmente curto, emergiu como um dos Estados mais ricos
e poderosos de uma região que havia se tornado uma encruzilhada do
mundo eurásico. Em 490 a.C., uma imensa frota persa que levava 25
mil soldados de infantaria e oitocentos a cavalo aportou em Maratona,
na costa da Ática. Cidades gregas da costa e das ilhas jônias já haviam
sido tomadas pelos persas. A assembleia ateniense reuniu-se e decidiu
enfrentar os invasores em vez de permanecer atrás das muralhas da
cidade, resistindo ao cerco. Um Exército de cerca de 10 mil atenienses
partiu para Maratona, onde acampou num local que permitia a visão
de um trecho da estrada para Atenas. Após algumas horas de impasse,
elementos do Exército persa começaram a retornar a seus navios,
possivelmente com o objetivo de buscar um lugar melhor para o
ataque. Dos dez strategoi, cinco queriam atacar os persas antes que
saíssem, e os outros cinco defendiam a retirada para Atenas. O líder
dos generais, ou polemarco, Calímaco, teve o voto decisivo: os
atenienses atacaram e tiveram uma vitória esmagadora sobre o
Exército persa. Sabiam que sua vitória surpreendente foi possível
graças aos dez strategoi e à bravura do Exército de cidadãos. Foi, em
resumo, não apenas uma vitória de Atenas, mas da democracia.
Dez anos depois, a frota persa retornou, liderada pelo imperador
Xerxes. Dessa vez, com uma estratégia ousada que exigiu a
cooperação de toda a população, o povo ateniense evacuou a cidade e
encontrou refúgio na ilha próxima, Salamina. Atenas foi tomada e
incendiada, mas sua frota atraiu a esquadra persa para os estreitos de
Salamina, onde a destruiu. Os atenienses triunfantes voltaram e deram
início à reconstrução da cidade.
As vitórias em Maratona e Salamina convenceram os cidadãos
atenienses de que seu método democrático conferia força especial à
pólis. A vitória em Salamina também mostrou a importância do poder
marítimo — embora o Exército fosse formado por fortes hoplitas, das
duas classes do meio (hippeis e zeugitae), a Marinha tinha remadores
vindos da thetes, a classe mais baixa de cidadãos. Depois de Salamina,
o poder e a autoconfiança da thetes começaram a alterar a naturezada
democracia ateniense.
Na década de 460 a.C., uma importante divisão política começou a
surgir em Atenas. Embora os conservadores apoiassem o poder
ininterrupto do Areópago, os democratas radicais o viam como um
obstáculo para a democracia. Em 461 a.C., Címon, líder da facção
conservadora, comandou uma tropa de hoplitas para ajudar os
governantes de Esparta a reprimirem uma rebelião de seu próprio
povo numa expedição controversa, com a oposição da facção radical.
Na ausência de Címon, os radicais atacaram. Liderados por Efialtes,
conseguiram passar uma medida na assembleia do povo, que
transferia os poderes do Areópago ao Conselho dos Quinhentos, e aos
tribunais do júri, deixando o conselho dos nobres com o único direito
de julgar casos de homicídio. Com 4 mil hoplitas distantes, as medidas
foram aprovadas por uma maioria de thetes. Quando Címon voltou de
Esparta e tentou revertê-las, foi punido com o ostracismo.
Historiadores chamaram as reformas de 461 a.C. de revolução — a
tomada da autoridade pelo povo e a transformação de um sistema em
que os ricos ainda detinham o poder num sistema baseado na
igualdade.6 Qualquer que seja a denominação, as mudanças de fato
demonstraram a fluidez da política ateniense. Clístenes idealizara uma
estrutura baseada na justiça, mas qualquer estrutura está vulnerável à
exploração e é plausível que muitos cidadãos tenham se oposto ao uso
que o Areópago fazia do poder. Assim, os mecanismos da democracia
tinham de ser modificados.
Em 460 a.C., Efialtes foi assassinado, possivelmente por rivais
políticos, deixando a seu acólito, Péricles, a força dominante no lado
da democracia radical. Péricles destacou-se na era dourada de Atenas
e na política ateniense pelos trinta anos seguintes, desenvolvendo as
políticas interna e externa. Ele não era um chefe de Estado, nem
sequer o líder de um partido: era um cidadão numa democracia
radical, que usava seu cargo de strategos — posto que manteve de 443
a.C. até sua morte em 429 a.C. —, sua influência pessoal, riqueza e
habilidades políticas para influenciar seus concidadãos numa época em
que a pólis se tornava o poder primordial no mundo helenístico.
De 460 a 430 a.C., Atenas conduziu uma política externa
expansionista, usando os rendimentos de suas minas de prata e
impostos sobre os aliados para ampliar a força naval de modo a
dominar o mar Egeu — uma rota marítima vital no comércio crescente
entre o mar Negro e o Mediterrâneo. Seus aliados na Liga de Delos —
formada após a derrota da Pérsia em Salamina — se tornaram, em
essência, Estados clientes no que tem sido chamado de chantagem
protecionista sofisticada. O termo “liga” é enganoso, uma vez que
Atenas, de modo muito semelhante ao que a Pérsia tentara, forçava
quase toda Cidade-Estado do Egeu a se tornar sua aliada e pagar
tributos. Uma denominação mais precisa da liga é Império Ateniense.
