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6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACONAIS 25 A 28 DE JULHO DE 2017-BELO HORIZONTE Área temática: ensino e pesquisa em Relações Internacionais CINEMA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA SOBRE O ENSINO DO TEMA APATRIDIA A PARTIR DO FILME “O TERMINAL” Camila Soares Lippi Universidade Federal do Amapá (docente) Instituto de Relações Internacionais-Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (doutoranda) Resumo: Este trabalho busca tratar da experiência didática de se utilizar o cinema no ensino de Relações Internacionais, mais especificamente em relação à temática da condição dos apátridas, apresentando uma experiência pedagógica com discentes de graduação desse campi do conhecimento na Universidade Federal do Amapá. A área de Relações Internacionais por vezes tem objetos de pesquisa que estão distantes da realidade que as alunas e os alunos desse curso vivenciam e, portanto, o cinema se torna um importante recurso didático para aproximar certas temáticas ao corpo discente. A apatridia é uma dessas temáticas que muitas vezes está distante dos estudantes. O filme “O Terminal” retrata a história de um homem que se torna apátrida por problemas referentes à sucessão de Estados. Ele tentava entrar nos Estados Unidos com o passaporte de seu Estado de origem, que simplesmente tinha deixado de existir. Em virtude disso, lhe é vedado o ingresso no país, e ele passa a residir no aeroporto. O filme permitiu suscitar com alunas e alunos questões como: quais são as principais violações do regime internacional de apatridia que as autoridades públicas dos Estados Unidos perpetuaram no filme? De que forma o filme expõe as fragilidades do regime internacional de apatridia? Palavras-chave: Cinema; nacionalidade; apatridia. 1-Introdução Este trabalho se trata de um relato de experiência didática em sala de aula utilizando o cinema no ensino de Relações Internacionais, mais especificamente em relação à temática da condição dos apátridas, apresentando uma experiência pedagógica com discentes de graduação desse campi do conhecimento na Universidade Federal do Amapá. Essa experiência se deu em 2016.2, no âmbito da disciplina de Direito Constitucional, que, no curso de Relações Internacionais daquela universidade, tem como conteúdo algumas noções básicas de Direito Constitucional e uma discussão mais aprofundada sobre o Direito Constitucional Internacional, ou seja, sobre os aspectos internacionais do Direito Constitucional e os aspectos constitucionais do Direito Internacional. No seio desse debate, entra a temática da nacionalidade. E, ao trabalhar a noção de nacionalidade, é necessário discutir a questão das pessoas apátridas, aquelas sem nacionalidade, as causas da apatridia e as normas internacionais que as regem. Os dois principais tratados a respeito dessa matéria são a Convenção sobre o Estatuto do Apátrida (1954), que tem como objetivo não propriamente eliminar esse problema, e sim prever um mínimo de direitos para pessoas desprovidas de nacionalidade, e a Convenção para a Redução da Apatridia (1961), essa sim, como o próprio nome diz, com o objetivo de reduzir os casos de apatridia. Apesar da aprovação desses tratados, o número de Estados- parte de ambos é baixo: a Convenção de 1954 tem 89 Estados-parte, enquanto o número de Estados que ratificaram a de 1961 é de 681. Um número baixo considerando-se que a ONU tem 193 Estados-membros. Algo que eu já vinha percebendo há alguns anos, desde que comecei a trabalhar este conteúdo em sala de aula, é que normalmente os alunos daquela universidade para os quais eu ministrava essa disciplina, todos dotados de nacionalidade brasileira, tinham dificuldade em entender o que é um apátrida, como vivem, quais são seus direitos e quais são as dificuldades pelos quais passam. Ou seja, havia dificuldade em compreender como vivem, segundo estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para refugiados (ACNUR) pelo menos 3.469.250 pessoas, sendo que esse número pode ser ainda maior, tendo em vista que poucos