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COLEÇAO
sinopses
PARA CONCURSOS
s_OurdeilaÇa0
Leonardo Garcia
Rafael Barretto
DIREITOS
HUMANOS
INCLUI
• Questões de concursos públicos
• Quadros de ATENÇÃO com destaques importantes
• Farta jurisprudència do STF e do STJ
• Diuersas tabelas, quadros e outros elementos gráficos
para facilitar a memoripcão
• Palauras-chaue destacadas em negrito
39
.10a edição
Rt Cu oLuc,,Isdcla
e ampliada
1#1 EDITORA Ju.sPODIVM
www editorajuspodivm.com br
Rafael Barrett°
Pai de Maria.
Professor.
Escritor.
Aduogado licenciado.
Assessor especial do Procurador-Geral da
Republica.
Mestre em Direito.
Ex-Conselheiro da OAB-BA.
Ex-Diretor do Tribunal de Ética da OAB-BA.
Ex-Membro da Comissão de Estudos
Constitucionais da OAB-BA.
Instagram: professorrafaelbarretto
rafaelconstitucional@hotmail.com
www.rafaelbarretto.com.br
COLEÇÃO
sinopses
PARA CONCURSOS
Coordenação
Leonardo Garcia
Rafael Barretto
DIREITOS
HUMANOS
10 a edição
Reuista, atualijada
e ampliada
2021
I EDITORA
I I jusPODIVM
www.editorajuspodivm.com.br
I EDITORA JusPODIVM
www.editorajuspodivm.combr
Rua Canuto Saraiva, 131 - Mooca - CEP: 03113-010 - São Paulo - São Paulo
Tel: (11) 3582.5757
• Contato: https://www.edítorajuspodivm.com.br/sac
Copyright: Edições JusPODIVM
Diagramação: Ana Paula Lopes Corrêa (anínhaJopescorrea@hormaiLcom)
Capa: Ana Caquetti
ISBN: 978-65-5680-420-0
Todos os direitos desta edição reservados a EdiçõesJusPODIVM.
É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem
a expressa autorização do autor e das Edições JusPODIVM, A violação dos direitos autorais caracteriza crime
descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.
10.. ed., 2.. (ir.: jun./2021.
Coleção Sinopses
para Concursos
A Coleção Sinopses para Concursos tem por finalidade a preparação para concur-
sos públicos de modo prático, sistematizado e objetivo.
Foram separadas as principais matérias constantes nos editais e chamados
professores especializados em preparação de concursos a fim de elaborarem, de
forma didática, o material necessário para a aprovação em concursos.
Diferentemente de outras sinopses/resumos, preocupamo-nos em apresentar
ao leitor o entendimento do STF e do STJ sobre os principais pontos, além de abor-
dar temas tratados em manuais e livros mais densos. Assim, ao mesmo tempo que
o leitor encontrará um livro sistematizado e objetivo, também terá acesso a temas
atuais e entendimentos jurisprudenciais.
Dentro da metodologia que entendemos ser a mais apropriada para a prepa-
ração nas provas, demos destaques (em outra cor) às palavras-chaves, de modo a
facilitar não somente a visualização, mas, sobretudo, a compreensão do que é mais
importante dentro de cada matéria.
Quadros sinóticos, tabelas comparativas, esquemas e gráficos são uma cons-
tante da coleção, aumentando a compreensão e a memorização do leitor.
Contemplamos também questões das principais organizadoras de concursos
do país, como forma de mostrar ao leitor como o assunto foi cobrado em pro-
vas. Atualmente, essa "casadinha" é fundamental: conhecimento sistematizado da
matéria e como foi a sua abordagem nos concursos.
Esperamos que goste de mais esta inovação que a Editora Juspodivm apre-
senta.
Nosso objetivo é sempre o mesmo: otimizar o estudo para que você consiga
a aprovação desejada.
Bons estudos!
Leonardo Garcia
leonardo@leonardogarcia.com.br
www.leonardogarcia.com.br
Instagram: @professorleonardogarcia
Guia de leitura
da Coleção
A Coleção foi elaborada com a metodologia que entendemos ser a mais apro-
priada para a preparação de concursos.
Nesse contexto, a Coleção contempla:
• DOUTRINA OTIMIZADA PARA CONCURSOS
Além de cada autor abordar, de maneira sistematizada, os assuntos triviais
sobre cada matéria, são contemplados temas atuais, de suma importância para
uma boa preparação para as provas.
Ora, se em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias
excepcionais como justificação para a tortura, aparenta que a tortura
é uma prática vedada em toda e qualquer situação, havendo sim de
se lhe reconhecer um caráter absoluto.
Agora, atenção, o caráter absoluto desse direito é uma exceção
à regra da relativização dos direitos humanos e, de maneira geral,
não costuma ser explorada em provas objetivas de concurso, que
costumam afirmar a relatividade como característica dos direitos
humanos.
• ENTENDIMENTOS DO STF E STJ SOBRE OS PRINCIPAIS PONTOS
No Brasil, um dos mais importantes julgados do STF sobre o tema,
talvez o primeiro em que realmente se deu um destaque ao debate
da eficácia horizontal é o Recurso Extraordinário 201.819, no qual a
corte firmou posição que a exclusão de um sócio de uma entidade
associativa deve observar o devido processo legal.
8 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
• PALAVRAS-CHAVES EM OUTRA COR
As palavras mais importantes (palavras-chaves) são colocadas em outra cor
para que o leitor consiga visualizá-las e memorizá-las mais facilmente.
O procedimento para adoção de uma medida não convencional
é disciplinado pela Resolução 1503 do Conselho Econômico e Social
da ONU, e se inicia por uma petição, apresentada por qualquer indi-
víduo, à Comissão de Direitos Humanos da ONU, denunciando a vio-
lação sistemática de direitos.
• QUADROS, TABELAS COMPARATIVAS, ESQUEMAS E DESENHOS
Com essa técnica, o leitor sintetiza e memoriza mais facilmente os principais
assuntos tratados no livro.
Eixo
orientador
Diretrizes
Objetivos
estratégicos
Ações pro-
gramáticas
• QUESTÕES DE CONCURSOS NO DECORRER DO TEXTO
Por meio da seção "Como esse assunto foi cobrado em concurso?" é apresen-
tado ao leitor como as principais organizadoras de concurso do país cobram o
assunto nas provas.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 16° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "0 sistema interamericano de proteção dos direi-
tos humanos tem como principal instrumento a Convenção Americana de
Direitos Humanos, que estabelece a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte interamericana". Está correto!
Delimitação da proposta
da presente obra
A presente obra se propõe a abordar os Direitos Humanos numa perspectiva
de provas de concursos públicos, motivo pelo qual a abordagem e o conteúdo são
pautados nos temas que costumam ser abordados nos concursos públicos.
Nessa esteira, não houve preocupação em aprofundar os temas para além
daquilo que é cobrado nas provas; tampouco em indicar referências bibliográficas
e fazer citações doutrinárias.
Reitere-se: a proposta é, de maneira objetiva, enfrentar os temas cobrados em
provas e contribuir para que os leitores obtenham êxito nos concursos públicos.
O estudo dos Direitos Humanos comporta uma amplitude que vai além do
que foi aqui desenvolvido, abrangendo outros temas e verticalizando o conteúdo
desenvolvido; os que desejarem aprofundar o estudo sobre os Direitos Humanos
contem comigo nos estudos.
Estou à disposição em rafaelconstitucional@hotmail.com.
Considerações
sobre a 10a edição
AGRADEÇO a cada um dos leitores, que acolhem esta obra de maneira tão
generosa, e me impulsionam a aprimorar e ampliar o trabalho feito. Saibam que
as mensagens que recebi cobrando a nova edição quando o livro esgotou foram
importantes para a conclusão desta nova edição.
A atualização do livro desta vez representa para mim muita coisa além da
pesquisa, do estudo e da escrita, pois foi feita num período em que a humanidade
luta contra a pandemia de Covid, e múltiplas batalhas estão sendo enfrentadas
diariamente por milhões de pessoas, nas quais me incluo.
OBRIGADO DEUS por cuidar de mim e me permitir concluir a décima edição
deste livro!
Inseri questões novas, ampliei conteúdos que já existiam, e acrescentei con-
teúdos inéditos. Acrescentei uma abordagem sobre o controle deconvencionali-
dade e o duplo controle; atualizei os casos envolvendo o Brasil na Comissão e na
Corte Interamericana, comentando os casos de solução amistosa, os casos que
foram julgados e os novos que ainda estão em andamento; analisei precedentes
temáticos da Corte Interamericana e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos;
fiz acréscimos nas considerações sobre o sistema europeu de direitos humanos,
abordando os direitos humanos na União Europeia, abordando o Pilar Europeu dos
Direitos Sociais e um precedente temático da Corte de justiça da União Europeia.
Não deixem de ler a parte final do livro, na qual faço um convite especial que
pode transformar sua vida!
Espero que o livro possa contribuir com o aprendizado de cada leitor.
Tomem posse da graça de Deus, e não deixem a graça passar!
Prof. Rafael Barretto
www.rafaelbarretto.com.br
rafaelconstitucional@hotmail.com
Instagram: @professorrafaelbarretto
Videoaulas sobre
direitos humanos
Querido leitor,
Estou ministrando um curso completo com videoaulas online abordando o
conteúdo integral deste livro.
Assistir às videoaulas irá potencializar o conhecimento adquirido com a leitura
do livro, auxiliando a fixar ainda mais o conteúdo estudado.
As informações sobre as aulas estão em meu site pessoal.
Não deixe de conferir, pois irá te ajudar nos estudos!
Aguardo você lá nas videoaulas!
Tome posse da graça de Deus!
E não deixe a graça passar!
Prof. Rafael Barretto
www.rafaelbarretto.com.br
rafaelconstitucional@hotmail.com
Instagram: @professorrafaelbarretto
Sumário
Capítulo i TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS 25
1. 0 que são direitos humanos. Direitos humanos e direitos fundamentais 25
2. Centralidade dos direitos humanos. Por que direitos humanos são tão impor-
tantes? 27
3. Fundamentos dos direitos humanos 27
4. Institucionalização dos direitos humanos 28
5. Quais são os direitos humanos. Tipos de direitos 28
6. Direitos e garantias. Tipos de garantias 29
7. Características dos direitos humanos 31
7.1. Historicidade. A expansão dos direitos humanos. A proibição de retro-
cesso 31
7.2. Universalidade. A universalidade e o relativismo cultural. Multiculturalismo,
interculturalismo e universalismo de chegada. A hermenêutica diatópica. 34
7.3. Relatividade. A relativização de direitos e os direitos absolutos 37
7.4. Irrenunciabilidade. A não faculdade de dispor sobre a proteção da digni-
dade humana 38
7.5. Inalienabilidade 39
7.6. Imprescritibilidade 40
7.7. Unidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos 40
8. Evolução histórica dos direitos humanos. As gerações (ou dimensões) de direitos
humanos 41
8.1. As primeiras declarações de Direitos Humanos 41
8.1.1. As declarações inglesas 41
8.1.2. As declarações americanas 44
8.1.3. A declaração francesa 44
8.2. As gerações de direitos humanos 46
8.2.1. A P geração de direitos humanos 46
8.2.2. A 2. geração de direitos humanos 48
8.2.3. A 3. geração de direitos humanos 50
8.2.4. Quadro comparativo entre as 3 grandes gerações de direitos
humanos 51
8.2.5. Outras gerações de direitos humanos 52
8.2.6. Gerações ou dimensões de direitos humanos? 53
9. Eficácia vertical, horizontal, diagonal e vertical com repercussão lateral dos
direitos humanos 54
io. Limitação de direitos humanos 58
io.i. Primeiras observações 58
10.2. Limitação pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário
10.3. Teoria dos limites da limitação
59
59
16 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrette,
10.4. Proporcionalidade como limite à limitação de direitos 60
ii. Globalização e direitos humanos 61
Capítulo 2 I A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E OS DIREITOS HUMANOS 65
1. Inovações da CF 88 65
1.1. Dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado 65
1.2. Proteção da pessoa humana como objetivo fundamental do Estado 66
1.3. Prevalência dos direitos humanos como princípio regente das relações
internacionais 68
1.4. Positivação dos direitos e garantias fundamentais logo no início do texto
constitucional 69
1.5. Consagração da aplicação imediata das normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais 69
1.6. Abertura do catálogo de direitos e garantias fundamentais e reconhecimento
dos tratados internacionais de direitos humanos 70
1.7. Afirmação dos direitos sociais como verdadeiros direitos fundamentais 71
1.8. Qualificação dos direitos das pessoas como cláusula pétrea 71
1.9. Formação de um tribunal internacional dos direitos humanos 72
i.i.o. Quadro sinóptico das inovações da Constituição de 1988 73
i.n. Inovações da Emenda Constitucional 45/04 73
i.n.i. Alteração do status formal dos tratados de direitos humanos 73
1.11.2. Possibilidade de submissão ao Tribunal Penal internacional 73
1.11.3. Federalização dos casos de graves violações de direitos humanos,
ou incidente de deslocamento de competência para os órgãos
federais 74
2. Aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamen-
tais 84
3. Petrificação dos direitos 85
4. A declaração de direitos 86
5. A titularidade dos direitos e garantias 88
6. A Constituição e os tratados internacionais sobre direitos humanos 89
6.1. A partir de que momento os tratados internacionais sobre direitos humanos
são incorporados à ordem jurídica interna do Brasil, podendo ser aplicados
internamente? 90
6.1.i. Assinatura do Tratado e Aprovação legislativa. Unicidade e dupli-
cidade de vontade 91
6.1.2. Ratificação e depósito do tratado 93
6.1.3. (Des) Necessidade de promulgação do tratado na ordem interna
Monismo x Dualismo 94
6.1.4. E o Brasil, como fica? Monismo ou dualismo? 95
6.1.5. A aplicação dos tratados de direitos humanos na ordem interna
não dependeria da promulgação na ordem interna? 95
6.2. Os tratados são incorporados à ordem jurídica brasileira com que status
normativo, com que natureza jurídica? 97
6.2.1. As diferentes teses, a Emenda Constitucional 45/04 e a posição do
STF 98
Sumário 17
6.2.2. A natureza supralegal é somente para os tratados sobre direitos
humanos aprovados após a EC 45/04 ou também para os aprovados
antes dela? loo
6.2.3. Com a Emenda 45/04 todos os tratados sobre direitos humanos
passaram a ter status formalmente constitucional? ioi
6.2.4. A divergência doutrinária 105
6.2.5. A prisão civil do depositário infiel 107
6.2.6. Controle de convencionalidade. O duplo controle de validade no
Capítulo 3 I DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 115
1. 0 que é o direito internacional dos direitos humanos 115
2. Precedentes. O pós la Guerra 116
2.1. Direito Humanitário. O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho 116
2.1.1. Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Ver-
melho 116
2.1.2. 0 Comitê Internacional da Cruz Vermelha 117
2.1.3. As Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha 119
2.1.4. A Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Ver-
melho 119
2.2. Liga das Nações 120
2.3. Organização Internacional do Trabalho 120
3. 0 pós 2a Guerra. 0 surgimento da ONU e a criação do Tribunal de Nuremberg 121
3.1. 0 contexto da 2a Guerra 121
3.2. 0 Tribunal de Nuremberg 122
3.2.1. Tribunal de exceção e juízo natural 123
3.2.2. julgamento apenas dos alemães. E os crimes praticados por
aliados? 123
3.2.3. Legalidade e retroatividade penal 123
3.2.4. Penas de prisão perpétua e de morte por enforcamento 124
3.2.5. Justificativas para relativizar as garantias violadas 124
4. Sistemas jurídicos internacionais protetivos de direitos humanos. Sistema global
e sistemas regionais 125
4.1. Considerações preliminares 125
4.2. A Multiplicidade de sistemas e relacionamento entre os sistemas 126
4.3. Conflito entre sistemas. Aplicação da norma mais benéfica à pessoa hu-
mana 128
4.3.1. A audiência de custódia 129
5. Mecanismos convencionais e não convencionais 130
6. Convenções geraise convenções especiais (sistema geral e sistema especial)._ 132
7. Responsabilidade internacional dos estados em matéria de direitos humanos 133
8. Fiscalização do cumprimento das obrigações internacionais 134
8.1 Considerações iniciais 134
8.2. Órgãos fiscalizatórios 135
8.2.1. órgãos executivos 135
8.2.2. Órgãos jurisdicionais 136
18 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
8.2.3. Regra do esgotamento dos recursos internos. Caráter subsidiário
da atuação dos órgãos internacionais. Dever primário dos órgãos
internos de atuar em matéria de direitos humanos 137
8.2.4. Teoria da margem de apreciação nacional 139
8.3. Mecanismos de fiscalização 141
8.3.1. Relatórios 141
8.3.2. Denúncias (ou comunicações) interestatais 142
8.3.3. Denúncias (ou petições) individuais 143
8.3.4. Investigações mow proprio (de iniciativa própria) 144
8.4. Capacidade internacional dos indivíduos. 0 jus standi 144
9. 0 dever de adotar medidas internas e a natureza supraconstitucional do Direito
Internacional dos Direitos Humanos 146
Capítulo 4 > SISTEMA GLOBAL (OU UNIVERSAL) DE DIREITOS HUMANOS 149
1. A ONU. A Carta da ONU de 1945 149
2. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 150
2.1. Considerações preliminares 150
2.2. Conteúdo da Declaração. Tipos de direitos abrangidos 153
2.3. Natureza da Declaração: Tratado ou Resolução? 157
2.4. Afinal, a Declaração possui força jurídica? 158
3. A juridicização da declaração. Os dois pactos de 1966 159
4. Declaração Internacional de Direitos (International Bill of Rights). 0 sistema geral
da ONU 161
5. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos 161
5.1. Direitos reconhecidos 162
5.1.1. Direito à vida e pena de morte 163
5.1.2. Trabalho forçado 165
5.2. Aplicação Imediata 165
5.3. Suspensão das obrigações decorrentes do Pacto 166
5.4. Monitoramento 166
6. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 168
6.1. Direitos reconhecidos 169
6.2. Aplicação progressiva. Natureza programática do Pacto? 171
6.3. Monitoramento 172
6.4. Protocolo Facultativo 173
7. Outros instrumentos normativos 175
7.1. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação ra-
cial 176
7.2. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra
a mulher 179
7.3. Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desu-
manos ou degradantes 181
7.4. Convenção sobre os direitos da criança 188
7.5. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência 192
7.6. Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas 195
Sumário 19
7.7. Declaração de princípios de tolerância 196
7.8. Declaração do Milênio das Nações Unidas 197
7.9. Proteção Internacional dos Refugiados. Direito internacional dos direitos
humanos, direito humanitário e direito dos refugiados 199
7.10. Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Traba-
lhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 206
7.11. Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o
Desaparecimento Forçado 208
8. A Corte Internacional de Justiça 210
9. 0 Tribunal Penal Internacional (TPI) 211
9.1. 0 que é o Tribunal Penal Internacional 211
9.2. Precedentes históricos. Nuremberg, Tóquio, ex-Iugoslávia e Ruanda 212
9.3. Entrada em vigor do Estatuto do TPI 213
9.4. Adesão do Brasil ao Estatuto do TPI 214
9.5. Jurisdição sobre os indivíduos. Exclusão de jurisdição sobre menores de
18 anos 214
9.6. Complementaridade da Jurisdição do TPI 214
9.7. Crimes abrangidos pela jurisdição do TPI. Imprescritibilidade dos crimes 216
9.8. Competência ratione temporis 221
9.9. A irrelevância da função oficial exercida pelo Réu 222
9.10. Penas previstas 222
9.11. Conflito com o Direito interno dos Estados 223
9.12. A situação do Brasil 223
9.13. 0 primeiro caso julgado pelo TPI 225
io. Os procedimentos especiais previstos nas Resoluções 1235 e 1503 do Conselho
Econômico e Social 226
Capítulo 5 SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS 229
1. A OEA. Carta da OEA de 1948 229
2. Declaração Americana dos Direitos e Deveres Humanos 229
3. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa
Rica) 230
3.1. Direitos reconhecidos 231
3.1.1. Direito à vida e pena de morte 234
3.1.2. Direito à integridade pessoal 237
3.1.3. Trabalho forçado 238
3.1.4. Direito à liberdade pessoal 239
3.1.5. Garantias judiciais 240
3.2. Aplicação Imediata 241
3.3. Suspensão de garantias 242
3.4. Cláusula federal 242
3.5. Fiscalização (meios da proteção) 243
4. Protocolo de San Salvador 245
4.1. Direitos Reconhecidos 245
4.2. Aplicação progressiva 246
20 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett()
4.3. Meios de proteção 246
5. Outros Instrumentos Normativos 246
5.1. Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura 247
5.2. Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência
contra a mulher 248
5.3. Convenção Interamericana sobre desaparecimento forçado de pessoas 251
5.4. Convenção interamericana para a eliminação de todas as formas de dis-
criminação contra as pessoas portadoras de deficiência 252
5.5. Convenção dos direitos das pessoas idosas 253
6. Comissão Interamericana de Direitos Humanos 255
6.1. Organização 255
6.2. Funções 256
6.3. Competência (petições individuais e comunicações interestatais) 257
6.3.1. Requisitos de admissibilidade das petições e comunicações 260
6.3.2. Inadmissibilidade das petições e comunicações 262
6.4. 0 processo na Comissão 262
6.5. Medidas cautelares 264
6.6. Casos de solução amistosa 265
6.6.1. Caso José Pereira 265
6.6.2. Caso Meninos Emasculados do Maranhão 267
6.6.3. Caso Márcio Lapoente da Silveira 269
6.7. Casos sem solução amistosa que não foram submetidos à Corte. O caso
Maria da Penha 270
7. Corte Interamericana de Direitos Humanos 274
7.1. Composição 275
7.2. Ausência de impedimento pela nacionalidade. Direito a ter um juiz da
própria nacionalidade participando do julgamento do caso 277
7.3. Quórum de deliberação 277
7.4. Competência da Corte 278
7.4.1. Competência contenciosa 278
7.4.2. Competência consultiva 278
7.4.3. Natureza facultativa da competência da Corte. Cláusula ratione
temporis 280
7.5. Legitimidade para submeter casos à Corte. Participação obrigatória da
Comissão. A questão da legitimidade dos indivíduos 282
7.6. Defensores Públicos Interamericanos 286
7.7. 0 processo na Corte 288
7.8. As medidas provisórias adotadas pela Corte 289
7.9. A decisão final 290
7.10. Cumprimento das decisões da Corte. Execução das indenizações compen-
satórias. Desnecessidade de homologação por Tribunal brasileiro 292
7.11. Casos julgados pela Corte envolvendo o Brasil 294
7.11.1. Caso Ximenes Lopes, sentença de 4 de julho de 2006 294
7.11.2. Caso Nogueira de Carvalho, sentença de 28 de novembro de
2006 296
Sumário 21
7.11.3. Caso Escher, sentença de 6 de julho de 2009 296
7.11.4. Caso Garibaldi, sentença de 23 de setembro de 2009 296
7.11.5. Caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), sentença de 24 de
novembro de 2010 297
7.11.6. Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde 301
7.11.7. Caso Cosme Rosa Genoveva ou Caso Favela Nova Brasília 305
7.11.8. Caso Povo Indígena Xucuru 313
7.11.9. Caso Vladimir Herzog e outros 317
7.11.10. Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus
e seus familiares 323
7.11.11. Caso Barbosa de Souza e outros 326
7.11.12. Caso Gabriel Sales Pimenta 328
7.12. Precedentes temáticos da Corte 330
7.12.1. Obrigação de adotar medidas de direito interno 330
7.12.2. Controle de convencionalidade 331
7.12.3. Interseccionalidade. Caso "Gonzales Lluy e outros vs. Equador" 332
7.12.4. Direito à vida 335
7.12.4.1. 0 que significa concepção, para fins deproteção da
convenção Americana de direitos humanos? Caso "Artavia
Murillo e outros (Fertilização in Vitro) vs. Costa Rica" 335
7.12.4.2. Pena de morte. Ampliação dos casos na legislação na-
cional. Opinião Consultiva n. 3. 338
7.12.5. Direito à verdade 339
7.12.6. Identidade de gênero e orientação sexual 340
7.12.6.1. Opinião Consultiva n. 24 341
7.12.6.2. Caso "Azul Rojas Marín e outra Vs. Perú" 343
7.12.7. Liberdade de expressão. Caso "Tristán Dono Vs. Panamá" 344
7.12.8 Meio ambiente. Opinião Consultiva n. 23 346
7.12.9. Asilo. Opinião Consultiva n. 25 348
7.12.10. Índios. Direito às suas terras. Caso comunidade indígena Xákmok
Kásek vs. Paraguai 350
8. Leis de anistia e o dever dos estados de investigar, julgar e punir 353
8.1. Considerações iniciais. Distinção entre anistia, graça e indulto 353
8.2. Autoanistia e anistia bilateral 353
8.3. A lei de anistia brasileira e a decisão do STF na ADPF 153 354
8.4. O dever de investigar e a anistia na visão dos órgãos internacionais 356
8.5. 0 que deve prevalecer: a decisão do STF ou a decisão da Corte Interame-
ricana? A percepção de que os Tribunais nacionais não dão mais "a última
palavra" em matéria de direitos humanos 360
Capítulo 6 I OUTROS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS 363
1. Sistema Europeu de Direitos Humanos 363
1.1. Considerações iniciais. Sistema europeu, Conselho da Europa e União
Europeia 363
1.2. O Conselho da Europa 364
22 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
1.3. A Comissão de Veneza 364
1.4. A Convenção Europeia de Direitos Humanos 365
1.5. Direitos sociais no sistema europeu. A Carta Social Europeia 366
1.6. 0 Tribunal Europeu de Direitos Humanos 368
1.7. Precedentes temáticos do Tribunal Europeu de Direitos Humanos 370
1.7.1. Liberdade de expressão e negação do holocausto. Caso Udo Pastõrs
vs Alemanha 370
1.7.2. Liberdade de expressão e apologia contra homossexuais. Caso
Vedjeland vs Suécia. 371
1.7.3. Liberdade de expressão artística x Liberdade religiosa - Caso
Wingrove vs Reino Unido, 1996 372
1.7.4. Discriminação racial e liberdade de imprensa. Caso Jersild vs
Dinamarca, 1994 374
1.7.5. Pluralismo político e perseguição política. Caso Navalny vs Rus-
sia 375
1.8. Direitos Humanos na União Europeia 376
1.8.1. Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia 377
1.8.2. Pilar Europeu dos Direitos Sociais 378
1.8.3. Precedente temático da Corte de Justiça da União Europeia. Direi-
to ao esquecimento. Caso Google Spain vs AEPD e Mario Costela
González 380
2. Sistema Africano de Direitos Humanos 381
2.1. A União Africana e a antiga Organização da Unidade Africana 381
2.2. A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos 381
2.3. A Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos 381
2.4. 0 Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos 382
3. Direitos humanos na Ásia 382
4. Direitos humanos no Mercosul 383
4.1. Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e a Proteção
dos Direitos Humanos do Mercosul 383
4.2. Declaração Sociolaboral do Mercosul 384
4.3. Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos do Mercosul 385
Capítulo 7 I A ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA E ALGUNS DIREITOS HUMANOS 389
1. Direitos políticos 389
1.1. Sufrágio, voto, plebiscito, referendo e iniciativa popular 389
1.2. Alistamento eleitoral e capacidade eleitoral ativa 391
1.3. Condições de elegibilidade 392
1.4. lnelegibilidades 392
1.5. Cassação, perda e suspensão de direitos políticos 394
1.6. Anterioridade da lei que alterar o processo eleitoral 395
2. Direito à saúde 395
3. Assistência social 399
3.1. A garantia de um salário mínimo de benefício mensal 402
4. Portadores de transtornos mentais 403
Sumário 23
4.1. Considerações iniciais 403
4.2. Direitos reconhecidos 404
4.3. Responsabilidade do Estado com os portadores de transtornos mentais 405
4.4. Internação psiquiátrica da pessoa portadora de transtorno mental 405
4.5. Pesquisas científicas com pessoas portadoras de transtornos mentais 408
5. Portadores de deficiência 408
6. Igualdade racial 414
6.1. Considerações iniciais 414
6.2. Conceitos operacionais 415
6.3. Diretrizes da participação da população negra 417
6.4. Os direitos fundamentais da população negra 418
6.5. Sistema Nacional de Promoção de Igualdade Racial (SINAPIR) 420
6.6. Discriminação étnica, fiscalização e acesso à justiça 420
7. Programa Nacional de Direitos Humanos 421
7.1. Considerações iniciais 421
7.2. Eixos orientadores e diretrizes 422
7.3. Prazo de implementação das medidas do PNDH 3 426
7.4. Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH 3 426
8. Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e Conselho Nacional dos
Direitos Humanos 427
9. 0 ministério Público e a defesa dos direitos humanos 432
lo. A Defensoria Pública e a defesa dos direitos humanos 433
10.1. Missão constitucional da Defensoria Pública 433
10.2. Princípios institucionais da Defensoria Pública 436
10.3. Defensorias Públicas previstas na Constituição 436
10.4. Autonomia das Defensorias Públicas 437
10.5. Organização das Defensorias Públicas 438
10.6. Garantias dos Defensores Públicos 439
10.7. Defensores Públicos Interamericanos 440
10.8. Defensoria Pública e Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura 440
11. Comissão nacional da verdade 441
12. Proteção dos idosos 447
Palavras finals I UM CONVITE MUITO ESPECIAL DO AUTOR 453
Capítulo
Teoria geral dos
direitos humanos
1. 0 QUE SÃO DIREITOS HUMANOS. DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
É possível definir direitos humanos como conjunto de direitos que materiali-
zam a dignidade humana; direitos básicos, imprescindíveis para a concretização
da dignidade humana.
Ocorre que essa definição também pode ser aplicada à expressão "direitos
fundamentais", que igualmente são direitos imprescindíveis para materialização
da dignidade humana, daí cabendo perquirir se haveria alguma diferença entre
direitos fundamentais e direitos humanos.
Pode-se dizer que, ontologicamente, inexiste diferença, pois ambos designam,
em suas essências, direitos que materializam a dignidade da pessoa humana.
Entretanto, é possível indicar uma diferenciação quanto ao plano de posi-
tivação.
A expressão "direitos fundamentais" é utilizada para referir-se aos direitos
positivados na ordem jurídica interna do Estado, enquanto a expressão "direitos
humanos" costuma ser adotada para identificar os direitos positivados na ordem
internacional.
Ilustrativamente, veja-se que a Constituição brasileira, ao mencionar os direi-
tos nela positivados, se refere aos "Direitos e Garantias Fundamentais" (Título II da
Constituição) e, de outro modo, ao se referir aos direitos previstos em tratados
internacionais utiliza a expressão "direitos humanos" (CF, art. 50, §
Importante:
A diferença entre os direitos humanos e os direitos fundamentais reside
no plano de positivação, sendo os direitos humanos positivados em
documentos internacionais e os direitos fundamentais positivados na
ordem jurídica interna de cada Estado.
26 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público de Santa Catarina 2016 trouxe a seguinte
proposição:
Conceitualmente, os direitos humanos são os direitos protegidos
pela ordem internacional contra as violações e arbitrariedades que
um Estado possa cometer às pessoas sujeitas à sua jurisdição. Por
sua vez, os direitos fundamentais são afetos à proteção interna dos
direitos dos cidadãos, os quais encontram-se positivados nos textos
constitucionais contemporâneos.
Está correto!
Já a prova de juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição:
A doutrina é unânime em reconhecer que a expressão direitos
humanos é sinônima da expressão direitos fundamentais, inexis-
tíndo distinção entre os termos.Está errado!
Vista a distinção entre as expressões, é possível questionar se existe direito
humano que não seja direito fundamental e vice-versa.
A resposta a esse questionamento é "sim", pois existe a possibilidade de
haver um direito reconhecido num tratado internacional que não esteja previsto
na ordem jurídica interna do Estado, ou o inverso.
É o caso, por exemplo, do direito do preso de ser submetido à presença física
do juiz após o ato de prisão, direito previsto nas convenções internacionais, mas
não previsto na constituição brasileira, que consagra o direito do preso de ter
a prisão comunicada ao juiz, não lhe assegurando o direito de ser conduzido à
presença física do juiz, e que gerou, aqui no Brasil, o surgimento da audiência
de custódia, tema que abordaremos de maneira detalhada mais adiante aqui
na obra, quando abordarmos o relacionamento entre os sistemas protetivos de
direitos humanos e o princípio da aplicação da norma mais benéfica.
De todo modo, é importante destacar que a existência de um direito huma-
nos que não seja direito fundamental, ou o inverso, é uma situação pontual,
pois, em linhas gerais, a quase totalidade dos direitos reconhecidos em tra-
tados internacionais também encontram positivação nas constituições e leis
nacionais.
Em exemplo, a liberdade de expressão está positivada na constituição brasi-
leira, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos
Direitos Civis e políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sendo,
portanto, um direito humano e um direito fundamental.
Cap. i• Teoria geral dos direitos humanos 27
Importante:
é possível haver direito humano que não seja direito fundamental e
haver direito fundamental que não seja direito humano, mas, na maio-
ria das vezes, existe coincidência, pois muitos dos direitos consagra-
dos nas constituições encontram positivação, outrossim, nos tratados
internacionais.
2. CENTRALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS. POR QUE DIREITOS HUMANOS SÃO TÃO IM-
PORTANTES?
Os direitos humanos constituem ponto central nos Estados Constitucionais,
sendo inerentes à ideia de Estado Democrático de Direito, e a razão disso é simples.
Um Estado no qual as pessoas não tenham liberdades básicas reconhecidas é
um Estado arbitrário e, como bem demonstra a História, onde há arbitrariedade
estatal, não há vida harmônica em sociedade, mas temor, perseguição e desres-
peito ao ser humano.
Paz social somente é possível em Estados cuja ordem jurídica limite o poder e
proclame direitos humanos, permitindo às pessoas o pleno desenvolvimento da
dignidade e a busca da felicidade, e, justamente por isso, os Estados Democráticos
proclamam a dignidade humana e afirmam direitos fundamentais.
Nessa esteira, o Estado Brasileiro, proclamado Estado Democrático de Direito
(CF, art. io, caput) adota a dignidade humana como um dos seus fundamentos,
como se verifica logo no primeiro artigo da Constituição (art. lo, Ill, da CF), o que
sinaliza o compromisso do Estado com a afirmação dos direitos humanos.
3. FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS
A definição de uma fundamentação para os direitos humanos busca identificar
qual seria a razão de ser desses direitos, a base filosófica de validade deles.
Em linhas gerais, busca-se responder ao seguinte questionamento: por que
esses direitos devem ser validados e respeitados? Qual o amparo filosófico que
os legitima?
A resposta a esse questionamento é objeto de variadas teses doutrinárias,
que, em linhas gerais, alinham-se em três perspectivas: fundamentação religiosa,
positivista e jusnaturalista.
Sob uma fundamentação religiosa, o respeito aos direitos humanos decorre de
um mandamento divino e nesse ponto vale recordar que, até a Idade Moderna,
a justificativa ética que servia de fundamento ao próprio Direito repousava na
divindade (teorias do direito divino) e, nessa esteira, a fundamentação dos direitos
humanos igualmente repousaria em um mandamento de Deus.
28 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Sob uma fundamentação positivista, a validade dos direitos humanos decorre-
ria do seu reconhecimento enquanto normas de Direito Positivo, isto é, de direito
posto, positivado, validamente posto pelo Estado como normas vigentes.
já sob uma fundamentação jusnaturalista, os direitos humanos extrairiam vali-
dade de uma ordem natural própria das coisas, de um Direito natural, de base
moral, que antecede ao próprio direito positivo.
É possível afirmar que, no curso da História, todas essas teses já foram ado-
tadas e todas tiveram sua importância no processo de afirmação dos direitos
humanos, mas cabe destacar que, inegavelmente os direitos humanos possuem
uma fundamentação filosófica próxima do Direito Natural.
Isso porque a ideia de que todo ser humano tem "direito a ter direitos", tem
direito a ter liberdades básicas, que materializem sua dignidade humana, é uma
ideia básica, inerente à ordem natural das coisas.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa proposição: "o
reconhecimento dos direitos humanos teve como um dos seus fundamentos
filosóficos o movimento denominado "jusnaturalismo". Está correto.
4. INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
A institucionalização dos direitos humanos consiste no reconhecimento desses
direitos como direitos positivados, institucionalizados pelo Estado, reconhecidos
no ordenamento jurídico do Estado como autênticos direitos positivos, e, não,
apenas como pretensões de ordem moral, de cunho naturalista filosófico.
A institucionalização dos direitos humanos decorre de um verdadeiro pro-
cesso, no qual pretensões humanas inicialmente tidas como meras reivindicações
de ordem moral passam a ter seu reconhecimento pelo Estado como direitos
positivos, positivados.
Pode-se afirmar que muitos dos direitos humanos hoje reconhecidos começa-
ram no processo histórico como meras pretensões de ordem moral das pessoas
e foi preciso uma longa caminhada até que houvesse o reconhecimento enquanto
direito positivo, isto é, até que ocorresse a positivação.
Veja-se o exemplo do direito à liberdade: durante longo período da Histó-
ria adotou-se a prática da escravidão em relação a milhares de pessoas, cujo
reconhecimento da liberdade não passava, à essa época, de mera pretensão de
ordem moral.
5. QUAIS SÃO OS DIREITOS HUMANOS. TIPOS DE DIREITOS
A relação de direitos humanos é ampla, pois vários são os direitos que mate-
rializam a dignidade humana, como vida, liberdade, igualdade, saúde, educação,
acesso à cultura, proteção ao ambiente e tantos outros.
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 29
Didaticamente, pode-se agrupar os diversos direitos da seguinte maneira:
• Direitos civis
• Direitos políticos
• Direitos sociais
• Direitos econômicos
• Direitos culturais
• Direitos difusos
Direitos civis são os direitos relacionados às liberdades civis básicas do cida-
dão, como, por exemplo, o direito à liberdade de expressão.
Direitos políticos são direitos de participação política, direitos de participação
na vida do Estado, como o direito de sufrágio.
Direitos sociais são direitos relacionados com a intervenção do Estado no
plano social, como saúde e educação.
Direitos econômico são direitos relacionados com a relação capital-trabalho,
como os direitos do trabalhador.
Direitos culturais são os direitos relacionados às práticas culturais, como o
direito e livre manifestação cultural.
Direitos difusos são direitos de titularidade difusa, atinentes à humanidade
como um todo, como o direito ao meio ambiente.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Pernambuco 2018 trouxe essa proposi-
ção: "Os direitos civis referem-se à possibilidade de participação do indi-
víduo no processo eleitoral de sua sociedade.". Está errado, pois essa
definição se refere a direitos políticos.
A mesma prova trouxe ainda aseguinte proposição: "A participação do
cidadão no governo é característica dos direitos políticos e o seu exercício
consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar par-
tidos, de votar e de ser votado.". Está correto.
Como será visto adiante, esses "tipos" de direitos estão agrupados em gera-
ções: os civis e políticos integram a primeira geração; os sociais, econômicos e
culturais a segunda geração; e os difusos a terceira geração. Como dito, falaremos
sobre isso adiante.