O objetivo dessa rede de comércio era trazer prosperidade a todos os
membros, mas qualquer um que tentasse romper o domínio de Atenas
ou se recusasse a pagar impostos para a sua “proteção” recebia
punição severa.
A prosperidade de meados do século V a.C. financiou grandes
projetos públicos. Em 459 a.C., os atenienses ergueram duas muralhas
que ligavam a cidade ao porto de Pireu, criando um único espaço
defensável com acesso ao mar. As “longas” muralhas mediam 7
quilômetros cada, somando uma circunferência total de 26
quilômetros. A construção do Partenon, na Acrópole, o local
tradicional dos templos atenienses, foi iniciada em 447 a.C., seguida
por uma série de outras edificações, todas revelando extraordinária
inovação em arquitetura, escultura e pintura. Atenas era então o
centro do mundo grego, com poetas, músicos, dramaturgos e artistas
de todo tipo afluindo à cidade em busca de trabalho e inspiração. Os
festivais e procissões periódicos eram eventos espetaculares com todas
as formas de entretenimento, de comédias e canções desbocadas às
tragédias de Eurípides e Sófocles.
Enquanto democracia, Atenas era aberta à crítica interna. O
dramaturgo Aristófanes, por exemplo, gostava de lembrar os cidadãos
dos perigos da demagogia. Em sua peça Os cavaleiros, o personagem
Demóstenes conta como Paflagônio, “um caluniador desprezível e
mentiroso”, descobriu como lidar com Demos, o Povo: “Ele o
manipulou, como a um sapato velho. E o untou, enxugou e
amaciou”.7 Aristófanes também é o responsável pela única perspectiva
da democracia ateniense do ponto de vista do cidadão comum. No
início de Os arcanianos — apresentada pela primeira vez no Festival das
Leneias, em 425 a.C. —, Diceópolis reclama: “Há uma reunião
periódica da assembleia fixada para o nascer do sol, e aqui está a Pnyx
deserta, enquanto as pessoas tagarelam na Ágora e correm de um lado
para o outro, desviando da corda vermelha... Então agora vim
absolutamente preparado para gritar, interromper, insultar os
oradores, se alguém falar de algo que não seja a paz.”8 No entanto, se
no início do século V a.C. escritores, como Ésquilo em sua peça As
suplicantes (463 a.C.), defendiam o estilo de vida democrático,
dramaturgos posteriores começaram a enfocar a relação problemática
entre a pólis e o indivíduo: em Antígona (442 a.C.), de Sófocles, por
exemplo, a heroína infringe as leis da cidade num ato pessoal de
coragem moral.
A democracia pressupõe que a voz e as opiniões do cidadão comum
mereçam ser ouvidas. Podemos acreditar que isso seja uma
pressuposição contínua na história humana, mas é algo excepcional.
Durante o século V a.C., os atenienses demonstraram um interesse
crescente na compreensão da humanidade. Escultores e pintores —
tragicamente, perdemos quase todas as pinturas dessa época —
começaram a retratar pessoas de maneiras altamente realísticas, em
vez de usarem formas estilizadas, como objetos que mereciam estudo.
Se, antes disso, as histórias de deuses e heróis satisfaziam as plateias
gregas, a própria invenção do teatro surgiu da necessidade de
representar indivíduos num esforço para lidar com as complexidades
de sua própria vida. O registro da história também começou como
uma exploração dos motivos pelos quais as pessoas agem como agem,
ao passo que a filosofia ocidental se originou em Atenas a partir da
necessidade de abordar questões não respondidas por outras formas
de expressão cultural, tais como maneiras de se viver bem, de agir de
forma justa e de conciliar as demandas de liberdade e ordem.
O fim do domínio ateniense no mundo grego veio com a Guerra do
Peloponeso, que começou em 431 a.C. e durou, com um intervalo de
sete anos, até 404 a.C.. A guerra dividiu o mundo helenístico. Em
diferentes momentos durante o conflito, a assembleia ateniense
mostrou-se capaz de crueldades (ao ordenar o massacre do povo de
Mitilene em 428 a.C.) e misericórdia (ao cancelar a mesma ordem);
imprudência (ao enviar a frota numa missão desastrosa à Sicília em
415 a.C.) e negligência de responsabilidade (com a execução de seis
generais atenienses após a perda de navios e homens numa
tempestade em Arginusae em 406 a.C.).
A guerra é conhecida com mais detalhes do que qualquer outra do
mundo antigo em virtude do relato escrito pelo ateniense Tucídides,
um dos exemplos mais antigos de textos históricos. A passagem mais
famosa é um discurso de Péricles, conhecido como a Oração aos
Mortos na Guerra Ateniense. É uma celebração passional de uma
sociedade livre: “Nossa Constituição não copia as leis de Estados
vizinhos; somos mais um padrão para os outros que imitadores. Nossa
administração favorece muitos, em vez de poucos; por isso é chamada
de democracia.” Depois de definir Atenas como uma democracia,
Péricles exalta as virtudes de uma sociedade igualitária: “Se
examinarmos as leis, veremos que proporcionam igual justiça a todos
em suas diferenças particulares... avanços na vida pública dependem
da reputação pela competência, sendo que as considerações de classe
não interferem no mérito, nem pode a pobreza ser obstáculo para que
um homem sirva o Estado, quando apto para a tarefa, não sendo
impedido pela obscuridade de suacondição.”9 Péricles celebrava a
abertura de sua cidade, que recebia estrangeiros para preservar seu
modo de vida, e criava uma conexão entre democracia, lealdade,
justiça, abertura e liberdade que encontra ecos nos ideais modernos do
Ocidente. Embora se tratasse de propaganda em meio à guerra, seria a
última celebração pública da democracia em 2 mil anos.