Estados reportam ao ACNUR suas estatísticas sobre apatridia, e, dentre esses, alguns não têm dados confiáveis (UNHCR, 2013). Diante dessa dificuldade em compreender o que é apatridia, o que é significa não ter nacionalidade, resolveu-se apelar ao uso do cinema para aproximar esse tema dos alunos da disciplina. Tanto a bibliografia sobre cinema e Relações Internacionais quanto 1 https://treaties.un.org/Pages/Treaties.aspx?id=5&subid=A&clang=_en. Acesso em 1º de maio de 2017. https://treaties.un.org/Pages/Treaties.aspx?id=5&subid=A&clang=_en sobre cinema e Direito Internacional apontam a utilidade de se utilizar o cinema para trazer objetos de estudo que muitas vezes estão distantes dos alunos para perto (afinal, ambas as disciplinas têm a ambição de entender o mundo) (ALMEIDA, 2016, p. 256; NEVES JÚNIOR, ZANELLA, 2016, p. 31). Além disso, como afirma PAIXÃO (2009, p. 70), o cinema aproxima de uma forma diferente das outras artes. Ele é “[…] muito diferente do teatro, das artes plásticas e da literatura, dos quais, de alguma maneira descende. O cinema tem um poder muito maior de proporcionar ao espectador a sensação de que ele está sendo testemunha dos eventos, de fazer o espectador ser parte daquilo que ele está vendo, de conferir uma aparência de realidade a algo que, de fato, é uma construção”. Assim, optou-se por trabalhar, com os alunos, o filme “O Terminal”, estrelado por Tom Hanks, no qual este ator representa um homem que se torna apátrida devido à anexação do Estado do qual era nacional por outro e, que, em consequência disso, não consegue entrar nos Estados Unidos e tem de viver no aeroporto JFK, em Nova Iorque. Este trabalho está dividido em duas partes: uma sobre apatridia e outra sobre a experiência didática de ter trabalhado com o filme “O Terminal” com discentes do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Amapá. 2. A apatridia, o Direito Internacional e o Direito Constitucional brasileiro O termo “nacionalidade”, no Direito, significa o vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a um Estado, tornando-o sujeito de direitos e obrigações em relação a esse mesmo Estado. Em muitos ordenamentos jurídicos o termo é utilizado como sinônimo para cidadania, embora nas Américas (incluindo o Direito brasileiro) seja comum distinguir os dois termos. No direito brasileiro, os direitos de nacionalidade são objeto do art. 12 da Constituição de 1988. Em nosso ordenamento jurídico, o termo nacionalidade faz alusão a esse vínculo jurídico-político entre indivíduo e Estado, ao passo que cidadão seria aquele que está no gozo de direitos políticos neste Estado, como o direito de votar e ser votado para cargos políticos. Os termos não necessariamente coincidem. É possível, no Direito brasileiro, não ser nacional e ser cidadão, como no caso do português equiparado, previsto no art. 12, § 1º da Constituição de 1988-a única hipótese de um estrangeiro ter direitos políticos no ordenamento jurídico brasileiro (BATCHELOR, 1998; TIBÚRCIO, 2014). Existem duas modalidades de apatridia: a apatridia jurídica (de jure) e a apatridia de fato (de facto). A apatridia jurídica é aquela em que não há o tal vínculo jurídico-político entre indivíduo e Estado. Já a apatridia de fato é aquela na qual esse vínculo existe, mas no qual a nacionalidade resulta ineficaz, como no caso em que um indivíduo não consegue retornar ao Estado do qual é nacional - situação essa que é muito limítrofe com a do refugiado ou a refugiada (BATCHELOR, 1998). Cada Estado é soberano para atribuir nacionalidade a indivíduos, e esses critérios para atribuição de nacionalidade são estabelecidos pelas leis ou pelas Constituições de cada Estado. No Brasil, os critériosde atribuição de nacionalidade são estabelecidos pelo art. 12 da Constituição de 1988. Existem quatro situações em que pode ocorrer apatridia no sentido jurídico: renuncia voluntária de nacionalidade, quando tal renuncia é admitida pelas leis de um Estado; conflito negativo de leis de nacionalidade (como, por exemplo, uma criança nascida num país cujo critério de atribuição de nacionalidade seja o jus