6. DIREITOS E GARANTIAS. TIPOS DE GARANTIAS
Direitos e garantias podem ser diferenciados, pois direitos representa bem em
si, atrelados ao valor nele existente, enquanto que garantias representam bens de
30 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
caráter instrumental, bens que estão atrelados a outro valor, visando protegê-los,
se podendo dizer que as garantias são instrumentos de proteção de direitos.
I Importante:
Direitos são bens em si mesmo; garantias são bens de caráter instrumen-
tal. A liberdade de locomoção é um direito e o habeas corpus é uma
garantia desse direito.
Em exemplo, a liberdade de locomoção é um bem em si, constituindo, pois,
um direito, ao passo que o habeas corpus é um instrumento de proteção desse
direito, sendo, portanto, uma garantia da liberdade de locomoção.
Para identificar se determinado bem consagrado na Constituição é um direito
ou uma garantia basta perscrutar se é um bem em si ou se é um instrumento de
proteção de outro bem; se for um bem em si é direito, se for instrumento de pro-
teção de outro bem é garantia.
A inviolabilidade de domicílio, por exemplo, é uma garantia, pois o que se pro-
tege não é a casa das pessoas, mas a privacidade delas; é dizer, visando proteger
o direito à privacidade das pessoas, a norma constitucional (art. 50, XI, da CF) torna
o domicílio inviolável.
Bem por isso, o STF entende que a noção de domicílio extraída do art. 5., XI,
da CF abrange qualquer unidade de habitação na qual a pessoa esteja reserva-
damente, ainda que se trate de habitação temporária ou coletiva, como hotéis
e pensionatos, e, também, o local onde a pessoa exerce, reservadamente, sua
atividade profissional, eis que, em todas essas situações, a pessoa se encontra
em sua privacidade.
As garantias podem ser subdivididas, doutrinariamente, em garantias da cons-
tituição, garantias institucionais e garantias de direitos subjetivos.
As garantias da constituição são instrumentos de defesa da constituição e da
ordem constitucional, que visam preservar a supremacia da constituição e a norma-
lidade constitucional, podendo ser citadas como exemplo a rigidez constitucional, a
jurisdição constitucional e os mecanismos de legalidade extraordinária (estados de
defesa e sítio).
As garantias institucionais constituem instrumentos de proteção de Instituições,
que visam assegurar o livre funcionamento de Instituições, a exemplo da autono-
mia administrativa e financeira do Poder judiciário, da imunidade processual penal
do Presidente da República e das imunidades parlamentares.
As garantias de direitos subjetivos são instrumentos de proteção de direitos
subjetivos, que visam torná-los concretamente efetivos, cabendo destacar que o
reconhecimento de direitos poderia se tornar inócuo se não houvessem mecanis-
mos aptos a protegê-los de situações arbitrárias.
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 31
Algumas das garantias de direitos subjetivos possuem feição típica de ação
processual e, bem por isso, são conhecidas como ações constitucionais. São o
habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção
e a ação popular.
O habeas corpus é uma garantia do direito à liberdade de locomoção; o
habeas data, do direito à liberdade de informação de caráter pessoal; o mandado
de segurança, de direitos em geral; o mandado de injunção, de direitos inviabi-
lizados por falta de regulamentação; a ação popular, do direito de proteção ao
patrimônio público.
7. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS
Os direitos possuem características diferentes, mas se costuma indicar, no
plano de uma teoria geral, características que seriam inerentes aos direitos huma-
nos como um todo.
Essas características gerais são:
• Historicidade;
• Universalidade;
• Relatividade;
• Irrenunciabilidade;
• Inalienabilidade;
• Imprescritibilidade;
• Unidade, indivisibilidade e interdependência.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Acre de 2008 trouxe a seguinte proposi-
ção: "Sao características dos direitos humanos a universalidade, a historici-
dade e a indivisibilidade". Está correto!
Vejamos em seguida cada uma dessas características.
7.1. Historicidade. A expansão dos direitos humanos. A proibição de retrocesso
A historicidade é, já dizia Bobbio, na clássica obra "A Era dos Direitos", talvez a
mais marcante característica dos direitos humanos.
Ela significa que os direitos humanos são frutos do processo histórico; resultam
de uma longa caminhada histórica, marcada muitas vezes por lutas, sofrimento e
violação da dignidade humana.
Os direitos humanos que hoje estão reconhecidos não surgiram "do nada", a
partir de uma concessão de algum governante ou de um ser divino, senão que
32 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
resultaram de lutas da humanidade no processo histórico, muitas vezes indo de
encontro justamente à vontade dos governantes.
Essa característica denota ainda que os direitos humanos não surgiram todos
ao mesmo tempo, mas, sim, gradativamente, em diferentes momentos históricos.
Em outras palavras, em cada momento da História, determinados direitos foram
reconhecidos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2°09 trouxe a seguinte propo-
sição: "Os direitos fundamentais surgem todos de uma vez, não se originam
de processo histórico paulatino". Evidente que a proposição está errada!
Direitos foram reconhecidos no momento histórico no qual surgiram condições
para que passassem a ser reconhecidos, é dizer, no momento em que se tornou
possível que determinada aspiração social deixasse de ser uma mera aspiração e
passasse a ser reconhecida como um direito.
Ilustrando, o direito ao ambiente não foi reconhecido no século XVIII, junta-
mente com os direitos liberais, mas apenas no século XX, e isso porque as con-
dições sociais para o reconhecimento desse direito só surgiram no século XX; no
século XVIII proteção ao ambiente não integrava a pauta de reivindicações sociais.
I Importante:
Os direitos humanos não surgiram todos ao mesmo tempo; surgiram
gradativamente ao longo dos anos, é dizer, em cada período da História
determinados direitos foram sendo institucionalizados.
A compreensão de que os direitos humanos são direitos históricos refuta
a tese de que seriam direitos naturais, decorrentes da própria natureza das
coisas, de uma autoridade moral superior, como já se chegou a defender no
período das revoluções liberais.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Acre 2008 trouxe a seguinte proposição:
"São características dos direitos humanos serem direitos naturais, emana-
dos de autoridade superior". Está errado!
O que é natural é atemporal, a-histórico, sempre existiu, "sempre esteve lá",
como acontece com os eventos e forças da natureza, mas não é isso que ocorre
com os direitos humanos, que não "estiveram sempre lá", senão que foram sendo
reconhecidos gradativamente ao passar dos anos, com muita luta da Humanidade.
Deve ser recordado que, no curso da História, pessoas foram torturadas,
escravizadas, mulheres não puderam votar etc. e somente com muita luta e com
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 33
o passar dos anos tais condutas, e outras tantas, foram abolidas, de modo que as
pretensões de respeito ao ser humano foram sendo convertidas em direitos, não
naturais, mas, sim, positivos, positivados,conquistados.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Acre de 2008 trouxe a seguinte propo-
sição: "São características dos direitos humanos sua atemporalidade em
relação à historicidade de cada nação". Está errado!
De todo modo, é de reconhecerque a concepção de direitos humanos como direi-
tos naturais, apesar de equivocada, teve importância histórica, pois serviu de base
filosófica para as revoluções liberais, que levaram à queda do absolutismo, repre-
sentando, talvez, o primeiro passo na caminhada da afirmação dos direitos humanos.
Aspecto importante da historicidade dos direitos humanos é que ela é expan-
siva, o que significa dizer que a caminhada histórica é sempre no sentido de reco-
nhecer novos direitos e ampliar a proteção à pessoa, não se admitindo suprimir
direitos já reconhecidos na ordem jurídica, pois isso configuraria um retrocesso.
A compreensão de que não seria possível suprimir direitos, sob pena de retro-
ceder, é objeto da tese da PROIBIÇÃO DE RETROCESSO, também identificada na dou-
trina como PROIBIÇÃO DE EVOLUÇÃO REACIONÁRIA e EFEITO CLIQUET, segundo a qual
suprimir direitos já incorporados ao patrimônio jurídico da Humanidade corres-
ponderia a um retrocesso na afirmação da dignidade humana.
Em exemplo, suprimir a proibição de tortura equivaleria a ignorar os sofrimen-
tos que a Humanidade passou até que essa prática fosse vedada, restaurando
uma situação abominável, que atingiu inúmeras pessoas durante a história, o que
configuraria um retrocesso em termos de proteção à dignidade humana.
I Importante:
Pela tese da PROIBIÇÃO DE RETROCESSO não há de se admitir a supressão
de direitos já reconhecidos na ordem jurídica, pois isso configuraria um
retrocesso em detrimento da dignidade humana.
I ATENÇÃO:
A proibição de retrocesso é identificada na doutrina, outrossim como
princípio da proibição de evolução reacionária e como efeito cliquet.
Como foi cobrado em concurso:
A prova do Ministério Público do Paraná 2019 trouxe a seguinte propo-
sição: Os direitos humanos caracterizam-se pela existência da proibição de
retrocesso, também chamada de "efeito cliquet". Está correto!
34 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
Cabe observar que a proibição de retrocesso obsta a supressão de direitos,
mas não impede que sejam feitas restrições a direitos, e até mesmo que medidas
estatais já adotadas sejam restringidas, eis que, de uma maneira geral, os direitos
comportam limitações.
1 Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 25° Concurso de Procurador da República trouxe a seguinte
proposição: O princípio da proibição de retrocesso veda qualquer restrição
de políticas públicas que jd tenham concretizados direitos sociais constitu-
cionalmente positivados. Está errado!
7.2. Universalidade. A universalidade e o relativismo cultural. Multiculturalismo,
interculturalismo e universalismo de chegada. A hermenêutica diatópica
A universalidade dos direitos humanos deve ser compreendida em dois
sentidos.
Um no sentido de que esses direitos se destinam a todas as pessoas sem
qualquer tipo de discriminação, de qualquer ordem que seja.
Direitos universais no sentido de direitos de todos os seres humanos, pouco
importando a etnia, a opção religiosa, sexual etc., exatamente como afirmado na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 1948.
Outro no sentido de abrangência territorial universal, de validade em todos
os lugares do mundo, de validade universal, cosmopolita, de inexistência de limi-
tações territoriais à proteção da dignidade humana. É dizer, direito válidos em
qualquer lugar do planeta, direitos pertencentes a uma sociedade mundial.
Nesse segundo sentido, o respeito aos direitos humanos deixa de ser apenas
uma questão interna de cada Estado com seus nacionais e atinge o patamar de uma
temcítica mundial, que demanda atuação da comunidade internacional, refletindo
um novo paradigma, com o surgimento de documentos internacionais protetivos
de direitos humanos.
1 Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de zoo9 trouxe a seguinte pro-
posição: "0 princípio da universalidade impede que determinados valores
sejam protegidos em documentos internacionais dirigidos a todos os paí-
ses". Está errado!
A universalidade pode ser ilustrada na Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos, da ONU, de 1948, que enuncia direitos comuns a todos os homens pela simples
condição humana, sem nenhuma discriminação, e afirma que todos os seres huma-
nos integram uma família única - a família humanidade -, merecedora de respeito
e dignidade em todos os lugares.
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 35
Importante:
a universalidade passa a ideia de direitos comuns ao ser humano
sem nenhuma discriminação e, ainda, de dever de proteção como
algo comum ao mundo inteiro, havendo a existência de uma família
humanidade. Tudo isso é ilustrado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
A concepção universalista dos direitos humanos confronta-se com a tese do
relativism° cultural, sendo preciso analisar até que ponto as vicissitudes culturais
de cada País seriam um entrave à afirmação da validade universal dos direitos
humanos.
De modo a ilustrar, confronte-se o movimento cada vez mais expansivo de
afirmação de direitos das mulheres com as práticas culturais de alguns países que
restringem sensivelmente a liberdade feminina, não reconhecendo às mulheres
o exercício de direitos políticos, lhe impondo o uso obrigatório de determinadas
vestimentas, dentre outras limitações.
Considerando o reconhecimento da liberdade feminina como um direito uni-
versal, como se posicionar diante das condutas de tais Estados?
Essas condutas seriam inválidas por violarem a ordem jurídica universal dos
direitos humanos? A comunidade internacional poderia intervir num Estado que
adote essas práticas para assegurar a efetivação dos direitos das mulheres?
Mas, por outro lado, tais condutas não constituem práticas culturais da socie-
dade na qual são admitidas? Assegurar às mulheres a liberdade de se vestir livre-
mente num País cuja cultura é de mulheres usarem determinadas vestimentas não
configuraria uma grave violação à sedimentação cultural desse povo?
A questão põe em conflito valores fundamentais, pois, se por um lado é obvio
que a liberdade feminina deve ser assegurada, por outro as práticas culturais de
uma sociedade também precisam ser preservadas.
O embate entre o relativismo cultural e universalidade dos direitos humanos
passa pela dificuldade de afirmar uma concepção de sociedade que seja universal,
com os mesmos padrões culturais, ainda que mínimos, eis que cada sociedade
apresenta suas idiossincrasias, e isso há de ser respeitado, observando-se a auto-
determinação dos povos.
Em decorrência da multiculturalidade existente no mundo, a noção de univer-
salidade dos direitos humanos deve ser construída partir de uma perspectiva
interculturalista, mediante o diálogo entre as diferentes segmentações culturais.
Esse diálogo interculturalista deve ser promovido conjugando os diferentes
topói, ou seja, os diferentes pontos de vista, de modo que a busca da universali-
dade deve se valer de uma hermenêutica diatópica (diatópica: diálogo de topóis;
36 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
noção que vem da Tópica; Tópica: arte grega de pensar o problema, bem desen-
volvida por Theodor Viewheg)
Nesse contexto, a noção de universalidade deve ser uma universalidade de
chegada e, não, uma universalidade de partida, a indicar que a noção de universa-
lidade não deve ser construída ex ante, como se posta antes do diálogo intercul-
tural, senão que deve resultar do produto desse diálogo, significando o ponto de
convergência do diálogo.
> ATENÇÃO:
A noção de universalidade deve ser construída diatopicamente a partir
de uma perspectiva interculturalista, de modo que a universalidade não
seja umauniversalidade partida, mas uma universalidade de chegada.
Das mais importantes questões nesse debate sobre o relativismo cultural é
definir até que ponto o relativismo pode justificar práticas internas que, sob a
ótica internacional, sejam lesivas aos direitos humanos.
Em linhas gerais, prevalece a ideia de forte proteção aos direitos humanos e
fraco relativismo cultural, no sentido de que variações culturais não justificam a
violação de direitos humanos.
I Importante:
Prevalece a ideia de forte proteção aos direitos humanos e fraco relati-
vismo cultural, concepção que afirma que o relativismo cultural não pode
ser ignorado, mas que não pode ser defendido ao ponto de legitimar
violações a direitos humanos.
Reforça essa ideia o fato de que diversos Países que adotam ou adotaram
práticas lesivas a direitos humanos aderiram à ONU e às convenções internacio-
nais sobre direitos humanos, se obrigando a rever as medidas internas que sejam
incompatíveis com as obrigações internacionais.
Nessa esteira, práticas culturais internas de um Estado não mais justificam a
violação de direitos humanos, mormente se o Estado estiver filiado à ONU e for
signatário de convenções internacionais sobre direitos humanos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública da União de 2010 trouxe a seguinte propo-
sição: "Os documentos das Nações Unidas que tratam dos direitos políticos
das mulheres determinam que elas devem ter, em condições de igualdade,
o mesmo direito que os homens de ocupar e exercer todos os postos e
todas as funções públicas, admitidas as restrições que a cultura e a legisla-
ção nacionais imponham". A proposição está errada, pois a cultura nacio-
nal não pode restringir os direitos das mulheres.
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 37
Enfim, cabe uma reflexão no sentido de que a universalidade dos direitos
humanos pode ser compreendida em termos de universalidade da ideia de proteção
e respeito à pessoa humana e, não, na afirmação universal de um determinado direito.
Dito de outra forma, o que se deve entender por universal é a ideia de que o ser
humano é titular de um conjunto de direitos, independentemente das vicissitudes de
cada Estado, e, não, a ideia de que o direito "x", "y" ou "z" tem que se reconhe-
cido em todos os Estados.
Essa concepção torna admissível que determinados direitos sejam reconhe-
cidos em alguns Estados, mas não em outros, mas reputa imperioso que todos os
Estados afirmem a proteção das pessoas, reconheçam a elas a titularidade de um
conjunto de direitos e tornem essa realidade efetiva.
Nesses termos, a universalidade dos direitos humanos seria compreendida,
em verdade, como universalidade da ideia de que toda pessoa é titular de determi-
nados direitos, sendo merecedora de consideração e respeito pela ordem jurídica
do Estado.
7.3. Relatividade. A relativização de direitos e os direitos absolutos
A característica da relatividade passa a ideia de que os direitos humanos podem
sofrer limitações, podem ser relativizados, não se afirmando como absolutos.
A ideia de relativização dos direitos humanos surge da necessidade de ade-
quá-los a outros valores coexistentes na ordem jurídica, mormente quando se
entrechocam, surgindo a necessidade de relativizar e harmonizar os bens jurídicos
em colisão.
Em exemplo, o direito à liberdade de expressão pode ser relativizado para se
harmonizar com a proteção da vida privada, não se admitindo que o esse direito
seja exercido de modo a ofender a imagem de alguém.
O próprio direito à vida, que é pressuposto para exercer os demais direitos,
pode ser relativizado nos casos de legítima defesa ou de pena de morte, essa
última apenas nos países que admitem tal prática.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "É característica marcante o fato de os direitos fundamentais serem
absolutos, no sentido de que eles devem sempre prevalecer, independen-
temente da existência de outros direitos, segundo a máxima do "tudo ou
nada". Está errado!
De todo modo, não obstante os direitos sejam, de uma maneira geral, rela-
tivizáveis, há sim direitos de caráter absoluto, como, por exemplo, os direitos à
38 Direitos Humanos - vol. 39 • Rafael Barretto
proibição de tortura e proibição de escravidão, não aparentando possível admitir
restrições a tais direitos.
Quanto à proibição de tortura, veja-se o que consta do art. 20 da "Convenção
Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradan-
tes", da ONU:
Artigo 20
1. Cada Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administra-
tivo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de
tortura em qualquer território sob sua jurisdição.
2. Em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais, como
ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer
outra emergência pública, como justificação para a tortura.
3. A ordem de um funcionário superior ou de uma autoridade pública não
poderá ser invocada como justificação para a tortura.
Ora, se em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais como
justificação para a tortura, a tortura é uma prática vedada em toda e qualquer
situação, havendo de se lhe reconhecer um caráter absoluto.
Agora, atenção, o reconhecimento do caráter absoluto de alguns direitos é
uma exceção à regra da relativização dos direitos humanos e, de maneira geral,
essa compreensão não costuma ser explorado nas provas objetivas, de modo que,
se uma questão de prova objetiva trouxer que os direitos humanos são relativos
o candidato deve ter a proposição como certa.
Importante:
De uma maneira geral, as provas costumam afirmar que os direitos
humanos são relativos, e isso está certo! A ideia de direitos de caráter
absoluto é uma exceção à regra e deve ser trabalhada numa prova
discursiva ou oral. Se uma questão de prova objetiva trouxer que os
direitos humanos são relativos a proposição estará CORRETA!!!
7.4. Irrenunciabilidade. A não faculdade de dispor sobre a proteção da digni-
dade humana
A irrenunciabilidade transmite a mensagem que as pessoas não têm poder de
dispor sobre a proteção à sua dignidade, não possuindo a faculdade de renunciar à
proteção inerente à dignidade humana.
Essa característica materializa a compreensão de que a simples pertença ao
gênero humano torna a pessoa titular de direitos e merecedora de considera-
ção e respeito, não sendo possível renunciar à dignidade inerente à condição
humana.
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 39
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "A irrenunciabilidade dos direitos fundamentais não destaca o fato
de que estes se vinculam ao gênero humano". Está errado!
Da irrenunciabilidade decorre que eventual manifestação de vontade da pes-
soa em abdicar de sua dignidade não terá valor jurídico, sendo reputada nula.
Exemplo emblemático disso é o famoso caso francês do "arremesso de anões",
espécie de "entretenimento" outrora adotado em bares franceses, consistente em
arremessar anões em direção a uma "pista" de colchões, como se fossem dardos
humanos.
No caso, as pessoas se reuniam nos bares para disputar torneios de "arre-
messo de anões", ganhando a disputa aquele que conseguisse arremessar o anão
mais longe na "pista de colchões".
Na cidade francesa de Morsang-sur-Orge, a Prefeitura proibiu a prática, inter-
ditando um bar que promovia as disputas, e o caso foi parar na justiça, chegando
até o Conselho de Estado, instancia máxima da justiça administrativa francesa, e o
órgão entendeu adequada a postura do poder público.
O grande detalhe é que a interdição foi questionada por iniciativa de um anão,
que alegava que a prática representava, para ele, uma forma de trabalho, impor-
tante paraa sua sobrevivência, e que a ordem jurídica francesa tutelava o direito
ao trabalho.
O anão chegou a levar o caso até o Comitê de Direitos Humanos da ONU, que
concordou com a decisão da justiça francesa, afirmando que a prática violaria a
dignidade da pessoa humana.
A irrenunciabilidade dos direitos humanos suscita importantes discussões
envolvendo o direito à vida, como eutanásia, aborto e a recusa em receber trans-
fusão de sangue, e isso costuma ser questionado em provas discursivas e orais.
O questionamento base é o seguinte: se a vida é irrenunciável, como validar
eutanásia e aborto? Havendo risco de morte, a manifestação de vontade da pes-
soa em não aceitar a transfusão de sangue deve ser considerada?
A resposta a essas perguntas passa pela compreensão da relatividade dos
direitos humanos e da necessidade de harmonizá-los com outros valores; deve ser
ponderado que, apesar de irrenunciáveis, os direitos humanos podem ser relativi-
zados num caso concreto ante a necessidade de harmonizá-los com outros valores.
7.5. lnalienabilidade
A inalienabilidade significa que os direitos humanos não são objeto de comér-
cio e, portanto, não podem ser alienados.
40 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Realmente, a dignidade pessoa humana não é um valor econômico, não é
negociável, mas, a bem da verdade, há sim direitos comercializáveis e o exemplo
típico é o direito de propriedade.
7.6. Imprescritibilidade
A imprescritibilidade quer dizer que a pretensão de respeito e concretização
de direitos humanos não se esgota pelo passar dos anos, podendo ser exigida a
qualquer momento.
Dito de outra forma, o decurso do tempo não atinge a pretensão de respeito
aos direitos que materializam a dignidade humana.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí trouxe a seguinte proposição:
"A imprescritibilidade dos direitos fundamentais vincula-se à sua proteção
contra o decurso do tempo". Está correto!
A imprescritibilidade dos direitos humanos não deve ser confundida com
a prescritibilidade da reparação econômica decorrente da violação de direitos
humanos. Trata-se de situações distintas, pretensões diversas.
Uma coisa é a pretensão de respeito aos direitos humanos, de não violação ao
direito; outra é a pretensão de reparação do dano causado pela violação de um
direito, essa sim submetida a prazo prescricional.
I Importante:
A imprescritibilidade da pretensão de respeito aos direitos humanos não
se confunde com a prescritibilidade da pretensão de reparação oriunda
da violação ao direito.
Nessa esteira, pode-se exigir, a qualquer momento, que cesse uma situação
de lesão a direitos humanos, mas, de outro modo, a reparação econômica decor-
rente da lesão gerada haverá de se submeter aos prazos prescricionais previstos
na legislação.
7.7. Unidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos
A unidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos quer
dizer que os direitos humanos devem ser compreendidos como um conjunto, como
um bloco único, indivisível e interdependente de direitos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
Na prova da Defensoria Pública da União zolo foi cobrada a seguinte pro-
posição: Os direitos humanos são indivisíveis, como expresso na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a qual englobou os direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais. A proposição está correta!
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 41
Essa compreensão afasta a ideia de que haveria hierarquia entre os direitos,
como se uns fossem superiores aos outros, e propõe que todos os direitos são exi-
gíveis, por serem todos importantes para a materialização da dignidade humana.
Até houve quem sustentasse que os direitos liberais seriam superiores aos
direitos sociais e, por isso, somente eles seriam verdadeiramente fundamentais
e exigíveis, mas essa tese foi afastada pela compreensão da unidade, indivisibili-
dade e interdependência dos direitos humanos.
Assim, ainda haja diferença entre os direitos, não haverá superioridade, sendo
todos igualmente exigíveis e importantes à materialização da dignidade humana.
8. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS. AS GERAÇÕES (OU DIMENSÕES) DE
DIREITOS HUMANOS
Como já dissemos, os direitos humanos resultam de um longo processo histó-
rico tendo sido reconhecidos, gradativamente, em diferentes períodos da História
da humanidade.
Até se chegasse ao cenário atual, com declarações internacionais de direitos
humanos, válidas universalmente, houve uma longa caminhada, que se inicia num
período histórico em que ainda vigia o regime da monarquia absolutista.
Vejamos em seguida alguns aspectos sobre isso.
8.1. As primeiras declarações de Direitos Humanos
A doutrina converge no sentido de que as primeiras declarações de direitos
humanos remontam à Inglaterra, aos Estados Unidos e à França.
Nessa esteira, o processo histórico de afirmação dos direitos humanos está
relacionado com as experiências políticas inglesa, americana e francesa.
Na Inglaterra e na França a superação da monarquia absolutista e a implanta-
ção de um governo com poderes limitados, reconhecendo as liberdades básicas
do povo, é o contexto no qual surgem as declarações.
Já nos Estados Unidos, o surgimento das declarações está atrelado ao pro-
cesso histórico de Independência e formação do Estado Federal americano.
Vejamos em seguida algumas observações sobre essas declarações.
8.1.1. As declarações inglesas
Foi na Inglaterra que surgiram as primeiras declarações de direitos. Primeiro
a Magna Carta (1215), advindo depois a Petition of rights (1628), o Habeas Corpus Act
(1679) e o Bill of rights (1689).
A Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem »barmen at barones
pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Magna Carta das liberdades
42 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da Igreja
e do reino Inglês) foi assinada em 15 de junho de 1215 pelo rei João, conhecido
como João Sem-Terra, perante o alto clero e os barões do reino inglês.
Escrita em latim, a Magna Carta não buscou verdadeiramente afirmar liberdades
básicas ao povo inglês, como ocorre com as declarações de direitos atuais; antes,
buscou proclamar certos privilégios de barões feudais da época e reconhecer liber-
dades da Igreja ante o rei.
À época, o rei e os barões feudais vinham se desentendendo, de modo que os
barões começaram a questionar o poder soberano do monarca.
Demais, o rei entrou em conflito com a Igreja Católica, ao recusar uma indica-
ção feita pelo Papa para o cargo de Arcebispo da Cantuária, o que levou a Ingla-
terra a ser submetida a uma sentença de interdição pela Igreja, até que o rei se
submetesse à indicação.
No contexto desses conflitos surgiu a Magna Carta, como um documento que
visou apaziguar a discórdia que imperava à época e mediante o qual o rei pas-
sou a reconhecer limites ao exercício de seu poder, proclamando privilégios aos
barões e a liberdade da Igreja.
O contexto dos conflitos é reconhecido no próprio texto da Carta, como se
extrai do art. 61, que proclama "E visto que nós, para a honra de Deus e aperfeiçoa-
mento do nosso reino, e para a melhor solução da discórdia surgida entre nós e os
nossos barões, concedemos todas as coisas acima...".
A liberdade da Igreja aparece logo no primeiro artigo, que proclama "...que a
igreja da Inglaterra será livre e gozará dos seus direitos na sua integridade e da invio-
labilidade das suas liberdades; e é nossa vontade que assim se cumpra;".
Apesar de não ter sido direcionada ao povo inglês como um todo, a impor-
tância da Magna Carta no processo histórico de afirmação dos direitos humanos é
inegável, pois ela consagrou, pela primeira vez na História, a limitação institucional
dos poderes do rei, e o seu texto proclamou situações que são a base de direitos e
garantiasatualmente reconhecidos a todos, como a limitação ao poder de tributar
do Estado, a liberdade de ingresso e saída do território do Estado, o devido pro-
cesso legal, entre outros.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
Na prova da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul 2018 foi cobrada a
seguinte proposição: Em relação à evolução histórica do regime internacio-
nal de proteção dos direitos humanos, considere que a Magna Carta (i215)
contribuiu para a afirmação de que todo poder político deve ser legalmente
limitado. A proposição está correta!
A limitação institucional dos poderes do rei, evidenciada na Magna Carta, veio
a ser fortalecida com o surgimento da Petition of rights (Petição de Direitos), de 07
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 43
de junho de 1628, que, basicamente, visou estender aos súditos do rei direitos que
já tinham sido proclamados na Magna Carta, como o reconhecimento de limitações
ao poder de taxar e de um devido processo legal.
Posteriormente, em 1679, o Habeas Corpus Act (lei do habeas corpus) consa-
grou o habeas corpus como mecanismo processual de proteção à liberdade dos
indivíduos, notadamente em face de prisões arbitrárias.
Cabe destacar que a proteção judicial contra prisões arbitrárias não surgiu
apenas com o Habeas Corpus Act; já existia desde muito antes, encontrando raízes
na própria Magna Carta, o que o Act fez foi trazer a consagração do mecanismo
processual especificamente voltado à tutela da liberdade do indivíduo, fortale-
cendo a garantia outrora já existente.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
Na prova da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul 2018 foi cobrada a
seguinte proposição: Em relação à evolução histórica do regime internacio-
nal de proteção dos direitos humanos, considere que o Habeas Corpus Act
(1679) criou regras processuais para o habeas corpus e robusteceu a já
conhecida garantia. A proposição está correta!
Enfim, em 1689, no contexto da Revolução Gloriosa, veio o Bill of rights
(Declaração de Direitos), declaração que consagra a supremacia do Parlamento
ante a Coroa, pondo termo à monarquia absolutista e instaurando o regime
da monarquia constitucional, e que proclama alguns direitos fundamentais do
povo inglês.
Conquanto tenha afirmado alguns direitos dos indivíduos, o objetivo maior
do Bill os rights foi consagrar a independência e supremacia do Parlamento
inglês ante a coroa, foi reconhecer o Parlamento como órgão encarregado de
defender os súditos perante o rei e cujo funcionamento não ficaria ao arbítrio
do monarca.
A Declaração consagrou eleições livres para o Parlamento e previu que os
discursos pronunciados nos debates do Parlamento não deveriam ser examinados
senão por ele mesmo, aí prevendo o instituto da imunidade material dos parla-
mentares.
Demais, submeteu ao Parlamento atribuições importantes, como legislar e
cobrar impostos, tendo sido previsto "que é ilegal toda cobrança de impostos para
a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e
modo diferentes dos designados por ele próprio."
Sob certa perspectiva, se pode afirmar que o Bill of rights institucionalizou a
separação de poderes, que viria a ser teorizada por Montesquieu anos depois,
na clássica obra Espírito da, e, demais, consagrou ao Poder Legislativo aquilo que
atualmente a doutrina denomina garantias institucionais, que já estudamos aqui
na obra.
44 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
8.1.2. As declarações americanas
Como foi dito, o surgimento de declarações de direitos nos Estados Unidos
está atrelado ao processo histórico de independência americana.
Primeiramente houve a Declaração de direitos do bom povo da Virgínia, de 16 de
junho de 1776, formulada pelos representantes do povo da Virgínia, que era uma
das 13 colônias inglesas na América.
Essa Declaração proclamou direitos que hoje são universalmente reconhecidos.
Logo no primeiro artigo é consagrado
"Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes,
e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de socie-
dade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e
que São: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir
a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança."
Demais, foi previsto, dentre outras coisas, que os homens são igualmente
livres e independentes e possuem certos direitos inatos, que todo poder é ine-
rente ao povo e dele precede, que o governo é instituído para proveito comum,
proteção e segurança do povo, e que os poderes legislativo, executivo e judiciário
do Estado devam estar separados.
Pouco após à Declaração de Virginia veio a Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América, proclamada em 04 de julho de 1776.
Elaborada por Thomas Jefferson, que se inspirou principalmente na filosofia de
John Locke, a Declaração de Independência não foi propriamente uma declaração
de direitos, mas deu inegável contribuição ao processo histórico de afirmação
dos direitos humanos, pois reconheceu a existência de direitos inalienáveis dos
homens como uma verdade evidente por si mesma.
Logo no início da Declaração ficou registrado que "Consideramos estas verda-
des como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados
pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade
e a procura da felicidade".
Alguns anos depois, em 1787, foi promulgada a Constituição dos Estados Uni-
dos da América, que não previu originariamente uma declaração de direitos (bill of
rights), o que só veio a ocorrer em 1791, com a aprovação das io primeiras emen-
das à constituição americana, proclamando direitos fundamentais.
8.1.3. A declaração francesa
Após as declarações inglesas e americanas, foi proclamada na França, em 26
de agosto de 1789, no contexto da Revolução francesa, a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, que serviu de referencial para o resto do mundo ocidental.
Como historicamente reconhecido, a Revolução Francesa deixou para o mundo
um legado na afirmação das liberdades fundamentais.
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 45
Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, defendidos pelos revolucioná-
rios franceses, são apontados como a base axiológica e representativa dos direi-
tos humanos.
Pois é no contexto de superação da opressão absolutista à época existente
na França que veio a surgir a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em
26 de agosto de 1789, pouco após o advento da tomada da Bastilha, que é um dos
mais significativos eventos da Revolução.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe a seguinte proposição:
"as primeiras declarações de direitos humanos incluem a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, na França, com a Queda da Bastilha no
século XIX". Está errado por mencionar que isso ocorreu no século XIX,
quando, em verdade, foi no século XVIII.
A Declaração francesa tem como característica marcante o aspecto universa-
lista, generalista, no sentido de ter sido direcionada ao ser humano em geral, de
todos os tempos e de todas as nações, e nisso ela se diferenciou das declarações
inglesas e americanas.
É que, enquanto os ingleses buscavam o reconhecimento de direitos para o
povo inglês e os americanos estavam centrados em sua independência, os france-
ses buscaram afirmar princípios de liberdade vcílidos a todos os povos, universais,
como se eles, revolucionários franceses, estivessem a proclamar um mundo novo,
de liberdades, aplicável a todas as nações.
I ATENÇÃO:
A Declaração francesa tem como característica marcante o aspecto uni-
versalista, generalista e nisso se diferenciou das declarações inglesas
e americanas.
Nos próprios debates da Assembleia Nacional Francesa sobre a redação da
Declaração afirmou-se que os direitos seriam de todos os tempose de todas as
nações, direitos não para a França, mas para o homem em geral.
E, decerto, os ideais da Revolução francesa se propagaram por outros conti-
nentes, para além das fronteiras da Europa, de modo que os direitos afirmados
na declaração da Revolução vieram a ser outrossim reconhecidos posteriormente
em outros Países.
A Declaração proclama, essencialmente, direitos civis e políticos - daí a refe-
rência ao homem (direitos civis) e ao cidadão (direitos políticos) -, os quais estão
reconhecidos hoje na grande maioria dos Estados Constitucionais, como o Brasil.
A importância histórica dessa declaração é incomensurável; como bem afirma
Fábio lionder Comparato (A afirmação histórica dos direitos humanos. Editora
46 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Saraiva), ela representa o atestado de óbito do Antigo Regime, formado pelas
monarquias absolutistas e pelos privilégios feudais, e inaugura o Estado liberal de
Direito, pautado na afirmação de liberdades civis e políticas da sociedade.
8.2. As gerações de direitos humanos
A expressão geração de direitos representa um conjunto de direitos institucio-
nalizados num determinado momento histórico, com características similares e um
valor comum.
Nessa esteira, quando se reflete sobre determinada geração, é preciso identi-
ficar quais seriam os direitos daquela geração, qual o momento histórico, quais as
características e qual o valor específico daquela geração.
Não há consenso quanto ao número de gerações - havendo quem fale em 3, 4
e até 5 -, mas existe entendimento pacífico sobre as 3 primeiras gerações, que, em
linhas gerais podem ser assim identificadas
• la Geração: —> direitos da liberdade, direitos civis e políticos
• 2a Geração: —> direitos da igualdade, direitos sociais, econômicos e culturais.
• 3a Geração: -÷ direitos da fraternidade, direitos difusos, dos povos, da
humanidade (consumidor, ambiente, desenvolvimento)
Os próximos itens discorrerão sobre isso.
8.2.1. A 1. geração de direitos humanos
A la geração de direitos humanos compreende os direitos civis e políticos,
ditos direitos do liberdade, que surgiram com as revoluções liberais e a transição
do Estado Absolutista para o Estado Liberal de Direito, tendo como referenciais
jurídico-positivo a Constituição Americana, de 1787 e a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, da França.
No período do absolutismo monárquico a grande maioria das pessoas não
titularizava direito algum, sendo mero objeto de dominação e opressão estatal,
fruto do poder despótico de Reis que se afirmavam representantes de Deus na
Terra (teorias do direito divino).
A reação ao absolutismo político, pautada nas teorias liberais e contratualistas,
em especial na doutrina de Locke e de Rousseau, culminou com as revoluções libe-
rais na Inglaterra e na França e resultou no surgimento um novo modelo de Estado,
no qual seriam reconhecidas ao povo liberdades básicas, de natureza civil e política.
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Trabalho de 2012 trouxe a seguinte
proposição: Direitos de primeira geração são direitos que resultaram da
influência do socialismo, voltados ao bem-estar social, como o direito ao
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 47
trabalho, à saúde e à educação. Está errado! Os direitos de primeira gera-
ção resultaram da influência do liberalismo; os direitos mencionados
nessa proposição seriam os de segunda geração.
Os acontecimentos históricos que marcam a primeira geração são a Revolução
Gloriosa, na Inglaterra, em 1688; o processo de Independência dos Estados Unidos
da América, em 1776; e, principalmente, a Revolução Francesa, de 1789.
Historicamente, a proclamação de direitos principia pela Inglaterra, com a
"Magna Carta", de 1215, o "Habeas Corpus Act", de 1679 e o "Bill of Rights", de 1689,
todos muito antes das Declarações Americanas de 1p6 (Declaração de Direitos
da Virginia e Declaração de Independência dos Estados Unidos), e da Declaração
Francesa de 1789 (Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão), mas foi a expe-
riência francesa que "impulsionou" o mundo ocidental no sentido da afirmação dos
direitos liberais.
A experiência inglesa, mesmo tendo sido pioneira, ficou muito circunscrita ao
contexto da Inglaterra; de modo diverso, a Revolução Francesa teve contornos
"mundialistas" e serviu de modelo para a implantação do modelo liberal em
outros Países.
Como dito, os principais referenciais teóricos dessa geração são John Locke,
com a obra "Segundo Tratado sobre o governo" e Jean-Jacques Rousseau, com a obra
"0 Contrato Social", que afirmaram, cada a qual ao seu modo, a existência de direitos
naturais dos homens que não estavam sendo respeitados por existirem governos
arbitrários.
A tese dos direitos naturais impulsionou as revoluções liberais, que provocaram a
queda do Estado Absolutista e a implantação do Estado de liberal de Direito, com uma
proposta jurídico-filosófica de afirmação das liberdades do indivíduo em detrimento
do poder do Estado.
Nessa perspectiva, os direitos foram proclamados como verdadeiros limites
negativos à atuação do Estado, que não poderia intervir na esfera da liberdade
das pessoas.
Bem por isso, é comum afirmar que a característica básica dos direitos de pri-
meira geração é o fato de serem direitos negativos, no sentido de negarem a inter-
venção estatal, de serem exercidos contra o Estado.
É o que ocorre, p. ex., com as liberdades de expressão e de reunião, que são
exercidas independentemente de anuência do Estado.