Apesar das palavras inflamadas de Péricles, há poucas dúvidas de
que a guerra e a busca pela glória tiveram um efeito nocivo na
democracia ateniense. Permitiram que os strategoi mantivessem o
controle das políticas da cidade sem muitos recursos aos
procedimentos democráticos e persuadissem a assembleia da
necessidade de decisões maléficas na busca pela vitória. Um exemplo
conhecido foi a negociação entre Atenas e a cidade de Melos em 415
a.C., numa tentativa de convencê-la a desistir de sua neutralidade.
Quando os líderes de Melos se recusaram, a cidade foi tomada, seus
homens, massacrados, e suas mulheres e crianças, levadas à
escravidão. Um grupo de cidadãos foi então enviado de Atenas para
repovoar a ilha de Melos e governá-la de forma democrática.
Após a derrota de Atenas em 404 a.C., a cidade passou por um
período curto de governo brutal na chamada Tirania dos Trinta, que
tinham o apoio de sua inimiga, Esparta. Porém, quando os líderes
democráticos que haviam sido eLivross organizaram uma rebelião em
403 a.C., Esparta mudou de lado e apoiou a restauração da
democracia. Enquanto o poder de Atenas entrava em declínio no
século IV, os processos democráticos ainda continuavam controlando
as instituições do governo, o sistema jurídico, as finanças públicas e a
política externa. Os indícios mais notáveis dessa resistência vêm dos
discursos e textos preservados do orador e estadista Demóstenes (384-
22 a.C.), que lhe renderam a reputação de um dos maiores oradores
do mundo antigo. Sua defesa da democracia ainda soa verdadeira no
mundo moderno: “Existe uma proteção conhecida, em geral, pelos
sábios, que é uma vantagem e representa a segurança de todos, mas
especialmente pelas democracias, em relação aos déspotas: a
desconfiança.”10 A democracia continuou em Atenas até 323 a.C.,
quando a pólis foi incorporada ao vasto império criado pelo rei
macedônio, Felipe, e seu filho, Alexandre.
Anteriormente, neste capítulo, perguntamos como e por que a
democracia surgiu e foi mantida nesse tempo e lugar específicos. A
resposta a “como” encontra-se na história que tentei elucidar; a
resposta a “por que” corre o risco de obscurecer as conquistas de
Atenas por meio de explicações superficiais. Parece que, embora seja
provável que outras cidades antigas da Grécia e do Mediterrâneo
tenham tido elementos de democracia, Atenas foi uma casualidade
histórica. Um conjunto específico de circunstâncias ocorreu em um
tempo e em um lugar: um território difuso; uma oligarquia dividida;
uma classe de pequenos agricultores com relativo poder; um vácuo de
poder; uma cultura de autonomia e compartilhamento de poder;
minas de prata como fonte de prosperidade; ameaças externas uniram
o povo; uma cultura compartilhada com outras cidades que permitiu a
imigração de pessoas talentosas do mundo grego — a lista não termina
aqui, mas não fornece uma receita definitiva para uma sociedade
democrática. Podemos apenas nos admirar com o fato histórico da
democracia ateniense e com a preservação milagrosa de documentos e
artefatos que contam sua história.11
Além de proporcionar um exemplo excepcional de uma democracia
em funcionamento, a Grécia antiga foi o berço da política teórica.
Antes, as sociedades funcionavam por meio de relações complexas de
parentesco e deferência, e por meio da permissão e restrição da
autoridade, usando conjuntos de costumes e rituais enraizados. A
democracia em Atenas gerou um novo tipo de política, no qual os
conflitos sociais eram levados à atenção de todos — e debatidos no
conselho e na assembleia — e mantidos dentro dos fóruns. Essa foi
uma inovação tão impressionante nas questões humanas que os
escritores gregos levaram décadas para começar a compreender sua
importância. A teoria política, em outras palavras, ficou defasada em
relação à prática. É importante compreendermos o que os escritores
gregos escreveram sobre a democracia, porque suas declarações
deixaram um legado duradouro. Ainda assim, poderíamos nos
surpreender ao descobrir que a democracia que nos causa tanta
admiração não era vista dessa forma por contemporâneos da mais
profunda influência.
A questão central colocada por pensadores gregos foi: como uma
sociedade pode alcançar tanto a liberdade quanto a ordem? Se, por
exemplo, todos eram livres para se apresentarem ao serviço militar
quando quisessem, como a cidade poderia se defender de forma
confiável? Se as pessoas podiam escolher não educar seus filhos, como
a sociedade futura funcionaria? Se os cidadãos podiam dar o voto que
quisessem, como alguém podia garantir que as decisões seriam boas
para a sociedade?
A resposta a essas perguntas veio de duas formas diferentes. Os
mais influentes de todos os escritores gregos, Platão e Aristóteles,
abordaram o problema por meio da investigação racional e da
observação. Platão nasceu numa família nobre de Atenas que estava
envolvida na Tirania dos Trinta no fim do século V a.C. e era
seguidor de Sócrates, que foi condenado à morte por um tribunal do
júri democrático em 399 a.C.. Se a obra de Sócrates nunca foi escrita,
Platão compôs uma série extraordinária de obras tendo seu professor
como figura central. Esses diálogos formariam a base da filosofia
ocidental. O pupilo de Platão, Aristóteles, chegou a Atenas por volta
de 366 a.C. para estudar na academia montada por seu mentor antes
de fundar o Liceu.