sanguini, cujos pais sejam nacionais de um Estado que adote o critério do ius soli); casos de sucessão de Estados em que há inadequação dos tratados sobre povoamento (como ocorre no caso do filme “O Terminal”, conforme trataremos mais adiante); e, finalmente, quando um Estado, de acordo com suas próprias leis, priva um indivíduo de sua nacionalidade, sem que ele tenha adquirido uma outra (TIBÚRCIO, 2014). Ocorre que a apatridia pode ter uma série de consequências negativas na vida de uma pessoa, como a impossibilidade de exercício de direitos políticos, dentre outras consequências. Nas palavras de BATCHELOR (1998, p. 159): “Statelessness is not merely a legal problem, it is a human problem. Failure to acquire status under the law can have a negative impact on many important elements of life, including the right to vote, to own property, to have health care, to send one's children to school, to work, and to travel to and from one's country of residence. Many complications arise for those who have no nationality or whose nationality status is unclear, including indefinite detention in a foreign State when that State cannot determine the individual's citizenship for purposes of expulsion and release on the territory is not authorized”. Devido a essas consequências da apatridia para a vida humana, emergiu no pós- Segunda Guerra Mundial, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU), um regime internacional de proteção às pessoas apátridas, composto pelas duas Convenções já citadas na introdução. Segundo JUSTO (2012, p. 83-84): “A Convenção de 1954 procurou trazer melhorias para a situação dos apátridas por meio da criação de um estatuto legal do apátrida que permite a conferência de direitos. … devem receber um tratamento pelo menos equivalente ao que é dado aos Estrangeiros que residam legalmente em um Estado. … esses direitos incluem o acesso ao trabalho remunerado, à educação pública, ao sistema público de saúde, aos direitos trabalhistas e à seguridade social. Especial atenção deve ser dada aos direitos de identidade … e documentos de viagem … que o Estado deve fornecer ao apátrida”. Além disso, a Convenção de 1954 proíbe a expulsão de apátridas, e incentiva a naturalização do mesmos. Porém, essa Convenção tem algumas fraquezas. Uma delas é que as prerrogativas nela previstas só podem ser atribuídas a apátridas que residam legalmente dentro do território de um Estado. Portanto, apátridas que estejam numa situação irregular dentro de um Estado parte da Convenção de 1954 não teriam o gozo desses direitos. Além disso esse tratado não apresenta nenhum padrão para orientar os Estados na determinação de quem é apátrida, permitindo uma ampla margem de discricionariedade estatal no reconhecimento da apatridia. Portanto, esse tratado opera sob uma lógica estadocêntrica, em que a figura central não é tanto o apátrida, e sim o Estado, que é quem define quem é apátrida e quem não é. A Convenção de 1961, por sua vez, entrou em vigor em 1975, Ela tem como objetivo evitar novos casos de apatridia, embora debruce-se apenas sobre os casos de apatridia jurídica, olvidando a apatridia de fato. Para JUSTO (2012, p. 86): “A questão da desnacionalização, apesar de ter sido tratada em dois artigos, um dos quais proíbe categoricamente a desnacionalização com base na discriminação, não estaria completa sem igual atenção à recusa dos Estados em conferir nacionalidade. Se esta recusa do Estado se caracterizar por motivações discriminatórias [...], a apatridia continuará a ser produzida. […] Já em relação à sucessão estatal, as provisões contidas no único artigo que a abarca seriam muito vagas, sem especificar com precisão o modo pelo qual os novos Estados que surgem da sucessão estatal estariam vinculados à Convenção ou manter o direito de opção do indivíduo que havia aparecido como recomendação em estudos anteriores. Em adição, existem outras causas da apatridia que teriam escapado aos negociadores da Convenção de 1961, como o registro do nascimento e a relação da apatridia com a migração irregular ou o tráfico de pessoas”. 