Mas, em verdade, não são todos os direitos de primeira geração que se apre-
sentam como direitos negativos.
Os direitos civis realmente investem as pessoas no poder de negar a atuação
do Estado, mas os direitos políticos não; de modo diverso, os direitos políticos
48 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrette
investem as pessoas no poder de participar ativamente da vida política estatal.
Não se trata de reconhecer que as pessoas podem negar uma atuação estatal, mas
que elas possuem direito de participar do processo político.
A bem da verdade, direitos civis e políticos estão em diferentes pianos na
relação entre o indivíduo e o Estado; os primeiros situam-se no plano negativo e
os segundos no plano de participação.
Essa compreensão se alinha com a teoria dos quatro status desenvolvida por
George Jellinek sobre a relação entre o indivíduo e o Estado, segundo a qual o
indivíduo pode se apresentar diante do Estado em quatro posições (status), com
condutas e direitos diferentes, que são as seguintes:
• Status negativo: direito de exigir uma abstenção do Estado, de negar a
intervenção do Estado;
• Status positivo: direito de exigir uma atuação positiva do Estado, uma inter-
venção prestacional;
• Status ativo: direito de participar ativamente da vida do Estado, de se inse-
rir nas tomadas de decisão do Estado;
• Status passivo: situação de sujeição ao poder do Estado, de subordinação
a medidas que decorrem do império estatal.
Visto desse jeito, os direitos civis se enquadram no status negativo enquanto
os direitos políticos se enquadram no status ativo, refletindo posições diferentes
do indivíduo em relação ao Estado.
Para fins de prova, essa compreensão deve ser vista com cautela, pois, de uma
maneira geral, provas objetivas reputam correta a afirmação de que os direitos de
primeira geração são direitos negativos.
Por isso, ainda que se compreenda que nem todos os direitos de primeira
geração são direitos negativos, numa prova objetiva, uma proposição afirmando
que os direitos de primeira geração são direitos negativos provavelmente será
reputada correta.
I Importante:
Provas objetivas enunciam que os direitos de primeira geração são direi-
tos negativos e isso tem sido reputado CORRETO. A compreensão de, em
verdade, nem todos os direitos de primeira geração são direitos negati-
vos deve ser desenvolvida especialmente emprovas discursivas e orais.
8.2.2. A 2. geração de direitos humanos
A 2a geração de direitos humanos compreende os direitos da igualdade, que
são os direitos sociais, econômicos e culturais, fruto da transição do Estado Liberal
para o Estado Social.
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 49
Eles representam, principalmente, uma reação ao quadro social que se dese-
nhou durante o Estado liberal, em que alguns poucos concentravam a riqueza a
grande maioria vivia excluída de condições materiais mínimas.
A não intervenção do Estado no plano econômico, típica ao liberalismo, dei-
xando a economia livre, regida pela "mão invisível do mercado", segundo a lógica
do laisse faire laisse passer, propiciou aos detentores de capital uma extensão da
riqueza que já possuíam, mas excluiu a maioria do acesso à riqueza, gerando um
quadro socioeconômico extremamente desigual.
A verdade é que as promessas do Estado liberal, de liberdade, igualdade e
fraternidade, só se mostraram acessíveis aos detentores de capital, excluindo a
grande maioria da população e, isso, naturalmente, começou a gerar questiona-
mentos, que desaguaram na transformação da fisionomia do Estado, que dora-
vante passou a assumir uma feição social, intervencionista.
Esses direitos retratam um momento histórico no qual se reclamava a neces-
sidade de o Estado intervir no domínio econômico e distribuir riqueza por via
da prestação de determinados serviços essenciais, como saúde e educação,
que não eram acessíveis a toda à população, mas somente àqueles que tinham
condições econômicas.
A característica básica dos direitos da segunda geração é o fato de serem
direitos positivos, de natureza prestacional, no sentido de obrigarem o Estado a
atuar positivamente, intervindo no domínio econômico e prestando políticas públi-
cas de caráter social, visando implementar um bem estar social.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública de Amazonas 2018 trouxe a seguinte pro-
posição: Os Direitos Humanos de segunda geração ou dimensão, dada a sua
natureza prestacional, exigem uma atuação positiva do Estado para a sua
efetivação. Está correto!
A prova da Defensoria Pública de Pernambuco 2018 trouxe a seguinte
proposição: "Os direitos sociais garantem a liberdade e independem da
participação do Estado para sua consecução".
Está errado, eis que a efetivação dos direitos sociais depende da parti-
cipação positiva do Estado!
A prova do Ministério Público do Trabalho de 2012 trouxe a seguinte
proposição: Os direitos sociais destinam-se a propiciar aos indivíduos a
participação no bem-estar social, apresentando uma dimensão positiva,
que enseja o dever do Estado de propiciar estes direitos, não apenas de
abster-se de intervir. Está correto!
Os acontecimentos históricos que marcam essa geração são a Revolução Mexi-
cana, de 1910, e, principalmente, a Revolução Russa, de 1917, que levou à implantação
do Estado Socialista na Rússia e impactou profundamente o cenário político mundial.
50 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Os grandes referenciais teóricos são a "Encíclica Rerum Novarum sobre a con-
dição dos opercírios", da Igreja Católica, escrita pelo Papa Leão XIII em 1891, e o
"Manifesto do Partido Comunista", escrito por Karl Marx e Friedrich Engels em 1848,
documentos que afirmaram, cada qual a seu modo, a necessidade de uma maior
atenção estatal ao cenário social e uma melhor distribuição de riquezas.
Os referenciais jurídico-positivo são a Constituição Mexicana de 1917, talvez a
primeira no mundo a proclamar direitos sociais, e, principalmente, a Constituição
alemã de 1919, conhecida como Constituição de Weimar, em referência à cidade na
qual foi elaborada, que serviu de modelo para diversas constituições no mundo,
inclusive a brasileira de 1934.
Como esse assunto foi cobrado em prova?
A prova de Juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição:
Os direitos humanos de segunda dimensão colocam em perspectiva
os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos
coletivos, sendo a Constituição de Weimar a primeira carta política
a reconhecê-los.
Está errado pelo fato de que, antes da constituição alemã de Weimar, a
Constituição Mexicana de 1917 proclamou direitos sociais.
8.2.3. A 3. geração de direitos humanos
A 3a geração de direitos humanos é fruto do pós 2. guerra Mundial e com-
preende os direitos da fraternidade ou solidariedade, que são os direitos difusos,
dos povos, da humanidade, tendo como exemplos os direitos ao desenvolvimento,
ao ambiente e da proteção ao consumidor.
O ponto central da compreensão desses direitos não reside na posição do
Estado em relação ao indivíduo, mas na maneira pela qual se compreende o ser
humano em relação aos seus semelhantes.
Bem por isso, sua característica central não estará relacionada com o papel
do Estado, mas sim com o fato de serem direitos reconhecidos ao homem pela
mera condição humana, direitos pertencentes à Humanidade, independente de
qualquer condicionamento quanto à origem, etnia, sexo ou qualquer outro fator
que configure uma discriminação.
Essa geração visa afirmar uma visão fraternal e solidária da humanidade, uma
visão de mundo isenta de qualquer tipo de preconceito e, em certa perspectiva,
ela traz uma proteção especial às minorias.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte pro-
posição: Os Direitos Humanos de segundo geração ou dimensão estão
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 51
relacionados à ideia de solidariedade ou fraternidade, da mesma forma
como os direitos de primeira geração ou dimensão estão amparados na
ideia de liberdade.
Está errado, pois os direitos que se relacionam com a ideia de solidarie-
dade ou fraternidade são os direitos de terceira.
A prova de Juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição:
Os direitos de terceira dimensão são direitos transindividuais que
extrapolam os interesses do indivíduo, focados na proteção do
gênero humano. Evidencia-se nesse contexto a ideia de humanismo
e universalidade.
Está correto!
O acontecimento histórico que marca essa geração é o pós Segunda Guerra Mun-
dial, em especial o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945.
Após a segunda guerra, a maneira de compreender os direitos humanos muda
totalmente no cenário internacional; antes, os direitos eram tratados como ques-
tões internas de cada Estado, de cada governo com seus cidadãos; após, passam
a ser tratados como questão universal, inerente ao ser humano, numa perspectiva
global, cosmopolita.
Não há um referencial teórico específico, pois a defesa de uma nova visão de
mundo, centrada na ideia de proteção universal e solidária da Humanidade, foi
feita de uma maneira geral e por muitos, podendo ser considerada um ponto de
consenso nas discussões daquela época.
O grande marco jurídico é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada
pela Assembleia Geral da ONU em 1948, que é, certamente, o documento matriz do
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
8.2.4. Quadro comparativo entre as 3 grandes gerações de direitos humanos
Valor central
la geração
Liberdade
2a geração 3a geração
Fraternidade Igualdade
Direitos Civis e políticos Sociais, econômicos e
culturais
Difusos, da Huma-
nidade, dos povos
(direitos ao ambiente
ao desenvolvimento
e de proteção ao
consumidor)
52 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
la geração 2a geração 3a geração
Característica
Direitos negativos,
contra-estatais, que
negam a atuação do
Estado, que impõem
uma abstenção do
Estado
Direitos positivos, pres-
tacionais, que exigem
do Estado intervenção
no domínio econômico
e prestação de políti-
cas públicas
Direitos de todos os
homens indistinta-
mente, afirmação da
proteção universal do
homem
Referencial
Histórico
Revolução Gloriosa
na Inglaterra,
IndependênciaAme-
ricana e Revolução
Francesa
Revolução Mexicana e
Revolução Russa
Pós 2. Guerra
Mundial e
o surgimento
da ONU
Referencial
Teórico
Segundo Tratado
sobre o governo,
de John Locke, e
O Contrato Social,
de Jean-Jacques
Rousseau
Encíclica Rerum Nova-
rum sobre a condição
dos opercírios, escrita
pelo Papa Leão XIII
em 1891 e Manifesto
do Partido Comunista,
escrito por Karl Marx e
Friedrich Engels
-
Referencial
Jurídico
Constituição Amen-
cana de 1787, Decla-
ração Francesa dos
Direitos do Homem
e do Cidadão de
1789
Constituição Mexicana
de 1917 e a Constitui-
cão alemã de 1919,
conhecida como Consti-
tuição de Weimar
Declaração Universal
dos Direitos Humanos,
da ONU, de 1948
8.2.5. Outras gerações de direitos humanos
Norberto Bobbio já afirmava, desde 1990, na obra "A era dos Direitos", a exis-
tência de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos da pesquisa biológica
e da manipulação do patrimônio genético das pessoas.
As questões que envolvem manipulação do patrimônio genético integram o que
se tem denominado de Bioética ou Biodireito, e pode ocorrer que alguma prova se
refira aos direitos de quarta geração como direitos decorrentes da bioética.
Paulo Bonavides também afirma a existência de novas gerações, falando de
uma quarto geração, compreendida pelo direito à democracia, e de uma quinta
geração, que compreende o direito à paz.
Ele afirma que em tempos atuais a democracia deixou de ser um mero regime
político para se afirmar como um verdadeiro direito humano o que também
ocorre em relação à paz, que deixa de ser um mero propósito para ser elevada
à categoria de direito das pessoas.
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 53
I Importante:
• 4. geração --> direitos decorrente da manipulação genética (Norberto
Bobbio); direito à democracia (Paulo Bonavides)
• 5. geração —> direito à paz (Paulo Bonavides)
I Como esse assunto foi cobrado em prova?
A prova de juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição:
Alguns doutrinadores já reconhecem a existência da quarta e
quinta dimensões de direitos do homem. No primeiro caso, o
foco seria o direito ao desenvolvimento e à paz. No segundo
caso, os direitos estariam relacionados à engenharia genética e
ao meio ambiente.
Está errado!
8.2.6. Gerações ou dimensões de direitos humanos?
O uso da palavra gerações tem sido substituído pelo uso da palavra dimensões,
ao argumento de que ela passaria uma noção inadequada do processo evolutivo
dos direitos humanos.
A palavra geração transmite a ideia de substituição de um objeto por outro,
mais novo e diferente, de modo que, com o passar do tempo, uma geração é sem-
pre substituída por outra, sendo a geração antiga abandonada pelo surgimento
da nova, e isso não condiz nem um pouco com o processo histórico de afirmação
dos direitos humanos.
No desenvolver histórico dos direitos humanos o reconhecimento de novos
direitos não ocasiona a substituição, ou supressão, dos direitos já reconhecidos,
de modo que uma "nova geração" não vem ocupar o lugar da "velha geração".
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte asser-
tiva: "As gerações de direitos humanos mais recentes substituem as gera-
ções de direitos fundamentais mais antigas". A proposição está errada!
De modo diverso, o que ocorre é que os novos direitos vêm somar-se aos
direitos já reconhecidos, aumentando o número de direitos reconhecidos e pro-
movendo uma releitura nos direitos anteriormente consagrados.
54 Direitos Humanos - vol. 39 • Rafael Barretto
I Importante:
A palavra geração transmite a ideia de substituição de algo antigo por
algo novo, o que não ocorre com o processo evolutivo dos direitos
humanos, O surgimento de novos direitos não implica substituir os direi-
tos já reconhecidos, senão que implica ampliar a proteção à pessoa,
trazendo novos direitos que irão se somar aos já reconhecidos.
Em virtude disso, o uso da palavra geração tem sido abandonado, se optando
por utilizar a palavra dimensão para se referir ao processo histórico de desenvol-
vimento dos direitos humanos.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público do Amazonas 2018 trouxe a seguinte propo-
sição: A adoção do conceito de gerações de Direitos Humanos é consensual
na doutrina brasileira. Está errado, pois, como visto, a ideia de geração
tem sido substituída pela ideia de dimensão.
A prova do Ministério Público do Trabalho de 2012 trouxe a seguinte
proposição: Embora seja amplamente difundida na doutrina jurídica, a
concepção de gerações de direitos humanos remete à noção de supera-
ção no decurso do tempo, quando, na verdade, os direitos humanos de
todas as gerações coexistem simultaneamente na atualidade, considerando
os princípios da interdependência, inter-relacionamento e indivisibilidade.
Os direitos humanos sofrem processo de expansão, acumulação e fortaleci-
mento, não de superação em gerações. Está correto!
A prova do 140 concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "o termo "geração" conduz à ideia equivocada de
que os direitos humanos fundamentais se substituem ao longo do tempo,
enquanto "dimensão" melhor reflete o processo gradativo de complemen-
taridade, pelo qual não há alternância, mas sim expansão, cumulação e
fortalecimento". Está correto!
9. EFICÁCIA VERTICAL, HORIZONTAL, DIAGONAL E VERTICAL COM REPERCUSSÃO LATERAL
DOS DIREITOS HUMANOS
Eficácia vertical dos direitos humanos é a oponibilidade dos direitos humanos
ao Estado.
Eficácia horizontal é a oponibilidade dos direitos aos particulares, no âmbito
de suas relações privadas.
Eficácia diagonal é uma expressão utilizada para se referir à oponibilidade dos
direitos humanos nas relações de trabalho, entre empregado e empregador.
Eficácia vertical com repercussão lateral refere-se à eficácia em relação aos
particulares decorrente da incidência do direito fundamental à tutela jurisdicional.
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 55
A ideia da eficácia vertical é a de que os direitos limitam a atuação do Estado.
Fala-se que o Estado, nas suas relações com os indivíduos, não pode violar os
direitos humanos e se utiliza a expressão eficácia vertical em alusão à posição de
verticalidade que o Estado ocupa em relação ao indivíduo, atuando com império,
como se estivesse num nível acima dos indivíduos.
A eficácia vertical é fortemente visualizada nos direitos civis, concebidos como
direitos negativos, que negam a intervenção estatal. Em exemplo, a liberdade de
expressão constitui um limite à atuação do Estado, que não pode, sob argumento
de império, cercear essa liberdade básica das pessoas.
Eficácia horizontal dos direitos humanos, ou simplesmente Drittwirkung, no ver-
náculo alemão, consiste na aplicação dos direitos humanos nas relações entre os
particulares, que é regida pela autonomia privada.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 25° Concurso de Procurador da República trouxe a seguinte
proposição: A "eficácia horizontal", no âmbito da proteção internacional de
direitos humanos tem o mesmo significado de "Drittwirkung". Está correto!
A ideia é que os direitos limitam a autonomia privadas das pessoas, que não
podem, em suas relações particulares, regidas pelo livre arbítrio de cada um, pac-
tuarem situações que impliquem violação da dignidade humana.
Fala-se em eficácia horizontal em alusão ao argumento de que as pessoas, nas
suas relações privadas, estariam situadas num patamar de horizontalidade, num
mesmo nível.
Aponta-se como leading case de eficácia horizontal o famoso "caso Luth", jul-
gado pelo Tribunal Constitucional Alemão em 1958, no qual aquela Corte teorizou
as ideias de dimensão objetiva e de eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Eric Iüth, um judeu que presidia o Clube de Imprensa, liderou um boicote con-
tra um filmechamado "Amada !mortal", de 1950, produzido pelo cineasta alemão
Veit Harlan, que, durante o nazismo, foi o principal responsável pelos filmes de
divulgação das ideias nazistas.
O boicote deu certo e o filme foi um fracasso, o que levou Veit Harlan, e
empresários que estavam investindo no filme, a ingressar com ação indenizatória,
alegando que a atividade de Eric Lüth violava o Código Civil alemão e lhes causara
prejuízo.
A ação foi vitoriosa em todas as instâncias ordinárias, mas o Tribunal Cons-
titucional alemão reformou o julgado, afirmando que a postura de Lüth estava
compreendida no âmbito da liberdade de expressão.
Outro caso muito importante julgado pela Corte Constitucional alemã que
envolveu a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas foi o céle-
56 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
bre "caso Lebach", julgado em 1973, no qual a Corte reconheceu que o direito de
uma emissora de televisão de divulgar um documentário sobre um episódio de
interesse público não poderia comprometer direitos fundamentais de uma pessoa
envolvida no episódio.
No caso, numa cidade alemã chamada Lebach, alguns soldados foram brutal-
mente assinados, tendo o fato chamado muita atenção da sociedade alemã à época,
e os criminosos foram processados criminalmente e condenados pelo crime.
Alguns anos depois, uma emissora de televisão, atenta ao interesse público
sobre o episódio, produziu um documentário rememorando o ocorrido, sendo que
o documentário apresentava reconstituição do crime, identificava os nomes dos
envolvidos e apresentava outros detalhes sobre o episódio criminoso.
Ocorre que, antes do documentário ser veiculado, um dos condenados, que
estava em vias de ser posto em liberdade, ingressou em juízo pedindo que fosse
liminarmente proibida a divulgação do programa, ao argumento de que isso difi-
cultaria seu processo de ressocialização.
Ele não obteve êxito nas instâncias ordinárias, mas a Corte Constitucional, jul-
gando recurso constitucional, entendeu que a exibição do filme efetivamente iria
dificultar o processo de ressocialização do Autor e, harmonizando os direitos em
conflito, decidiu que a emissora não poderia divulgar o documentário caso fosse
feita menção ao nome ou imagem do autor da demanda judicial.
No Brasil, um dos mais importantes julgados do STF sobre o tema, talvez o
primeiro em que realmente se deu um destaque ao debate da eficácia horizontal
é o Recurso Extraordinário 201.819, no qual a Corte firmou posição que a exclusão
de um sócio de uma entidade associativa deve observar o devido processo legal.
No caso, em uma associação formada por músicos, que era responsável por
repassar aos seus associados valores recebidos do Ecad, deliberou-se pela exclu-
são de um associado.
O excluído ingressou em juízo argumentado que sua exclusão teria sido sumá-
ria, sem direito a um devido processo legal, e que estaria tendo prejuízos financei-
ros com o fato, pois estaria deixando de receber o repasse de valores.
No Supremo Tribunal Federal surgiu a tese de que, como a liberdade asso-
ciativa é contra estatal, não podendo o Estado interferir no seu exercício, não
seria possível interferir nas questões internas das entidades, que são resolvidas
no plano privado; mas, por maioria, prevaleceu a tese da eficácia horizontal dos
direitos humanos como limite ao poder de exclusão dos associados, capitaneada
pelo Ministro Gilmar Mendes.
A Corte concluiu que a entidade poderia excluir o sócio, mas haveria de opor-
tunizar um devido processo legal, com contraditório e ampla defesa e, nessa
esteira, invalidou a exclusão e determinou que eventual nova deliberação da enti-
dade fosse precedida das garantias constitucionais.
Cap. i • Teoria geral dos direitos humanos 57
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "A inviolabilidade evita o desrespeito dos direitos fundamentais por
autoridades públicas, entretanto permite o desrespeito por particulares.".
Está errado, eis que a eficácia horizontal impede o desrespeito por par-
ticulares!
Eficácia diagonal dos direitos humanos consiste, segundo Sergio Gamonal (Cida-
dania na empresa e eficácia diagonal dos direitos fundamentais. São Paulo: Ltr,
2011), na aplicação dos direitos nas relações entre empregado e empregador.
Aparenta que foi utilizada a expressão eficácia diagonal, diferenciando da
eficácia horizontal, ao argumento de que a posição do empregador em relação
ao empregado não é realmente horizontal, eis que há subordinação jurídica entre
eles, mas sim de um nível um pouco acima, daí surgindo o plano diagonal.
A ideia de eficácia vertical com repercussão lateral é desenvolvida pelo Profes-
sor Luiz Guilherme Marinoni a partir do direito à tutela jurisdicional ante a omissão
do legislador em viabilizar direitos fundamentais.
A tese principia pela afirmação de que a eficácia horizontal dos direitos funda-
mentais deve ser mediada pela lei e, quando o legislador se omite, somente resta
recorrer à jurisdição.
Em tal hipótese, se o juiz concluir que o legislador negou proteção normativa
ao direito fundamental, deverá determinar medida que implique a efetiva tutela
do direito fundamental e, atuando desse modo, a jurisdição fará a intermediação
entre os direitos fundamentais e a relação entre os particulares.
Em outras palavras, o direito fundamental será efetivado mediante a atuação
judicial e é preciso compreender que, quando o juiz tutela o direito não protegido
pelo legislador, sua decisão repercute sobre os particulares.
Entretanto, é preciso não confundir o direito à tutela jurisdicional e o direito que
se pretendeu obter em juízo, pois o primeiro dirá respeito à atuação do Estado e o
segundo à relação entre os particulares.
Professor Marinoni sustenta que o direito à tutela jurisdicional não regula rela-
ções entre sujeitos privados, incidindo diretamente apenas sobre o juiz, vincu-
lando o órgão estatal a prestar a jurisdição.
Nessa perspectiva, o direito à tutela jurisdicional não possui eficácia horizon-
tal - pois não incide sobre os particulares -, mas possui eficácia vertical, eis que
incide sobre o Estado, obrigando o juiz a fornecer a tutela jurisdicional.
Ocorre que, ao fornecer a tutela jurisdicional, tutelando o direito não pro-
tegido pelo legislador, a atuação do juiz repercute na situação dos particulares,
58 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
viabilizando o direito fundamental pretendido, o que faz com que o direito à tutela
jurisdicional tenha repercussão lateral sobre os particulares.
Assim, conclui-se que o direito à tutela jurisdicional possui uma eficácia vertical
com repercussão lateral, verificável nos casos em que o juiz tutela um direito não
protegido pelo legislador.
10. LIMITAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS
10.1. Primeiras observações
Os direitos humanos, de uma maneira geral, comportam limitações, restrições,
que são feitas no intuito de harmonizá-los com outros direitos ou outros bens
jurídicos igualmente protegidos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Trabalho de 2012 trouxe a seguinte
questão:
Sobre a restrição de direitos humanos e direitos fundamentais, é COR-
RETO afirmar que:
a) No Brasil, a constituição da República não admite a restrição de direi-
tos fundamentais, os quais constituem cláusulas pétreas.
b) Não é possível haver restrição de direitos nem de garantias fundamen-
tais por meio de legislação infraconstitucional, mesmo que a norma cons-
titucional remeta a regulamentação da matéria ao legislador ordinário.
c) Excepcionalmente, a Constituição da República admite a restrição de
direitos e garantias fundamentais que ela própria consagra, em razão
de interesses superiores.
d) Os direitos humanos devem ser aplicados integralmente pelos países
signatários dos respectivos Tratados internacionais, não sendo admissí-
vel falar-seem "ressalvas" restritivas a suas cláusulas.
A alternativa correta é a alternativa "c"
Os parâmetros da limitação de um direito podem estar expressos no texto
constitucional ou podem ser extraídos do sistema constitucional, sendo impor-
tante compreender que mesmo quando não haja previsão expresso da possibilidade
de limitação do direito, será sim possível fazê-lo se necessário para harmonizá-lo
com outros bens jurídicos.
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, de 2009 trouxe a
seguinte proposição: "Conforme entendimento predominante na doutrina
constitucional brasileira pós-88, direitos fundamentais institucionalizados
por dispositivos que não contêm cláusula de reserva de lei não são passí-
veis de restrição legislativa". Está errado, eis que mesmo sem a previsão
da reserva de lei os direitos podem ser restringidos!
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 59
Exemplo de previsão expressa de possibilidade de restrição a direito tem-se
no art. 50, XII, da CF, que autoriza limitar o direito de privacidade, mediante inter-
ceptação da comunicação telefônica; ou ainda no art. 50, XIII, da CF, que autoriza
limitar a liberdade profissional, permitindo que a lei condicione o exercício de
profissões ao preenchimento de algumas qualificações, como a exigência legal de
aprovação no exame da OAB para poder exercer a advocacia, limitação que foi
declarada constitucional pelo STF (RE 603.583, Informativo 646).
Limites extraídos do sistema decorrem dos valores constitucionais. Veja-se o
caso do direito de reunião, previsto no art. 50, XVI, da CF, cuja leitura pode sugerir
que esse direito tem como único limite o dever de ser exercido de maneira pací-
fica. Mas parece evidente ser possível proibir a realização de passeatas utilizando
equipamentos sonoros nas imediações de hospitais, tendo em vista a necessidade
de preservação da saúde dos enfermos.
10.2. Limitação pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário
Os direitos podem ser limitados em razão de atuação do Poder Legislativo, do
Poder Executivo ou até mesmo do Poder Judiciário.
O Poder Legislativo limita os direitos quando edita leis que restringem o
alcance e o programa normativo deles; são as chamadas "leis restritivas de direi-
tos", muitas vezes previstas expressamente no texto constitucional, como no caso
do art. 50, XII e Ill, da CF.
O Poder Executivo limita direitos quando adota medidas administrativas que
restringem os direitos, como ocorre no exercício do poder de polícia e nas medi-
das de intervenção do Estado no direito de propriedade.
O Poder judiciário limita direitos em situações excepcionais, quando do julga-
mento de casos concretos que envolvem conflitos entre direitos, como num caso
que antagonize liberdade de informação e a privacidade, ou ambiente e desenvol-
vimento e assim por diante.
10.3. Teoria dos limites da limitação
A teoria dos limites da limitação traduz a ideia de que a faculdade de limitar
direitos é uma faculdade limitada, que não pode ser exercida em desacordo com
os parâmetros expressos ou implícitos do texto constitucional. Significa dizer que a
atividade estatal de impor limites aos direitos é, ela própria, uma atividade limi-
tada, vinculada aos parâmetros constitucionais.
Uma lei restritiva de direitos não é uma lei que pode dispor qualquer coisa
sobre o direito. A lei que disciplina a interceptação da comunicação telefônica não
poderia fazê-lo para instruir processo civil ou trabalhista, eis que o art. 50, XII, CF
apenas autoriza fazê-lo para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal.
60 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrette
Do mesmo modo, uma medida de poder de polícia não pode dispor sobre
um direito de maneira arbitrária, violando o devido processo legal, por exemplo.
Importante:
O poder de limitar direitos é um poder limitado. A limitação do direito
somente pode ser feita até onde a constituição permitir e jamais pode
ser desproporcional. Isso é o que se denomina de TEORIA DOS LIMITES DA
LIMITAÇÃO, ou teoria dos limites dos limites, que nada mais é do que a
percepção de que faculdade de impor limites ao exercício dos direitos é,
em si mesma, limitada, não podendo ser exercido de maneira arbitrária,
desproporcional.
10.4. Proporcionalidade como limite à limitação de direitos
Um limite que deve ser observado no exercício da faculdade de limitar direitos
é a proporcionalidade, que traduz a ideia de que os atos estatais não podem ser
excessivos, desmedidos, arbitrários, devendo ser ponderados, equilibrados, na
justa medida. Tem-se que o ato estatal que for arbitrário, desmedido, excessivo,
não será um ato proporcional e, portanto, será inválido.
Nessa esteira, a proporcionalidade atua como uma garantia das pessoas ante
a atuação estatal, funcionando como um elemento limitativo da atividade estatal,
verdadeiro parâmetro de aferição da validade dos atos estatais.
A noção de proporcionalidade compreende três aspectos, que são o da ade-
quação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito, de modo
que o ato limitador do direito, para ser válido, deve ser, a um só tempo, ade-
quado, necessário e proporcional em sentido estrito.
O ato é adequado quando cumpre a finalidade pretendida. É necessário, ou
exigível, quando, dentre os possíveis atos adequados, se apresenta como o ato
menos lesivo ao direito fundamental. E é proporcional em sentido estrito quando o
benefício oriundo da limitação do direito justifica a limitação feita.
O vetor necessidade traz ínsita uma obrigação denominada proibição de excesso,
que nada mais é do que o dever imputado aos agentes públicos de, ao limitarem um
direito, não irem além do estritamente necessário, não se excederam na limitação.
Por exemplo, ante uma fábrica que esteja poluindo o ambiente, se a colocação
de filtros antipoluentes for suficiente para resolver o problema, será excessivo e
desnecessário interditar o funcionamento da fábrica.
Além da proibição de excesso, a ideia de proporcionalidade traz também a
ideia de proibição de proteção insuficiente ou deficiente, segundo a qual o Poder
Público não pode atuar de maneira insuficiente na efetivação dos direitos.
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 61
Essa vertente está especialmente relacionada com a efetivação dos direitos
sociais e com as omissões estatais nesse plano de atuação. Se a atuação estatal na
efetivação dos direitos sociais não for suficiente para realmente concretizar esses
direitos, o comportamento estatal será inadequado, inválido.
Proibição de excesso e proibição de proteção deficiente denotam diferen-
tes aspectos da proporcionalidade; a primeira um aspecto proibitivo, negativo,
negando ao Estado agir excessivamente; a segunda um aspecto impositivo, posi-
tivo, obrigando o Estado a atuar de maneira suficiente.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, de 2009, trouxe a
seguinte proposição: "0 princípio da proibição de retrocesso e o princípio
da proibição de proteção deficiente referem-se a um mesmo fenômeno jurí-
dico no âmbito da dogmática dos direitos fundamentais a prestações". Está
errado, eis que apesar de estarem relacionados com a ideia de propor-
cionalidade, representam aspectos diferentes!
Importa registrar que a proporcionalidade, que alguns chamam de princípio,
não está prevista expressamente no texto constitucional brasileiro, mas é pacífico
o entendimento de ser uma garantia implícita, extraída da ideia de Estado de
Direito, na linha de estudo alemã, ou ainda da ideia de devido processo legal subs-
tantivo, na linha de estudo americana.
/ Importante:
A proporcionalidade não está expressa na constituição brasileira, mas
está consagrada implicitamente, podendo ser extraída a noção de
Estado de Direito, como fazem os alemães, ou da noção de devido pro-
cesso legal substantivo,como fazem os americanos.
ii. GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS
Globalização pode ser definida, de maneira simplória, como um processo de
integração entre países e pessoas de diferentes partes do mundo, no qual surge
a ideia de um mundo interligado, como se os diferentes países e pessoas formas-
sem uma única aldeia global.
0 processo de integração verificado na globalização se desenvolveu historica-
mente em diferentes searas, como a econômica, a tecnológica e, também, poste-
riormente, na perspectiva dos direitos humanos.
Historicamente, o processo de integração entre países se desencadeou sob
um viés econômico, com países se unindo em torno de construir padrões eco-
62 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
nômicos integrados que permitissem a expansão comercial, se podendo dizer
que, nesse primeiro momento, os direitos humanos não constituíam objeto de
discussão.
Nesse sentido, os primeiros documentos dos blocos comunitários ("globaliza-
dos") que foram surgindo ao longo dos anos (Comunidade do Carvão e Aço, União
Europeia, Mercosul, etc.) não previam declarações de direitos.
Mas, gradativamente, esse cenário foi se modificando e o processo de globa-
lização passou a ser permeado pela temática dos direitos humanos, de modo que
até mesmo a atuação econômica dos países integrados passou a ser revista sob a
ótica dos direitos humanos.
Um caso emblemático que contribui para a construção dessa mudança de
perspectiva, e que ilustra bem a transição, é o famoso caso Solange (enquanto),
julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão em 1974.
Nesse caso, o Tribunal Constitucional Alemão entendeu que faltava ao direito
comunitário europeu um catálogo de direitos fundamentais, o que tornava as
instituições comunitárias ineficazes no que concerne à proteção de direitos fun-
damentais e, em virtude disso, o Tribunal estabeleceu que enquanto (Solange)
o direito comunitário não dispusesse de um catálogo de direitos fundamentais
emanado de um parlamento e similar ao catálogo de direitos fundamentais esta-
belecido pela Lei Fundamental alemã, caberia ao Tribunal Constitucional alemão
verificar a compatibilidade do direito comunitário com os direitos fundamentais
consagrados no sistema jurídico alemão.
A decisão provocou acirradas discussões na época, tendo sido objeto de mui-
tas críticas, mas chamou atenção para uma realidade irrefreável, que era a neces-
sidade de o bloco comunitário europeu inserir a temática dos direitos humanos
em sua pauta de discussões.
Essa decisão é muito significativa e contribuiu sobremaneira para que a inte-
gração europeia passasse a se dedicar também aos direitos humanos e, natural-
mente, essa experiência se expandiu por outras partes do mundo globalizado.
Em termos mais próximos a realidade brasileira, podemos identificar que o
Mercosul também não contemplou originariamente declarações de direitos, mas
atualmente já adota um modelo protetivo de direitos humanos.
O Mercosul é um bloco de integração comunitária formado por países do
cone sul da América que surgiu sob uma perspectiva econômica, visando esta-
belecer a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os Países
membros do bloco.
Com o passar dos anos, o Mercosul, assim como ocorreu com o bloco europeu,
inseriu em sua pauta temática os direitos humanos, e atualmente existem docu-
mentos mercosulinos referentes a direitos humanos e existe inclusive o Instituto de
Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul.
Cap. 1 • Teoria geral dos direitos humanos 63
Como se infere, a globalização, ainda que tenha sido originada num viés eco-
nômico, passou a ser permeada pela temática dos direitos humanos e isso é
natural, pois a busca de um mundo interligado não tem como estar dissociada da
perspectiva de materialização dos direitos fundamentais da pessoa humana.
Nessa esteira, a globalização assume relevância na expansão e universa-
lização dos direitos humanos, pois propaga a ideia de proteção da dignidade
da pessoa humano e dos direitos dela decorrentes numa perspectiva global; é
dizer, a aldeia mundial globalizada é uma aldeia que contempla a proteção uni-
versal dos direitos humanos.
a
Capítulo
A Constituição de 1988
P os direitos humanos
1. INOVAÇÕES DA CF 88
A Constituição Federal de 1988 é o grande marco jurídico dos direitos humanos
no Brasil e é considerada uma das constituições mais avançadas do mundo em
matéria de direitos humanos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Investigador da Polícia Civil de Minas Gerais 2014 trouxe
essa proposição: "A Constituição Federal de 1988 não se coloca entre as
Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria".
Está errado!
É preciso recordar que a constituição adveio num momento histórico de supe-
ração de um regime de exceção que perdurou por mais de duas décadas e, nesse
contexto, era natural que os direitos humanos fossem objeto de dedicada atenção
do Constituinte.
Analisemos as inovações trazidas pela Constituição de 1988.
1.1. Dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado
O primeiro artigo da Constituição, ao relacionar os fundamentos do Estado brasi-
leiro, positiva, no inciso Ill, a dignidade da pessoa humana, o que, por si só, já seria
suficiente para provocar uma verdadeira "revolução" do ponto de vista jurídico.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público de São Paulo de 2011 trouxe a seguinte pro-
posição: O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto constitu-
cionalmente como um dos fundamentos da República e constitui um núcleo
essencial de irradiação dos direitos humanos, devendo ser levado em conta
em todas as áreas na atuação do Ministério Público. Está correto!
66 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Fundamento é aquilo que dá base, que serve de sustentação, é aquilo que
está pressuposto. Os fundamentos de um Estado são os alicerces de sustentação
do Estado, são os pressupostos em cima dos quais o Estado se desenvolve.
Ao elencar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do
Estado brasileiro, a Constituição está indicando que a dignidade é o parâmetro
orientador de todas as condutas estatais, o que implica romper com um modelo
patrimonialista de ordem jurídica.
1 Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado Civil de Minas Gerais de 2011 trouxe seguinte pro-
posição: A interpretação sistemática do texto constitucional exige que a
dignidade da pessoa seja o parâmetro orientador. Está correto!
O fato de toda a realidade estatal se desenvolver a partir da dignidade humana
impõe uma releitura da ordem jurídica, no sentido de reinterpretar as normas
infraconstitucionais e verificar se elas são compatíveis com esse novo modelo, e
essa é uma tarefa que se projetou em todos os ramos do Direito.
Em exemplo, o Direito Civil, tradicionalmente alicerçado na propriedade pri-
vada e no contrato, passou por verdadeira revolução e diversos de seus institutos
foram remodelados para se adequar à ótica da proteção da pessoa.
1 Importante:
A positivação da dignidade da pessoa humana como fundamento do
Estado brasileiro impôs uma releitura de toda a ordem jurídica, atin-
gindo todos os sub-ramos do Direito, que tiveram que ser rediscutidos a
partir da ótica da proteção à pessoa.
Deve ser destacado que essa foi a primeira vez que uma Constituição brasi-
leira adotou o núcleo da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado, a
realmente denotar que o constituinte erigiu a questão dos direitos humanos como
um de seus pontos centrais.
1.2. Proteção da pessoa humana como objetivo fundamental do Estado
Logo em seguida, no art. 30, ao elencar os objetivos fundamentais do Estado
brasileiro, a Constituição novamente denotou preocupação em afirmar a dignidade
da pessoa humana, pois todos os objetivos estão relacionados com a busca da
dignidade da pessoa.
Objetivos são metas a serem alcançadas,são pontos nos quais se pretende
chegar, e, certamente, não se confundem com fundamentos. Enquanto esses são,
por assim dizer, os pontos de partida, aqueles são os pontos de chegada.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 67
E os pontos de chegada do Estado brasileiro, positivados no art. 30, se relacio-
nam diretamente com a temática da proteção à pessoa, o que reforça o compro-
misso constituinte com a afirmação da dignidade da pessoa.
Importante:
Os objetivos fundamentais do Estado constituem os pontos em que o
Estado pretende chegar, e, no caso brasileiro, eles estão diretamente
relacionados com a dignidade da pessoa, a revelar, mais uma vez, o
compromisso do constituinte com a busca da proteção à pessoa.
O primeiro objetivo é construir uma sociedade livre, justa e solidária, ou seja,
uma sociedade na qual todas as pessoas usufruam das liberdades e onde haja
justiça e solidariedade social, o que está diretamente relacionado com a proteção
à pessoa.