Platão buscou isolar conceitos abstratos, tais como justiça e virtude,
antes de imaginar uma sociedade em que esses ideais pudessem
florescer. Sua teoria política resolvia qualquer conflito possível entre as
necessidades da pólis e as do indivíduo — entre a ordem e a liberdade
—, diminuindo a distância entre eles. O indivíduo deveria se tornar
parte de um sistema altamente estruturado que determinava não
apenas o governo, mas também a criação dos filhos, a religião, a
cultura e todos os aspectos da vida. Se a pólis e o indivíduo estão
unidos, o conflito interno e a confusão política desaparecem. Na
sociedade perfeita de Platão, descrita em A república, todas as
dificuldades são solucionadas por um sistema abrangente de governo
justo concebido e conduzido por homens racionais, com todas as
pessoas vivendo de acordo com um conjunto estrito de regras.12
Aristóteles, por outro lado, examinou as diferentes formas de
governo do mundo antigo, classificando-as e as analisando. Ficou
impressionado com a pretensão da democracia de dar voz a cada
cidadão e restringir o poder dos tiranos. Sua abordagem racional, no
entanto, levou-o de volta à questão de como a concessão de poder à
maioria poderia garantir que o resultado fosse bom para a sociedade.
A resposta de Aristóteles foi a restrição da cidadania àqueles que
pudessem ser considerados virtuosos. Estavam incluídos aqueles com
boa educação, uma vez que o conhecimento ajudava a infundir a
virtude e certo grau de riqueza — Aristóteles argumentara em outro
momento que ser bem-sucedido no mundo era um sinal de virtude.
Essa pequena parte da sociedade então governaria em nome de todos
e, sendo sábia e virtuosa, tomaria as decisões que fossem boas para a
sociedade. Ao mesmo tempo que reconhecia a capacidade de a
democracia trazer liberdade e igualdade, Aristóteles descreveu-a como
o governo dos pobres. Isso o levou a ser citado mais tarde pelos
opositores da democracia como tendo se referido ao governo das
massas ignorantes. Embora suas abordagens fossem diferentes,
Aristóteles seguiu Platão na concepção de uma pólis em que o conflito
interno fosse eliminado. A política de Atenas, que expunha o conflito
abertamente e o restringia aos fóruns das assembleias públicas,
desapareceria na sociedade ideal de Platão e de Aristóteles.
A outra tendênciaprincipal do pensamento político grego
apresentava uma visão totalmente diferente. Protágoras e Demócrito
examinaram Atenas e viram que, por meio das circunstâncias e das
ações do povo, ela conseguira unir liberdade e ordem. Protágoras
(485-15 a.C.) era um professor da Trácia que acreditava que conceitos
teóricos não podiam ser separados da experiência prática. Só se pode
chegar ao entendimento por meio da observação de como as pessoas
se comportam na vida real — daí sua frase famosa: “O homem é a
medida de todas as coisas.” Protágoras argumentava que a
comunidade política não elimina nem deveria eliminar o conflito entre
a pólis e o indivíduo, entre pessoas diferentes ou grupos de interesse.
Em vez disso, precisa aceitar o conflito e resolvê-lo por meio da
abertura e da discussão. Essa resolução, no entanto, nunca é definitiva
— e como o conflito é inevitável, a política será sempre necessária.
Porém, como a política resolve o problema da liberdade e da ordem?
De acordo com Protágoras, os cidadãos de uma democracia exercem o
poder pela expressão coletiva e criam a ordem por meio do
autocontrole coletivo — reconhecendo que seus interesses são comuns
e não pessoais. A recompensa para esse autocontrole existe no mundo
real, pois dá ao homem a forma mais elevada de realização ao
interagir, no governo, com pessoas de diferentes classes e origens, e
possibilita sua autonomia, liberdade e excelência.
Assim como Protágoras, Demócrito (460-370 a.C.) exaltava o
funcionamento prático da democracia. Demócrito também era da
Trácia e se tornou uma figura proeminente em Atenas. O fato de um
pensador tão renomado não ter encontrado lugar nos escritos de
Platão e Aristóteles levou alguns historiadores a suspeitarem de uma
conspiração — talvez Demócrito tenha sido um filósofo tão formidável
que nenhum de seus dois rivais quisesse preservar ou promover as
ideias dele. Conhecemos seu pensamento principalmente por
referências de outros escritores.13
Demócrito afirmou que não deveríamos passar o tempo
imaginando um futuro ideal, mas sim tentando lidar bem com o
presente. Ele entendia que as pessoas eram tanto boas como ruins:
“Não existe nenhum dispositivo na forma atual da sociedade que
impeça a transgressão de oficiais, por mais perfeitamente bons que
possam ser.” Portanto, a tarefa da pólis era supervisionar e
recompensar os oficiais públicos, enquanto enfrentavam o fardo
pesado da vida pública, que é crucial para o bem-estar da sociedade.