3. Apatridia e o filme “O Terminal”: uma experiência pedagógica O filme “O Terminal”, como dito anteriormente, relata a história de Viktor Navorski, o protagonista, proveniente da Krakozhia, país fictício, que viajava aos Estados Unidos. Há alguns textos que circulam na internet de que o filme foi inspirado na vida de um refugiado iraniano, Mehran Nasseri, que viveu no Terminal 1 do Aeroporto Charles de Gaulle, na França, após ter seus documentos de refugiado roubados (PARREIRA, SILVA, 2012), mas isso não é confirmado pelo diretor do filme, Steven Spilberg. Ao passar pela imigração no aeroporto JFK, o oficial de imigração lhe comunica que há um problema com seu passaporte, e Viktor é levado a uma sala. Viktor, sem saber falar inglês no começo do filme, não entende o por quê, mas o acompanha. Lá, é perguntando sobre os motivos de sua viagem, mas como não entende inglês, responde “táxi amararelo. Leve-me para o Ramadda In” (SPIELBERG, 2004), e seu passaporte e sua passagem de volta são retidos. Em seguida, Frank Dixon, Diretor da Alfândega e Controle de Fronteiras, seu país suspendeu os privilégios de passaporte emitidos pelo seu governo, e os Estados Unidos anularam seu visto, porque estava acontecendo uma guerra civil na Krakozhia. A única palavra entendida por Viktor foi o nome de seu país de origem. Ao perceber que Viktor não entendia, tentou explicar por mímica, mais sem muito sucesso. Até que em algum momento diz a Viktor: “No momento, você não é cidadão de lugar nenhum. [...] Neste momento, você é simplesmente inaceitável”. (SPIELBERG, 2004) Dixon lhe avisa que não pode deixá-lo entrar nos Estados Unidos, porque seu passaporte e visto não eram mais válidos, nem voltar para a Krakozhia, porque ela tecnicamente não existia mais, e que agora ele ficaria no lounge do aeroporto até a situação ser resolvida, o que não é compreendido por Viktor. Posteriormente, o protagonista vê uma televisão mostrando imagens da guerra civil na Krakozhia. Embora não entenda as palavras da âncora do jornal que fala em inglês, nem a manchete em inglês, vê a palavra “Krakozhia” na manchete, e chora ao ver que as imagens daquela guerra civil eram de seu Estado de origem. Nesse momento, Viktor parece perceber o que está acontecendo. O filme não deixa muito claro o motivo pelo qual Viktor se tornou apátrida. Como a Krakozhia atravessava uma guerra civil no filme, fica-se com a impressão de que trata-se de um caso de apatridia devido à sucessão de Estados, sem adequação dos tratados de sucessão (e, por se estar em guerra civil, provavelmente sem tratado de sucessão de Estado). Essa hipótese é confirmada por Spilberg no bônus do DVD do Filme “O Terminal” (que foi exibido aos alunos e às alunas da disciplina na mesma aula em que o filme foi exibido), que afirma que ocorreu a anexação da Krakozhia durante o filme, e que se optou por usar um país fictício no Leste Europeu, mas que retrata os muitos problemas que surgiram naquela região no pós-Guerra Fria, com secessões e anexações de Estados naquela região. É possível explicar o por quê de Viktor ter se tornado apátrida por falhas nos próprios tratados internacionais de proteção dos apátridas. JUSTO (2012, p. 86) aponta que existem falhas nesses tratadosque fazem com que pessoas se tornem apátridas devido à secessão de Estados (tema que ocupa um único artigo da Convenção de 1961). Para a autora, “as provisões contidas no único artigo que a abarca seriam muito vagas, sem especificar com precisão o modo pelo qual os novos Estados que surgem da sucessão estatal estariam vinculados à Convenção ou manter o direito de opção do indivíduo que havia aparecido como recomendação em estudos anteriores”. Ou seja, a indefinição da própria Convenção de 1961 em especificar como os novos Estados que surgem da sucessão estatal estariam vinculados à Convenção. A autora argumenta ainda que os redatores da Convenção de 1961 não buscaram eliminar a apatridia, e sim reduzir os casos de apatridia, tanto é que os mesmos existem até hoje. Além disso, a principal preocupação desse tratado são os casos de apatridia produzidos por conflitos negativos de leis