O segundo objetivo é garantir o desenvolvimento nacional, o que também
se entrelaça com a ideia de afirmação da dignidade da pessoa, pois a ideia de
desenvolvimento, que não se confunde com mero progresso científico, está rela-
cionada com uma melhora qualitativa na atividade estatal e na vida das pessoas.
Estado no qual os direitos humanos não são respeitados jamais será um Estado
desenvolvido.
O terceiro objetivo - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
gualdades sociais e regionais - está diretamente associado à ideia de afirmação
da pessoa, principalmente do ponto de vista dos direitos sociais e econômicos,
pois aqui se busca garantir a todas as pessoas um patamar mínimo de riqueza que
permita erradicar a pobreza no país.
O quarto, e último, objetivo, que é o de promover o bem de todos, sem pre-
conceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimi-
nação, traz a concepção universalista que predomina atualmente no debate dos
direitos humanos, de afirmação da dignidade da pessoa pela simples condição
humana, sem qualquer tipo de discriminação.
Essa também é a primeira vez que uma constituição brasileira elenca como
objetivos fundamentais do Estado metas atreladas à afirmação da dignidade das
pessoas.
I Importante:
Juntando os fundamentos e os objetivos do Estado brasileiro se pode
afirmar que o constituinte quis instaurar uma ordem que parte da afir-
mação da pessoa e que busca o tempo inteiro a afirmação da pessoa,
tornando a proteção da pessoa uma preocupação constante e inces-
sante do Estado brasileiro.
68 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
1.3. Prevalência dos direitos humanos como princípio regente das relações in-
ternacionais
Outra inovação substantiva promovida pela Constituição de 1988 foi estabele-
cer a prevalência dos direitos humanos como um dos princípios que regem o Brasil
nas relações internacionais, conforme art. 40, inciso II.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia do Rio Grande do Sul trouxe a seguinte
proposição: A Constituição Federal de 1988, no que tange aos direitos huma-
nos, estabelece que eles, os direitos humanos, são prevalentes, nas rela-
ções internacionais da República Federativa do Brasil. Está correto!
A prova do 22° concurso do Ministério Público Federal trouxe a seguinte
proposição: "A constituição federal, relativamente à proteção dos direi-
tos humanos, estabelece que, nas suas relações internacionais, a República
Federativa do Brasil rege-se, dentre outros princípios, pela prevalência dos
direitos humanos". Está correto!
A prova da Defensoria Pública da Paraíba 2014 trouxe a seguinte propo-
sição: "A Constituição Federal dispõe expressamente que a República Fede-
rativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamento a prevalência dos direitos humanos.". Está errado porque a
prevalência dos direitos humanos não é fundamento do Estado Brasi-
leiro (art. ]../CF), é um princípio regente das relações internacionais do
Brasil (art. 4./CF). O que é fundamento do Estado brasileiro é a dignidade
da pessoa humana (art. 10, III/CF).
Ao positivar a prevalência dos direitos humanos como princípio regente das
relações internacionais, a constituição proíbe que o Brasil adote, no plano interna-
cional, qualquer postura que atente contra a dignidade da pessoa humana.
Historicamente, as discussões no cenário internacional se resumiam a ques-
tões de soberania e de comércio entre os Estados, não se colocando em pauta
questões de afirmação de direitos das pessoas.
O diálogo era, basicamente, sobre projeção da soberania dos Estados, sobre
compromissos econômicos, em nada se aproximando da temática dos direitos
das pessoas.
Em tempos atuais o cenário é totalmente diferente e os direitos das pes-
soas são hoje pauta obrigatória das relações internacionais, e essa previsão
da constituição brasileira deu abertura para inserir o Brasil na nova conjuntura
internacional.
É como se o constituinte quisesse deixar claro que as discussões que ocorrem no
cenário internacional sobre a afirmação dos direitos das pessoas também interessam
ao Brasil, que deseja se inserir nesse contexto como um sujeito ativo, um partícipe
direto do processo de afirmação da dignidade da pessoa nas relações internacionais.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 69
Não custa recordar que, em 1992, ou seja, pouquíssimos anos após a instaura-
ção do novo regime político, o Brasil sediou um evento mundial voltado à temática
dos direitos humanos, a Eco 92, que foi uma conferência mundial sobre a questão
dos direitos ambientais.
Para quem acabara de sair de mais de 2 décadas de regime de exceção, sediar
um evento mundial sobre direitos humanos é realmente algo muito significativo e,
certamente, isso refletiu os novos ares constitucionais sobre a atuação do Brasil nas
relações internacionais.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado Civil de Minas Gerais de zon trouxe a seguinte pro-
posição: "As relevantes transformações internas, decorrentes do processo
de democratização, permitiram que os direitos humanos se convertessem
em tema fundamental na agenda internacional do País, a partir de então".
Está correto!
1.4. Positivação dos direitos e garantias fundamentais logo no início do texto
constitucional
A Constituição de 1988 positivou a maior parte dos direitos e garantias fun-
damentais logo no início do texto constitucional, no Título II, denominado "Dos
direitos e garantias fundamentais", tratando dos direitos antes mesmo de organizar
a estrutura do Estado e a estrutura dos Poderes.
Isso representa uma grande novidade na história constitucional brasileira, pois
as constituições pretéritas traziam a declaração de direitos sempre mais para
o final do texto constitucional, já depois de organizar o Estado e os Poderes da
República.
O tratamento da matéria logo no início da Constituição, rompendo com o
modelo historicamente utilizado nas constituições brasileiras, foi um ato intencio-
nal do constituinte, como se ele quisesse mais uma vez sinalizar que a temática
dos direitos estava sendo colocada em primeiro plano na nova ordem jurídica.
1.5. Consagração da aplicação imediata das normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais
Outra novidade trazida pelo texto constitucional foi a positivação, no § 10 do
art. 50, do comando de aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais.
Isso significa que o constituinte quis que a aplicabilidade dos direitos e garan-
tias das pessoas não ficasse condicionada a nenhum outro fator, decorrendo dire-
tamente da própria Constituição.
É fundamental destacar que o texto constitucional estabelece a aplicação ime-
diata dos direitos fundamentais, e, não, apenas dos direitos individuais, o que
70 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
representa um avanço bastante considerável emmatéria de direitos humanos,
tornando a ordem jurídica brasileira, nesse ponto, mais avançada até mesmo do
que a legislação internacional.
Como será visto mais adiante aqui na obra, a ordem internacional dos direitos
humanos costuma reconhecer aplicação imediata apenas aos direitos individuais,
imprimindo aos direitos sociais um caráter marcadamente programático.
O fato de o texto constitucional ter imprimido aplicação imediata aos direitos
fundamentais como um todo tem servido de base para decisões importantes do
Supremo Tribunal Federal em matéria de direitos sociais, nas quais a Corte tem
determinado ao Poder Público que adote medidas concretas no sentido de efeti-
var direitos sociais, em especial casos envolvendo educação e saúde.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público de Rondônia, de 2008, trouxe a seguinte
proposição: "0 art. 5. da CF prevê que ninguém pode ser submetido a
tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Entretanto, esse dis-
positivo não tem aplicabilidade imediata devido ao fato de não ter sido
regulamentado no piano infraconstitucional". Está errado!
1.6. Abertura do catálogo de direitos e garantias fundamentais e reconhecimen-
to dos tratados internacionais de direitos humanos
O § 2° do art. 5. da Constituição traz mais uma novidade importante, que é a
abertura do catálogo de direitos e garantias fundamentais e o reconhecimento da
força jurídica dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem interna
brasileira.
O citado dispositivo dispõe que "Os direitos e garantias expressos nesta Consti-
tuição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Catálogo de direitos é uma expressão utilizada para indicar o rol, a relação
de direitos, e o citado dispositivo deixa claro que o catálogo de direitos válidos
no Brasil não se restringe àqueles positivados no texto constitucional, sendo muito
mais amplo, abrangendo também os direitos que estão reconhecidos nos tratados
internacionais que o Brasil vier a ser parte.
Significa que os direitos reconhecidos pelo Brasil no cenário internacional pos-
suem aplicação no plano interno, o que reafirma a intenção do constituinte de
redimensionar a atuação do Brasil em suas relações internacionais, que há de ser
pautada pela temática dos direitos humanos.
juntando essa previsão com aquela outra do art. 4., II, pode-se afirmar que
o constituinte quis que o Brasil participasse das discussões internacionais sobre
direitos humanos e que o produto dessas discussões fosse aplicado na ordem
jurídica interna brasileira.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 71
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado Civil de Minas Gerais de 2011 trouxe a seguinte
proposição: Ao romper com a sistemática das Constituições anteriores, a
Constituição de 1988, ineditamente, consagra o primado do respeito aos
direitos humanos, abrindo a ordem jurídica interna ao sistema de proteção
internacional desses direitos. Está correto!
1.7. Afirmação dos direitos sociais como verdadeiros direitos fundamentais
A Constituição de 1988 qualificou os direitos sociais como verdadeiros direitos
fundamentais, se referindo a eles como um Capítulo do Título II, que é dedicado
aos direitos e garantias fundamentais,
Ao assim fazer, o constituinte rompeu com o modelo das Constituições ante-
riores, que tratavam dos direitos sociais na parte dedicada à ordem econômica
e social, como se tais direitos fossem meros vetores da atuação estatal no plano
econômico e social e, não, verdadeiros direitos subjetivos.
Essa inovação denota a importância que o constituinte quis dar aos direitos
sociais, positivando-os como autênticos direitos fundamentais, não apenas como
diretrizes da atuação estatal no plano econômico e social.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Investigador da Polícia Civil de Minas Gerais 2014 trouxe essa
proposição: "a constituição federal de 1988 inclui os direitos sociais, a
nacionalidade e os direitos políticos no rol dos direitos e garantias funda-
mentais". Está correto!
1.8. Qualificação dos direitos das pessoas como cláusula pétrea
Outra inovação foi a inserção da proteção aos direitos das pessoas no rol de
cláusulas pétreas da Constituição, conforme art. 60, §40, IV, o qual veda proposta
de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
As cláusulas pétreas representam uma das partes mais importantes de qual-
quer Constituição, pois formam o chamado núcleo duro, insuprimível, e são res-
ponsáveis pela preservação da identidade constitucional.
Ter os direitos das pessoas como cláusula pétrea significa reconhecer que o
constituinte firmou um compromisso eterno com a proteção da pessoa; enquanto
existir a constituição de 1988, os direitos da pessoa não poderão ser suprimidos.
Sendo suprimida a proteção à pessoa, estará sendo suprimida a própria Consti-
tuição de 1988.
72 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Isso é muito inovador se considerado que os diplomas constitucionais ante-
riores adotavam com cláusulas pétreas tão somente aspectos relacionados ao
Estado e ao Governo, sem nenhuma preocupação com os direitos das pessoas.
As cláusulas pétreas nos sistemas constitucionais pretéritos se resumiam à
Federação e à República, ou seja, à forma de Estado e à forma de governo, a
denotar que questões de Estado e de governo teriam uma importância muito
maior do que questões relacionadas com os direitos das pessoas.
Entretanto, essa perspectiva fica superada com a Constituição de 1988, que
petrificou os direitos da pessoa humana, conferindo aos direitos a importância
de efetivamente devem ter.
É preciso ter atenção especial com o fato de o texto constitucional ter se
referido apenas aos direitos individuais e, não, aos direitos fundamentais como
um todo, cabendo uma reflexão se a petrificação se restringira realmente aos
direitos individuais ou abrangeria os demais direitos fundamentais.
Essa é uma questão sobremaneira importante, mas não será analisada agora
e, sim, daqui a alguns itens, ainda nesse capítulo da obra.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público de São Paulo, de 2008, trouxe a seguinte
proposição: "A Constituição Federal tem como cláusula pétrea a garantia
de que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante". Está correto, eis que a proibição de tortura está consa-
grada no art. 5., inciso Ill da CF!
1.9. Formação de um tribunal internacional dos direitos humanos
Mais uma novidade está prevista no art. 70 do Ato das Disposições Constitu-
cionais Transitórias, que estabelece que "0 Brasil propugnará pela formação de um
tribunal internacional dos direitos humanos".
Como será visto no decorrer da obra, existem alguns tribunais internacio-
nais de direitos humanos em atividade e o Brasil se submete à jurisdição de
alguns deles.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 190 concurso do Ministério Público Federal trouxe a seguinte
proposição: "A constituição brasileira, quanto à proteção dos direitos
humanos: Estabelece como princípio regente das relações internacionais do
País a prevalência dos direitos humanos e preconiza ainda a criação de um
tribunal internacional dos direitos humanos". Está correto!
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 73
i.io. Quadro sinóptico das inovações da Constituição de 1988
Art. r), III Dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado
Art. . Proteção da pessoa humana como objetivo do Estado
flArt.
Prevalência dos direitos humanos como princípio regente das rela-
ções
4,)
internacionais
Positivação dos direitos e garantias fundamentais logo no início do
texto constitucional
** 1.
Consagração da aplicação imediata das normas definidoras de
direitos e garantias fundamentaisAbertura do catálogo de direitos e garantias fundamentais e reco-
nhecimento dos tratados internacionais de direitos humanos.
Capítulo H
do Titulo it
Afirmação dos direitos sociais como verdadeiros direitos funda-
mentais
Art. 60.», § e Qualificação dos direitos das pessoas com cláusula pétrea
Art. r
do Ada
Criação de um tribunal internacional dos direitos humanos
1.11. Inovações da Emenda Constitucional 45/04
A Emenda Constitucional 45, de dezembro de 2004, trouxe também algumas
novidades em matéria de direitos humanos. Vejamos quais são elas.
Alteração do status formal dos tratados de direitos humanos
A emenda acrescentou, ao art. 50 da Constituição o § 3., dispondo que "Os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,
em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".
É uma disposição importante, pois demarcou posição acerca da definição
do status jurídico formal dos tratados de direitos humanos, dispondo que os
tratados internacionais de direitos humanos que forem aprovados no Congresso
Nacional pelo procedimento de aprovação de uma emenda constitucional serão
dotados da mesma natureza que uma emenda constitucional.
Esse é um tema sobre o qual discorreremos mais adiante aqui na obra; por
enquanto limitamo-nos a registrar que esse dispositivo serviu de base para uma
relevante mudança na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
1.11.2. Possibilidade de submissão ao Tribunal Penal Internacional
A Emenda também acrescentou ao art. 5. da Constituição o § 4., dispondo que
"0 Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha
manifestado adesão".
74 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Essa inovação reflete o resultado de intensos debates ocorridos no cenário
internacional a partir da instituição do Tribunal de Nuremberg e alinha o Brasil com
diversos países no mundo que já tinha instituído cláusulas nesse sentido.
A grande importância dessa novidade será pontuada aqui na obra um pouco
mais adiante, quando do exame do Tribunal Penal Internacional da ONU, criado
pelo chamado "Estatuto de Roma".
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública da Paraíba de 2014 trouxe a seguinte
proposição: "A Constituição Federal prevê que o Brasil propugnará pela
formação de um tribunal internacional dos direitos humanos, mas veda a
submissão à jurisdição do Tribunal Penal Internacional por permitir a extra-
dição de brasileiros". Está errado!
A prova do Ministério Público de São Paulo de 2008 trouxe a seguinte
proposição: "A Constituição Federal não permite a sujeição do Brasil à juris-
dição de Tribunais Internacionais". Está errado!
A prova do 21° concurso do Ministério Público Federal trouxe a seguinte
proposição: "Considerando que direitos humanos são matéria de jurisdição
doméstica e soberania nacional, não admite, de acordo com a Constituição,
qualquer julgamento ou manifestação de cortes ou organismos regionais ou
internacionais sobre o assunto". Está errado!
1.11.3. Federalização dos casos de graves violações de direitos humanos, ou inci-
dente de deslocamento de competência para os órgãos federais
Outra novidade de grande importância trazida pela Emenda Constitucional
45/2004 foi a criação do mecanismo da federalização dos casos de graves violações
de direitos humanos, ou incidente de deslocamento de competência (IDC) para os
órgãos federais da apuração dos casos de graves violações de direitos humanos.
O mecanismo foi inserido no art. 109, § 50, da Constituição, segundo o qual:
Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da Repú-
blica, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá
suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito
ou processo, incidente de deslocamento de competência para a justiça Federal.
O mecanismo permite deslocar para os órgãos federais a apuração de casos
de graves violações de direitos humanos que podem atrair a responsabilidade
internacional do Brasil, em razão do eventual descumprimento das obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos.
O mecanismo busca dar efetividade a compromissos internacionais assumidos
pela República Federativa do Brasil em matéria de direitos humanos, em especial
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 75
ao compromisso decorrente do art. 28 do Pacto de San José da Costa Rica, que esta-
belece a Cláusula Federal.
O Brasil é signatário de muitos tratados sobre direitos humanos, que assentam
obrigações variadas, as quais, uma vez descumpridas, geram a responsabilidade
internacional do Estado Brasileiro.
A responsabilidade internacional dos Estados, quando analisada do ponto de
vista do plano interno, possui uma fisionomia peculiar no caso de Estados que
adotam a forma federativa, como é o caso brasileiro.
O Estado Federal é um Estado de Estados (Swat der Staaten, como dizem os
alemães), no qual coexistem um Ente soberano, o Estado Federal, e unidades
autônomas, os Estados Federados (ou Unidades da Federação), todos dotados de
competências jurídico e políticas próprias, delimitadas na Constituição Federal.
Cada Unidade da Federação possui personalidade jurídica própria, mas essa
personalidade é projetada apenas para o plano interno, nacional, pois a perso-
nalidade jurídica internacional é do Estado Federal, e os Estados Federados são
reconhecidos pelo direito internacional apenas na medida em que o respectivo
Estado federal o autorizar, como acontece na Federação argentina.
Pode acontecer de obrigações internacionais assumidas pelo Estado Federal
recaírem, no plano interno, na esfera de atuação das unidades locais, e, havendo
ineficiência no desempenho dos órgãos locais, o Estado Federal pode ser respon-
sabilizado internacionalmente.
Destaco: a ineficiência da atuação de órgãos locais pode acarretar o des-
cumprimento de obrigações internacionais assumidas pelo Estado Federal e, por
conseguinte, gerar a responsabilidade internacional do País.
Isso aconteceu, por exemplo, no caso que resultou na primeira condenação do
Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o caso "Ximenes
Lopes", sentenciado em 4 de julho de 2006.
Nesse caso, a Corte decidiu pela responsabilidade do Estado Brasileiro em
razão da não apuração, de maneira adequada, da morte do Sr. Damião Ximenes
Lopes, pessoa portadora de transtornos mentais, que foi internado para trata-
mento na Casa de Repouso Guararapes, unidade de saúde sediada no Município de
Sobral-CE, e lá veio a falecer, vítima de maus-tratos.
Os fatos ocorreram em 1999. As autoridades locais adotaram medidas para
apurar o homicídio e punir os responsáveis. Houve inquérito policial, foi defla-
grada persecução penal pelo órgão ministerial estadual, e a sentença condenató-
ria de primeiro grau, condenando os 6 réus, foi proferida pelo juízo da Comarca
de Sobral apenas no ano de 2009, quando o Estado Brasileiro já estava condenado
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos há quase 3 anos.
76 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
Esse caso é emblemático. A sentença de primeiro grau da justiça estadual foi
proferida quase 3 anos após ter sido esgotada a atuação dos órgãos internacionais.
O Estado Brasileiro foi condenado, cumpriu a sentença, e a persecução penal
na justiça estadual ainda encontrava-se em juízo de primeiro grau, revelando
a falta de efetividade da atuação dos órgãos locais, em detrimento de direitos
humanos, fator determinante para condenação internacional do País.
O caso "Ximenes Lopes" não é o único caso em que a atuação de órgãos locais
foi determinante para a responsabilização do Estado Brasileiro perante a Corte
Interamericana.Há outros, e, em outro capítulo aqui na obra, mais adiante, anali-
saremos todos os casos envolvendo o Brasil na Corte.
Esse exemplo denota que o mecanismo da federaliza cão dos casos de graves
violações de direitos humanos foi instituído para dar efetividade aos direitos huma-
nos e prevenir a responsabilidade internacional do Brasil.
O mecanismo visa dar cumprimento especialmente ao art. 28 do Pacto de San José
da Costa Rica, que estabelece a Cláusula Federal, segundo a qual, quando a efetiva-
ção das obrigações decorrentes da Convenção Internacional corresponder, no plano
interno, a competência das entidades componentes da federação, o governo nacional
deve tomar medidas pertinentes para assegurar o cumprimento da Convenção.
Artigo 28. Cláusula federal
1. Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado federal, o
governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá todas as disposições da
presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce com-
petência legislativa e judicial.
2. No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à compe-
tência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar
imediatamente as medidas pertinente, em conformidade com sua constituição
e suas leis, a flm de que as autoridades competentes das referidas entidades
possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção.
É nesse contexto, de adoção, pelo Estado Federal, de medidas pertinentes
para assegurar o cumprimento das obrigações internacionais relativas à efetivação
dos direitos humanos, que deve ser compreendido o mecanismo da federalização
dos casos de graves violações de direitos humanos, instituído pela Emenda Consti-
tucional 45/2004.
Presente situação de grave violação de direitos humanos, e constatada inefi-
ciência da atuação dos órgãos locais, apta a gerar a responsabilização internacio-
nal, o Estado Federal tem o dever jurídico de adotar as medidas pertinentes para
assegurar o cumprimento das obrigações internacionais.
Trago novamente o texto constitucional para destacar pontos importantes
sobre o mecanismo
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 77
Constituição, art. 109, [...]
§ 5. Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da
República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorren-
tes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte,
poderó suscitar, perante o Superior Tribunal de justiça, em qualquer fase do inqué-
rito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a justiça Federal.
Da leitura do preceito constitucional, podemos destacar o seguinte:
• A federalização pressupõe grave violação de direitos humanos;
• A federalização pressupõe o cumprimento de obrigações decorrentes
de tratados internacionais de direitos humanos adotados pelo Brasil;
• A legitimidade para pedir o deslocamento de competência é do Pro-
curador-Geral da República;
• A competência para julgar o pedido é do Superior Tribunal de justiça;
• O pedido pode ser feito em qualquer fase do inquérito ou do pro-
cesso
A expressão "grave violação de direitos humanos" há de ser compreendida
como referindo a casos que podem atrair um processo internacional contra o
Brasil, não havendo vagueza, nem inconstitucionalidade, no texto. A gravidade,
assim, resulta da possibilidade de responsabilização internacional, o que é um
fato objetivo, com parâmetros precisos.
É imprescindível que o caso envolva o cumprimento de obrigações decorren-
tes de tratados internacionais de direitos humanos adotados pelo Brasil, ou seja, a
situação fática precisa atrair a aplicação de uma norma constante de uma Conven-
ção Internacional de direitos humanos adotada pelo Estado Brasileiro.
Nesse ponto vale reiterar que a responsabilidade internacional pelo descum-
primento das obrigações decorrentes de tratados é sempre do Estado Federal,
do Brasil, ainda que a a violação de direitos decorra da atuação de um Ente local.
Estados, Distrito Federal e Municípios são pessoas meramente internas da Federa-
ção brasileira, que não possuem personalidade internacional.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 16° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "De acordo com o Direito Internacional, a respon-
sabilidade pelas violações de direitos humanos na hipótese do Brasil é da
União, e das suas Unidades Federativas (Estados) os quais dispõe de perso-
nalidade jurídica na ordem internacional". Está errado!
A mesma prova trouxe a seguinte proposição: "É exclusivamente sobre a
União que recai a responsabilidade internacional na hipótese de violação
de tratado de proteção de direitos humanos". Essa está correta!
78 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
A legitimidade para formular o pedido foi atribuída, no âmbito do Estado
Federal, ao Procurador-Geral da República, e a competência para julgamento foi
atribuída ao Superior Tribunal de justiça, e não ao Supremo Tribunal Federal.
A opção de atribuir a legitimidade ao Procurador-Geral da República demons-
tra-se adequada, por se tratar do Chefe do Ministério Público Brasileiro, órgão
titular da persecução penal; e a opção de atribuir ao Superior Tribunal de justiça
a competência para julgamento era uma escolha possível, que não viola nenhuma
cláusula constitucional.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do concurso para Promotor de justiça do Estado do Ceará de
2020 trouxe a seguinte questão: Nas hipóteses de grave violação de
direitos humanos, a fim de se assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratado internacional, o incidente de deslocamento de
competência para a justiça federal poderá ser suscitado ao
A) STF pelo procurador-geral da República ou pelo advogado-geral da
União.
STJ pelo procurador-geral da República ou pelo advogado-geral da
União.
C) STJ pelo procurador-geral da República.
STF pelo procurador-geral da República.
E) STF pelo procurador-geral da República, pelo advogado-geral da União
ou pelo presidente do Senado Federal.
A resposta é a alternativa C.
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte propo-
sição: Acerca do Incidente de Deslocamento de Competência, nas hipó-
teses de grave violação de direitos humanos, cabe ao Procurador-Geral
da República e ao Ministro da justiça, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de
direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, suscitar, perante o Supe-
rior Tribunal de justiça, incidente de deslocamento de competência para
a justiça Federal. Está errado!
A prova de juiz Federal do TRF 3a Região 2016 trouxe a seguinte propo-
sição: "0 instituto do deslocamento de competência para a justiça Federal
poderá ocorrer, em qualquer fase processual, com relação a inquéritos e
processos em trâmite na justiça Estadual, com a finalidade de assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratado internacional de direi-
tos humanos do qual o Brasil seja parte, mediante requerimento do Procu-
rador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses
de grave violação de direitos humanos". Está errado!
A prova da Defensoria Pública da Paraíba 2014 trouxe a seguinte
proposição: "Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos,
o Procurador-Geral da República e o Defensor Público- Geral Federal,
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 79
com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorren-
tes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil
seja parte, poderão suscitar, perante o Superior Tribunal de justiça, em
qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de
competência para a justiça Federal". Está errado!
A prova do 16° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "Na hipótese de violaçãodos direitos humanos é
permitido ao Procurador-Geral da República requerer ao Supremo Tribunal
Federal o deslocamento da competência do caso para instâncias federais,
em qualquer fase do processo". Está errado!
A prova do 23° concurso do Ministério Público Federal trouxe a seguinte
proposição: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos huma-
nos: Com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações deles
decorrentes, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, podem
servir de fundamento ao Procurador-Geral da República para suscitar,
perante o Superior Tribunal de justiça, em qualquer fase do inquérito ou
processo, incidente de deslocamento de competência para a justiça Fede-
ral". Está correto!
O incidente de deslocamento pode ser suscitado em qualquer fase do inqué-
rito ou do processo, o que significa dizer que pode ser feito na fase pré-processual
da persecução (fase do inquérito).
Há um requisito para a federalização que não está previsto expressamente no
texto constitucional, mas se encontra implícito no sistema, e que foi acolhido pela
jurisprudência do Superior Tribunal de justiça, que é a ineficiência da atuação dos
órgãos estaduais.
A jurisprudência do Superior Tribunal de justiça está consolidada nesse sen-
tido, desde o julgamento do primeiro pedido de deslocamento (IDC n. 1), em que
a Corte entendeu que as autoridades do Estado do Pará estavam empenhadas
na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana
Dorothy Stang, e, por isso, negou a federalização.
Se os órgãos estaduais atuarem de maneira eficiente, não haverá espaço para
ocorrer o deslocamento de competência. Se o pedido for formulado, o STj prova-
velmente irá negar o pleito, como já fez em algumas oportunidades.
Atenção:
o STI tem entendimento consolidado de que, para que ocorra o desloca-
mento de competência para os órgãos federais, não basta a grave vio-
lação de direitos humanos e a necessidade de assegurar o cumprimento
de obrigações constantes de tratados internacionais firmados pelo Bra-
sil, sendo necessário constatar, em concreto, a ineficiência da atuação
dos órgãos estaduais.
80 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte pro-
posição: Acerca do Incidente de Deslocamento de Competência, nas hipó-
teses de grave violação de direitos humanos, segundo entendimento do
Superior Tribunal de justiça, o deslocamento da competência para a jus-
tiça Federal deverá ser deferido ante a verificação de situação de grave
violação aos direitos humanos, dispensando-se a demonstração concreta
da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do
Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução
penal. Está errado!
O primeiro pedido de federalização foi um caso que envolveu um homicídio
ocorrido no Município de Anapu, Estado do Pará, tendo como vítima a freira Doro-
thy Stang. 0 pedido foi julgado improcedente, justamente por ter o ST] entendido
que os órgãos estaduais estavam empenhados em apurar o caso, não se justifi-
cando o deslocamento de competência.
Vale a pena trazer a ementa do julgado:
CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO.
(VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA - IDC. INÉPCIA
DA PEÇA INAUGURAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINA-
RES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À AUTONOMIA DA
UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO
DE DESCUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO BRASIL SOBRE A
MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO.
1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da
vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional,
representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos
do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 40, no 1, da Con-
venção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário
por força do Decreto no 678, de 6/11/1992, razão por que não há falar em
inépcia da peça inaugural.
2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão "direitos humanos", é
verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos
crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de
restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5.), afastando-o
de sua finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria,
examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades
detidamente, motivo pelo qual não há falar em norma de eficácia limitada.
Ademais, não é próprio de texto constitucional tais definições.
3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional no
45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 81
processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da pro-
porcionalidade e da razoabilidade.
4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apu-
ração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana
Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a inten-
ção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais
importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de desloca-
mento da competência originária para a justiça Federal, de forma subsi-
diária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal
e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida
norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes
praticados com grave violação de direitos humanos.
5. 0 deslocamento de competência - em que a existência de crime praticado
com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade
do pedido - deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na
demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decor-
rentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inér-
cia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-
-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No
caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha
o incidente.
6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. io, inc. Ill, da Lei no
10.446, de 8/5/2oo2. (Incidente de deslocamento de competência no 1 - PA,
Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima; Suscitante: Procurador Geral da Repú-
blica; Suscitado: justiça Estadual do Pará)
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte propo-
sição: Acerca do Incidente de Deslocamento de Competência, nas hipóteses
de grave violação de direitos humanos, o primeiro Incidente de Desloca-
mento de Competência suscitado perante o STI refere-se ao caso envol-
vendo o homicídio de Dorothy Stang, religiosa norte-americana naturalizada
brasileira, ocorrido no Estado do Pará, tendo o mesmo sido julgado impro-
cedente na ocasião sob o argumento da inconstitucionalidade do instituto.
Está errado, pois o pedido foi julgado improcedente porque o STJ enten-
deu não estar presente o requisito da ineficiente dos órgãos estaduais,
não tendo havido declaração de inconstitucionalidade do instituto.
O primeiro pedido julgado procedente foi o incidente de deslocamento de com-
petência n. 2, caso que envolveu um homicídio ocorrido no Município de Pitimbu,
Estado da Paraíba, tendo como vítima de um advogado e vereador pernambucano,
Manoel Bezerra de MattosNeto, defensor dos direitos humanos, autor de diversas
denúncias contra a atuação de grupos de extermínio na fronteira dos Estados de
Pernambuco e Paraíba, entre os Municípios de Pedras do Fogo e Itambé.
82 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
julgando o pedido de federalização, o STI reconheceu a incapacidade dos
órgãos estaduais de apurar de maneira adequada e eficiente o episódio e deter-
minou o deslocamento da competência para os órgãos federais.
Vale trazer a ementa do julgado:
INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇAS ESTADUAIS DOS ESTADOS
DA PARAÍBA E DE PERNAMBUCO. HOMICÍDIO DE VEREADOR, NOTÓRIO DEFENSOR
DOS DIREITOS HUMANOS, AUTOR DE DIVERSAS DENÚNCIAS CONTRA A ATUAÇÃO DE
GRUPOS DE EXTERMÍNIO NA FRONTEIRA DOS DOIS ESTADOS. AMEAÇAS, ATENTADOS E
ASSASSINATOS CONTRA TESTEMUNHAS E DENUNCIANTES. ATENDIDOS OS PRESSUPOS-
TOS CONSTITUCIONAIS PARA A EXCEPCIONAL MEDIDA.
1. A teor do § 5.0 do art. 109 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda
Constitucional n.• 45/2004, o incidente de deslocamento de competência para
a Justiça Federal fundamenta-se, essencialmente, em três pressupostos: a
existência de grave violação a direitos humanos; o risco de responsabiliza-
ção internacional decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas
assumidas em tratados internacionais; e a incapacidade das instâncias e
autoridades locais em oferecer respostas efetivas.
2. Fatos que motivaram o pedido de deslocamento deduzido pelo Procu-
rador-Geral da República: o advogado e vereador pernambucano MANOEL
BEZERRA DE MATTOS NETO foi assassinado em 24/01/2009, no Município de
Pitimbu/PB, depois de sofrer diversas ameaças e vários atentados, em
decorrência, ao que tudo leva a crer, de sua persistente e conhecida atua-
ção contra grupos de extermínio que agem impunes há mais de uma década
na divisa dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, entre os Municípios de
Pedras de Fogo e Itambé.
3. A existência de grave violação a direitos humanos, primeiro pressu-
posto, está sobejamente demonstrado: esse tipo de assassinato, pelas
circunstâncias e motivação até aqui reveladas, sem dúvida, expõe uma
lesão que extrapola os limites de um crime de homicídio ordinário, na
medida em que fere, além do precioso bem da vida, a própria base do
Estado, que é desafiado por grupos de criminosos que chamam para si as
prerrogativas exclusivas dos órgãos e entes públicos, abalando sobrema-
neira a ordem social.
4. 0 risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de
obrigações derivadas de tratados internacionais aos quais o Brasil anuiu
(dentre eles, vale destacar, a Convenção Americana de Direitos Humanos,
mais conhecido como "Pacto de San Jose da Costa Rica") é bastante consi-
derável, mormente pelo fato de já ter havido pronunciamentos da Comis-
são Interamericana de Direitos Humanos, com expressa recomendação ao
Brasil para adoção de medidas cautelares de proteção a pessoas amea-
çadas pelo tão propalado grupo de extermínio atuante na divisa dos Esta-
dos da Paraíba e Pernambuco, as quais, no entanto, ou deixaram de ser
cumpridas ou não foram efetivas. Além do homicídio de MANOEL MATTOS,
outras três testemunhas da CPI da Câmara dos Deputados foram mortos,
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 83
dentre eles LUIZ TOMÉ DA SILVA FILHO, ex-pistoleiro, que decidiu denunciar
e testemunhar contra os outros delinquentes. Também FLÁVIO MANOEL DA
SILVA, testemunha da CPI da Pistolagem e do Narcotráfico da Assembleia
Legislativa do Estado da Paraíba, foi assassinado a tiros em Pedra de Fogo,
Paraíba, quatro dias após ter prestado depoimento à Relatora Especial
da ONU sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais. E, mais
recentemente, uma das testemunhas do caso Manoel Mattos, o Maximiano
Rodrigues Alves, sofreu um atentado a bala no município de Itambé, Per-
nambuco, e escapou por pouco. Há conhecidas ameaças de morte contra
Promotores e juízes do Estado da Paraíba, que exercem suas funções no
local do crime, bem assim contra a família da vítima Manoel Mattos e con-
tra dois Deputados Federais.
5. É notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer
respostas efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por
elas próprias. Há quase um pronunciamento uníssono em favor do deslo-
camento da competência para a justiça Federal, dentre eles, com especial
relevo: o Ministro da justiça; o Governador do Estado da Paraíba; o Governa-
dor de Pernambuco; a Secretaria Executiva de justiça de Direitos Humanos; a
Ordem dos Advogados do Brasil; a Procuradoria-Geral de justiça do Ministé-
rio Público do Estado da Paraíba.
6. As circunstâncias apontam para a necessidade de ações estatais firmes
e eficientes, as quais, por muito tempo, as autoridades locais não foram
capazes de adotar, até porque a zona limítrofe potencializa as dificulda-
des de coordenação entre os órgãos dos dois Estados. Mostra-se, portanto,
oportuno e conveniente a imediata entrega das investigações e do proces-
samento da ação penal em tela aos órgãos federais.
7. Pedido ministerial parcialmente acolhido para deferir o deslocamento
de competência para a justiça Federal no Estado da Paraíba da ação
penal n.. 022.2009.000.127-8, a ser distribuída para o Juízo Federal Crimi-
nal com jurisdição no local do fato principal; bem como da investigação
de fatos diretamente relacionados ao crime em tela. Outras medidas
determinadas, nos termos do voto da Relatora. (Incidente de desloca-
mento de competência no 2 - DF, relatora: Ministra Laurita Vaz, Suscitante:
Procurador Geral da República, Suscitado: justiça estadual da Paraíba e
justiça estadual de Pernambuco).
1 Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte propo-
sição: Acerca do Incidente de Deslocamento de Competência, nas hipóteses
de grave violação de direitos humanos, o Superior Tribunal de justiça con-
cedeu a primeira federaliza cão de grave violação de direitos humanos no
caso do defensor de direitos humanos Manoel Mottos, assassinado após ter
denunciado a atuação de grupos de extermínio nos Estados de Pernambuco
e Paraíba. Está correto!
84 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
2. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDA-
MENTAIS
Já foi registrado que uma das inovações da Constituição de 1988 foi consagrar
o comando da aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais, cabendo agora trazer algumas considerações a mais quanto a isso.
Na teoria constitucional predomina, de uma maneira geral, a tese de que
normas definidoras de direitos liberais possuem aplicação imediata, mas normas
definidoras de direitos sociais possuem aplicação progressiva, na medida das
possibilidades do Estado, e isso é consagrado em diversas constituições e em
convenções internacionais sobre direitos humanos.
Argumenta-se que a efetivação dos direitos sociais depende de medidas con-
cretas por parte do Estado, de caráter legislativo e administrativo, que demanda
recursos financeiros e recursos humanos, que nem sempre estão disponíveis.
Nessa esteira, a dependência de elementos extrajurídicos obstaria a aplicação
imediata dos direitos, que só teriam como ser aplicados quando, e na medida, da
concretização desses elementos.
Na doutrina brasileira, a tese da aplicação progressiva dos direitos sociais
encontra suporte na clássica lição do Professor José Afonso da Silva sobre as nor-
mas constitucionais quanto à eficácia e aplicabilidade.
Nos termos da classificação proposta pelo Professor José Afonso da Silva, as
normas definidoras de direitos sociais se enquadram como normas de eficácia limi-
tada, que possuem aplicabilidade diferida, não imediata, condicionada à adoção
de medidas ulteriores.
E, sendo realista, realmente não há como efetivar direitos sociais sem a ado-
ção de medidas concretas por partedos agentes públicos, parecendo adequado
afirmar, como consta nas convenções internacionais, que a aplicação desses direi-
tos é progressiva.
Não obstante, é preciso perceber que essa tese colide com o texto expresso do
art. 50, § 10, da Constituição brasileira, segundo prevê que possuem aplicação ime-
diata as normas que definem os direitos fundamentals, não apenas os individuais,
e aí se incluem os direitos sociais.
Esse é um ponto que exige muita atenção nos concursos públicos, pois a teoria
geral e as convenções internacionais sinalizam num sentido e a Constituição bra-
sileira sinaliza em outro, e as duas perspectivas podem ser cobradas em provas.