Longe de ser um democrata ideológico, Demócrito realçou a ideia que
destacou em seu trabalho de que a desordem e a confusão da vida
política deveriam ser administradas, não eliminadas.14
O último pensador nesse grupo é Tucídides, o historiador da
Guerra do Peloponeso. Escrever a história implica seleção e
interpretação, mas, ao expor os reais acontecimentos de seu tempo,
Tucídides buscava de forma explícita uma alternativa às abordagens
teóricas de seus contemporâneos, assim como uma ruptura com a
narrativa mítica do passado. Ele analisou o poder relativo dos Estados
e das facções dentro deles, observando seus interesses estratégicos e as
avaliações para decidirem quando declarar guerra ou paz. Em seu
mundo, as demandas conflitantes dos Estados e dos indivíduos, seus
medos, ambições, ganância, submissão e generosidade são a matéria
de que é feita a política. E, quando a política deixa de reconhecer e
resolver o conflito humano, o resultado é guerra e opressão.
Embora a democracia ateniense tenha acabado com as conquistas de
Felipe e Alexandre da Macedônia, foi a ascensão de Roma que alterou
de forma definitiva o mundo mediterrâneo antigo. Alexandre criara
um império vasto, que se estendia a leste até a Índia. Roma controlou
grande parte desse Império Helenístico de 215 a 148 a.C., além de
realizar conquistas ao norte, oeste e sul. Durante o processo, Roma foi
tão influenciada pela cultura grega que, pelo menos no leste, o que
surgiu foi uma cultura greco-romana.
A história política de Roma introduz o outro conceito político chave
que herdamos do mundo antigo: a res publica, o república. A república
é um Estado no qual o poder supremo está nas mãos do povo — ele é
soberano. Isso veio a representar um Estado sem monarca, mas o
verdadeiro significado é mais profundo e carrega o sentido de que,
não importa a estrutura em que o governo seja concebido, o povo é a
autoridade maior. Isso não é o mesmo que democracia; no entanto, o
entrelaçamento moderno entre república e democracia faz da
investigação da república romana parte essencial da história da
democracia. Infelizmente, assim como com a democracia ateniense, as
origens da república estão disponíveis apenas nos mitos e nos escritos
de historiadores romanos muito posteriores e notoriamente não
confiáveis. Esse material foi verificado e complementado com indícios
arqueológicos, resultando num registro fragmentado.15
Acredita-se que a república romana tenha sido fundada por volta de
509 a.C. (aproximadamente a mesma época das reformas de Clístenes
em Atenas), com a expulsão do último rei pela união de famílias
poderosas liderada por Lúcio Júnio Bruto. Há indícios de que a
Cidade-Estado de Roma já possuía um Senado composto de homens
de famílias nobres e antigas, e possivelmente uma assembleia popular,
embora ambos se sujeitassem ao rei. Bruto restaurou e expandiu o
Senado e, depois de 509 a.C., Roma era governada por dois cônsules,
escolhidos anualmente entre os senadores. Isso teria transformado a
cidade numa oligarquia efetiva, mas, no início da vida republicana, as
ordens inferiores da plebe realizaram uma rebelião contra o Senado
aristocrático. O preço da paz foi a concessão de certos direitos a todos
os cidadãos de Roma. A assembleia da plebe adquiriu status formal,
além do direito de eleger dirigentes, conhecido como tribuna, que
tinha o poder de preservar os direitos dos plebeus por meio, por
exemplo, de intervenções em casos legais e de vetos a leis.
As relações entre as famílias aristocráticas que dominavam o
Senado, as classes aspirantes de mercadores que queriam mais poder e
a massa de cidadãos levaram ao desenvolvimento contínuo da
Constituição oral da república romana. Nessa breve história, podemos
apenas tirar uma fotografia instantânea do funcionamento da política
em Roma num momento específico; portanto, vamos dar uma olhada
no estágio final da república, por volta de 150 a.C..
Nesse período, a cidade de Roma era a pátria de mais de 1 milhão
de pessoas, uma imensa população que só foi igualada no mundo
moderno após a Revolução Industrial. A cidade era repleta de
habitações com diversos pavimentos, abarrotada de pessoas ganhando
a vida com dificuldade, e sempre correndo perigo de incêndios. Dos
mais de 1 milhão de habitantes, 200 mil eram cidadãos plenos, e 300
mil, escravos. O restante eram pessoas livres com direitos limitados,
mulheres que tinham as mesmas proteções legais de cidadãs, mas sem
direito ao voto, e grupos com status de cidadãos, tal como o de
italianos não romanos. Em contraste com Atenas, Roma era generosa
em sua cidadania, concedendo com frequência plenos direitos a
estrangeiros. O conjunto de cidadãos era classificado em sete grupos,
de acordo com a riqueza, que foram usados originalmente para a
decisão do nível de serviço militar. A mudança de um grupo a outro e,
em particular, ao Senado, tornou-se mais frequente durante o período
mais avançado da república: no século I a.C., cidadãos da plebe, tais
como Crasso, Pompeu e Cícero, tornaram-se figuras poderosas,
enobrecendo efetivamente suas famílias ao longo do processo.