de nacionalidade, que ocupam 6 artigos, enquanto as demais causas de apatridia são um pouco negligenciadas, como é o caso de apatridia produzida por falhas nos tratados de sucessão de Estados, que ocupam apenas um artigo que é extremamente vago, o que explica porque casos como o de Viktor ainda existem. Além disso, a liberdade de locomoção de Viktor é afetada, não podendo o mesmo nem voltar para seu Estado de origem, que não existia mais, nem entrar nos Estados Unidos, gerando assim uma violação de seus direitos humanos. Dessa forma, entendendo que o filme provoca a reflexão sobre apatridia e sobre os limites dos tratados sobre esse tema, aproximando estudantes da temática, decidi que seria interessante utilizá-lo para uma experiência pedagógica com estudantes de graduação em Relações Internacionais no segundo semestre de 2016 (que aconteceu em um período atípico, começando em novembro de 2016, devido às greves que tem ocorrido em instituições públicas devido a diversas precariedades pelas quais as mesmas passam, e que só tem se agravado). A dinâmica foi a seguinte: dentre os vários temas que foram trabalhados, houve uma aula dedicada exclusivamente à temática da nacionalidade, na qual abordou-se o tratamento da questão da nacionalidade pela Constituição de 1988 e pelas Convenções internacionais relativas ao tema. Posteriormente, o filme foi exibido. É importante mencionar que isso não ocorreu sem dificuldades. Uma delas é que não há disponibilidade de filmes na biblioteca da universidade. A atividade pedagógica somente ocorreu porque o filme estava no acervo pessoal da minha mãe, que gentilmente me emprestou para que o mesmo fosse exibido às minhas alunas e aos meus alunos. A outra é que o DVD Player instalado no computador que a própria universidade me cede apresentou falhas técnicas no dia marcado para a exibição do filme. Assim, tive que adiar a exibição do filme para a aula seguinte, na qual a falha já tinha sido resolvida. Além disso, houve uma greve no meio do semestre (por motivos justos, contra a PEC 55, atualmente EC nº 95/2016, mas que interrompeu o ritmo de estudos dos estudantes). Após assistir ao filme, os estudantes tiveram como atividade avaliativa, conforme já lhes havia sido informado no começo do semestre, um relatório, a ser redigido individualmente, de pelo menos 5 páginas (contando para o cômputo do número de laudas apenas as partes textuais) ligando o filme à matéria vista em sala de aula. Para isso, foram disponibilizadas aos estudantes algumas leituras obrigatórias sobre o tema, outras leituras complementares, além de ter encorajado fortemente que os mesmos utilizassem bancos de dados de periódicos, de teses e dissertações, bibliotecas, físicas ou virtuais, para que buscassem mais artigos, livros, monografias, dissertações e teses sobre o tema. Após a exibição do filme, percebi que os alunos ficaram, de forma geral, um pouco perdidos com a proposta do trabalho, não sabendo exatamente por onde começar. Foram muitas perguntas, dúvidas, sobre o trabalho. Por isso, sugeri que no trabalho tentassem responder às seguintes perguntas sobre o filme, embora não precisassem ficar presos nelas: quais são as principais violações do regime internacional de apatridia que as autoridades públicas dos Estados Unidos perpetuaram no filme? De que forma o filme expõe as fragilidades do regime internacional de apatridia? A maioria dos trabalhos tentaram responder a essas perguntas, e creio que a maioria as respondeu muito bem, embora de forma muito diversa. Alguns apontaram o estadocentrismo das convenções, muito mais pautadas na definição dos Estados sobre quem é o nacional, quem é o apátrida, e sobre qual apátrida pode residir legalmente em seus respectivos territórios, que propriamente na autonomia e agência das pessoas apátridas. Outros tiveram um raciocínio um pouco mais formalista e responderam que os Estados Unidos não violaram as Convenções sobre apatridia porque simplesmente não as ratificaram ou aderiram. O importante é que o filme aproximou o corpo discente da temática, e os encorajou a pesquisar mais, a saber mais