I Importante:
No âmbito de uma teoria geral é correto afirmar que aplicação dos direi-
tos sociais é progressiva, na medida das possibilidades. Entretanto, de
acordo com o texto expresso da Constituição brasileira, os direitos fun-
damentais - o que inclui os direitos sociais - possuem aplicação imediata.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 85
A questão principal é: como marcar na prova? Os direitos sociais possuem ou
não aplicação imediata? E a resposta é depende... depende de como está formu-
lada a pergunta.
Se a pergunta vem cobrando no plano de uma teoria geral dos direitos huma-
nos, se deve marcar que a aplicação dos direitos sociais se dá de maneira progres-
siva; se a pergunta é em cima do texto constitucional, a resposta há de ser que os
direitos sociais possuem aplicação imediata.
> Importante:
A resposta da prova dependerá de como vier formulada a pergunta da
questão. A depender do que perguntado é que se deve afirmar se os
direitos sociais possuem ou não aplicação imediata.
3. PETRIFICAÇÃO DOS DIREITOS
Como já registrado, a nova Constituição petrificou os direitos das pessoas, mas
a redação do texto constitucional deu margem para uma polêmica que costuma
ser abordada em provas.
O texto constitucional menciona que não podem ser abolidos apenas os direitos
e garantias individuais, não chegando sequer a mencionar os coletivos (art. 60, § 4°,
IV, da CF), e daí surge a reflexão de saber se outros direitos fundamentais (sociais,
difusos, etc.) poderiam ser suprimidos.
Emenda constitucional poderia suprimir o direito à educação (direito social)
ou o direito ao ambiente (direito difuso)?
Se a resposta for pautada no texto expresso da constituição terá que ser sim,
poderia suprimir o direito à educação ou o direito ao ambiente; mas não parece
que essa seja uma interpretação constitucionalmente adequada, até mesmo em
virtude da proibição de retrocesso social.
I Importante:
o texto constitucional expresso proíbe abolir apenas os direitos indivi-
duais. Nessa esteira, seria possível suprimir direitos sociais ou outros
direitos que não individuais. Contudo, no plano de uma teoria geral, não
se afigura possível suprimir direitos fundamentais como um todo, até
mesmo em virtude da proibição de retrocesso.
E aqui entra a pergunta principal: como marcar correto na prova? É ou não
possível suprimir direitos sociais ou direitos outros não individuais?
E, mais uma vez, a resposta é depende... depende da maneira como for
colocada a pergunta! Se a pergunta vier em cima do texto expresso da Consti-
tuição a resposta é que somente os direitos individuais não podem ser supri-
86 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrette
midos; mas, se a pergunta vier no plano de uma teoria geral, a resposta é que
os direitos fundamentais - no que se incluem os sociais e todos os demais - não
podem ser abolidos.
I Importante:
a resposta da prova dependerá de como vier formulada a pergunta da
questão. A depender do que for perguntado é que se deve afirmar se
não podem ser suprimidos os direitos fundamentas como um todo ou se
apenas os direitos individuais.
4. A DECLARAÇÃO DE DIREITOS
Já foi dito que o catálogo de direitos previsto na Constituição brasileira é
meramente exemplificativo, afirmação que possui base no § 2° do art. 50 do texto
constitucional, segundo o qual "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
I Importante:
o catálogo de direitos e garantias previstos expressamente no texto
constitucional é meramente exemplificativo, não exaurindo os direitos e
garantias válidos no Brasil.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia do Rio Grande do Sul trouxe a seguinte
proposição: A Constituição Federal de 1988, no que tange aos direitos huma-
nos, estabelece que seu rol resta limitado àquele previsto no texto consti-
tucional.
Está errado!
Analisando esse dispositivo constitucional se pode afirmar que o catálogo de
direitos e garantias válidos no Brasil abrange direitos e garantias:
a) expressos no texto constitucional
b) implícitos no texto constitucional
c) expressos em tratados internacionais firmados pelo Brasil
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado Civil de Minas Gerais de 2018 trouxe a seguinte
questão:
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 87
A Constituição da República de 1988 cuidou expressamente dos direitos
humanos, enumerando-os no Título que trata dos direitos e garantias
fundamentais. Existem, entretanto, outros direitos humanos não enu-
merados no texto, mas cuja proteção a própria Constituição assegura,
PORQUE:
a) decorrem do regime e dos princípios adotados pela própria Consti-
tuição.
b) o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional.
c) são criados pelo Poder judiciário, após o trânsito em julgado das
decisões.
cl) surgem de necessidades que não foram previstas pelo legislador
constituinte.
A resposta é letra "a".
A prova de Delegado Civil de Minas Gerais de 2011 trouxe a seguinte
proposição: Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos, de
que o Brasil é parte, integram o elenco dos direitos constitucionalmente
consagrados. Está correto!
Os direitos e garantias expressos no texto constitucional estão previstos em
sua maior parte no Título ll da Constituição, mas estão espalhados por todo o texto
constitucional, vide exemplo do direito ao ambiente, que está consagrado no art.
225 da CF.
O Título ll da Constituição, intitulado "Dos direitos e garantias fundamentais",
enuncia os seguintes tipos de direitos e garantias:
a) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 50);
b) direitos sociais (arts. 60 a 11);
c) direitos de nacionalidade (arts. 12 e 13);
d) direitos políticos (arts. 14 a 16)
e) direitos relacionados a partidos políticos (art. 17).
Não custa reiterar que esse rol é meramente exemplificativo e que os direitos
e garantias expressos na Constituição não se exaurem nesses artigos.
I Importante:
se a prova perguntar se os direitos e garantias fundamentais se esgotam
no Título II da Constituição a resposta é NÃO! O título II traz apenas alguns
dos direitos reconhecidos no texto constitucional! Há outros tantos espa-
lhados pela lei fundamental!
Quanto aos direitos e garantias implícitos no sistema constitucional, extraíveis
dos princípios e do regime adotados pela Constituição, o grande exemplo que
88 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
se têm é a garantia da proporcionalidade, acerca da qual esta obra já discorreu
quando do exame da limitação a direitos.
O dever de proporcionalidade dos atos do Poder público não está expresso no
texto da Constituição brasileira, mas é extraído do sistema constitucional, a partir
da ideia de Estado de Direito - como fazem os alemães - e a partir da ideia de
devido processo legal substancial - como fazem os americanos.
Enfim, sobre os direitos e garantias constantes dos tratados internacionais
firmados pelo Brasil essa obra discorrerá mais adiante, quando do exame dos
sistemas internacionais de direitos humanos.
5. A TITULARIDADE DOSDIREITOS E GARANTIAS
A questão da titularidade dos direitos e garantias deve ser analisada em dois
planos: num plano da teoria geral dos direitos humanos e num plano do que pre-
visto na Constituição brasileira.
No piano da teoria geral, os direitos humanos são titularizados por toda e
qualquer pessoa, independente de qualquer condicionamento, o que traduz a
ideia de universalidade dos direitos humanos.
Numa perspectiva ampla, a titularidade de direitos abrange pessoas jurídicas,
inclusive as pessoas estatais, e atualmente até já se fala em direitos dos animais,
mas é evidente que pessoas jurídicas não titularizam todo e qualquer direito.
I Importante:
Pessoas jurídicas são titulares de direitos e garantias, inclusive as pes-
soas estatais. Por óbvio que não titularizam todos os direitos e garantias,
mas sua condição de sujeito de direitos é inegável.
Quanto às pessoas estatais, de início pode parecer contraditório afirmar que o
Estado é titular de direitos, eis que o processo histórico de afirmação dos direitos
surgiu exatamente no sentido de limitar o poder estatal, mas é preciso alargar
essa compreensão...
É bem verdade que o Estado não vai titularizar todo e qualquer direito ou
garantia, mas isso não lhe retira a titularidade de alguns direitos, em especial os
de caráter processual, como a ampla defesa, o devido processo legal ou o direito
de impetrar mandado de segurança.
Se no plano da teoria geral os direitos são titularizados por todos, no plano
específico do que previsto na constituição brasileira é possível identificar direitos
de titularidade restrita.
Nesse sentido, há direitos titularizados apenas por trabalhadores urbanos e
rurais (art. 70), direitos titularizados apenas por brasileiros natos e assim por diante.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 89
Chama atenção, na constituição brasileira, a maneira como foi feita referência
à titularidade dos direitos individuais e coletivos.
Conforme o caput do art. 5. da Constituição brasileira, os direitos individuais
e coletivos são reconhecidos apenas aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no país, ali não se fazendo nenhuma referência aos estrangeiros que não residam
no Brasil e aqui estejam apenas de passagem.
Adotada uma interpretação literal do dispositivo, os estrangeiros não residentes
no Brasil não fariam jus a qualquer dos direitos e garantias previstos no art. 50 da CF,
o que não se afigura adequado, pois, além de restringir a proteção à pessoa humana,
contraria os tratados internacionais, que proclamam que os direitos devem se reco-
nhecidos a toda e qualquer pessoa que se encontre no território do Estado signatário.
Decerto, a interpretação compatível com a tutela da dignidade humana é a
que reconhece que qualquer pessoa que esteja no Brasil, brasileiro ou estrangeiro,
residente ou não no país, deve ser considerado titular de direitos e garantias.
I Importante:
O estrangeiro não residente no Brasil deve ser considerado titular dos
direitos e garantias proclamados no art. 50 da constituição brasileira?
Texto da Constituição - Não, pois o texto se refere apenas ao estrangeiro
residente no país.
Interpretação adequada - Sim, pois o fato de não residir no Brasil não
retira do estrangeiro a condição de merecedor de dignidade e respeito,
havendo de se lhe reconhecer a titularidade de direitos e garantias.
E eis a pergunta chave: como se posicionar sobre o tema numa prova de
concurso?
A resposta depende da maneira como for perguntado, se em cima do texto
expresso da constituição ou se pautada na interpretação adequada.
Se a pergunta vier em cima do texto expresso da Constituição a resposta é que
somente os estrangeiros residentes no país titularizam os direitos; mas, de outro
modo, se a pergunta vier no plano de uma teoria geral, de uma correta noção da
problemática, a resposta é que qualquer estrangeiro é titular dos direitos.
6. A CONSTITUIÇÃO E OS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS
Há dois pontos no relacionamento entre a Constituição e os tratados interna-
cionais sobre direitos humanos que geram polêmicas e são muito explorados nas
provas. São os seguintes:
1) A partir de que momento esses tratados são incorporados à ordem jurídica
interna do Brasil, podendo ser aplicados internamente?
90 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
2) Os tratados são incorporados à ordem jurídica brasileira com que status
normativo, com que natureza jurídica?
A matéria é objeto de divergência doutrincíria, mas de pacífica posição no
Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual, numa prova discursiva ou oral
será preciso sinalizar a controvérsia, não se limitando a indicar a posição da
Suprema Corte.
Apontaremos a controvérsia, mas registremos logo a posição do STF.
I Importante:
Posição do Supremo Tribunal Federal acerca das 2 perguntas
1) Os tratados de direitos humanos somente são incorporados à ordem
interna brasileira depois de serem promulgados, o que é feito por inter-
médio de um decreto do Presidente da República.
Antes da promulgação desse decreto presidencial os tratados não pos-
suem aplicação na ordem interna brasileira.
2) Os tratados sobre direitos são incorporados ao ordenamento interno
brasileiro com status supralegal, podendo vir a ter status constitucional
se forem aprovados duas vezes em cada Casa do Congresso Nacional
por 3/5 dos votos, ou seja, se forem aprovados pelo mesmo procedi-
mento de aprovação de uma emenda constitucional.
Registrada a posição do STF, detalhemos o tema e as controvérsias.
6.1. A partir de que momento os tratados internacionais sobre direitos humanos
são incorporados à ordem jurídica interna do Brasil, podendo ser aplicados
internamente?
O ponto central da discussão é: tratados de direitos humanos podem ser apli-
cados na ordem interna brasileira a partir da sua ratificação e depósito no cenário
internacional ou somente após sua promulgação na ordem interna?
Essa é uma discussão de relevância prática, pois, entre a ratificação e a pro-
mulgação às vezes leva um tempo considerável, vide o exemplo do Protocolo de
San Salvador, que foi ratificado pelo Brasil em 1996, mas promulgado na ordem
interna somente em 1999, cabendo a seguinte pergunta: entre 1996 e 1999, o Pro-
tocolo de San Salvador poderia ser aplicado na ordem interna brasileira?
Como já mencionado, a posição do Supremo Tribunal Federal é no sentido
de que os tratados em geral, inclusive os de direitos humanos, somente podem
ser aplicados na ordem jurídica brasileira depois de serem promulgados na
ordem interna.
A incorporação de um tratado à ordem jurídica interna é um ato complexo, o
qual envolve uma sucessão de atos e que, pelo entendimento do STF, somente se
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 91
aperfeiçoa com o ato de promulgação, que é feito por um decreto executivo do
Presidente da República.
As etapas da incorporação de um tratado são as seguintes: assinatura do
tratado, ato que é de competência do Presidente da República; aprovação pelo
Congresso Nacional, o que é feito mediante um Decreto Legislativo; ratificação e
depósito; promulgação na ordem interna, o que ocorre por um decreto executivo
do Presidente da República.
1 Importante:
Etapas do procedimento de incorporação de um tratado ao ordena-
mento interno brasileiro:
la) Assinatura do tratado, de competência do Presidente da República
(art. 84, VIII, da CF);
2.) Aprovação do Congresso Nacional, por um Decreto Legislativo (art.
49, I, da CF);
3a) Ratificação e depósito do tratado, de competência do Presidente da
República;
4 a) Promulgação na ordem interna, por um decreto executivo do Presi-
dente da República.
Analisemos alguns aspectos desse procedimento.
6.1.1. Assinatura do Tratado e Aprovação legislativa. Unicidade e duplicidade de
vontade
O primeiro ato para que um tratado obrigue um Estado é a assinatura, que
costuma ser atribuição doChefe do Estado, e assim o é no Brasil, ex vi do art. 84,
inciso VIII, da CF, que atribui ao Presidente da República a competência para
celebrar tratados, convenções e atos internacionais.
A simples assinatura pelo Chefe do Estado já seria suficiente para que o tra-
tado passe a obrigar o Estado? Depende do modelo adotado pelo próprio Estado.
Em um modelo, denominado modelo de unicidade de vontade, a resposta é
sim, bastando unicamente a manifestação de vontade do Chefe do Estado para
que o Estado se obrigue internacionalmente.
Em outro modelo, denominado de modelo de duplicidade de vontades, a
resposta é não, sendo preciso haver também manifestação de vontade do Poder
Legislativo, de modo que a validade da assinatura feita pelo Chefe do Poder Exe-
cutivo fica condicionada à aprovação do Parlamento.
Fala-se em unicidade e duplicidade de vontade pelo fato da formação do
tratado depender apenas de uma vontade (Poder Executivo), ou da conjugação
de duas vontades (Executivo e Legislativo).
92 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
O Brasil adota, de uma maneira geral, o modelo de duplicidade de vontades,
cabendo ao Presidente da República celebrar tratados e submetê-los ao Congresso
Nacional para aprovação, conforme se extrai dos art. 84, VIII e 49, I, da CF.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa questão: "No
ordenamento jurídico brasileiro compreende-se que é da competência pri-
vativa do Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos
internacionais, que devem ser referendados pelo Congresso Nacional". Está
correto!
A aprovação do tratado pelo Congresso Nacional dar-se-á por Decreto Legisla-
tivo, espécie normativa utilizada para materializar as competências do Congresso
previstas no art. 49 da CF.
É importante destacar que nem todos os atos internacionais precisam ser
submetidos ao crivo do Congresso Nacional. Conforme o art. 49, I, da CF é compe-
tência exclusiva do Congresso Nacional "resolver definitivamente sobre tratados,
acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos
ao patrimônio nacional".
Como se depreende, apenas os atos internacionais que acarretem encargos
ou compromisso gravosos ao patrimônio nacional devem ser submetidos ao Con-
gresso Nacional.
Assim, atos não gerem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional não precisam ser aprovados no Parlamento.
É o que ocorre, por exemplo, com alguns acordos executivos, como convênios
internacionais de cooperação que o Presidente celebre com o chefe de outro
país e também com alguns atos internacionais celebrados pelo Supremo Tribu-
nal Federal, como o protocolo de intenções firmado com o Supremo Tribunal da
Federação da Rússia, o Supremo Tribunal da Índia e o Tribunal Popular Supremo
da China, em zo de julho de 2009, frisando a vontade desses países de desen-
volverem ações, programas e instrumentos para informação e cooperação entre
as Cortes Supremas.
Importante:
Nem todos as atos internacionais precisam ser submetidos à apreciação
do Congresso Nacional. Somente aqueles que acarretem encargos ou
compromisso gravosos ao patrimônio nacional.
De todo modo, em relação aos tratados sobre direitos humanos, é inques-
tionável a necessidade de aprovação legislativa pelo Congresso Nacional, eis que
eles geram encargos ao Estado brasileiro!
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 93
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "Os tratados internacionais sobre direitos humanos não necessitam
de aprovação pelo Congresso Nacional". Está errado!
6.1.2. Ratificação e depósito do tratado
No Brasil, e nos demais Estados que seguem o modelo de duplicidade, o tra-
tado não se torna obrigatório para o Estado a partir da assinatura, sendo neces-
sária a aprovação do Parlamento.
Havendo a aprovação legislativa, o Estado é autorizado a se obrigar interna-
cionalmente e, para que o ato internacional se aperfeiçoe, será necessário que o
Chefe do Estado ratifique o tratado.
A ratificação do tratado se materializa com o depósito da assinatura junto ao
órgão responsável pelo tratado, sendo este o ato que torna o instrumento inter-
nacional obrigatório em relação ao Estado.
Dessa forma, o depósito é a "certidão de nascimento jurídico" do tratado;
somente a partir dele o tratado passa a existir juridicamente em relação ao Estado.
Antes dele o Estado não está obrigado a cumprir o tratado.
Importante:
É a partir da ratificação e depósito que o tratado passa a vincular o
Estado no cenário internacional; é nesse momento que o Estado se
obriga perante a comunidade internacional; antes dele o Estado não
está obrigado a cumprir o tratado.
Como foi cobrado em prova?
A prova de Juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição:
"Os tratados de direito internacional que versem sobre direitos huma-
nos têm incorporação automática, independentemente de ratificação".
Está errado, eis que é necessária a ratificação e, demais, como veremos,
a promulgação na ordem interna.
A mesma prova trouxe ainda a seguinte proposição: "Independentemente
da ocorrência de ratificação no ordenamento jurídico brasileiro, os trata-
dos que versam sobre direitos humanos obrigam imediata e diretamente
aos Estados, já o direito subjetivo para os particulares surge somente
após a devida intermediação legislativa". Está igualmente errado!
Ratificado e depositado o tratado, o Estado se obriga na ordem jurídica inter-
nacional, mas isso não significa necessariamente que o instrumento internacional
já tenha aplicação na ordem interna do Estado.
94 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
A aplicação do tratado no plano interno a partir do depósito dependerá do modelo
adotado pelo Estado quanto ao relacionamento entre o direito interno e o direito
internacional, mormente saber se o Estado adota a tese monista ou a tese dualista.
6.1.3. (Des) Necessidade de promulgação do tratado na ordem interna. Monismo
x Dualismo
Se for adotado o monismo, o tratado valerá na ordem interna a partir do depó-
sito na ordem internacional. De outro modo, se for adotado o dualismo, somente
com a promulgação na ordem interna o tratado passará a valer internamente.
Adotado o monismo, a aplicação do tratado na ordem internacional e na
ordem interna se dará no mesmo momento. Adotado o dualismo, a aplicação do
tratado no plano internacional ocorre a partir do depósito, mas no plano interno
ocorre somente após a promulgação dele como norma jurídica interna.
A diferença básica entre monismo e dualismo está na maneira como enxergam
o relacionamento entre direito interno e direito internacional.
O monismo entende que ambos integram uma única ordem jurídica, de modo
que as normas internas e internacionais se aplicam ao plano interno indistinta-
mente, eis que a ordem jurídica é uma só, é um todo formado pelo conjunto das
normas internas e internacionais.
O dualismo enxerga a direito interno e internacional como integrantes de
ordem jurídicas diversas, de modo que as normas internacionais devem valer
apenas no plano internacional, somente podendo ser aplicadas no plano interno
se forem convertidas em norma de direito interno.
Entende-se que a norma internacional não pertence ao Direito interno, é um
"objeto estranho" ao direito interno, cuja aplicação somente é possível mediante
a transformação da norma internacional em norma de direito interno.
Veja-se a tabela a seguir:
Fases
lo
Monism° Dualismo
Assinatura do tratado Assinatura do tratado
2. Aprovação legislativa Aprovação legislativa
3°
Ratificação e depósito - o tratado
passa a existir juridicamente e
pode ser aplicado tanto no plano
internacional como no plano
interno, pois a ordem jurídica é
uma só. O tratado vale como uma
autêntica norma internacional, que
é aplicadonos dois pianos.
Ratificação e depósito - o tratado
passa a existir juridicamente e
obrigar o Estado, mas apenas na
ordem internacional, pois ele não
pertence ao Direito interno. Para
que possa ser aplicado interna-
mente é necessário que seja con-
vertido em direito interno
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 95
Fases
4°
Monism°
Não existe.
Dualismo
Promulgação na ordem interna - o
tratado é transformado em norma
de direito interno e, a partir daí,
poderá se aplicado na ordem
interna. O tratado valerá como
uma autêntica norma de direito
interno.
6.1.4. E o Brasil, como fica? Monismo ou dualismo?
Como se posiciona o Brasil nessa controvérsia? O Brasil é monista ou dualista?
Os tratados podem ser aplicados a partir da ratificação e depósito ou é precisam
ser promulgados na ordem interna?
Esse é um ponto que suscita divergências, mas, de uma maneira geral, se pode afir-
mar que o Brasil não é nem monista nem dualista, pois os tratados precisam ser pro-
mulgados na ordem interna (o que afasta o monismo), mas não são transformados em
lei interna (o que afasta o dualismo), sendo aplicados como uma norma internacional.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 15° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: 'o Brasil adota a concepção dualista, da qual decorre
a impossibilidade do Poder Executivo ratificar o diploma internacional sem
que tenha sido aprovado, por Decreto Legislativo, pelo Congresso Nacional".
Está errado!
No Brasil, o que ocorre é a promulgação de um decreto executivo do Presidente
da República autorizando a execução do tratado. Dessa forma, o tratado não é trans-
formado em lei interna brasileira, sendo aplicado enquanto tratado, enquanto norma
internacional, cuja execução no plano interno foi autorizada pelo decreto executivo.
Esse procedimento, que se aperfeiçoa com a promulgação do decreto presi-
dencial, é exigível em relação à incorporação dos tratados em geral no Brasil, mas
há doutrina sustentando que a aplicação dos tratados de direitos humanos não
dependeria da promulgação na ordem interna, ocorrendo a partir do depósito
internacional.
6.1.5. A aplicação dos tratados de direitos humanos na ordem interna não depen-
deria da promulgação na ordem interna?
O entendimento do STF é no sentido da necessidade de promulgação na ordem
interna, o que é feito mediante um decreto do Presidente da República.
96 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Paraná de 2012 trouxe a seguinte pro-
posição: Para valer no plano interno, não basta que a norma internacio-
nal seja assinada pelo Presidente da República, aprovada pelo Congresso
Nacional e ratificada no plano internacional, é necessário ainda que a
referida norma seja publicada no Diário Oficial da União por meio de um
Decreto Presidencial. Está correto!
A prova do 160 concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "A internacionalização da proteção dos direitos
humanos prescinde de mecanismos de incorporação de conteúdos pelo
direito interno de cada país, na medida em que se reconheça a jurisdição
das Cortes Internacionais". Está errado, eis que o fato de se reconhecer a
jurisdição das Cortes Internacionais não torna dispensável a incorpora-
ção dos tratados ao direito interno!
A prova do Ministério Público do Acre, de 2008, trouxe a seguinte propo-
sição: "Os direitos humanos, após a assinatura do respectivo diploma legal,
ingressam de forma direta no ordenamento pátrio". Está errado, eis que
eles somente ingressam no ordenamento pátrio após a promulgação!
Não obstante a posição da Suprema Corte, há entendimento doutrinário, capi-
taneado pela Professora Flávia Piovesan, grande referência na matéria, no sentido
de que os tratados de direitos humanos teriam aplicação interna a partir da rati-
ficação e depósito, não dependendo da promulgação.
A tese se fundamenta no art. 5., §§i e 2°, da CF e é, basicamente, a que segue.
De acordo com o art. 50, § 2., da CF, os direitos e garantias expressos na Consti-
tuição não excluem outros constantes dos tratados internacionais, logo, os direitos
constantes em tratados são aplicáveis na ordem brasileira.
O art. 50, § 10, da CF consagra que as normas que definem direitos e garan-
tias fundamentais possuem aplicação imediata e, se as normas constantes dos
tratados que definem direitos valem na ordem brasileira, elas também possuem
aplicação imediata.
Nessa esteira, a norma internacional que institui direitos e garantias das pes-
soas também possui aplicação imediata, sendo exigível a partir do momento em
que passar a existir juridicamente, o que, como já foi visto, ocorre com a ratifica-
ção e depósito do tratado.
Assim, a aplicação do tratado de direitos humanos na ordem interna decor-
reria diretamente dos citados dispositivos constitucionais, não dependendo da
promulgação pelo decreto executivo.
A tese é bastante interessante e bem fundamentada, mas não é acatada pelo
STF, que entende que mesmo os tratados de direitos humanos somente são aplicá-
veis na ordem interna a partir da promulgação pelo decreto executivo.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 97
Importante:
Como responder numa prova discursiva ou oral?
Iniciar mencionando que a pergunta é objeto de divergências, havendo
tese no sentido da aplicação dos tratados de direitos humanos a partir
da ratificação e depósito na ordem internacional e tese no sentido da
aplicação somente após a promulgação na ordem interna brasileira.
Se o candidato lembrar, mencionar que a discussão tem efeito prático,
exemplificando com o caso do Protocolo de San Salvador.
Registrar que o STF tem posicionamento de que os tratados em geral,
inclusive os de direitos humanos, somente podem ser aplicados na
ordem interna a partir da promulgação, o que é feito mediante um
decreto executivo do Presidente da República.
Registrar também que há entendimento no sentido de que os tratados
de direitos humanos poderiam ser aplicados na ordem interna a partir
da ratificação. Argumentar que o fundamento da tese advém dos §§ 1. e
2° do art. 5. da CF, segundo os quais as normas que definem direitos das
pessoas possuem aplicação imediata e os direitos que valem na ordem
brasileira incluem aqueles constantes dos tratados internacionais.
6.2. Os tratados são incorporados à ordem jurídica brasileira com que status
normativo, com que natureza jurídica?
A outra grande questão envolvendo os tratados de direitos humanos é definir
a natureza jurídica com que são incorporados à ordem jurídica interna, mormente
se eles possuem natureza constitucional ou infraconstitucional.
De início, é fundamental registrar que a controvérsia versa apenas sobre a
natureza formal dos tratados de direitos humanos, pois, do ponto de vista mate-
rial, é unânime o entendimento de que todo tratado sobre direitos humanos
possui natureza constitucional.
Materialmente constitucional é toda e qualquer norma que trate de uma maté-
ria própria da Constituição e, como direitos das pessoas são matérias tipicamente
constitucionais, todo e qualquer tratado que verse sobre isso será materialmente
constitucional.
/ Importante:
Os tratados de direitos humanos são MATERIALMENTE constitucionais, pois
tratam de matéria típica da constituição, que são os direitos das pes-
soas. Isso é entendimento unânime, não há divergência. A controvérsia
acerca do status de tais tratados é apenas em relação ao status formal.
A controvérsia, assim, restringe-se à natureza formal dos tratados, valendo
lembrar que formalmente constitucional é toda norma aprovada pelo procedi-
mento próprio das normas constitucionais.
98 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Como já dito, vale lembrar que a posição do STF é no sentido de que os tra-
tados de direitos humanos são incorporadoscom natureza formalmente suprale-
gal, podendo ter status constitucional se forem aprovados pelo procedimento de
emenda constitucional.
Vejamos a controvérsia.
6.2.1. As diferentes teses, a Emenda Constitucional 45/04 e a posição do STF
Há 4 teses doutrinárias sobre a natureza jurídica formal dos tratados interna-
cionais sobre direitos humanos, que são as seguintes:
1) natureza supraconstitucional - os tratados valem mais do que a própria
Constituição, de modo que prevalecem sobre a constituição num eventual
conflito;
2) natureza constitucional - os tratados valem tanto quanto a Constituição,
estando hierarquicamente equiparados às normas constitucionais;
3) natureza legal - os tratados valem menos do que a Constituição e tanto
quanto uma lei, de modo que não pode jamais se sobrepor à Constituição;
4) natureza supralegal - os tratados valem menos do que a Constituição, mas
mais do que a lei, de modo que não se sobrepõem à Constituição, mas
prevalecem sobre a lei.
Como já registramos, o Supremo Tribunal Federal tem posição firme sobre a
matéria.
Na vigência da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal sempre enten-
deu que os tratados sobre direitos humanos são infraconstitucionais.
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte pro-
posição: "0 STF sempre considerou o tratado internacional sobre direitos
humanos como norma constitucional superveniente". Está errado!
Esse entendimento está baseado no art. 102, III, b, da CF, que prevê ser cabível
recurso extraordinário ante decisão judicial que declare a inconstitucionalidade de
tratado.
A lógica é que, se cabe a declaração de inconstitucionalidade de tratado é
porque o tratado é inferior à constituição e, assim, o tratado deve ser equiparado
à lei ordinária.
Essa posição da natureza legal dos tratados sobre direitos humanos foi modi-
ficada pelo STF somente com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, que
acrescentou um § 30 ao art. 5. da CF, o qual levou a Corte a entender que tais tra-
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 99
tados passaram a ter natureza supralegal e terão natureza constitucional se forem
aprovados duas vezes em cada Casa do Congresso Nacional por 3/5 dos votos.
ATENÇÃO:
Posição do STF antes e depois da EC 45/2004
Até a EC 45/04 o STF entendia que os tratados sobre direitos humanos
tinham natureza de lei ordinária; a partir da EC 45/04 a Corte passou a
entender que ditos tratados possuem natureza supralegal e terão natu-
reza constitucional se forem aprovados duas vezes em cada Casa do
Congresso Nacional por 3/5 dos votos.
É importante destacar o teor do art. 5°, § o, da CF, pois esse dispositivo foi
responsável pela mudança de jurisprudência no Supremo Tribunal Federal:
CF, art. o, § 3. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.
A mudança de entendimento no STF deu-se no julgamento do RE 466343 e dos NC
87585/TO e 92566/SP (dezembro de 2008, Informativo STF 531).
Capitaneado pelo voto do Ministro Gilmar Mendes, o Tribunal concluiu que o
art. 50, § 30, da CF sinalizaria que os tratados que não fossem aprovados pelo pro-
cedimento ali previsto não teriam status constitucional, mas infraconstitucional, daí
que somente se poderia afirmar a natureza constitucional dos tratados que fossem
aprovados pelo procedimento especial.
Prosseguindo, o Ministro Gilmar Mendes defendeu que o art. 5., § 3., da CF
teria diferenciado os tratados sobre direitos humanos dos demais tratados e que isso
levaria à conclusão pela supralegalidade dos tratados sobre direitos humanos.
A diferenciação consiste no fato de que apenas os tratados sobre direitos huma-
nos podem ser equivalentes às emendas constitucionais, o que não é possível em
relação a outros tratados, ditos comuns.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Amazonas de 2011 trouxe a seguinte
proposição: "0 Supremo Tribunal Federal tem posição consolidada no sentido
de que não há justificativa razoável para diferenciar o status jurídico dos
tratados internacionais de direitos humanos dos tratados comuns, pois se a
Constituição não distinguiu não cabe ao intérprete distinguir". Está errado!
Nessa esteira, havendo diferenciação entre tratados sobre direitos humanos e
tratados comuns, e considerando que os tratados comuns são posicionados pelo
100 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
STF no nível da lei, os tratados sobre direitos humanos devem ser posicionados
num nível acima da lei, assumindo, portanto, posição de supralegalidade.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Estado do Paraná de 2012 trouxe a
seguinte proposição: As normas internacionais de direitos humanos são
incorporadas ao direito interno com status superior à legislação infracons-
titucional. Está correto!
Assim, nessa linha de intelecção, o STF concluiu que, a partir da EC 45/04, os
tratados sobre direitos humanos passaram a ter natureza supralegal, e terão natu-
reza constitucional se forem aprovados duas vezes em cada Casa do Congresso
nacional por 3/5 dos votos.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 23° concurso do Ministério Público Federal trouxe a seguinte
proposição: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos huma-
nos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equiva-
lentes às emendas constitucionais". Está correto!
Deve ser destacado que, ao concluir pela natureza supralegal dos tratados, o
STF afirma a supremacia da constituição sobre os atos internacionais, tornando pos-
sível ao Poder judiciário efetuar o controle da validade constitucional desses atos.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do concurso de Delegado de Polícia de Tocantins 2014 trouxe a
seguinte proposição: Acerca da posição hierárquica das normas internacio-
nais em geral e dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico
interno, consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o Poder
judiciário, fundado na supremacia da Constituição da República, dispõe de
competência para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito
do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou
das convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito posi-
tivo interno. Está correto!
6.2.2. A natureza supralegal é somente para os tratados sobre direitos humanos
aprovados após a EC 45/04 ou também para os aprovados antes dela?
Todos os tratados sobre direitos humanos incorporados à ordem jurídica bra-
sileira sem passar pelo procedimento qualificado previsto no art. 5., § 3., da CF
possuem natureza supralegal, inclusive aqueles aprovados antes da EC 45/04.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 101
Reitere-se: a natureza supralegal abrange todos os tratados sobre direitos
humanos que não passaram pelo procedimento do art. 5, § 30, inclusive aqueles
que foram aprovados antes da EC 45/04.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Amazonas de 2011 trouxe a seguinte
proposição: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos huma-
nos que foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro pela forma
comum, ou seja, sem observar o disposto no artigo 50, §3., da Constituição
Federal, possuem, segundo a posição que prevaleceu no Supremo Tribunal
Federal, status supralegal, mas infraconstitucional. Está correto.
É importante destacar que os tratados sobre direitos humanos incorporados
à ordem jurídica brasileira antes da EC 45/04, e que, portanto, não passaram pelo
procedimento do art. 5., § 3., podem ser submetidos ao procedimentoali previsto,
hipótese em que passarão a ter status de emenda constitucional.
Assim, para que os tratados que não possuem status de emenda constitucional
venham a ter, basta que o Congresso Nacional os aprove novamente, editando
novo Decreto Legislativo, só que agora sob o rito do art. 5., § 3., que é o rito de
uma proposta de emenda constitucional.
Atenção:
Os tratados anteriores à Emenda Constitucional 45/04 podem ser subme-
tidos ao procedimento do art. 50, § 30, hipótese em que passarão a ter
status de emenda constitucional!
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública de Pernambuco 2018 trouxe a seguinte
proposição: Tratados de direitos humanos firmados antes da Emenda Cons-
titucional n.. 45/2oo4 continuam a valer como normas infraconstitucionais e
não poderão passar por novo processo legislativo para alterar seu status no
ordenamento jurídico. Está errado!
6.2.3. Com a Emenda 45/04 todos os tratados sobre direitos humanos passaram
a ter status formalmente constitucional?
A EC 45/04 não conferiu status constitucional a todos os tratados sobre direitos
humanos, mas apenas àqueles que forem aprovados duas vezes em cada Casa
do Congresso Nacional por 3/5 dos votos, ou seja, aos que forem aprovados pelo
procedimento de emenda constitucional.
102 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Vale reiterar: terão status de emenda constitucional apenas os tratados sobre
direitos humanos que forem aprovados duas vezes em cada Casa do Congresso
Nacional por 3/5 dos votos.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do concurso de Promotor de Justiça do Estado do Ceará de 2020
trouxe a seguinte questão:
No Brasil, após a promulgação da Emenda Constitucional n.. 45/2004, os
tratados relativos aos direitos humanos aprovados na forma prevista
são equivalentes às
A) leis complementares.
B) emendas constitucionais.
C) leis ordinárias.
D) garantias individuais e coletivas.
E) normas de direito fundamental.
A resposta correta é a alternativa B.
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa questão: "No orde-
namento jurídico brasileiro compreende-se que é equivalente à emenda cons-
titucional todo tratado internacional sobre direitos humanos". Está errado!
A prova da Defensoria Pública do Amazonas de 2011 trouxe a seguinte
proposição: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos huma-
nos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, pela maioria absoluta dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais". Está errado!
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte pro-
posição: "Após a EC n.. 45, todos os tratados internacionais passaram a
possuir status de norma constitucional". Está errado!
A prova do 23° concurso do Ministério Público Federal trouxe a seguinte
proposição: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos huma-
nos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equiva-
lentes às emendas constitucionais". Está correto!
Até o presente momento, os únicos tratados vigentes no Brasil com status de
emenda constitucional são:
• Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo, aprovados no Congresso Nacional pelo Decreto
Legislativo n. 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento
do art. 5., § 3., da CF e promulgado na ordem interna brasileira pelo
Decreto presidencial no 6.949, de 25 de agosto de 2009.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 103
• Tratado de Marraqueche para facilitar o acesso a obras publicadas às
pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades para
ter acesso ao texto impresso, editado e aprovado pela Organização
Mundial da Propriedade Intelectual, aprovado no Congresso Nacional,
mediante o Decreto Legislativo n. de 25 de novembro de 2015, conforme
o procedimento do art. 5., § 3., da CF, e promulgado na ordem interna
brasileira pelo Decreto presidencial 9.522, de o8 de outubro de 2018.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do concurso de Promotor de justiça do Mato Grosso de 2019
trouxe a seguinte proposição: "A propósito da Convenção sobre os Direi-
tos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo (Decreto
n° 6.949/2009), a a aprovação havida por meio de Decreto Legislativo do
Congresso Nacional com o quórum qualificado de maioria absoluta dos
membros de suas Casas assegura-lhe o status de norma supralegal no
ordenamento jurídico brasileiro."
A proposição está errada!
A Prova de Defensor Público do Amapá 2018 trouxe a seguinte questão:
O seguinte tratado (ou convenção) internacional sobre direitos humanos
seguiu o rito especial do art. 50, § 3., da Constituição Federal de 1988, ou
seja, foi aprovado, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, tornando-o equiva-
lente às emendas constitucionais:
a) Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamen-
tos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
b) Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e a Prote-
ção dos Direitos Humanos do Mercosul.
c) Segundo Protocolo relativo à Convenção de Haia de 1954 para a Prote-
ção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado.
d) Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às
Pessoas Cegas, com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para
ter Acesso ao Texto Impresso.
e) Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expres-
sões Culturais.
A resposta é a alternativa "d".
A prova de Delegado de Polícia de São Paulo 2018 trouxe a seguinte
questão:
Assinale a alternativa que contempla um tratado de direitos humanos,
incorporado pelo Direito Brasileiro com o status de norma constitucional,
que faz parte do que a doutrina chama de Bloco de Constitucionalidade.
a) Pacto Internacional dos Direitos Civis e políticos.
b) Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados.
104 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
c) Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis,
desumanas e degradantes.
d) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
e) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Proto-
colo Facultativo.
A resposta é a alternativa "e".