A república romana, com todas as suas complexidades políticas, era
governada por uma elite. A entrada nela pode ter se tornado mais fácil
com o passar dos séculos, mas a soberania do povo, implicada pelo
termo república, era mais ou menos negligenciada. Havia algumas
áreas, no entanto, em que os cidadãos comuns de Roma podiam
exercer o poder. De fato, o sistema político era capaz de funcionar
porque o contato entre diferentes níveis da sociedade era mantidode
diversas formas. Era esperado que homens de poder e prestígio
patrocinassem homens de status inferior, oferecendo proteção e
educação em troca de serviços. Essa relação foi multiplicada muitas
vezes, levando a redes de conexões entre cidadãos de diferentes níveis
da sociedade. Além disso, todos os homens com ambições políticas, de
qualquer classe, tinham deveres militares que os levariam a um
contato prolongado com seus concidadãos de outras classes. As
relações pessoais construídas no serviço militar muitas vezes duravam
por toda a vida.
Havia outras áreas nas quais o contato era feito entre as classes.
Primeiro, era essencial que qualquer político ambicioso fosse eleito
para uma série de magistraturas, e, embora essas eleições fossem
manipuladas, qualquer candidato que se opusesse aos eleitores corria
perigo. Quando Cipião Nasica concorreu ao cargo administrativo de
edil, brincou com os cidadãos, dizendo que as mãos de um operário
eram tão duras que ele tinha de caminhar sobre elas. Visto como
alguém que insultava os pobres, Nasica consequentemente perdeu a
eleição.16 Além disso, o cargo antigo de tribuno mantinha parte do
significado original de guardião dos interesses do povo: aqueles que o
preenchiam no caminho escorregadio de ascensão tinham de estar
sempre disponíveis a todos os concidadãos. Por último, mas não
menos importante, ainda que a passagem a outras classes fosse restrita,
o Senado ainda entendia a necessidade de se renovar por meio da
inclusão de homens poderosos e talentosos das classes inferiores. Fazia
sentido trazer ao processo político aqueles com poder comercial ou
social.
A república romana acabou entrando em colapso quando os
poderes da elite se tornaram praticamente irrefreáveis. Se a política
sempre teve um aspecto competitivo, no período final da república a
diferença entre ganhar e perder transformou-se numa questão de vida
ou morte. Então os políticos começaram a lançar mão da violência e
da manobra política para chegar ao topo. Além disso, Roma anexara
tantos territórios que governantes de províncias distantes faziam o que
bem entendiam, tornando-se fabulosamente ricos e poderosos. O
poder ficou atrelado a generais bem-sucedidos, como Júlio César e
Cneu Pompeu, o que resultou em guerras civis travadas pela lealdade
a um líder ou outro. Suetônio escreveu, um século depois, por volta de
120 a.C., uma crítica ferina à corrupção da república causada por
César: “O restante das palavras e feitos dele [...] supera todas as suas
excelentes qualidades [...] ele não apenas se apropriou de honras
excessivas, tais como o cargo de cônsul todos os anos, a posição de
ditador pela vida inteira e a censura, mas também do título de
imperador.”17 Júlio César é um exemplo antigo de um líder que
manteve uma estrutura constitucional enquanto ocupava todos os
cargos importantes — um padrão que foi seguido por muitos. Em 44
a.C., sua grandiloquência provocou um grupo de conspiradores que
estavam desesperados para evitar que a república se transformasse
numa monarquia. Porém, o assassinato de César ocasionou outra luta
pelo poder, que terminou em 27 a.C., quando Otaviano recebeu do
Senado o título de Augusto, ou seja, “o Venerável”. A república
romana deu lugar ao Império Romano.
A influência da república romana na história política posterior foi
imensa. Cidades italianas do século XII começaram a nomear
cônsules e, depois, passaram a se autodenominar repúblicas, um eco
intencional do passado romano. Os Estados Unidos deram o nome de
Senado à câmara superior do governo e colocaram o Congresso no
Capitólio (uma das sete colinas de Roma). Embora Napoleão tivesse
se vestido como um imperador romano para sua coroação em 1804,
foi a Roma Republicana que inspirara os revolucionários de 1789.
Para o bem ou para o mal, os líderes europeus do século XIX viram o
modelo de um Senado sábio, de grandes homens, como uma herança
e falaram de uma Grande Corrente da História, na qual a
responsabilidade da civilização fora passada de Roma a eles. Quando
os homens cultos e poderosos da Europa Ocidental redescobriram o
mundo antigo, ficaram admirados com sua racionalidade, o
republicanismo e o governo das classes de patrícios. Com a notável
exceção dos Estados Unidos, a democracia foi extinta.
E
2
PARLAMENTOS E AFINS
O Cidadão Representado
xigimos explicitamente que faça com que dois cavalheiros do país
supramencionado, dois cidadãos de cidades diferentes do mesmo
país, dois habitantes de bairros diferentes, daqueles que são
especialmente discretos e aptos ao trabalho, sejam eleitos [itálico meu]
sem demora e que venham a nós na hora e no local já mencionados.
Eduardo I ao xerife de Northamptonshire, 12951
Estamos habituados ao truísmo histórico de que nenhuma democracia
efetiva existiu entre a conquista de Atenas pela Macedônia, em 323
a.C., e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776 —
um intervalo de cerca de 2.100 anos. Porém, nem a democracia
ateniense nem a americana surgiram do nada. Nos dois casos,
costumes, práticas e suposições já existentes foram reunidos para a
formação de um sistema de governo coerente e duradouro. Os
próximos capítulos se concentram em épocas e lugares em que
elementos da democracia — assembleias, Parlamentos representativos,
sistemas de voto, igualdade perante a lei — foram estabelecidos e
praticados, defendidos e desenvolvidos, incluindo um Estado europeu
que foi uma democracia efetiva duzentos anos antes dos Estados
Unidos. Neste capítulo, examinaremos qual o indício histórico de
práticas e estruturas democráticas no passado distante, antes de
analisarmos o desenvolvimento dos Parlamentos medievais e do
governo de cidades. Encaixar elementos da democracia numa clara
cronologia histórica é um processo quando os indícios são
fragmentários. O melhor que podemos fazer é mostrar que certas
práticas existiram em determinadas épocas e lugares.