sobre ela 4. Conclusão A emergência do Estado soberano, ressignificada pela distinção entre “eu” e “outro”, que faz surgir a figura do apátrida, daquele que é cidadão de lugar algum. Embora tratados a respeito da temática tenham sido aprovados na segunda metade do século XX, ainda há um grande número de apátridas no mundo. Como o cinema aproxima estudantes de Relações Internacionais e de Direito Internacional de objetos de estudo que muitas vezes estão distantes, optou-se por exibir o filme “O Terminal” para aproximá-los da temática da apatridia e fazê-los compreender melhor o que é ser um apátrida, o que é ter condições de sobrevivência, liberdade de locomoção e capacidade de exercício de direitos políticos negadas devido a um sistema internacional estadocêntrico. Ao final, depois de ler os trabalhos dos estudantes, percebi que, em sua maioria, os mesmos conseguiram enxergar, através do filme, quais são as dificuldades pelas quais um apátrida passa, quais falhas dos tratados internacionais permitem que a apatridia se perpetue. Também notei que o filme aguçou a curiosidade das minhas alunas e meus alunos acerca do tema, que pesquisaram mais a respeito em bases de dados de periódicos, não se contentando apenas com as leituras obrigatórias e leituras complementares que eu disponibilizei. Referências bibliográficas: ALMEIDA, Paula Wojcikiewicz. Direito Internacional e cinema: uma experiência didática. BADIN, Michelle Raton Sanchez; BRITO, Adriane Santis de; VENTURA, Deisy de Freitas Lima. Direito global e suas alternativas metodológicas. São Paulo: FGV Direito SP, 2016, p. 255-288. BATCHELOR, Carol A. Statelessness and the Problem of Resolving Nationality Status. International Journal of Refugee Law, V. 10, n° 1/2, 1998, p. 157-183. GODOY, Gabriel Gualano de. O direito do outro, o outro do direito: cidadania, refúgio e apatridia. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, Vol. 07, N. 15, 2016, p. 53-79. JUSTO, Nathália. O regime internacional de proteção às pessoas apátridas em dois momentos: contribuições para uma análise sobre a relação entre apatridia, cidadania e ordem internacional. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2012. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional – uma introdução. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2000. NEVES JÚNIOR, Edson José; ZANELLA, Christine Koheker. O cinema e a extensão em relações internacionais: métodos, trajetórias e resultados. Revista de Extensão da UFRGS, nº 13, outubro de 2016, p. 30-37. OTTONI, David Niemann; MENDES, Bárbara Fiuza. Perda do direito de nacionalidade: situação de apatridia criada pela emendaconstitucional de revisão nº 3/1994, e o exercício democrático do direito de voto pelos brasileiros residentes no exterior. Percurso Acadêmico, Belo Horizonte, V. 5, nº 9, jan./jun. 2015, p. 118-123. PAIXÃO, Cristiano. Cinema, direito e resgate histórico: a construção da memória in: NEUENSCHWANDER MAGALHÃES, Juliana; PIRES, Nádia; MENDES, Gabriel; CHAVES, Felipe; LIMA, Eric (orgs). Construindo memória: seminários direito e cinema 2006 e 2007. Rio de Janeiro: Faculdade Nacional de Direito, 2009, pp. 65-78. PARREIRA, Carolina Genovêz; SILVA, Nádia Teixeira Pires da. Os Apátridas à Luz de “O Terminal”. 2012. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/? cod=1134ac57b5b1d38b Acesso em: 14 fev. 2017. SPILBERG, Steven. O TERMINAL (The terminal), EUA, 128 min, 2004. http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1134ac57b5b1d38b http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1134ac57b5b1d38b TIBÚRCIO, Carmen. Nacionalidade à luz do Direito Internacional e brasileiro. Cosmopolitan Law Journal, v. 2, n. 1, jun. 2014, p. 131-167. UNHCR. UNCHR Global Trends. 2013. Avaiable at: http://www.unhcr.org/protection/statelessness/546e01319/statistics-stateless-persons.html. Acesso em: 3 jun. 2017. http://www.unhcr.org/protection/statelessness/546e01319/statistics-stateless-persons.html 6º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERNACONAIS Camila Soares Lippi
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