A prova do 25° Concurso de Procurador da República trouxe a seguinte
proposição: "A convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência
foi incorporada no ordenamento brasileiro com hierarquia supralegal, mas
infraconstitucional". Está errado!
A prova da Defensoria Pública da Paraíba 2014 trouxe a seguinte propo-
sição: "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
às emendas constitucionais, como ocorreu recentemente com a Convenção
Internacional sobre a proteção de direitos de todos os migrantes traba-
lhadores e membros de sua família". Está errado!
A prova de Investigador da Polícia Civil de Minas Gerais de 2014 trouxe a
seguinte proposição: "0 Brasil não ratificou a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo". Está errado!
Importantes destacar que, com exceção desses instrumentos normativos refe-
ridos, todos os demais tratados sobre direitos humanos incorporados ao direito
brasileiro possuem natureza supralegal. Reitere-se: todos!
A sistemática implementada pela Emenda Constitucional 45 permite identificar,
no regime brasileiro, tratados de direitos humanos material e formalmente cons-
titucionais (os aprovados pelo procedimento qualificado) e tratados de direitos
humanos materialmente constitucionais e formalmente supralegais (os aprovados
pelo procedimentocomum).
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Estado da Bahia de 2010 trouxe a
seguinte proposição: "A sistemática concernente ao exercício do poder de
celebrar tratados é deixada a critério de cada Estado. Em matéria de
direitos humanos, são estabelecidas, na CF, duas categorias de tratados
internacionais: a dos materialmente constitucionais e a dos materialmente
e formalmente constitucionais". Está correto!
Outro aspecto importante é que, apesar de terem status de emenda constitu-
cional, os tratados assim aprovados não integrarão o texto expresso da Constitui-
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 105
cão, de modo que a constituição formal do Brasil passará a ser formada por mais
de um documento legislativo, o documento da constituição propriamente, dita e o
documento do tratado internacional sobre direitos humanos.
1 Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público de São Paulo de 2011 trouxe a seguinte
proposição: "Os direitos das pessoas com deficiência foram definitivamente
incluídos entre os direitos humanos incorporados ao texto constitucional
por meio da ratificação pelo Brasil e aprovação pelo Congresso Nacional da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo
Facultativo". O gabarito considerou a proposição correta, mas, particu-
larmente, discordo, por entender que esses direitos não foram incor-
porados ao texto constitucional; possuem status constitucional, mas não
estão no texto constitucional, estão no tratado internacional.
E, apesar de não integrarem o texto da constituição, esses tratados, por
terem status de emenda constitucional, poderão servir de parâmetro ao con-
trole de constitucionalidade das leis e, dessa forma, amplia-se o bloco de cons-
titucionalidade, que é formado pelo conjunto de normas que podem servir de
parâmetro ao controle de constitucionalidade das leis.
Enfim, cabe acrescentar ainda que o status constitucional conferido aos tra-
tados sobre direitos humanos é de normas constitucionais derivadas, e, não, de
normas constitucionais originárias, pois esses tratados não são produzidos pelo
Poder Constituinte originário.
1 Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Estado do Paraná de 2012 trouxe a
seguinte proposição: As normas internacionais de direitos humanos que,
no processo de incorporação ao direito interno, são aprovadas na Camara
dos Deputados e no Senado Federal, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, passam a integrar o direito interno com o
status de norma constitucional originária. Está errado!
6.2.4. A divergência doutrincíria
Divergindo do entendimento que sempre prevaleceu no STF à luz da Consti-
tuição de 1988, no sentido da infraconstitucionalidade dos tratados sobre direitos
humanos, há entendimento na doutrina, a exemplo dos Professores Cançado Trin-
dade e Flávia Piovesan, pela natureza constitucional desses tratados a partir do
próprio texto constitucional, e isso mesmo antes da Emenda 45 e independente-
mente do procedimento que ela estabeleceu.
106 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia de São Paulo 2018 trouxe a seguinte pro-
posição: Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos ocupam, no orde-
namento jurídico brasileiro, o status de norma supralegal, segundo o STF,
se aprovados com quorum inferior a três quintos, embora haja respeitável
doutrina no sentido de que, ainda assim, possuiriam estatura constitucional.
Está correto!
A prova da Defensoria Pública do Piauí, de 2009, da CESPE, trouxe a
seguinte proposição: "Antes da EC n.o 45, não havia, na doutrina brasileira,
menção ao fato de que os tratados internacionais sobre direitos huma-
nos deveriam ter o status de norma constitucional". Está errado, eis que
sempre houve a defesa, pela doutrina, da natureza constitucional dos
tratados sobre direitos humanos!
A defesa da natureza constitucional dos tratados sobre direitos humanos é
embasada no art. 50, § 20, que consagra que os direitos e garantias previstos
expressamente no texto constitucional não excluem outros decorrentes dos trata-
dos internacionais.
O argumento é o de que se os direitos constantes dos tratados internacio-
nais valem tanto quanto os direitos previstos expressamente na Constituição, eles
possuem a mesma natureza desses últimos, sendo, portanto, dotados de status
constitucional.
Não haveria, entre os direitos constantes dos tratados, e os constantes do
texto constitucional, diferença hierárquica, mas tão só diferença do instrumento no
qual estão positivados: uns positivados no texto da constituição, outros positiva-
dos no texto dos tratados, mas todos possuindo a mesma força normativa.
Nessa esteira, sustenta-se que a mudança trazida pela Emenda 45 não teria
alterado essa realidade normativa, mas tão somente formalizado o que já se
deveria reconhecer, que seria a natureza constitucional dos tratados de direitos
humanos.
Assim, a Emenda 45 teria o efeito de automaticamente recepcionar todos os
tratados anteriores a ela com o status de norma constitucional.
A tese, embora bem fundamentada, não é prevalecente no STF, devendo se
entender que a Emenda 45 promoveu a recepção de todos os tratados anteriores
a ela com status supralegal, somente vindo a ter status constitucional aqueles que
passarem pelo procedimento da emenda constitucional.
Mas vale anotar que, no próprio STF, no julgamento dos casos mencionados, a
tese da natureza constitucional dos tratados sobre direitos humanos foi defendida
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 107
pelo Min. Celso de Melo e obteve adesão dos Ministros Cezar Peluso, Eros Grau e
Ellen Grade.
Enfim, em provas discursivas e orais, é fundamental mencionar a divergência,
não havendo de se limitar a indicar a posição do STF, até porque o examinador
pode divergir da orientação firmada pela Suprema Corte.
6.2.5. A prisão civil do depositário infiel
A constituição brasileira autoriza a prisão civil do depositário infiel, conforme
art. 5., LXVII, que estabelece que "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do res-
ponsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a
do depositário
De modo diverso, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos admite pri-
são civil apenas do devedor de alimentos (art. 7.7 da Convenção), não legitimando
a prisão do depositário infiel.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia de São Paulo de 2018 trouxe a seguinte
questão:
No que se refere à prisão civil por dívida, a Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) estabelece que:
a) é permitida apenas para o caso de inadimplemento de obrigação
alimentar.
b) deve ser decidida pela Constituição de cada Estado-Parte.
c) deve ser abolida em todos os Estados-Partes.
d) é permitida apenas para hipótese de depositário
e) é autorizada para os casos de depositário infiel e de devedor de
obrigação alimentar.
A resposta é letra "a".
A prova do 14° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "0 Pacto de San José da Costa Rica restringe a prisão
civil por dívidas ao devedor de alimentos". Está correto!
No julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, caso que afirmou a suprale-
galidade dos tratados sobre direitos humanos, o STF concluiu que, ante a suprale-
galidade da Convenção Americana, não seria mais possível a prisão civil do depo-
sitário infiel.
Naquela oportunidade, o Tribunal revogou sua Súmula 619, que estabelecia
que "A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que
se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito".
108 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
A jurisprudência foi se reiterandoaté a Corte aprovar a Súmula Vinculante 25,
com o seguinte teor: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a
modalidade do depósito".
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Pernambuco 2018 trouxe essa questão: O
STF entende que a subscrição, pelo Brasil, do Pacto de São José da Costa Rica
conduziu à inexistência de balizas a determinados comandos constitucio-
nais, tendo, por isso, indicado a derrogação das normas legais definidoras
da custódia de depositário infiel, tornando-se ilegal a sua prisão. A propo-
sição foi considerada correta!
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa questão: "No
ordenamento jurídico brasileiro compreende-se que, é considerada incons-
titucional pelo Supremo Tribunal Federal a prisão civil do devedor de ali-
mentos". Está errado, eis que a prisão civil do devedor de alimentos não
é inconstitucional!
A prova de Delegado de Polícia de São Paulo 2014 trouxe a seguinte
questão:
No direito brasileiro, considerando os tratados internacionais de direitos
humanos, bem como o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal,
é correto afirmar, a respeito da prisão civil, que
(A) são admitidas apenas duas possibilidades de prisão civil: a do depo-
sitário infiel e a do devedor de pensão alimentícia.
(B) é ilícita a prisão do depositário infiel, qualquer que seja a modali-
dade do depósito.
(C) foram abolidas todas e quaisquer hipóteses legais de prisão civil.
(D) é ilícita a prisão do devedor de pensão alimentícia, sendo admitida
apenas a prisão do depositário infiel.
(E) se admite, atualmente, no direito pátrio, a prisão civil somente em
âmbito federal, desde que haja decisão judicial transitada em julgado.
A resposta correta é a alternativa "b".
Do entendimento adotado pelo STF surgem os seguintes questionamentos:
se a prisão civil do depositário infiel está prevista na Constituição e o Con-
venção Americana vale menos do que a Constituição, porque não cabe mais a
prisão do depositário? A Convenção revogou o dispositivo constitucional que
admite a prisão?
Quanto a isso, importa esclarecer que a Convenção não revogou o dispositivo
constitucional; o art. 50, LXVII, da CF permanece intacto, subsistindo a previsão
constitucional segundo a qual haverá prisão civil do depositário infiel.
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 109
O que ocorre é que não há mais base legal para efetivar a prisão civil do
depositário.
É preciso compreender que a prisão civil do depositário infiel não decorre da
Constituição, mas da lei; o art. 50, LXVII, da CF não tutela crédito, tutela a liberdade.
A Constituição traz um mandamento de liberdade e autoriza a restrição da
liberdade em razão de dívida alimentar ou da condição de depositário infiel, mas
é preciso primeiro que a restrição seja disciplinada pelo legislador.
A redação do dispositivo constitucional há de ser entendida da seguinte
forma "art. 5., LX Vil. É assegurada a liberdade, que poderá se restringida por moti-
vos de ordem civil, NA FORMA DA LEI, nas hipóteses de devedor de alimentos e de
depositário infiel".
Nessa esteira, se não houver lei, ou se a lei estiver com eficácia paralisada,
não haverá possibilidade de prisão civil do depositário infiel, ainda que exista
autorização constitucional.
A norma legal que disciplina a prisão civil do depositário infiel é o art. 652 do
Código Civil, segundo o qual o depositário que não restituir o bem quando exigido
será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e a ressarcir
os prejuízos.
Ocorre que, como o Pacto de San José é supralegal, ele prevalece sobre o
Código Civil e paralisa a eficácia do art. 652 da lei, tornando a prisão do depositá-
rio sem base legal e, por conseguinte, inviabilizando a prisão.
I Importante:
O Pacto de San José não revogou o art. 50, XLVII, da CF, que continua pre-
vendo a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. O que ocorre
não há mais base legal para efetuar a prisão, pois a Convenção Interna-
cional paralisou a eficácia do art. 652 do Código Civil.
Essa temática já apareceu nas provas de concurso público. Vejamos:
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Magistratura do Distrito Federal 2016 trouxe essa proposição:
"0 devedor de obrigação alimentar e o depositário infiel poderão ser
presos pelas dívidas contraídas e não quitadas.". Está errado.
A prova de Investigador da Polícia Civil de Minas Gerais 2014 trouxe essa
questão:
110 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Nos termos do inciso LXVII do art. 5° da Constituição Federal de 1988,
"não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo ina-
dimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel". À luz de decisão do Supremo Tribunal Federal, consi-
derando os termos do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
assim como da Convenção Americana de Direitos Humanos, é CORRETO
afirmar sobre a previsão constitucional da prisão civil do depositário
infiel que
(A) é cláusula pétrea e, por tal razão, nenhum tratado internacional
tem força suficiente para afastar a sua aplicabilidade sobre os
casos concretos.
(B) foi revogada.
(C) não foi revogada e, exatamente por isso, continua sendo aplicável
pelo poder judiciário brasileiro.
(D) não foi revogada, porém deixou de ter aplicabilidade diante do
efeito paralisante desses tratados.
A resposta é letra D.
Enfim, vale registrar que o art. 50, XLVII, da CF, ao instituir um direito e admitir
restrições, se enquadra, na classificação do Professor José Afonso da Silva, como
típica norma de eficácia contida (ou contível ou restringível).
Importante:
O art. 50, XLVII, da CF consagra uma norma de eficácia contida.
6.2.6. Controle de convencionalidade. O duplo controle de validade
A teoria adotada pelo Supremo Tribunal Federal, de reconhecimento da supe-
rioridade normativa dos tratados internacionais de direitos humanos em relação
as normas legais, impõe aos órgãos do Poder judiciário brasileiro o dever de
realizar um controle de convencionalidade, ou seja, a incumbência de examinar
a compatibilidade das leis e atos normativos nacionais para com as convenções
internacionais protetivas de direitos humanos.
Controle de convencionalidade é a atividade de fiscalização da validade das
leis e atos normativos nacionais em relação às convenções internacionais protetivas
de direitos humanos. Fazer controle de convencionalidade é confrontar a norma
nacional com a norma internacional e, identificando incompatibilidade entre elas,
afastar a incidência da norma interna, por ser norma de menor hierarquia.
A atividade de controle de convencionalidade se assemelha à atividade de
controle de constitucionalidade, na qual o Poder judiciário deve examinar a com-
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 111
patibilidade das leis e atos normativos para com a Constituição, e pronunciar a
invalidade dos atos que violem a Constituição.
As duas atividades possuem a mesma ontologia: fiscalização da compatibili-
dade vertical entre normas jurídicas de diferente hierarquia, que entram em con-
flito, de modo a preservar a validade da norma superior.
Entretanto, o parâmetro de controle nas duas atividades é diferente: no con-
trole de constitucionalidade o parâmetro é a Constituição, e no controle de con-
vencionalidade o parâmetro é a Convenção internacional protetiva de direitos
humanos.
Pode acontecer de uma lei violar os dois parâmetros, ou apenas um deles.
Uma lei pode ser, a um só tempo, inconstitucional e inconvencional, pode ser apenas
inconstitucional, ou pode ser apenas inconvencional.
Quando a lei viola, simultaneamente, a Constituição e a Convenção, é incons-
titucional e inconvencional. Em exemplo, se uma lei brasileira instituir a pena de
morte para qualquer outro caso que não a situação de guerra declarada,será
inconstitucional e inconvencional, pois violará a Constituição brasileira e as con-
venções internacionais sobre direitos humanos adotadas pelo Brasil.
Quando a lei viola apenas um dos parâmetros de controle, será apenas
inconstitucional, ou apenas inconstitucional, conforme o parâmetro que tenha sido
violado.
Vejamos dois exemplos interessantes de leis que não violam a Constituição,
mas violam o Pacto de San José de Costa Rica.
O artigo 652 do Código Civil, que estabelece a possibilidade de prisão civil do
depositário infiel, é compatível com a Constituição brasileira; entretanto, é incom-
patível com o Pacto de San José de Costa Rica. Nesse caso, o dispositivo legal é
constitucional, mas é inconvencional.
A Lei 6.683/1979, conhecida como Lei de Anistia, é, segundo entendimento ado-
tado pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 653, compatível com a Constituição; mas,
conforme decidiu a Corte lnteramericana de direitos humanos, nos casos Gomes
Lund e Herzog, é incompatível com o Pacto de San José de Costa Rica. Assim, a lei foi
reputada constitucional, pelo STF, mas inconvencional, pela Corte Interamericana.
O dever de examinar a validade das leis e atos normativos à luz das Conven-
ções Internacionais sobre direitos humanos impõe ao Poder Judiciário o imperativo
de promover um duplo controle de validade das leis, um controle de constitucio-
nalidade, e um controle de convencionalidade.
No exercício desse duplo controle, se o órgão jurisdicional identificar que uma
lei é inconstitucional, ou inconvencional, deve afastar a aplicação dela, preser-
vando a supremacia da Constituição, ou a supremacia da Convenção.
112 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
O controle de convencionalidade, assim como ocorre com o controle de cons-
titucionalidade, pode ser feito de ofício pelos órgãos do Poder judiciário, que não
podem se eximir do dever de duplo controle.
Da mesma forma que é imperativo realizar o controle de constitucionalidade,
e todos os órgãos do Poder judiciário podem fazê-lo na via difusa, os juízos e
Tribunais devem exercer o controle de convencionalidade, e afastar a aplicação
de leis e atos normativos que violem as Convenções internacionais protetivas de
direitos humanos.
Essa temática já apareceu nas provas de concurso público. Vejamos:
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do concurso de Procurador do Ministério Público do Trabalho
de 2020 trouxe a seguinte proposição:
I - O controle de convencionalidade consiste no exame da compatibili-
dade entre a norma nacional e as normas internacionais, sobretudo as
convenções internacionais.
II - Os agentes estatais estão adstritos ao dever de proteção dos direitos
humanos, inclusive os previstos em tratados internacionais ratificados
pelo Brasil. Portanto, cabe ao Ministério Público e ao Poder judiciário,
diante de norma contrária a tais direitos, cada um com as respectivas
atribuições, proceder ao controle de convencionalidade de tais normas.
É possível afirmar que a própria Constituição de 1988 fundamenta tal
dever, ao prever que os direitos e garantias nela expressos não excluem
outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
Ill - Conforme se pode extrair da Convenção Americana sobre os Direitos
Humanos, o dever de garantir os direitos humanos previstos em normas
internacionais alcança até mesmo a atuação legislativa, uma vez que os
Estados-Partes devem adotar as medidas legislativas ou de outra natu-
reza que forem necessárias para tornar efetivos os direitos e liberdades
reconhecidos na referida Convenção.
Assinale a alternativa CORRETA:
A) Apenas a assertiva I está incorreta.
B) Apenas a assertiva II está incorreta.
C) Apenas a assertiva Ill está incorreta.
D) Todas as assertivas estão corretas.
A resposta é a alternativa D, pois todas as proposições estão corretas.
A prova do concurso de Promotor de Justiça de Goiás de 2019 trouxe a
seguinte questão:
"Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas
de boa-fé " (art. 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados).
Cap. 2 • A Constituição de 1988 e os direitos humanos 113
Essa norma estampa um importante princípio do direito internacional
público atual, que é a obrigação de respeitar os tratados, além de cons-
tituir um dos fundamentos do chamado controle de convencionalidade.
Informar a alternativa incorreta:
A) É possível afirmar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos,
em razão dos valores fundamentais e existenciais desses mesmos
direitos, atribui a si a obrigação primária, inicial ou imediata de com-
patibilização das normas internas com os instrumentos internacionais
de direitos humanos dos quais o Estado é parte.
B) A Corte Interamericana de Direitos Humanos não toma apenas os tra-
tados de direitos humanos como paradigmas do controle de conven-
cionalidade, mas também a sua própria jurisprudência.
C) Para além do controle jurisdicional de convencionalidade, são possí-
veis, no atual modelo brasileiro, os controles legislativo e executivo
dessa mesma convencionalidade.
D) A Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que é para-
digma de controle de convencionalidade das normas domésticas, no
sistema interamericano de proteção dos direitos humanos, todo o
corpo jurídico internacional de proteção, o que inclui o sistema global
de direitos humanos.
A proposição A está errada, pois a obrigação primária de realizar o
controle de convencionalidade é dos órgãos nacionais. A atuação da
Corte Interamericana é subsidiária.
AICapítulo
Direito Internacional
dos Direitos Humanos
1. 0 QUE É O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode ser compreendido como
conjunto de normas e medidas internacionais voltadas à proteção dos direitos
humanos.
Ele denota que os direitos humanos, além da proteção interna, prevista do
ordenamento jurídico nacional de cada Estado, também possuem uma proteção
internacional, consagrada em normas jurídicas internacionais.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "A proteção dos direitos fundamentais é objeto também do direito
internacional". Está correto!
O Direito Internacional dos Direitos Humanos possui como característica central
o aspecto protetivo; ele é, essencialmente, um Direito de proteção, Direito de pro-
teção do ser humano e, não, de proteção dos Estados.
Ele pode ser considerado um objeto destacado no âmbito do Direito Interna-
cional, que, tradicionalmente, teve como objeto de disciplina basicamente o rela-
cionamento entre os Estados, a delimitação dos direitos e obrigações dos Estados
entre si e perante a comunidade internacional, especialmente quanto aos limites
de soberania e quanto a medidas tributárias e comerciais, sem, contudo, denotar
atenção à proteção dos direitos humanos.
A preocupação com a proteção dos direitos humanos no cenário internacio-
nal - algo que iniciou pouco antes da Primeira Guerra Mundial e se consolidou
após a Segunda Guerra Mundial - representou um novo paradigma para o Direito
Internacional e propiciou uma mudança na modelação do próprio Direito Interna-
cional, que doravante, teve que ser repensado, a partir da lógica protetiva dos
direitos humanos.
Se, antes, o Direito Internacional era estruturado e compreendido tão somente
do ponto de vista de relações entre Estados, após a segunda guerra mundial o
116 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
paradigma passou a ser outro e atualmente não há mais como se pensar o Direito
Internacional sem adentrar na temática dos direitos humanos.
2. PRECEDENTES, O Pós la GUERRA
A doutrina indica 3 (três) grandes precedentes ao surgimento do direito inter-
nacional dos direitos humanos, que são o Direito Humanitário, a Liga das Nações e
a Organização Internacional doTrabalho.
2.1. Direito Humanitário. O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Cres-
cente Vermelho
O Direito Humanitário corresponde a um conjunto de normas e medidas que
disciplinam a proteção de direitos humanos em situações de graves violações de
direitos, especialmente em períodos de guerra, havendo atenção especial quanto
à situação dos prisioneiros de guerra, dos combatentes feridos em batalha e dos
civis não envolvidos no conflito armado.
Essas discussões, que se iniciaram pouco antes da primeira grande guerra
mundial, com o Movimento da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, materiali-
zam talvez o primeiro grande diálogo internacional voltado aos direitos humanos.
A ideia básica é a de assegurar situações mínimas de proteção às pessoas
durante os períodos de guerra, evitando-se, por exemplo, que prisioneiros de
guerra sejam vítimas de tortura, garantindo-se aos feridos os cuidados necessários
à recuperação da saúde e mantendo-se os civis não envolvidos no conflito a salvo
de risco.
Ainda que restrito a uma situação específica, que é o conflito armado, é de
grande importância no processo evolutivo de afirmação internacional dos direitos
humanos, afinal, pelo seu próprio objeto, o direito humanitário promoveu (e conti-
nua promovendo) discussões e disciplina de situações integralmente relacionadas
à proteção da pessoa humana.
O maior exemplo do movimento humanitário é o Movimento Internacional da
Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, ou, como é mais conhecido, movimento
da Cruz Vermelha, analisado a seguir.
2.1.1. Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho
O Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho é um
movimento internacional voltado à prestação de assistência humanitária, que
atua na proteção das vidas e saúde das pessoas, sobretudo durante conflitos
armados e outras emergências.
Trata-se de um movimento neutro e imparcial, não vinculando a qualquer
Estado, que está presente em praticamente todos os países do mundo, contando
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 117
com o apoio de milhões de voluntários, podendo ser considerado o maior movi-
mento humanitário existente no mundo.
Fundado a partir do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), o movi-
mento atualmente conta, além desse Comitê, com as Sociedades Nacionais da
Cruz Vermelha e com a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho.
2.1.2. 0 Comitê Internacional da Cruz Vermelha
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) é uma organização humani-
tária, independente e neutra, que atua na proteção e assistência às vítimas da
guerra e de outras situações de violência.
As bases de atuação do Comitê sao os princípios da humanidade, imparciali-
dade, neutralidade, independência, voluntariado, unidade e universalidade.
Por atuar de maneira neutra e independente, o CICV tem condições de desen-
volver um importante trabalho no amparo a vítimas dos conflitos sem vinculação
com qualquer Estado, sendo uma das organizações mais respeitadas do mundo
em matéria de direitos humanos, inclusive tendo sido premiado com o Prêmio
Nobel da Paz em três oportunidades (1917, 1944, e 1963).
O CICV foi criado em 1863, em Genebra, na Suíça, como uma pequena orga-
nização de assistência a soldados feridos, a partir de um trabalho desenvolvido,
principalmente, pelo filantropo suíço Jean-Henri Dunant.
Após testemunhar a Batalha de Solferino, na Itália, em 24 de junho de 1859,
com 40.000 mil solados mortos ou feridos em um único dia, Dunant chocou-se com
o sofrimento dos soldados feridos e com a falta de atendimento médico para eles
e decidiu dedicar-se a essa causa, mobilizando população para prestar assistência
sem discriminação.
Ao retornar à Suíça, Dunant defendeu a criação de um sistema voluntário
nacional de assistência, para colaborar no cuidado médico dos feridos em guerra,
pedindo ainda o desenvolvimento de tratados internacionais para garantir a prote-
ção de médicos neutros e hospitais de campo para os soldados feridos em batalha.
A partir das ideias de Dunant, a Sociedade de Genebra para o Bem Estar
Público criou, em 9 de fevereiro de 1863 o "Comitê dos Cinco", posteriormente
denominado "Comitê Internacional para o Cuidado dos Feridos", que foi uma
Comissão formada por Dunant e mais 4 pessoas com o objetivo de examinar a
possibilidade de organizar uma conferência internacional visando efetivar aque-
las ideias.
Seguiu-se a isso a realização da Conferência, da qual resultou, em 22 de agosto
de 1864, a primeira Convenção de Genebra "para a ameliação das condições dos
feridos das forças armadas no campo de batalha".
118 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrette,
A convenção continha dez artigos e estabeleceu, pela primeira vez no cenário
internacional, normas garantindo a neutralidade e a proteção para soldados feri-
dos, membros de assistência médica e certas instituições humanitárias no caso de
um conflito armado.
Ela foi assinada por representantes de 12 Estados e previu ainda a criação
de sociedades nacionais de ajuda, que seriam oficialmente reconhecidas pelo
Comitê Internacional desde que a sociedade fosse reconhecida pelo governo de
seu país como uma sociedade de ajuda e que o país fosse membro da conven-
ção de Genebra.
O movimento foi se expandindo, as primeiras sociedades nacionais foram
fundadas, novas conferências foram realizadas e mais Estados foram aderindo à
Convenção de Genebra e passando a respeitá-la na prática durante os conflitos
armados.
Em 1876, 0 "Comitê Internacional para o Cuidado dos Feridos" passou a adotar
o nome "Comitê Internacional da Cruz Vermelha" (CICV), que é o nome utilizado até
hoje como designação oficial.
Em 1914, no aniversário de 5o anos do CICV, já existiam 45 sociedades nacio-
nais no mundo e o movimento tinha se estendido pela Europa, América do Norte,
América Latina, Ásia e África.
Com a deflagração da primeira guerra mundial, o CICV enfrentou enormes
desafios, que foram manejados através do trabalho em conjunto com as socie-
dades nacionais da Cruz Vermelha e com a participação de Enfermeiros da Cruz
Vermelha do mundo inteiro.
Durante toda a guerra, o CICV monitorou a obediência dos países envolvidos
com a Convenção de Genebra de 1864, enviando denúncias sobre violações a cada
país violador e, ao final da guerra, ele organizou o retorno de cerca de 420 mil
prisioneiros de guerra para seus países natais respectivos.
Um ano antes do final da guerra, o CICV recebeu o Prêmio Nobel da Paz de
1917, por seus trabalhos durante a guerra, cabendo destacar que esse foi o único
prêmio Nobel concedido durante os quatro anos da guerra.
Como uma consequência direta da primeira guerra mundial, foi criado um proto-
colo adicional para a Convenção de Genebra, em 1925, tornando ilegal o uso de gases
sufocantes ou venenosos, bem como agentes biológicos, como armas de guerra.
Quatro anos depois, a Convenção original foi revisada, surgindo a segunda
Convenção de Genebra "relativa ao Tratamento de Prisioneiros de Guerra".
Durante a segunda guerra mundial o CICV teve atuação importante, mas não
tão exitosa quanto na primeira, pois encontrou muitas dificuldades quanto ao cum-
primento, por parte dos Países em guerra, das regras da Convenção de Genebra,
em especial pelo fato de que Japão e União Soviética não tinham aderido à Con-
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 119
venção e que a Sociedade da Cruz Vermelha da Alemanha, temendo ser retaliada
pelo governo nazista, não se dispôs a cooperar.
Terminada a guerra, o CICV trabalhou com as sociedades nacionais da Cruz
Vermelha para organizar trabalhos de assistência para os países mais afetados.
Em 1949, em Genebra, foram aprovadas novas convenções internacionais
sobre o direito humanitário e essas convenções constituem atualmente a base do
Direito Humanitário, consagrando as diretrizes de atuação do CICV.
Válido ainda destacar queo CICV foi a primeira entidade privada admitida a
participar das assembleias e encontros de órgãos da ONU, conforme deliberação
tomada pela Assembleia Geral da ONU em 16 de outubro de 1990.
2.1.3. As Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha
As sociedades nacionais da cruz vermelha são sociedades de ajuda humani-
tária criadas no âmbito dos países, a partir da pioneira atuação do CIVC, e que
integram Movimento da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.
As sociedades nacionais divulgam os princípios humanitários que regem a
atuação da Cruz Vermelha e cumprem a mesma missão que o CIVC, prestando
assistência humanitária às pessoas.
O Brasil possui a Sociedade Brasileira da Cruz Vermelha, que foi fundada em
1908, e é reconhecida pelo governo brasileiro como uma sociedade de socorro
voluntário, autônoma, auxiliar dos poderes públicos e, em particular, dos serviços
militares de saúde.
2.1.4. A Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho
A Federação Internacional da Cruz Vermelha e Sociedades do Crescente Ver-
melho (FICV) é uma instituição que congrega todas as Sociedades Nacionais da Cruz
Vermelha e que visa à prestação de assistência humanitária sem discriminação de
raça, nacionalidade, crenças religiosas, opiniões políticas ou de classe.
Ela foi fundada em 1919, em Paris, após a primeira guerra mundial, a partir da
necessidade, percebida durante a guerra, de cooperação entre as Sociedades da
Cruz Vermelha, que, através de suas atividades humanitárias em nome de prisionei-
ros de guerra e dos combatentes, atuaram de maneira relevante durante a guerra.
O primeiro objetivo da FICV foi o de melhorar a saúde das pessoas em países
que haviam sofrido muito durante os quatro anos de guerra. Pretendia-se forta-
lecer e unir as Sociedades da Cruz Vermelha em torno da saúde e promover a
criação de novas sociedades.
Atualmente, a Federação atua tendo como objetivos salvar vidas, proteger
os meios de subsistência, reforçar a recuperação de desastres e crises, permitir
120 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
uma vida saudável e segura e promover a inclusão social e uma cultura de não
violência e paz.
2.2. Liga das Nações
A Liga das Nações é uma entidade criada por alguns países logo após a 2.
Guerra, em 1920, que teve por finalidade promover a cooperação, paz e segu-
rança internacional
A criação da Liga é fruto da preocupação que a guerra deixou em relação à
paz e segurança internacional, que ficaram fortemente ameaçadas pelo conflito
armado, levando alguns países, temerosos quanto à possibilidade de um novo
conflito armado, a se unir em torno daqueles objetivos.
Por evidente, a temática dos direitos humanos - cuja afirmação é imprescindí-
vel para haver paz e segurança internacional - integrou o âmbito das discussões
da Liga das Nações, daí se afirmar que a criação da entidade constitui um prece-
dente histórico na afirmação internacional dos direitos humanos.
A História denota que a Liga não obteve muito êxito em seus objetivos, eis
que, alguns anos após, houve a 2a Guerra Mundial, na qual ocorreram diversas
barbáries em detrimento das pessoas; mas, de todo modo, ela teve importância
histórica, podendo ser apontada como o embrião de formação da Organização das
Nações Unidas (ONU).
2.3. Organização Internacional do Trabalho
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, também após
a la Guerra, é uma entidade que visa instituir e promover padrões internacionais
de condições de trabalho e bem estar dos trabalhadores.
A OIT materializa o crescimento de um movimento comum a diversos países,
de defesa de direitos dos trabalhadores, e que passou a ganhar projeção interna-
cional com o surgimento da Organização.
Com a OIT, a temática dos direitos humanos - ainda que restrita ao âmbito dos
direitos dos trabalhadores - passa a ser pauta das discussões internacionais de
todos os países membros da Instituição, e isso foi importante para a expansão do
debate internacional sobre direitos humanos.
A busca pela afirmação de direitos dos trabalhadores é deslocada do plano
interno de cada país para ser pensada numa perspectiva muito maior, internacio-
nal, como algo comum a todos, e que em relação a todos deve ser afirmado.
Diferentemente da Liga das Nações, a OIT é uma iniciativa muito bem sucedida,
tendo se desenvolvido bastante, e atualmente conta com a adesão de diversos
países, inclusive o Brasil, que é signatário de algumas das diversas Convenções da
Organização.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 121
3. 0 Pós 2a GUERRA, O SURGIMENTO DA ONU E A CRIAÇÃO DO TRIBUNAL DE NUREMBERG
3.1. 0 contexto da 2. Guerra
A 2. Guerra Mundial pode ser considerada o grande marco histórico no processo
de internacionalização dos direitos humanos, se podendo até falar que a história
dos direitos humanos pode ser dividida em antes e depois da 2. Guerra Mundial.
A busca pela afirmação dos direitos humanos antecede, e muito, a 2a guerra,
como já comentamos aqui no livro, mas é certo que a marcha da história pela afir-
mação dos direitos humanos se intensifica muito e ganha nova dimensão a partir
do término da 2. guerra mundial.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público do Rio Grande do Sul 2018 trouxe a seguinte
proposição: Em relação à evolução histórica do regime internacional de
proteção dos direitos humanos, considere que o processo de universaliza-
ção, sistematização e internacionalização da proteção dos direitos humanos
intensificou-se após o término da 2. Guerra Mundial. Está correto!
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe a seguinte proposição:
"o fim da ll Guerra Mundial e a negação do valor do ser humano fazem nas-
cer os ideais representativos dos direitos humanos, quais sejam, igualdade,
liberdade e fraternidade". Está errado, pois esses ideais não nasceram
com a segunda guerra. Como já vimos aqui no livro, o processo histórico
de afirmação dos direitos humanos vem de muito antes; inclusive, os
ideais de igualdade, liberdade e fraternidade vieram com a Revolução
Francesa, ainda no século XVIII.
A 2° Guerra deixou um legado de barbárie para humanidade. Milhões de pessoas
mortas (aproximadamente 6o milhões), situações de degradação total da dignidade
humana, como perseguições pautadas em critérios étnico-raciais, torturas e experiên-
cias com pessoas, campos de concentração, enfim... a humanidade vivenciou uma de
suas páginas mais deploráveis do ponto de vista do respeito ao ser humano.
E vale lembrar que as atrocidades não foram praticadas apenas por alemães
e italianos - que entraram para a História como os grandes vilões da guerra -, mas
advieram de todos os lados, bastando lembrar que os americanos lançaram a
bomba atômica sobre os japoneses quando a guerra já estava resolvida.
Naturalmente que esse cenário de degradação levou a comunidade internacio-
nal a uma reflexão sobre os rumos convivência internacional e da própria da huma-
nidade, surgindo uma espécie de consciência coletiva pela necessidade de mudar o
rumo da História, evitando que ocorresse novamente episódio tão dantesco.
A partir daí começa a se desenhar um novo cenário nas relações internacio-
nais, com a temática dos direitos humanos constituindo ponto de destaque das
discussões e isso vai gerar o surgimento de órgãos e documentos internacionais
protetivos de direitos humanos.
122 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado Civil de Minas Gerais 2011 trouxe a seguinte propo-
sição: "A internacionalização dos direitos humanos constitui um movimento
extremamente recente da história, surgido a partir do pós-guerra, como
proposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Se a
Segundo Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra
deveria significar sua reconstrução". Está correto!
Buscando uma nova perspectiva, diversospaíses se unem e criam a ONU,
entidade voltada para a preservação da paz e segurança internacional, para o
desenvolvimento das nações e para a promoção dos direitos humanos.
A ONU teve e tem papel central na afirmação internacional dos direitos humanos,
sendo uma das maiores responsáveis pela expansão da proteção internacional
dos direitos humanos.
Além do surgimento da ONU, outro acontecimento de enorme importância no
processo histórico de afirmação dos direitos humanos é a criação do Tribunal de
Nuremberg que foi um Tribunal Penal Militar criado para julgar líderes nazistas por
crimes ocorridos durante a 2a guerra não ficariam impunes.
Analisemos um pouco o Tribunal de Nuremberg.
3.2. 0 Tribunal de Nuremberg
O Tribunal de Nuremberg é um Tribunal Militar Internacional criado para julgar
crimes militares praticados por nazistas durante a 2. guerra mundial.
A intenção foi não permitir que pessoas responsáveis por tantas atrocidades
ficassem impunes, daí a criação do tribunal, que representa um marco no processo
de afirmação internacional dos direitos humanos.
Criado em 1945, por um acordo realizado em Londres entre representantes da
então União Soviética, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e da França, o Tribunal
foi instaurado em Nuremberg, na Alemanha, em 20 de novembro de 1945, e atuou
até 1949.
Integraram a Corte juízes e promotores de nacionalidade dos 4 países acima
indicados e as regras para o julgamento dos processos, bem como os crimes a
serem julgados, foram definidos pela Carta de Londres.
O Tribunal julgou 22 pessoas, dentre eles Hermann Goering, um dos principais
líderes nazistas, considerado braço direito de Hitler, que foi condenado à pena de
morte por enforcamento, mas se suicidou na prisão 1 dia antes de ser executado,
ingerindo uma cápsula de cianureto de potássio.
As principais acusações submetidas ao Tribunal foram as seguintes:
• Conspiração;
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 123
• Crime contra a paz e atos de agressão;
• Crimes de Guerra;
• Crimes contra a Humanidade, perseguição e extermínio.
Dos 22 réus, 19 foram considerados culpados e apenas 3 absolvidos. As conde-
nações resultaram no seguinte:
• 1 condenação a lo anos de prisão,
• 1 condenação a 15 anos de prisão,
• 1 condenação a 20 anos de prisão,
• 3 condenações a prisão perpétua,
• 12 condenações a pena de morte por enforcamento.
A atuação do Tribunal de Nuremberg contribuiu bastante para afirmar o res-
peito aos direitos humanos no âmbito internacional, mas foi objeto de polêmicas,
cabendo refletir sobre vulnerações a garantias básicas universalmente afirmadas.
Vejamos essas polêmicas.
3.2.1. Tribunal de exceção e juízo natural
O Tribunal foi criado posteriormente aos fatos submetidos à sua apreciação,
constituindo verdadeiro tribunal de exceção, ad hoc, em detrimento da garantia
do juízo natural.
O questionamento é se isso não afetaria a imparcialidade do Tribunal. Afinal,
teria sido ele criado para julgar os crimes ou para condenar os acusados?