Qualquer começo se encontra fora da história registrada.
Antropólogos sociais examinaram sociedades não alfabetizadas com
meios sofisticados não de compartilhar o poder, mas de realizar
julgamentos, tomando decisões coletivas e estabelecendo punições
justas com o objetivo de manter a coesão social. Mas não podemos
supor que esses tipos de arranjos existiram em todos os lugares e por
toda a história da humanidade — Claude Lévi-Strauss observou que
aqueles a quem chamamos povos “primitivos” provavelmente estão
tão afastados da condição original da humanidade quanto nós, ainda
que em direções diferentes.
No entanto, é razoável supor que sistemas coletivos de organização
em pequena escala, interpessoais, existem desde os primórdios.
Trabalhar junto — um dos elementos fundamentais da democracia —
sempre fez parte da sociedade humana.2
Atenas antiga era parte de um mundo de comércio centrado no
Levante e no vale mesopotâmico. Sabemos que havia assembleias na
Mesopotâmia antiga e nas cidades da Fenícia, que ocupavam
aproximadamente a área do atual Líbano com portos satélites ao longo
da costa norte da África, incluindo Cartago. Os comerciantes fenícios
do primeiro milênio antes de Cristo estavam em contato constante
com os gregos e levaram a eles, entre outras coisas, um alfabeto
rudimentar. Embora o mundo antigo fosse dominado por impérios, de
maneira geral, não eram tão onipotentes como costumamos acreditar.
As cidades muitas vezes eram deixadas a seu próprio governo, desde
que pagassem impostos a seus imperadores distantes. Os impérios não
eram democracias, mas Heródoto conta que Dario, imperador da
Pérsia, tomou o poder por volta de 522 a.C. somente após uma longa
discussão entre seus companheiros de conspiração a respeito da
melhor forma de governo. Um deles fez um apelo apaixonado por
uma democracia republicana: “Penso... que passou o tempo em que
qualquer um de nós deva ter poder absoluto... proponho que
eliminemos a monarquia e levemos o povo ao poder; pois Estado e
povo são sinônimos.”3 Enquanto a democracia era discutida na Pérsia,
existem estimativas de que metade das cerca de duzentas cidadesda
Grécia antiga teve uma forma de democracia em algum momento de
sua história, muitas delas antes de sua consolidação em Atenas. E após
o colapso do Império Ateniense, por volta de 400 a.C., grupos como
as ligas de Arcádia e Eólia funcionavam com princípios, de modo
geral, democráticos, com o envio de delegados das cidades para
participarem das assembleias.
Como vimos no capítulo anterior, o mundo grego foi transformado
no século IV a.C. com as conquistas de Alexandre, o Grande. A
cultura helenística atravessou o oeste asiático, chegando à Índia e ao
sul do Egito, e permaneceu intacta em grande parte durante o
domínio de Roma, até a conquista árabe, no século VIII d.C.. Nessa
vasta região, é quase certo que as assembleias tivessem um papel
importante no governo de cidades separadas. Um historiador recente
nos conta que “Cassandreia tinha um conselho (boule), e Tessalônica,
um conselho e uma assembleia (ecclesia). Também se confirma a
existência de uma assembleia em Filipos e Anfípolis, e parece
altamente provável que todas as cidades [da Macedônia]... tinham as
duas instituições”.4 Nesses e em outros casos, o poder era negociado
entre as instituições da cidade e o governador imperial durante todo o
período romano.
Enquanto o Império Romano dominava o mundo mediterrâneo e o
oeste da Europa até o século V d.C., os arranjos políticos dos povos
europeus do outro lado de suas fronteiras são conhecidos
principalmente pelos trabalhos de escritores romanos. Por volta do fim
do século I d.C., Tácito descreve como os líderes germânicos
consultavam toda a tribo (embora, provavelmente, apenas os homens)
antes de tomarem decisões importantes:
Sobre questões menores, o líder reflete; sobre as mais importantes, a tribo toda. Porém,
mesmo quando a decisão final fica com o povo, o caso é sempre discutido amplamente
pelos chefes... O silêncio é proclamado pelos sacerdotes, que nessas ocasiões têm o direito
de manter a ordem. Então o rei ou chefe, de acordo com idade, nascimento, distinção na
guerra ou eloquência, é ouvido, mais porque tem a influência para persuadir do que o
poder para comandar. Se os sentimentos dele os desagradam, eles os rejeitam com
murmúrios. Se ficam satisfeitos, agitam as lanças. A forma mais favorável de
consentimento é expressar aprovação com a lança.5
Não podemos dizer qual a extensão dessa prática, mas documentos
escritos que mencionam assembleias no norte da Europa foram
preservados a partir do século IX. Na Escandinávia, assembleias
formais tinham o nome de ding, ting ou thing. A Lenda de Asgar,
registrada no século IX, relata a reunião da Ding em Birka, na ilha
sueca de Björkö. Eventos semelhantes podem ter ocorrido na
Dinamarca por volta da mesma época. Muito mais é conhecido sobre
o Althing na Islândia. Registrada como tendo início em 930, essa
assembleia de 36 chefes de clãs se reunia anualmente sob a Lögberg, ou
Pedra da Lei, em Thingvelir, e elegia um orador, nomeava juízes e
aprovava leis. A eleição por maioria de votos foi introduzida em 1130.