3.2.2. julgamento apenas dos alemães. E os crimes praticados por aliados?
Apenas os alemães foram submetidos a julgamento perante o Tribunal,
cabendo questionar se a intenção era realmente julgar criminosos de guerra ou
somente julgar nazistas.
Será que os crimes praticados pelos aliados foram anistiados pelo fato de
terem vencido a guerra? Será que os americanos, ao lançarem a bomba atômica,
quando a guerra já estava decidida, não praticaram crime contra a humanidade e
também deveriam ser submetidos a julgamento?
Ao que parece, a criação do Tribunal foi realmente direcionada para os ale-
mães, o que levanta questionamentos sobre a imparcialidade da Corte.
3.2.3. Legalidade e retroatividade penal
Outro ponto relevante é a flagrante violação aos princípios da legalidade e
retroatividade em matéria penal, que estabelecem que não há crime sem lei ante-
124 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
nor que o defina nem pena sem prévia cominação legal, não podendo a lei penal
retroagir em detrimento do réu, tipificando condutas que lhe sejam anteriores.
Qual a lei penal violada pelos alemães? As condutas por eles praticadas tinham
amparo na ordem jurídica alemã. Demais, não havia nenhum documento interna-
cional tipificando aquelas condutas.
O art. 60 da Carta de Londres fixou a competência do Tribunal para julgar os
crimes contra a humanidade, contra a paz, de conspiração e de guerra. Mas, onde
estavam tipificados esses crimes?
Realmente não havia tipificação e o que ocorreu foi que criaram, a partir de
princípios gerais de direito internacional, a noção de crime contra a humanidade
e daí fixaram a competência do Tribunal para julgar tal crime.
3.2.4. Penas de prisão perpétua e de morte por enforcamento
Aparenta bastante contraditório a criação de um Tribunal para julgar pessoas
acusadas de praticar crimes contra a humanidade e estabelecer pena de prisão
perpétua e pena de morte por enforcamento.
O simples fato de permitir a pena de morte já se apresenta lesivo a direi-
tos humanos e, mais do que isso, estabelecer morte por enforcamento denota
requintes de crueldade, de barbaridade. Não por acaso que Hermann Goering se
suicidou antes da execução...
Ponderando, será que dá para afirmar como defensores de direitos humanos
aqueles que promovem pena de morte por enforcamento? Será que um Tribunal
que promove esse tipo de condenação merece ser afirmado como um Tribunal que
afirmou o respeito aos direitos humanos?
3.2.5. Justificativas para relativizar as garantias violadas
Inegavelmente, a atuação do Tribunal de Nuremberg violou garantias básicas
universalmente afirmadas, cabendo questionar o que justificaria a relativização de
tais garantias.
O que se afirma é que a necessidade de dar prevalência aos direitos huma-
nos, não tornando impunes os nazistas, haveria de prevalecer num juízo de pon-
deração ante as garantias tidas por violadas.
É como se a comunidade internacional quisesse registrar que aquelas condu-
tas não ficariam impunes, não poderiam mais ser repetidas e deixariam de ser
questões internas de um Estado para ser questões de interesse internacional.
Nesse sentido, um dos juízes da Corte chegou a comentar que os indivíduos
têm deveres internacionais a cumprir, acima dos deveres nacionais que um Estado
particular possa impor, e que a comunidade mundial teria valores cogentes supe-
riores a outros que um Estado possa expressar individualmente.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 125
A experiência do Tribunal de Nuremberg inaugurou a jurisdição penal interna-
cional em matéria de crimes mais graves contra a humanidade, e, a partir dele,
surgiram outros Tribunais Penais Internacionais, havendo realmente de reconhecê-
lo como um marco no processo histórico de afirmação dos direitos humanos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de wog trouxe a seguinte pro-
posição: "0 Tribunal de Nuremberg não teve nenhum papel histórico na
internacionalização dos direitos humanos". Está errado!
Depois de Nuremberg vieram o Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia
(1993), o Tribunal Penal Internacional de Ruanda (1994), a corte especial para Serra
Leoa e Timor Leste e, finalmente, o atual Tribunal Penal Internacional (1998), que
será objeto de estudo mais adiante aqui na obra.
4. SISTEMAS JURÍDICOS INTERNACIONAIS PROTETIVOS DE DIREITOS HUMANOS. SISTEMA
GLOBAL E SISTEMAS REGIONAIS
4.1. Considerações preliminares
A noção de sistema jurídico remonta a um conjunto de normas jurídicas coor-
denadas, integradas a um Ordenamento, de modo que, quando se fala de sistema
jurídico internacional protetivo de direitos humanos se fala sobre um conjunto de
normas jurídicas internacionais que tem por objeto a tutela dos direitos humanos
e que estão integradas a um Ordenamento.
A criação da ONU, e o surgimento,sob sua coordenação, de normas inter-
nacionais sobre direitos humanos, desenvolveu um verdadeiro sistema jurídico
internacional de direitos humanos, formado pelos diversos documentos da ONU
relacionados com a proteção dos direitos humanos.
Ocorre que, paralelamente ao surgimento da ONU, surgiram também, na
Europa, na América e na África, entidades com propósitos de afirmação dos direi-
tos humanos, e que igualmente passaram a produzir documentos internacionais
sobre a matéria.
No âmbito europeu surgiu o Conselho da Europa, organização que tem como
objetivo a defesa dos direitos humanos e o desenvolvimento democrático, e que
produziu instrumentos afirmativos de direitos humanos no continente europeu.
No âmbito americano surgiu a Organização dos Estados Americanos (OEA), que
produziu diversos instrumentos internacionais afirmativos de direitos humanos no
âmbito americano, destacando a Convenção Americana sobre direitos humanos,
conhecida como Pacto de San José de Costa Rica.
Na África veio a Organização da Unidade Africana, depois convertida em União
Africana, que produziu a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
126 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Desse modo, a proteção internacional dos direitos humanos se desenvolveu
em pianos diferentes: um plano global (ou universal), coordenado pela ONU, aberto
a qualquer Estado; e em pianos regionais, congregando Estados dos respectivos
continentes europeu, americano e africano.
Nessa esteira, se passou a dizer que a proteção internacional dos direitos
humanos contempla um sistema jurídico universal (ou global), que é o sistema da
ONU, e sistemas jurídicos regionais (europeu, americano e africano), coordenados
pelas respectivas entidades continentais.
Importante:
Há um sistema global de proteção de direitos humanos, capitaneado
pela ONU, e sistemas regionais (ou continentais), capitaneados por enti-
dades regionais. No âmbito americano, o sistema se desenvolve em
torno da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Bem por isso, se afigura equivocado afirmar que a proteção internacio-
nal dos direitos humanos estaria concentrada na ONU, eis que, para além
da atuação dessa Organização, que se dá em nível global, há atuação de
outras entidades em nível regional.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte pro-
posição: "A estrutura de proteção do direito internacional é concentrada
na ONU.". Está errado! Concentrada na ONU está a estrutura do sistema
global, mas há ainda os sistemas regionais!
A mesma prova trouxe ainda a seguinte proposição: "A proteção interna-
cional pode ser vista, entre outros, em dois pianos: sistema global (ONU) e
sistema regional (0EA)". E dessa vez está correto!
É preciso ter cuidado em prova para não misturar as entidades, documentos e
respectivos sistemas. Seria errado, por exemplo, afirmar que a OEA desenvolve um
importante trabalho na afirmação dos direitos humanos em âmbito universal, ou,
ainda, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um importante documento
do sistema regional americano, eis que a Declaração pertence ao sistema da ONU.
4.2. A Multiplicidade de sistemas e relacionamento entre os sistemas
Como se depreende, há uma multiplicidade de sistemas protetivos de direitos
humanos, começando pelo sistema interno de cada país, passando pelo sistema
regional e chegando até ao sistema global.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 15° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "o processo histórico de generalização e expansão
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 127
da proteção internacional dos direitos humanos tem sido marcado pelos
fenômenos da multiplicidade e diversidade dos mecanismos de proteção,
acompanhados pela identidade predominante de propósito deste último e
pela unidade conceitual dos direitos humanos". Está correto!
Comparando os instrumentos normativos dos diferentes sistemas, se percebe
que os direitos e garantias são basicamente os mesmos e, por vezes, o texto das
Convenções chega a ser idêntico quando se refere a um determinado direito.
Por exemplo, o Pacto dos Direitos Civis da OEA afirma basicamente os mesmos
direitos e garantias que o Pacto dos Direitos Civis da ONU, e que são basicamente
os mesmos previstos na Constituição brasileira; o Pacto da OEA acerca da abolição
da pena de morte prevê basicamente a mesma coisa que o Pacto da ONU acerca
da abolição da pena de morte, e assim por diante.
Nessa esteira, questiona-se sobre a (des) necessidade da existência de tantos
sistemas afirmando a mesma coisa, saber se não seria redundância ter múltiplos
instrumentos normativos prevendo os mesmos direitos e garantias.
A resposta é no sentido que a coexistência de instrumentos, em diferentes
níveis, afirmando os mesmos direitos é positiva, pois enfatiza uma coisa que deve-
ria ser básica, e que muitas vezes foi esquecido na História da Humanidade, que é
o respeito à pessoa humana.
Assim, a multiplicidade de sistemas é positiva à afirmação dos direitos huma-
nos; trata-se de uma redundância certamente positiva.
Demais, a relação entre os diferentes sistemas é de complementaridade, no sen-
tido de que um sistema complementa o outro, por vezes contemplando situações não
previstas no outro sistema e, dessa forma, ampliando a proteção da pessoa humana.
I Importante:
A multiplicidade de sistemas protetivos de direitos humanos é positiva e
a relação entre os diferentes sistemas é de complementaridade, tudo a
ampliar a proteção da pessoa humana.
Indo além, é possível até mesmo uma ação integrada, num regime de coopera-
ção, entre órgãos dos diferentes sistemas, eis que, ao fundo, o objetivo é comum,
que é promover a efetivação dos direitos humanos.
Nesse sentido, vale destacar que a Comissão Interamericana de Direitos Huma-
nos e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos firmaram,
em 19 de novembro de 2014, uma declaração conjunta de colaboração, pela qual
buscam fortalecer a colaboração entre os sistemas universal e regional de direitos
humanos, reforçando e formalizando práticas estabelecidas, que incluem, dentre
outras atividades, ações conjuntas e intercâmbio de informações.
128 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
4.3. Conflito entre sistemas. Aplicação da norma mais benéfica à pessoa humana
Num eventual conflito entre normas pertencentes a sistemas diferentes, qual
delas aplicar? Seria a norma global, por integrar um sistema de representativi-
dade maior?
Havendo conflito entre normas pertencentes a diferentes sistemas, deve
ser aplicada a norma mais benéfica à pessoa humana, pertença ela ao sistema
interno, ao regional ou ao global.
Nesse sentido, falam em "princípio da aplicação da norma mais benéfica à
pessoa humana", que traduziria o dever de dar primazia à norma mais favorável
à afirmação da dignidade das pessoas.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública de São Paulo de 2009 trouxe a seguinte
proposição: "De acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos,
no tocante à interpretação, em caso de conflito, das normas definidoras
de direitos e garantias prevalece sempre a norma mais benéfica à pessoa
humana". Está correto!
Exemplo interessante, que já foi cobrado em prova, diz respeito à prisão em
flagrante e os direitos do preso.
Conforme a constituição brasileira, a prisão de qualquer pessoa será comuni-
cada imediatamente ao juiz (art. 50, LXII, da CF); nos termos do art. 306 do código
de processo penal, havendo prisão em flagrante, o fato deve ser comunicado de
imediato ao juiz.
De outro modo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e políticos (art. 90, 3) e
a Convenção americana sobre direitos humanos (art. 7.5) dispõem que o indivíduo
preso tem direito de ser conduzido, sem demora, à presença de umjuiz.
Percebam a diferença: a legislação brasileira assegura a comunicação do fato
ao juiz; a legislação internacional assegura o direito de ser conduzido até o juiz, de
se fazer presente ante o juiz, o que, inegavelmente, é mais benéfico à dignidade
humana e, por isso, deve prevalecer.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Estado de São Paulo de 2012 trouxe a
seguinte questão:
No Brasil, quando ocorre uma prisão em flagrante, o artigo 306 do Código
de Processo Penal determina que haja a comunicação imediata do fato a
um juiz. Confrontando tal dispositivo com o que determinam as normas
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 129
do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, há:
(A) compatibilidade entre a lei e os tratados, visto que a prisão imedia-
tamente é submetida ao crivo do judiciário, com envio do auto de prisão
em flagrante em vinte e quatro horas ao juiz.
(B) incompatibilidade entre a lei e os tratados, pois, segundo estes, o
preso deve ser levado à presença de um juiz de direito em vinte e qua-
tro horas para a determinação de seus direitos e obrigações.
(C) compatibilidade entre a lei e os tratados, pois o preso fica à dispo-
sição do juiz e do membro do Ministério Público que podem requisitá-lo
para ser ouvido, se necessário.
(D) incompatibilidade entre a lei e os tratados, pois, segundo estes o
preso tem direito a um Defensor Público que o acompanhe em seus
depoimentos na Delegacia de Polícia.
(E) incompatibilidade entre a lei e os tratados, pois, segundo estes o
preso tem o direito de ser ouvido, sem demora, por um juiz para a
determinação de seus direitos e obrigações.
A resposta é a alternativa "e"
E justamente essa situação levou ao surgimento, no Brasil, da denominada
audiência de custódia ou audiência de apresentação, tema que será destacado no
item seguinte.
4.3.1. A audiência de custódia
Audiência de custódia, ou audiência de apresentação, consiste na realização de
audiência preliminar de apresentação da pessoa presa ou detida à autoridade
judiciária competente.
Trata-se de uma medida implementada no Brasil a partir de 2015, em vir-
tude do reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, do caráter mais benéfico
da norma existente na Convenção Americana sobre direitos humanos, especifica-
mente no art. 70, item 5 da Convenção.
Como já mencionamos, a constituição brasileira estabelece que a prisão de
qualquer pessoa será comunicada imediatamente ao juiz (art. 50, LXII, da CF), mas,
de outro modo, a legislação internacional prevê que a pessoa presa deve ser con-
duzida à presença do juiz.
Em virtude do caráter mais benéfico da norma constante da Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2015, editou
um Provimento dispondo sobre a realização de audiência de custódia, determi-
nando a apresentação, de pessoa detida em flagrante delito, até 24h após a sua
prisão, para participar de audiência de custódia, devendo a autoridade policial
130 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
providenciar a apresentação da pessoa detida ao juiz competente para parlicipar
da audiência'.
Esse provimento foi impugnado no Supremo Tribunal Federal na ADI 5.20,
mas teve sua constitucionalidade confirmada, tendo a Suprema Corte indicado a
necessidade de adotar a prática da audiência de custódia por todos os Triburías
do País.
Na ação, o STF ressaltou que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
especificamente no seu artigo 70, item 5, legitima a realização da audiência de
custódia, o que, doravante, deveria ser adotado por todos os Tribunais do País.
Posteriormente, o Conselho Nacional de justiça, em dezembro de 215, apro-
vou a Resolução 213/2015, dispondo sobre a matéria e determinando a obrigato-
riedade da apresentação pessoal do preso em flagrante, como também daquele
preso por mandado de prisão, a um juiz no prazo de 24 horas, inclusive ern fim
de semana e feriado.
O texto da Resolução indicou a necessidade da presença do Ministério Público
e do defensor durante a audiência, reafirmando a indispensabilidade do prévio
contato entre o preso e seu advogado ou defensor público.
Em 13 julho de 2016, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, um projeto
de lei sobre audiências de custódia (PIS 554/2011), alterando o parágrafo 10 do
artigo 306 do Código de Processo Penal para estabelecer que, no prazo máximo
de 24h depois da prisão, o preso em flagrante deverá ser conduzido à presença
do juiz, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante,
acompanhado de todas as oitivas colhidas.
Como foi cobrado em prova?
A prova de Magistratura do Distrito Federal 2016 trouxe essa proposição:
"A audiência de custódia prevê que a pessoa detida seja conduzida à pre-
sença do juiz, que, na ocasião, aferirá a legalidade do ato de constricão,
para o flat de mantê-lo ou não.". Está correto.
5. MECANISMOS CONVENCIONAIS E NÃO CONVENCIONAIS
O Direito Internacional dos Direitos Humanos é formado por mecanismos de
natureza convencional e mecanismos de natureza não convencional, se diteren-
ciando, uns dos outros, pelo fato de serem extraídos, ou não, de convenções,
tratados.
I. Provimento Conjunto 03/2015, da Presidência do Tribunal de justiça e da Corregedoria-Geral de
justiça do Estado de São Paulo.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 131
Os mecanismos convencionais resultam, como o próprio nome sugere, de Con-
venções, Tratados, Acordos, ao passo que os mecanismos não convencionais não
decorrem de nenhuma Convenção, mas, por assim dizer, de "medidas de con-
senso" da comunidade internacional, a partir de princípios comezinhos sobre vio-
lações de direitos humanos.
Uma diferença básica entre os tipos de mecanismos é que os convencionais
somente podem ser aplicados em relação aos Estados signatários das Convenções,
ao passo que os não convencionais podem ser aplicados em relação a qualquer
Estado.
Importante:
Os mecanismos convencionais somente podem ser aplicados em relação
a Estados signatários das convenções; os mecanismos não convencionais
podem ser aplicados em relação a qualquer Estado.
Um tratado internacional somente é obrigatório em relação aos Estados que
tenha aderido a ele, não se podendo exigir, de um Estado que não seja signatário,
que cumpra as obrigações constantes do instrumento internacional.
Em exemplo, no sistema regional americano há um tratado proibindo a aplica-
ção da pena de morte, mas os Estados Unidos, que admitem esse tipo de pena na
ordem jurídica interna, não são signatários, daí porque não se pode alegar que o
País estaria descumprindo a Convenção.
A grande questão é que os Estados que promovem violações sistemáticas de
direitos humanos não costumam aderir às convenções internacionais, e indaga-se,
então, como impor a esses Estados o respeito aos direitos humanos, e é justa-
mente aí que entram os mecanismos não convencionais.
Mecanismos não convencionais representam medidas afirmativas de direi-
tos tomadas em casos de violação sistemática de direitos humanos e têm como
grande peculiaridade o fato de serem aplicáveis em relação a qualquer Estado,
ainda que esse não tenha aderido a nenhuma convenção afirmativa de direitos.
Os mecanismos não convencionais consagram a tese de que violações siste-
máticas de direitos humanos não são questões meramente internas de um Estado,
mas assunto de interesse da comunidade internacional, que, por não mais admitir
esse tipo de conduta, poderá intervir em defesa dos direitos humanos.
Assim, se algum Estado promover sistematicamente violação de direitos
humanos, a comunidade internacional poderá intervir, adotando medidas con-
tra tal Estado, que podem até mesmo chegar a uma intervenção humanitária
dentro do Estado.
Isso é algo bastante peculiar, pois praticamente ignora a ideia de soberaniainterna do Estado, que sofrerá uma imposição da comunidade internacional mesmo
132 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
sem ter se obrigado perante ela, e isso será justificado pela necessidade de dar
prevalência aos direitos humanos.
A adoção de uma medida não convencional não deve partir de um Estado
isoladamente ou de um grupo de Estados, devendo partir de uma deliberação da
ONU ou de outra entidade representativa, que possuam legitimidade para deter-
minar a o trespasse da soberania interna de um Estado.
O procedimento para adoção de uma medida não convencional é disciplinado
pela Resolução 1503 do Conselho Econômico e Social da ONU, e se inicia por uma
petição, apresentada por qualquer indivíduo, denunciando a violação sistemática
de direitos ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Aqui vale registrar que o texto da Resolução menciona que a petição deve ser
endereçada à Comissão de Direitos Humanos, mas, em março de 2006, essa Comis-
são foi extinta e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Importante:
O procedimento para adoção de uma medida não convencional é dis-
ciplinado pela Resolução 1503 do Conselho Econômico e Social da ONU.
Ele se inicia pela apresentação de uma denúncia ao Conselho de Direi-
tos Humanos da ONU. A denúncia pode ser formulada por qualquer
indivíduo.
A denúncia não pode ser anônima, deve indicar os direitos violados e apontar
violações sistemáticas de direitos humanos.
A grande vantagem do sistema não convencional é justamente permitir que
qualquer Estado seja denunciado pela violação sistemática de direitos humanos, o
que já não ocorre em relação aos mecanismos convencionais, nos quais as denún-
cias só podem ser feitas em relação aos Estados que aderirem às Convenções.
6. CONVENÇÕES GERAIS E CONVENÇÕES ESPECIAIS (SISTEMA GERAL E SISTEMA ESPECIAL)
As convenções internacionais em matérias de direitos humanos podem ser
classificadas, quanto aos sujeitos destinatários dos direitos, em convenções gerais
e convenções especiais.
As convenções gerais se destinam ao ser humano em geral, em abstrato, a
toda e qualquer pessoa, como é o caso da Declaração Universal de Direitos Huma-
nos e dos Pactos Internacionais dos Direitos Civis e políticos e dos Direitos Sociais
e Econômicos.
Trata-se, aqui, de afirmar a proteção indistinta a todas as pessoas, instituindo
direitos que se destinam a todos de uma maneira uniforme, igualitária.
As convenções especiais se destinam a um ser humano específico, em con-
creto, dotado de uma especificidade que justificou a edição de uma convenção
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 133
própria afirmando direitos próprios dessa categoria, como são os casos da Con-
venção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher e
da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência.
As convenções especiais partem da ideia de que determinadas categorias,
em virtude de alguma circunstância peculiar, são merecedoras de uma proteção a
mais em relação às pessoas em geral.
Trata-se, aqui, de implementar, para além da proteção reconhecida a todos,
um pouco mais de proteção a alguns sujeitos específicos, visando se aproximar da
igualdade material, o que traduz, sob certa perspectiva, discriminações positivas,
ações afirmativas.
Cabe destacar que, ao fundo, as convenções especiais não criam direitos novos,
senão que reafirmam direitos já reconhecidos nas convenções gerais, só que enfa-
tizando esses direitos em relação ao sujeito concreto destinatário da convenção.
Vale registrar que, na cronologia histórica, primeiro foram afirmados os direi-
tos gerais, de todos e, depois, foram sendo afirmados direitos específicos de
determinadas categorias, daí se dizer que a positivação internacional dos direitos
se deu primeiro de maneira generalizada e, depois, de maneira específica.
7. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DOS ESTADOS EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS
Com o surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, os casos de
violação de direitos humanos deixaram de ser um problema meramente interno de
cada Estado e passaram a integrar a pauta de atuação da comunidade internacional.
Nessa esteira, a resolução de conflitos envolvendo direitos humanos não é
mais considerada uma questão exclusivamente nacional dos Estados, mas, sim,
assunto de interesse da comunidade internacional.
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia de São Paulo 2014 trouxe a seguinte pro-
posição: "A resolução de conflitos nos casos concretos de violações de direi-
tos humanos é tema de interesse exclusivamente nacional dos Estados.".
Está errado, pois, como vimos, a resolução de conflitos sobre direitos
humanos é tema de interesse da comunidade internacional.
As normas jurídicas que integram o Direito Internacional dos Direitos Humanos
instituem variadas obrigações para os Estados, e, dessas obrigações, surge uma
verdadeira responsabilidade internacional dos Estados em matéria de direitos
humanos.
Responsabilidade é um instituto jurídico relacionado ao descumprimento da
obrigação; o descumprimento da obrigação faz surgir, para o obrigado, a respon-
sabilidade.
134 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett()
Assim, o Estado que descumprir suas obrigações internacionais em torno dos
direitos humanos podercí ser responsabilizado perante a comunidade internacional,
vindo a ser obrigado a adotar diversas medidas, como, por exemplo, pagamento
de indenização.
A possibilidade de responsabilização internacional dos Estados é muito sig-
nificativa, especialmente para os indivíduos lesados em seus direitos, os quais,
muitas vezes, não conseguem obter, no plano interno do Estado agressor, uma
reparação adequada.
Há vários casos de responsabilização internacional de Estados por violação
de direitos humanos, já se tendo uma jurisprudência internacional em matéria
de direitos humanos, resultante da atuação firme dos Tribunais Internacionais,
sobretudo da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de
Direitos Humanos.
Em exemplo, a Corte Interamericana já condenou o Brasil em virtude de pes-
soas terem tido seus telefones grampeados ilegalmente por agentes públicos,
com flagrante violação do direito à privacidade (caso Escher, que analisaremos
mais adiante).
8. FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS
8.1 Considerações iniciais
Para que se promova a responsabilização dos Estados que descumprem as
obrigações internacionais em torno dos direitos humanos é necessária a existên-
cia de órgãos e mecanismos de fiscalização do cumprimento dessas obrigações,
afinal, de nada adiantaria prever as obrigações e não ter como monitorar se elas
estão sendo cumpridas.
Bem por isso, a sistemática internacional de proteção de direitos humanos
prevê órgãos e mecanismos de fiscalização.
Quanto aos órgãos, existem órgãos de natureza executiva e órgãos de natu-
reza jurisdicional, os primeiros responsáveis por apurar os casos de violação de
direitos humanos e os segundos responsáveis por julgar tais casos, quando se fizer
necessário.
Quanto aos mecanismos, existem, basicamente, três grandes mecanismos, que
são os relatórios, as denúncias interestatais e denúncias individuais; o primeiro está
presente em todas as convenções internacionais, enquanto que outros dois são
adotados apenas em algumas convenções.
1 Importante:
O mecanismo dos relatórios está presente em todas as convenções inter-
nacionais sobre direitos humanos; as denúncias interestatais e as denún-
cias individuals estão presentes apenas em algumas Convenções.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 135
Os próximos tópicos do livro discorrerão sobre os órgãos e mecanismos de
fiscalização.
8.2. Órgãos fiscalizatórios
8.2.1. órgãos executivos
Os órgãos executivos, normalmente denominados de Comitê ou Comissão,
são os grandes responsáveis pelafiscalização do cumprimento das obrigações
internacionais em torno dos direitos humanos.
A esses órgãos incumbe atuar em relação aos relatórios e às denúncias
sobre violação de direitos humanos. Costumam ser os primeiros órgãos inter-
nacionais a ter contato com um caso de violação de direitos humanos e, ante o
caso, devem tomar medidas no sentido de apurar a violação, instaurando pro-
cedimentos que se assemelham a inquéritos civis.
A depender do sistema, eles possuem ainda competência para denunciar o
Estado violador de direitos humanos perante um Tribunal Internacional, atuando
como órgão acusador. É o que ocorre, por exemplo, no sistema interamericano,
em que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui legitimidade
para acionar Estados na Corte.
Fazendo um paralelo com o direito brasileiro, os órgãos executivos se asse-
melham ao Ministério Público, que, nos termos da constituição brasileira, possui
competência para apurar casos de violação de direitos humanos e para acionar
em juízo responsáveis por violação de direitos humanos.
Na condução dos procedimentos, o órgão executivo pode promover inves-
tigações, inclusive in loco, se deslocando para o Estado acusado da violação de
direitos humanos, que tem o dever de cooperar com as investigações.
No âmbito do sistema interamericano de direitos humanos, esse órgão é a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que será objeto de estudo deta-
lhado mais adiante, e que é uma das grandes responsáveis pela afirmação dos
direitos humanos em âmbito americano.
Já no sistema universal, existem vários órgãos executivos, sendo principal o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que é uma espécie
de escritório central da ONU sobre direitos humanos.
O Alto Comissário, que é a pessoa à frente do Alto Comissariado, é considerado
o principal agente da ONU em torno dos direitos humanos, sendo responsável por
coordenar os esforços das Nações Unidas em matéria de direitos humanos.
Destaca-se também o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, criado
em 15 de março de 2006, para substituir a antiga Comissão de Direitos Humanos,
que assessora a Assembleia Geral da ONU em matéria de Direitos Humanos.
136 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Dentre os mecanismos utilizados pelo Conselho, sobreleva a Revisão Perió-
dica Universal (Universal Periodic Review - UPR), pela qual o Conselho avalia a
situação dos direitos humanos em todos os Estados-Membros da ONU.
Por esse mecanismo, as nações integrantes das Nações Unidas se obrigam
a encaminhar, a cada 4 anos, um relatório informando a situação dos direitos
humanos no País, o que permitirá à ONU ter um panorama da situação dos direi-
tos no mundo.
Além de promover a Revisão Periódica, é função do Conselho estabelecer
Procedimentos Especiais e indicar as pessoas que ocuparão os respectivos man-
datos, promover a educação sobre direitos humanos e fazer recomendações à
Assembleia Geral tendo em vista o desenvolvimento do Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público do Paraná 2014 trouxe a seguinte questão:
Dentre as funções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas
não se inclui a de:
a) conduzir a Revisão Periódica Universal.
b) encaminhar denúncias de violação dos direitos humanos à Corte Inter-
nacional de Justiça.
c) estabelecer Procedimentos Especiais e indicar as pessoas que ocupa-
rão os respectivos mandatos.
d) promover a educação sobre direitos humanos.
e) fazer recomendações à Assembleia Geral tendo em vista o desenvol-
vimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
A resposta é letra B.
A ONU possui ainda diversos Comitês, instituídos em cada convenção especí-
fica, com denominação correspondente ao instrumento normativo. Nesse sentido,
a Convenção contra a Tortura instituiu o "Comitê contra a Tortura", a Convenção
sobre os Direitos da Criança instituiu o "Comitê para os Direitos da Criança" e assim
por diante.
8.2.2. órgãos jurisdicionais
Os órgãos jurisdicionais são os Tribunais Internacionais, existentes em cada
sistema, e competentes para julgar Estados acusados de descumprirem as obriga-
ções internacionais em torno dos direitos humanos.
No sistema da ONU há a Corte Internacional de justiça; no sistema Europeu a
Corte Europeia de Direitos Humanos; no sistema interamericano a Corte Interame-
ricana de Direitos Humanos; e no sistema Africano o Tribunal Africano de justiça e
Direitos Humanos.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 137
Existe ainda o Tribunal Penal Internacional, mas cuja competência não é para
julgar Estados, e sim pessoas, pessoas acusadas de praticar graves crimes em
detrimento dos direitos humanos.
De uma maneira geral, os Tribunais internacionais possuem competência con-
sultiva e contenciosa, sendo competentes tanto para responder consultas sobre
a aplicação do sistema, bem como para julgar as lides que surgem envolvendo as
normas do sistema.
A competência das cortes Internacionais costuma ter natureza facultativa, o
que significa dizer que elas somente podem atuar se os Estados declararem que
se submetem à jurisdição dela.
Aspecto importante sobre a atuação dos tribunais internacionais é saber se
pessoas podem ser parte nos processos ou se a legitimidade seria apenas dos Esta-
dos e outros órgãos internacionais.
Discorreremos sobre isso um pouco mais adiante, mas já registramos que o
Direito Internacional dos Direitos Humanos admite a possibilidade de indivíduos
figurarem tanto no polo ativo como polo passivo de processos internacionais.
8.2.3. Regra do esgotamento dos recursos internos. Caráter subsidiário da atua-
ção dos órgãos internacionais. Dever primário dos órgãos internos de atuar em
matéria de direitos humanos
Os órgãos internacionais devem atuar de maneira subsidiária na apuração dos
casos de violação de direitos, recaindo sobre os órgãos nacionais de cada Estado
o dever primário de agir.
Significa dizer que, ante um caso de violação de direitos humanos, primeiro
devem ser procurados os órgãos nacionais do Estado para resolver a situação; se
esses órgãos não se mostrarem eficientes, os órgãos internacionais deverão ser
provocados.
Essa natureza subsidiaria da atuação dos órgãos internacionais visa resguar-
dar aos Estados a possibilidade de atuarem de maneira eficiente por seus órgãos
internos, denotando que são zelosos para com o cumprimento de suas obrigações
internacionais.
O ideal é que não ocorra nenhum caso de violação de direitos humanos; mas,
ocorrendo, o Estado tem o dever de apurar e tomar as medidas necessárias para
reparar o lesado e punir o responsável. Agindo dessa forma, estará honrando com
suas obrigações internacionais.
Provocar primeiramente os órgãos internacionais subtrairia dos Estados justa-
mente essa possibilidade de demonstrar que cumpre suas obrigações internacio-
nais, apurando o caso e punindo os responsáveis.
' 33 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
Importante:
A atuação dos órgãos internacionais tem caráter subsidiário, recaindo
sobre os órgãos nacionais dos Estados o dever primário de atuar nos
casos de violação de direitos humanos.
Nessa esteira, um órgão internacional somente deve receber uma denúncia
se restar demonstrado que houve a tentativa de solucionar o caso perante os
órgãos nacionais do Estado acusado. Trata-se de verdadeiro requisito de admis-
sibilidade das denúncias, identificado sob a denominação "dever de esgotamento
dos recursos internos".
Dito de outra forma, para que um órgão internacional admita um caso de
violação de direitos humanos deve certificar-se de que houve o esgotamento dos
recursos internos.
Esse requisito de admissibilidade costuma ser dispensado quando se
demonstra que não existem meios internos aptos a solucionar o caso ou quando
os meios internos se demonstram ineficientes. É o caso, porexemplo, do trans-
curso de um longo prazo sem resolver a questão, como aconteceu no famoso
caso Maria da Penha.
Nesse caso, que será detalhado aqui na obra mais adiante, a justiça brasi-
leira apurava pratica de violência doméstica contra a mulher, mas o processo
já tramitava a 15 anos quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
foi acionada.
O Estado brasileiro arguiu, em preliminar de defesa, que o caso ainda estava
sendo apurado pelos órgãos nacionais, a afastar a atuação da Comissão, mas essa
entendeu dispensável o esgotamento dos recursos internos porque já transcorridos
15 anos sem que se tivesse chegado a uma solução.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 25° Concurso de Procurador da República trouxe seguinte
proposição: O princípio de esgotamento prévio dos recursos domésticos,
no direito internacional dos direitos humanos é pressuposto dispensável, se
demonstrado que os recursos domésticos são indisponíveis ou ineficientes.
Está correto!
Ainda sobre a regra do esgotamento dos recursos internos é importante des-
tacar que a Corte Interarnericana de direitos humanos tem entendimento conso-
lidado no sentido de que quando um Estado apresenta a exceção de não esgota-
mento tem o dever de especificar quais são os recursos internos existentes que
não foram esgotados e, também, de demonstrar que esses recursos são aplicáveis
e efetivos, não sendo tarefa do Tribunal buscar identificar quais seriam os recursos
e se os mesmos seriam efetivos.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 139
A título de exemplo, no caso Favela Nova Brasília, que será estudado mais
adiante, o Brasil arguiu a exceção de não esgotamento prévio dos recursos inter-
nos, mas a Corte lnteramericana não acolheu a arguição por entender que o
Estado brasileiro não se desincumbiu da obrigação de demonstrar quais seriam os
recursos internos existentes que não foram esgotados.
Outro requisito de admissibilidade da atuação dos órgãos internacionais é
que o caso submetido a um órgão não pode estar sob apreciação de outro órgão
internacional, de modo a configurar uma espécie de litispendência internacional.
Em exemplo, se um caso for submetido a um Comitê da ONU, não poderá, em
seguida, ser levado também à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Se
isso fosse feito, a Comissão deverá recusar o caso, por esse já estar sob aprecia-
ção do Comitê da ONU.
8.2.4. Teoria da margem de apreciação nacional
A teoria da margem de apreciação nacional ("margin of appreciation") é uma
teoria desenvolvida pela jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos,
aplicável nos casos em que o Tribunal internacional tem que decidir se uma res-
trição a direitos humanos considerada válida pelos órgãos nacionais pode ser
considerada válida à luz da Convenção Europeia de direitos humanos.
O cerne da teoria consiste em reconhecer que os órgãos nacionais, por
estarem melhor inseridos no contexto sócio cultural do caso sob apreciação,
possuem uma margem decisória que deve ser levada em consideração pelos
tribunais internacionais antes de decidirem ter ocorrido uma restrição indevida
de direitos humanos.
Assim, o tribunal internacional, que tem atuação subsidiária, deve prestigiar
a atuação dos órgãos nacionais, reconhecendo a esses uma ampla margem de
apreciação de casos que envolvem temas sobre os quais não há consenso e
sobre os quais incidem medidas restritivas de direitos impostas pelo Direito
nacional.
A teoria foi aplicada pela primeira vez pela Corte Europeia no julgamento
do caso Handyside vs. Reino Unido, caso no qual se discutiu a validade de restri-
ção feita à liberdade de expressão pela legislação nacional e pela decisão dos
órgãos nacionais.
No caso, a editora "Stage 1", de propriedade de Richard Handyside, comprou
os direitos para a publicação no Reino Unido de um livro que já tinha sido publi-
cado em diversos outros países, europeus e não europeus.
O livro continha uma seção de 26 páginas sobre sexo, incluindo subseções
sobre questões como os contraceptivos, pornografia, homossexualidade e aborto,
bem como direções para obter ajuda e assessoramento sobre assuntos sexuais.
140 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Handyside fez ampla publicidade do livro e distribuiu cópias da obra para um
conjunto de publicações, desde jornais locais e nacionais a jornais médicos e educa-
cionais, gerando amplos debates, com comentários favoráveis e desfavoráveis à cir-
culação do livro, culminando em uma séria de denúncias contra a circulação da obra.
Eis então que o Estado britânico, com base na legislação nacional sobre publi-
cação de obras obscenas (Obscene Publications acts 1959/1964), confiscou e destruiu
as cópias do livro, proibindo sua distribuição no Reino Unido, por considerar que o
mesmo tinha conteúdo obsceno e inadequado para o público destinatário.
Handyside, após esgotar os recursos internos, levou o caso até o Tribunal Euro-
peu de Direitos Humanos, que entendeu que a postura dos órgãos nacionais não
violara as normas internacionais protetivas de direitos humanos.
A Corte europeia entendeu que, ante o fato de existir legislação interna res-
tringindo o direito à liberdade de expressão (obscene publications acts 1959/1964), a
decisão dos órgãos nacionais seria razoável e deveria ser prestigiada pelo Tribunal
internacional, mormente pelo fato de os órgãos nacionais estarem em contato
mais próximo com a realidade cultural e moral daquela sociedade.
A Corte Europeia destacou que, sendo sua competência subsidiária, deveria
analisar, principalmente, se a decisão dos órgãos nacionais estaria dentro de parâ-
metros proporcionais e razoáveis e, nesse juízo, deveria considerar uma ampla
margem de apreciação da jurisdição nacional, por estar melhor inserida na vivên-
cia dos padrões culturais e morais da sociedade.
Nessa esteira, caberia à Corte internacional verificar se a restrição ao direito
estaria prevista em lei, se ela buscava um objetivo legítimo, e se a medida seria
necessária em uma sociedade democrática e, no caso julgado, a Corte entendeu
que esses requisitos estariam preenchidos, pois a restrição buscava proteger os
padrões morais daquela sociedade, de modo que deveria ser considerada uma
certa margem de apreciação pelos órgãos nacionais.
lmportante destacar que a aplicação da doutrina da margem de apreciação
nacional passa por um exame de proporcionalidade e razoabilidade, pois o tri-
bunal internacional deve analisar a necessidade da medida restritiva ao direito,
fazendo aí um juízo concreto de proporcionalidade sobre a medida.
Vejamos como o tema foi cobrado em prova.