A reunião era precedida pelos Farthings, assembleias de quatro áreas da
ilha. Sociedades medievais nórdicas posteriores seguiram os padrões
das assembleias locais: as terras suecas tinham doze regiões ou
províncias, cada uma com seu ding. A Dinamarca tinha três landlings,
enquanto a Noruega tinha lögthings. O tynwald na Ilha de Man e o
lögting de Feroé têm registros de épocas próximas, embora todas essas
assembleias, sem dúvida, existissem há muito mais tempo.6
Existem outros indícios de assembleias realizadas em diferentes
partes da Europa antes da virada do primeiro milênio, mas é difícil
saber se eram reuniões de nobres selecionados pelo monarca ou de
representantes de comunidades locais. É certo que os witans anglo-
saxões eram reuniões das pessoas mais poderosas do reino,
convocadas por seus reis, mas se essas pessoas eram representantes de
determinados grupos, tais como o clero ou a nobreza, ou de regiões, é
difícil descobrir. Se, por um lado, a existência de tais assembleias
indica que os reis precisavam manter os nobres poderosos junto a si,
por outro, não há evidências de amplas participações no governo ou
mesmo na escolha de governantes. Era comum que assembleias
frequentes fossem realizadas em períodos religiosos importantes
(Páscoa e Pentecostes), de modo que questões eclesiásticas e seculares
eram agrupadas. Sob a denominação variada de synods, conventus ou
witanegemots, 116 encontros aconteceram na Inglaterra entre as invasões
viking e normanda (851-1066). Guilherme, o Conquistador, foi
nomeado rei em uma dessas assembleias, que continuaram a ser
realizadas durante todo o seu reino, e ele decretou que a presença
nelas era obrigatória. Como os indícios de reuniões semelhantes pela
Europa na época eram numerosos, precisamos examinar com mais
detalhes como o continente foi transformado no início da Idade
Média.
A desintegração lenta do Império Romano deixou uma série de
territórios em transição, governados por líderes de clãs locais,
governantes dinásticos, condes, patronos romanos, bispos e várias
outras autoridades. Nesses territórios teria havido formas de governo
local, mas, durante alguns séculos, a Europa foi conduzida sem uma
organização ou comércio substanciais em larga escala. No entanto, no
século XVIII, uma mudança no centro da Europa marcou o início de
um novo tipo de organização política.
Nessa época, os francos dominavam a maior parte do que hoje são
a França, a Bélgica e o oeste e o sul da Alemanha. As terras francas
permaneceram um reino desagregado, com centro nominal em
Aachen, até uma revolução palaciana fazer com que a família Martel
subisse ao poder em 737. Se antes a nobreza conseguia sobreviver da
terra e frequentava uma corte cuja principal preocupação era a caça,
Carlos Martel introduziu um novo sistema de posse de terras,
sociedade e governo. Martel colocou as terras francas sob o controle
legal da nobreza, da monarquia e da Igreja, deixando algumas áreas
como terreno compartilhado ou florestas para caça. Porções dessas
terras foram então enfeudadas, ou seja, entregues a agricultores e
camponeses em troca de trabalho ou serviço militar. Muitos desses
acordos foram registrados por escrito e passaram a ter valor legal; de
fato, ligaram toda a sociedade, do vassalo ao rei, num único e vasto
sistema. Essa pirâmide feudal serviu para retirar riqueza das aldeias e
propriedades campesinas e enviá-la aos senhores feudais e ao monarca.
O bisneto de Carlos Martel, Carlos Magno, usou-a para fortalecer
suas ambições militares, expandindo o reino, incluindo todo o oeste
do continente europeu — exceto o sul da Itália e a Península Ibérica —,
onde estabeleceu o feudalismo e o cristianismo latino.
No século XI, o reino de Carlos Magno havia sido desmembrado,
mas a unidade cultural de grande parte da Europa seria restabelecida
por um povo extraordinário, os normandos. Descendentes dos
invasores vikings que povoaram uma área do norte da França, os
normandos marcaram sua independência do rei francês e deram início
a um período de expansão e expedição. Nos séculos XI e XII,
cavaleiros normandos realizaram uma invasão bem-sucedida na
Inglaterra, Sicília, sul da Itália e partes do Império Bizantino. Junto
com cavaleiros francos, sua superioridade militar permitiu ainda uma
tentativa de conquista do Levante. No fim do século VII, nobres
normandos e francos, junto com magnatas visigodos da Ibéria, haviam
adotado a mesma cultura e costumavam realizar casamentos entre si.
Como um grupo distinto, formavam a elite governante em todos os
cantos da Europa ocidental, da Inglaterra à Sicília. O sistema feudal
que se firmara no centro do território franco no século IX fora então
exportado a quase todas as partes do continente.7
Não é surpreendente, portanto, que desenvolvimentos políticos
subsequentes por toda a Europa revelassem certas semelhanças. No
sistema feudal, com a introdução de costumes locais, o rei não era um
líder supremo, mas o mais importante de um grupo de nobres. Ele
recompensava esses

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