I Como foi cobrado em prova? Na prova da Defensoria Pública do
Estado de Pernambuco 2018 caiu a seguinte questão:
A respeito da teoria da margem da apreciação nacional, considere as
seguintes asserções.
I. A teoria da margem da apreciação nacional poderá ser utilizada em
substituição ao princípio da proporcionalidade.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 141
II. A aplicação dessa teoria exige uma decisão vinculante pelo Estado
com base em uma menor capacidade decisória.
Assinale a opção correta.
A) As asserções I e li são verdadeiras, e a II é justificativa da I.
B) A asserção i é falsa, e a II é verdadeira.
C) As asserções I e II são verdadeiras, e a II não é uma justificativa da I.
D) As asserções I e II são falsas.
E) A asserção I é verdadeira, e a II é falsa.
A resposta é a alternativa "d", pois ambas as proposições são falsas.
A teoria da apreciação não é utilizada em substituição ao princípio da
proporcionalidade; ela se vale da proporcionalidade para examinar a
validade da decisão dos órgãos nacionais. Demais, a aplicação exige
uma decisão do Estado com base em uma maior capacidade decisória.
Enfim, é importante destacar que a teoria da margem de apreciação
não é acolhida na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, tendosua aplicação restrita à Corte Europeia de Direitos
Humanos, e tem sido criticada por muitos juristas, que defendem que a
aplicação da teoria dá margem para validação de restrições indevidas
de direitos humanos, comprometendo a efetividade e a universalidade
dos direitos.
Atenção:
A teoria da margem de apreciação nacional não é acolhida na jurispru-
dência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo sua aplica-
ção restrita à Corte Europeia de Direitos Humanos.
8.3. Mecanismos de fiscalização
O Direito Internacional dos Direitos Humanos conta com alguns mecanismos de
fiscalização do cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelos Estados.
Basicamente são três os mecanismos: relatórios, denúncias interestatais e
denúncias individuais.
Analisaremos cada um deles e falaremos, ainda, sobre as investigações motu
próprio.
8.3.1. Relatórios
Pelo mecanismo dos relatórios, os Estados signatários das Convenções sobre
direitos humanos se obrigam a remeter ao órgão fiscalizador, periodicamente,
relatórios informando acerca das medidas adotadas quanto ao cumprimento das
obrigações internacionais em torno dos direitos humanos.
142 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
Esse mecanismo está previsto em todas as convenções internacionais e possui
natureza obrigatória, o que significa dizer que o simples fato de o Estado aderir a
uma Convenção já o obriga a encaminhar relatórios ao órgão fiscalizador.
Importante:
O mecanismo dos relatórios está previsto em todas as convenções inter-
nacionais e possui caráter obrigatório.
Os relatórios servem para manter o órgão fiscalizador informado da efetivação
da Convenção, mas a eficiência do mecanismo é bem discutível, pois dificilmente
algum Estado encaminhará um relatório relatando estar descumprindo as obriga-
ções internacionais.
8.3.2. Denúncias (ou comunicações) interestatais
As denúncias interestatais - tecnicamente denominadas comunicações inte-
restatais - consistem em comunicações feitas por um Estado alegando que outro
Estado está descumprindo as obrigações assumidas em razão da Convenção.
Em outras palavras, trata-se de um mecanismo pelo qual um Estado acusa
outro Estado de estar descumprindo a Convenção, instaurando, entre os Estados
envolvidos, um procedimento, que se inicia pela comunicação acusatória.
O Estado receptor da comunicação deve encaminhar ao Estado emissor expli-
cações e outros esclarecimentos, buscando dirimir a questão. Se não chegarem a
uma solução, o órgão de fiscalização pode ser acionado a intervir.
Esse mecanismo não está previsto em todas as Convenções e, quando pre-
visto, costuma ter natureza facultativa, não obrigatória.
Um mecanismo tem natureza obrigatória quando o simples fato de o Estado
aderir à Convenção já o submete ao mecanismo de monitoramento. É e que ocorre
com os relatórios: todo Estado que adere à Convenção fica obrigado e encaminhar
relatórios.
De outro modo, tem natureza facultativa quando o simples fato de aderir à
Convenção não o obriga a se submeter ao mecanismo, sendo necessário que ele
emita uma declaração reconhecendo a competência do órgão fiscalizador para
atuar em relação ao mecanismo.
Em outras palavras, mesmo tendo aderido ao tratado, o Estado tem a facul-
dade de aceitar ou não o mecanismo fiscalizatório.
Desse modo, quando se menciona que as comunicações interestatais possuem
natureza facultativa se indica que o órgão de fiscalização somente poderá atuar
se os Estados envolvidos declararem reconhecer a competência do órgão de fisca-
Cap. 3 • Direito Internacional cos Direitos Humanos 143
para receber e examinar as comunicações na qual um Estado alegue que
Estado está violando direitos humanos.
I Importante:
de comunicações interestatais não está previsto em todas
internacionais e, quando previsto, costuma possuir
i.acultat;va.
De uma maneira geral, o órgão de fiscalização somente admitirá o caso se
presentes os seguintes requisitos de procedibilidade:
a) é preciso que tenham sido esgotados os recursos internos de solução do
conflito (caráter subsidiário da atuação dos órgãos internacionais), o que
pode ser excepcionado se houver demora injustificada na via interna ou se
a via interna não se mostrar apta a solucionar o caso.
o mesmo caso não pode estar sendo apreciado por outra instância inter-
nacional, evitando uma "fitispendência internacional".
Conhecendo do caso, o órgão vai instaurar um procedimento para apurar e
atuará no intuito de alcancar uma solução amistosa para a questão, apresentando,
ao final, um relatório conclusivo sobre o caso.
A eficiência desse mecanismo também é discutível, pois não é comum Estado
ficar acusando outro de descumprir as Convenções, mormente porque também
poderá ser alvo de acusações.
8.3.3. Denúncias (ou petições) individuais
As petições individuais consistem em denúncias feitas por pessoas, grupo de
pessoas ou organizações não governamentais relacionadas com a afirmação dos
direitos humanos.
Esse sim é um mecanismo eficiente e representa uma evolução no sistema de
fiscalização, pois permite que as próprias pessoas denunciem os casos de violação
de direitos humanos, e isso costuma ser feito pelas vítimas ou por pessoas que lhe
sejam próximas, come os familiares.
Esse mecanismo não está previsto em todas as Convenções e, quando pre-
visto, costuma ter natureza facultativa, o que significa dizer que o órgão de fisca-
lização somente poderá atuar em relação a Estados que tenham declarado aceitar
esse
I Importante:
:.-,- srno de petições individuais não está previsto em todas as
nternacionais e, quando previsto, costuma possuir possui
144 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Para que a petição seja admita pelo órgão de fiscalização existem alguns
requisitos de procedibilidade, cabendo destacar os seguintes:
a) as petições não podendo ser anônimas;
b) o caso não pode estar sendo apreciado por outra instância internacional;
c) é preciso esgotar os recursos internos (caráter subsidiário da atuação dos
órgãos internacionais), requisito que é dispensado se os órgãos internos
se demonstrarem ineficientes, seja por ausência de mecanismos, seja por
excessiva demora na atuação.
8.3.4. Investigações mow proprio (de iniciativa própria)
A sistemática internacional de proteção dos direitos humanos consagra a pos-
sibilidade de os órgãos executivos de fiscalização atuarem por iniciativa própria
(mow proprio), sem depender da apresentação de uma denúncia.
Tomando conhecimento de um caso de violação de direitos humanos, o
órgão poderá instaurar um procedimento para apurar, e isso é importante, pois
não condiciona a atuação dos órgãos internacionais à iniciativa de terceiros
denunciantes.
No ponto, destaca-se a atuação da Promotoria do Tribunal Penal Internacional,
que, conforme previsto no art. 15 do Estatuto de Roma, que rege o Tribunal, pode
instaurar de ofício uma investigação com base em informações acerca de um crime
sob a jurisdição da Corte.
I Importante:
No âmbito do Tribunal Penal Internacional a promotoria pode, mow pró-
prio, instaurar uma investigação com base em informações acerca de um
crime sob a jurisdição da Corte.
8.4. Capacidade internacional dos indivíduos. O jus standi
jus standi é o reconhecimento da legitimidade de indivíduos acionarem dire-
tamente os tribunais internacionais, o que nem sempre foi reconhecido no Direito
Internacional.
Historicamente, as relações internacionais eram travadas basicamente entre
Estados, de modo que não se admitia a possibilidade de um indivíduo figurar dire-
tamente como parte numa relação internacional.
Com o passar dos anos, esse cenário foi se modificando e o Direito interna-
cional evoluiu no sentido de reconhecer capacidade internacional aos indivíduos,
admitindo a possibilidade de pessoas figurarem como partes em processos inter-
nacionais.
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 145Do ponto de visa do polo ativo é preciso separar a capacidade de denunciar
violações de direitos humanos da capacidade de acionar as Cortes Internacionais
protetivas de direitos humanos.
Sobre a capacidade de denunciar, todos os sistemas internacionais de proteção
de legitimam os indivíduos a denunciar violações de direitos humanos perante os
órgãos de fiscalização.
Assim, por exemplo, qualquer pessoa pode denunciar um caso de violação de
direitos humanos ao Alto Comissariado das Nações Unidas ou à Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos.
Entretanto, sobre a capacidade de acionar os Tribunais Internacionais, isto é, a
capacidade de ser o Autor de um processo internacional contra um Estado trans-
gressor, apenas o sistema europeu admite essa possibilidade.
Como regra geral, as Cortes Internacionais só podem ser provocadas por Esta-
dos ou por órgãos de acusação, de modo que um indivíduo deve denunciar o caso
no órgão e o órgão, se entender pertinente, acionará o Tribunal.
Exemplificando, no sistema interamericano de direitos humanos, uma pessoa
vítima de violação de direitos não pode entrar com uma ação na Corte Interame-
ricana; ela deverá acionar a Comissão Interamericana e a Comissão é que poderá
acionar o Estado transgressor na Corte.
Entretanto, de modo diverso, o sistema europeu admite a possibilidade de
indivíduos acionarem diretamente a Corte Europeia de Direitos Humanos, reconhe-
cendo, dessa forma, a capacidade internacional do indivíduo de figurar no polo
ativo do processo internacional.
Essa previsão do sistema europeu materializa o jus standi, que é a legitimidade
de indivíduos acionarem diretamente os tribunais internacionais, e isso representa
uma grande evolução na proteção internacional dos direitos humanos.
I Importante:
Como regra geral, os indivíduos não possuem capacidade internacio-
nal ativa, não podendo acionar diretamente os Tribunais internacionais;
entretanto, de modo diverso, o Sistema Europeu de direitos humanos
confere legitimidade aos indivíduos para deflagrarem processos na
Corte Europeia de Direitos Humanos, assim materializando o jus standi.
Nesse contexto, é correto afirmar que o Direito Internacional reconhece a
capacidade internacional ativa dos indivíduos, seja para denunciar casos de vio-
lação de direitos humanos perante os órgãos internacionais, seja para acionar
diretamente o Tribunal Internacional, como ocorre no caso específico do sistema
europeu.
46 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafae! Barrett()
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia de São Paulo 2014 trouxe a seguinte
proposição: "No sistema processual de proteção dos direitos humanos, as
pessoas físicas são titulares de direitos perante os órgãos de supervisão
internacional, mas carecem de capacidade processual nesse sistema". A
proposição está errada, pois, como vimos, as pessoas físicas possuem
sim capacidade processual para acionar os órgãos de fiscalização e, no
caso do sistema europeu, até mesmo de acionar o Tribunal.
Quanto à capacidade passiva, ou seja, sobre a possibilidade de um indivíduo
figurar como réu em processo internacional, ela está reconhecida no Tribunal Penal
Internacional, que é uma Corte Internacional com competência para julgar pessoas
acusadas de praticar graves crimes em detrimento dos direitos humanos.
Em linhas gerais, os Tribunais Internacionais julgam Estados, que são acusados
de descumprir as obrigacões internacionais, não sendo possível, por exemplo,
que a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou a Corte Europeia de Direitos
Humanos venha a julgar uma pessoa.
Mas, de modo diverso, como já dito, o Tribunal Penal Internacional tem com-
petência exatamente para julgar pessoas e, não, para julgar Estados, motivo pelo
qual se pode afirmar que o Direito Internacional também reconhece a capacidade
internacional passiva dos indivíduos.
I Importante;
A capacidade nternacional passiva do indivíduo, ou seja, a possibili-
dade de um :ndivíduo figurar como réu em processo internacional, está
reconhecida no Tribunal Penal internacional. oue é competente para jul-
gar pessoas acJsadas de cometerem graves crimes em detrimento dos
direitos humanos.
9. 0 DEVER DE ADOTAR MEDIDAS INTERNAS E A NATUREZA SUPRACONSTITUCIONAL DO
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Qual a natureza jurídica dos tratados internacionais sobre direitos humanos?
São eles infra ou supraconstitucionais? Num eventual conflito entre uma convenção
internacional sobre direitos humanos e a ordem jurídica interna de um Estado, o
que deve prevalecer?
A resposta a essas perguntas é decisiva para identificar se as convenções
internacionais sobre direitos humanos devem se adequar ao ordenamento nacio-
nal do Estado ou se o inverso deve ocorrer.
Aparentemente, a resposta dependerá cio que estiver previsto no próprio
ordenamento interne do Estado. No caso do Brasil, por exemplo, o art. 50, § 30, da
Cap. 3 • Direito Internacional dos Direitos Humanos 147
CF sinaliza que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais e,
com base nesse dispositivo, o STF entendeu pela natureza supralegal desses trata-
dos, como já discorrido aqui na obra.
Mas, analisando o tema do prisma do direito internacional, parece ser induvi-
doso que os tratados de direitos humanos devem ser reconhecidos como superiores
à ordem jurídica nacional.
Isso porque não teria sentido a comunidade internacional se reunir, envidar
esforços em uma direção comum e um Estado se comprometer, firmando o tra-
tado, e depois recusar o cumprimento das obrigações assumidas sob alegação de
que as mesmas seriam incompatíveis com seu Direito interno.
Ora, fosse para não cumprir a obrigação internacional, o Estado não deveria
assinar o tratado ou, então, haveria de fazer uma reserva quando da assinatura.
Não havendo isso, parece conclusivo que o Estado se compromete a dar aplica-
bilidade integral ao tratado, devendo, por isso, adequar sua legislação nacional.
Nesse sentido, inclusive, o texto das próprias Convenções costuma impor aos
Estados signatários um dever de adotar medidas internas, inclusive legislativas, no
sentido de permitir a aplicabilidade integral da convenção.
Em exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da ONU, prevê
que cada Estado signatário "compromete-se a adotar, de acordo com os seus proces-
sos constitucionais e, com as disposições do presente Pacto, as medidas que permitam
a adoção de decisões de ordem legislativa ou outra capazes de dar efeito aos direitos
reconhecidos no presente Pacto que ainda não estiverem em vigor".
Na mesma direção, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos dispõe que:
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo i ainda não
estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Esta-
dos Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas cons-
titucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou
de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos
e liberdades.
Ora, se o Estado se compromete a adotar medidas internas, inclusive de
ordem legislativa, no sentido de efetivar os direitos previstos na Convenção inter-
nacional, se afigura adequado reconhecer que o Direito Internacional dos Direitos
Humanos há de prevalecer sobre a ordem jurídica nacional, possuindo, assim,
natureza supraconstitucional.
Interessante discussão envolve a aplicação do estatuto do Tribunal Penal Inter-
nacional, conhecido como Estatuto de Roma, que, em alguns pontos, conflita com o
direito interno de alguns Estados.
Nos países que já enfrentaram essa questão a tendência prevalente é no sen-
tido de adequar a legislação nacional para permitir a aplicação integral do Estatuto
de Roma.
148 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Em Portugal, a questão levou à aprovação de uma emenda à Constituição per-
mitindo a aplicaçãointegral do Estatuto. Também na Alemanha e em Luxemburgo a
Constituição foi alterada para permitir a aplicação in totum do Estatuto.
Na França, o Conselho Constitucional chegou a declarar a inconstitucionalidade
parcial do Estatuto, mas, posteriormente, o texto constitucional foi modificado
para permitir a aplicação integral do Estatuto.
Situação semelhante ocorreu na Bélgica, onde o Conselho de Estado, mediante
parecer, considerou que algumas previsões do Estatuto violavam a constituição
belga e sugeriu fosse realizada uma alteração na Constituição.
Essas experiências evidenciam uma tendência de dar aplicação integral ao
Estatuto de Roma, a indicar a prevalência da norma internacional no relaciona-
mento com o direito interno dos Estados e afirmar a natureza supraconstitucional
do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Sistema global (ou universal)
de direitos humanos
1. A ONU. A CARTA DA ONU DE 1945
O sistema global (ou universal) de direitos humanos é o sistema estruturado
em torno da Organização das Nações Unidas (ONU), entidade que coordena o sis-
tema e produz os documentos internacionais que integram essa ordem jurídica.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "A ONU é o órgão responsável pela UDHR e pela Declaração Ameri-
cana de Direitos". Está errado, eis que a ONU é responsável apenas pela
UDHR. A responsável pela Declaração Americana é a OEA!
A ONU foi fundada em 1945, mediante aprovação da Carta da ONU, pouco após
o término da segunda guerra mundial, buscando reunir nações que tivessem pro-
pósitos em comum no sentido de promover a paz e a segurança no cenário inter-
nacional, bem como o desenvolvimento das nações e a promoção dos direitos
humanos.
I Importante:
A ONU é a instituição responsável pelo sistema global. Ela foi fundada
em 1945 e tem como um de seus objetivos a promoção dos direitos
humanos.
Vale destacar o que consta no art. 1.3 da Carta da ONU, verbis:
Artigo 1
Os propósitos das Nações unidas são:
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;
150 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
SiÇãO: "A ONU nasceu com diversos objetivos, como a manutenção da paz e
segurança internacionais, entretanto a proteção internacional dos direitos
humanos não estava incluído entre eles". Está errado!
A ONU possui papel central no processo histórico de afirmação dos direitos
humanos, sendo inquestionável que, a partir de sua atuação, a proteção internacio-
nal desses direitos se expandiu bastante.
Do ponto de vista de sua estrutura organizacional, a ONU possui diversos
órgãos que atuam em torno dos direitos humanos, a exemplo do Alto Comissariado
para os Direitos Humanos e do Conselho de Direitos Humanos.
Como já dito aqui na obra, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direi-
tos Humanos é uma espécie de escritório central da ONU sobre direitos humanos
e o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é um órgão que assessora a
Assembleia Geral da ONU em matéria de Direitos Humanos.
A ONU possui ainda diversos Comitês, instituídos em cada convenção especí-
fica, com denominação correspondente ao instrumento normativo. Nesse sentido,
a Convenção contra a Tortura instituiu o "Comitê contra a Tortura", a Convenção
sobre os Direitos da Criança instituiu o "Comitê para os Direitos da Criança" e assim
por diante.
2. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, DE 1948
2.1. Considerações preliminares
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), ou Universal Declaration
of Human Rights (UDHR), é o principal instrumento do sistema global de direitos
humanos e, mais do que isso, ela é o grande marco de universalização dos direitos
humanos, o documento fonte de todo o Direito Internacional dos Direitos Humanos,
ponto de irradiação e convergência de todos os documentos internacionais prote-
tivos de direitos humanos, de todos os sistemas.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Paraná 2019 trouxe a seguinte proposi-
ção: A edição da Declaração Universal de Direitos Humanos foi o marco da
universalidade e inerência dos direitos humanos. Está correto!
A prova da Defensoria Pública do Piauí 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "A UDHR pertence ao sistema regional de proteção dos direitos
humanos". Está errado, pois a Declaração Universal pertence ao sis-
tema global!
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 151
A prova do 150 concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
constituiu um marco decisivo no processo de generalização da proteção
dos direitos humanos, permanecendo como fonte de inspiração e ponto de
irradiação e convergência dos instrumentos de direitos humanos em níveis
global e regional". Está correto!
Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em io de dezembro de
1948, a Declaração foi subscrita por 50 dos 58 membros das Nações Unidas à época,
tendo ocorrido 08 abstenções.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição:
Dada sua correlação com os direitos naturais, houve grande consenso em
torno do documento que contou com a aprovação unânime dos Estados,
sem reprovações ou abstenções.
Está errado!
A Declaração inovou substancialmente a proteção ao ser humano, pois uni-
versalizou a proteção ao ser humano, proclamando que os direitos devem ser
reconhecidos a todos os seres humanos, sem qualquer tipo de condicionante ou
discriminação.
Bem por isso, ela é considerada o marco da universalização dos direitos
humanos. A ideia de universalidade dos direitos humanos, já estudada anterior-
mente aqui na obra, se desenvolve fortemente justamente a partir da Declaração
Universal, que inaugura uma nova era, uma nova compreensão, exatamente de
direitos humanos como direitos universais.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público do Paraná 2019 trouxe a seguinte proposi-
ção: A edição da Declaração Universal de Direitos Humanos foi o marco da
universalidade e inerência dos direitos humanos. Está correto!
A Declaração pode ser considerada uma consequência do pós segunda guerra,
tendo vindo atender ao clamor da comunidade internacional pela existência de um
documento que proclamasse valores e princípios básicos em torno da dignidade
humana.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do Ministério Público de Rondônia 2008 trouxe a seguinte pro-
posição: "A DUDH surgiu para atender ao clamor de toda a humanidade e
buscou realçar alguns princípios básicos fundamentais para a compreensão
da dignidade humana, entre eles, a liberdade e a igualdade". Está correto!
152 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barren
Logo em seu preâmbulo a Declaração evidencia a preocupação das Nações
Unidas em afirmar a dignidade da pessoa humana e construir um novo cenário
internacional, pautado em relações amistosas entre as nações.
Vale registrar o teor do preâmbulo, verbis:
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os mem-
bros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o funda-
mento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resul-
taram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que
o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra,
de crençae da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi
proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo
império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último
recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amis-
tosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da
ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor
do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que
decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em
uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover,
em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos
e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e
liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades
é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,
agora portanto,
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa questão:
Um dos documentos mais importante das Nações Unidas é a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948, que, em seu preâm
bulo, enumera considerações e, em seguida, declara pontualmente
direitos humanos universais por meio de vários artigos. No preâmbulo,
considera-se que
(A) ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura
e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 153
(B) ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes.
(C) todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual
proteção da lei.
(D) todos têm direito à proteção igual contra qualquer discriminação que
viole a declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
(E) todas as nações devem ser encorajadas ao desenvolvimento de rela-
ções amistosas entre si.
A resposta é letra E, valendo registrar que o que consta nas outras alter-
nativas dessa questão está afirmado na Declaração Universal nos artigos
que proclamam os direitos.
A Declaração foi proclamada como um ideal comum a ser atingido por todos
os povos e todas as nações.
Conforme constou do texto.
A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos
Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as
nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade,
tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e
da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela
adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por
assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva,
tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos
dos territórios sob sua jurisdição.
Vejamos em seguida o conteúdo da declaração, os direitos que foram abran-
gidos em seu texto.
2.2. Conteúdo da Declaração. Tipos de direitos abrangidos
A definição do conteúdo da Declaração foi objeto de acirrada polêmica no
âmbito da ONU, em especial por causa do cenário bipolarizado que se instaurou
após a segunda guerra, com o cenário internacional dividido em dois blocos, um
capitaneado pelos Estados Unidos e outro pela União Soviética, período que ficou
conhecido como Guerra Fria.
Havia consenso entre os países no sentido de proclamar os direitos civis e
políticos (direitos liberais, de primeira geração), mas, em relação aos os direitos
sociais, econômicos e culturais (direitos sociais, de segunda geração), houve um
grande embate entre os blocos da Guerra Fria, eis que americanos e soviéticos
tinham perspectivas bastante diferentes.
154 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
I Importante:
A definição do conteúdo da Declaração foi permeada por uma polêmica
em torno do reconhecimento ou não dos direitos sociais, o que refletiu
o contexto da chamada Guerra Fria.
Surgiu até a tese de que os direitos liberais seriam superiores aos sociais e
somente eles seriam fundamentais, mas, ao final, essa tese foi rejeitada, prevale-
cendo a concepção da unidade e indivisibilidade dos direitos humanos, segundo a
qual todos os direitos deveriam ser proclamados na Declaração e compreendidos
num mesmo patamar.
Nessa esteira, a Declaração enunciou direitos civis, políticos, sociais, econômi-
cos e culturais, todos reconhecidos em paridade hierárquica.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição
acerca da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Estabelece três
categorias de direitos: os direitos civis e políticos, os direitos econômicos,
sociais e culturais e os direitos coletivos, combinando, de forma inédita, os
discursos liberal, social e plural". Está errado!
A prova do Ministério Público do Trabalho de 2012 trouxe a seguinte
proposição: A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que sur-
giu após a Segundo Guerra Mundial, acentua a tendência à universalização
dos direitos humanos. Seu cerne está no direito à vida digna e ela não se
limitou a declarar direitos civis, mas também direitos econômicos e sociais.
Está correto!
A prova de Delegado Civil de Minas Gerais de zon trouxe a seguinte
proposição: A Declaração Universal dos Direitos Humanos introduz a
indivisibilidade dos direitos humanos, ao conjugar o catálogo dos direi-
tos civis e políticos, com o dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Está correto!
Na prova da Defensoria Pública da União de zolo foi cobrada a seguinte
proposição: "Os direitos humanos são indivisíveis, como expresso na Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos, a qual englobou os direitos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais". A proposição está correta!
A prova do Ministério Público do Mato Grosso do Sul de 2009 trouxe a
seguinte proposição: "A Declaração Universal dos Direitos Humanos consa-
gra apenas direitos humanos relativos às liberdades civis e políticas". Está
errado!
Reitere-se: os direitos foram enunciados em paridade hierárquica, sem rela-
ção de supremacia entre uns e outros, consagrando a tese da unidade e indivisibi-
lidade dos direitos humanos.
Cap. 4 • sistema global (ou universal) de direitos humanos 155
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Pará de 2009 trouxe a seguinte pro-
posição: "A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 inova a con-
cepção de direitos humanos porque universaliza os direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais, conferindo-lhes paridade hierárquica". Está
correto!
A Declaração não previu os direitos de terceira geração, o que foi natural pelo
fato de que, naquele momento histórico, tais direitos ainda não tinham sido afir-
mados, o que só veio a ocorrer anos após o surgimento da DUDH.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "A UDHR foi redigida à luz das atrocidades cometidas durante a 2..
Guerra Mundial. Nesse documento, marco da proteção internacional dos direi-
tos humanos, foi afirmado que o meio ambiente é um direito das presentes
e futuras gerações". Está errado! A Declaração não previu os direitos de 3•
geração!
Os direitos e garantias reconhecidos na DUDH abrangem:
• Vida, liberdade e segurança pessoal;
• Proibição de escravidão e servidão;
• Proibição de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante;
• Reconhecimento como pessoa;
• Igualdade;
• Recursos judiciais;
• Proibição de prisão arbitrária;
• Justa e pública audiência perante um tribunal independente e imparcial;
• Presunção de inocência;
• Vida privada;
• Liberdadede locomoção;
• Direito de asilo, que não pode ser invocado em caso de perseguição legiti-
mamente motivada por crime de direito comum;
• Direito a ter uma nacionalidade;
• Contrair matrimônio e fundar uma família;
• Propriedade;
• Liberdade de pensamento, consciência e religião;
156 Direitos Humanos - vol. 39 • Rafael Barretto
• Liberdade de opinião e de expressão;
• Liberdade de reunião e associação pacífica;
• Fazer parte do governo do país;
• Acesso ao serviço público do país;
• Segurança social;
• Trabalho;
• Repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a
férias remuneradas periódicas;
• Padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis;
• Instrução (educação);
• Participar livremente da vida cultural.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição
acerca da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Não tratou do
direito à propriedade, tendo em vista que esse ponto poderia ser objeto de
impasse com os Estados do bloco socialista.". Está errado!
A mesma prova, Juiz Militar de São Paulo 2016, trouxe ainda a seguinte
proposição acerca da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "prevê
expressamente o direito à participação política, mas não o de acesso a ser-
viços públicos". Está errado, pois a Declaração prevê o direito de fazer
parte do governo e o direito de acesso ao serviço público!
Demais, ainda a mesma prova trouxe a seguinte proposição acerca da
Declaração Universal dos Direitos Humanos: "prevê o direito ao trabalho
e ao repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e
as férias remuneradas periódicas". Está correto!
A prova de Advogado da Prefeitura de Natal 2016 trouxe a seguinte pro-
posição sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Todo ser
humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência
por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus
direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra
ele". Está correto!
A prova de Delegado de Polícia de São Paulo 2014 trouxe a seguinte
questão:
Segundo o que dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU, toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e
de gozar asilo em outros países. No entanto, esse direito não pode ser
invocado, entre outros, em caso de perseguição
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 157
(A) de militante político que tenha se evadido clandestinamente de seu
país de origem.
(B) de pessoa que claramente tenha se rebelado contra o regime de
governo de seu país.
(C) por razões de ordem política.
(D) por motivos religiosos.
(E) legitimamente motivada por crimes de direito comum.
A resposta é letra E, cabendo destacar que o direito de obter asilo
em outro País está relacionado a perseguições de ordem política, não
podendo ser invocado quando praticado delito de natureza comum.
2.3. Natureza da Declaração: Tratado ou Resolução?
O reconhecimento dos direitos sociais na Declaração fez surgir nova polêmica,
consistente em saber se ela seria aprovada como um Tratado ou como uma Reso-
lução, e essa é uma questão importante, pois Tratados instituem normas cogentes,
enquanto Resoluções instituem normas diretivas.
Assim, se a Declaração fosse proclamada como uma Resolução, os direitos nela
revistos não seriam imediatamente exigíveis e isso repercutiria principalmente no
plano dos direitos sociais, que exigem uma atuação positiva do Estado.
Ao final, a Declaração foi aprovada como uma Resolução, resultando que, do
ponto de vista formal, ela não teria força de lei e não seria juridicamente obri-
gatória.
I Importante:
A Declaração foi aprovada como uma Resolução da ONU, não como um
Tratado, daí que, do ponto de vista formal, ela não teria força de lei e
não seria juridicamente obrigatória.
I I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Promotor de Justiça do Mato Grosso do Sul 2018 trouxe a
seguinte proposição: A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
foi adotado pela Assembleia das Nações Unidas sob a forma de resolução,
adquirindo força de lei por consagrar valores básicos universais aos seres
humanos. Está errado!
Não obstante, parece contraditório a comunidade internacional elaborar um
documento desse porte e admitir que os Estados signatários não se obriguem a
cumpri-lo. Qual seria, então, o sentido de elaborar esse documento? Apenas suge-
rir metas, indicar diretrizes? Data venha, conquanto realmente seja assim do ponto
de vista formal, se afigura incoerente...
158 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Bem por isso, adveio a tese de que, apesar do status formal meramente dire-
tivo, a Declaração deveria ser reconhecida sim como documento cogente, vinculante,
dotado de juridicidade imperativa, e daí surgiu a questão fundamental: a Declaração
possui ou não força jurídica?
2.4. Afinal, a Declaração possui força jurídica?
Como dito, apesar do status formal não vinculante, adveio a tese de que a
Declaração deveria sim ser reconhecida como cogente, vinculante, dotada de juri-
dicidade imperativa.
Essa tese foi ganhando força e, gradativamente, sedimentou-se entendimento
de reconhecer valor jurídico material à Declaração, no sentido de ser fonte de
interpretação de todo o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o que significa
dizer que não se pode afirmar que ela seja desprovida de força jurídica.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 14° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "a Declaração Universal de Direitos Humanos de
1948 da OKI não constitui, sob o ponto de vista formal, instrumento jurídico
vinculante, em termos gerais, embora, no aspecto material, venha sendo
utilizada como importante elemento de interpretação dos tratados e con-
venções internacionais e como fonte de inspiração para a aprovação e
interpretação das normas internas dos Estados". Está correto!
A ideia que se tem é que ela constituiu uma materialização dos princípios da
Carta da ONU, materializando um consenso internacional em torno dos direitos
humanos, integrando o que se chama soft law, expressão utilizada para se referir
a instrumentos normativos cuja força jurídica é mais fraca que a das leis, os cha-
mados instrumentos quase-legais.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição
acerca da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Não apresenta
força de lei, por não ser um tratado. Foi adotada pela Assembleia das
Nações Unidas sob a forma de resolução. Contudo, como consagra valores
básicos universais, reconhece-se sua força vinculante". Está correto!
A prova do 25° concurso de Procurador da Republica trouxe a seguinte
proposição: No tocante à Declaração Universal dos Direitos Humanos, é
correto dizer que não é formalmente vinculante, mas é indicativo de amplo
consenso internacional, integrando o chamado soft law. Está correto!
A prova da Defensoria Pública do Pará, de 2009, da FCC, trouxe a
seguinte proposição: "A Declaração Universal de Direitos Humanos apre-
senta força jurídica vinculante, seja por constituir uma interpretação
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos hurnanc,s 159
autorizada do artigo 55 da Carta das Nações Unidas, seja por constituir
direito costumeiro internacional, conforme sustenta parte consideravel da
doutrina, consagrando ainda a ideia de que, para ser titular de direitos,
basta ser pessoa". Está correto!
Importante:
Como deve ser aoor:aeo esse terna numa pre:a .7;SCursiva:
Deve ser respenc,.ro z.ue anesar de não ser mente '• -cutativa,
Declaração possu: .at or jura:co. sendo matera —enteo,,r4atoria. ser-
vindo como fonte :e nterpre-a.c,io de todo o Interiac:ona! dos
Direitos Humanos. ',r:egraneo o soft law.
3. A JURIDICIZAÇÃO DA DECLARAÇÃO. OS DOIS PACTOS DE 1966
A aprovação da Declaração sob forma de Resoucão or ou a proposta de
criação de urn Tratado que reproduzisse os direitos nela enuntia .10S. A ideia era a
seguinte: já que a Declaração não é urn tratado, por due não eaPorar um tratado
reafirmando o que consta nela?
A proposta foi aceita, mas a definicão do conteGdo do tratact, a ser elaborado
retomou o impasse que permeou a elaboração da Declaração, de definir se os
direitos sociais seriam ou não prpoarnacios.
O impasse foi solucionado quase zo anos depois, corn a adocão, em 1966, não
de um, mas de dois tratados, que são o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polí-
ticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Socials e Culturais.
Os Pactos foram adotados com formulas diferentes quanto à aplicação dos direi-
tos nele previstos: os direitos civis e políticos teriam aplicação imediata, e os direitos
sociais, econômicos e culturais te'.arrl aplicação progressiva; e parece que foi justa-
mente a adoção dessas formulas diferenciadas que permitiu solucionar o impasse.
Iffortante:
O Pacto dos direitos civis e políticos tem aplicação imediata, enquanto que
o dos direitos econômicos, sociais e culturais tem aplicação progressive.
A adoção de dois Pactos, com estruturas diferenciadas, trouxe questionamen-
tos acerca da ideia de unidade e indivisibilidade dos direitos humanos, reavi-
vando a tese de que os direitos liberais seriam direitos de uma envergadura maior
do que os sociais.
A questão é: se direitos liberais e sociais realmente integrassem uma mesma
categoria de direitos, por que então a elaboração de dois Pactos ao invés de um?
E por que um Pacto seria autoaplicável e o outro não?
160 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barrett°
Não seria justamente por não integrarem uma mesma categoria de direitos,
estando os liberais numa categoria mais elevada, como verdadeiros direitos,
enquanto os sociais seriam meras diretrizes?
Inegavelmente, o surgimento de dois Pactos, com estruturas distintas, criou
embaraços para os defensores da unidade e indivisibilidade dos direitos huma-
nos, mas isso não foi suficiente para eliminar a doutrina internacional que defen-
dia que os direitos deveriam ser compreendidos como integrantes de um todo
único e indivisível.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 140 concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a seguinte
proposição: "apesar de a Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU
prever em seu texto direitos civis e políticos ao lado dos direitos sociais,
econômicos e culturais, foram aprovados dois pactos internacionais distintos,
o que acabou criando embaraços para os defensores da indivisibilidade dos
direitos humanos, especialmente num contexto de guerra fria". Está correto!
Apesar dos embaraços criados, a tese da unidade e indivisibilidade dos direi-
tos humanos continuou prevalecendo, se rejeitando a ideia que a existência de
dois Pactos denotaria que os direitos liberais seriam superiores aos direitos sociais.
I Importante:
A doutrina internacional continuou sustentando que os direitos huma-
nos integrariam um todo único, indivisível e interdependente, refutando
a tese da existência de níveis de direitos, como se uns fossem mais
importantes do que os outros e como se apenas os liberais fossem ver-
dadeiros direitos. A defesa logrou êxito e essa é a tese que prevalece no
cenário internacional atual.
Importa destacar que os Pactos não se limitaram a reproduzir os direitos
enunciados na Declaração; foram além, prevendo novos direitos, ampliando o
rol de direitos previstos na Declaração, o que foi natural, pois foram elaborados
quase zo anos depois dela.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte pro-
posição: "0 Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 previu
novas espécies de direitos humanos além daquelas previstas expresso-
mente na UDHR de 1948". Está correto!
A junção da Declaração Universal dos Direitos Humanos com o Pacto dos Direi-
tos Civis e políticos e o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais forma
o que se denomina Declaração Internacional de Direitos. Vejamos o próximo item.
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 161
4. DECLARAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS (INTERNATIONAL BILL OF RIGHTS). O SISTEMA
GERAL DA ONU
Os documentos mais importantes do sistema universal são a Declaração Uni-
versal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e políticos e o
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Juntos, eles formam a chamada Declaração Internacional de Direitos (Inter-
national Bill of Rights), que corresponde ao sistema geral de proteção de direitos
humanos; geral no sentido de direitos assegurados a toda e qualquer pessoa, ao
ser humano em geral.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Promotor de justiça do Mato Grosso do Sul 2018 trouxe a
seguinte proposição: A Carta internacional dos Direitos Humanos (Interna-
tional Bill of Rights) decorre exclusivamente da conjugação do Pacto Inter-
nacional de Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais. Está errado!
A prova de Defensor Público do Amapá 2018 trouxe a seguinte questão:
Integram a denominada Carta Internacional dos Direitos Humanos - Inter-
national Bill of Rights:
I. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
II. Carta da organização das Nações Unidas - ONU.
III. Declaração Universal de Direitos Humanos.
IV. Convenção Americana de Direitos Humanos.
Está correto o que se afirma em
a) II e IV, apenas.
b) I e II, apenas.
c) I e Ill, apenas.
d) III e IV, apenas.
e) I, II, III e IV.
A resposta é letra "c".
O sistema universal é formado ainda por outros tantos instrumentos, mas a
maioria deles destinados a um sujeito específico, integrando o sistema especial de
proteção de direitos humanos, que será analisado mais adiante. Por ora, vejamos
relevantes aspectos dos dois grandes pactos da ONU.
5. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pela ONU em 19
de dezembro de 1966, tendo sido incorporado ao Brasil em 1992, pelo Decreto
162 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
592, de 6 de julho de 1992, ou seja, menos de 4 anos após a instauração da nova
ordem constitucional brasileira.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de wog trouxe a seguinte pro-
posição: "0 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos pertence ao
sistema regional de proteção dos direitos humanos". Está errado! Ele per-
tence ao sistema global!
O Pacto impõe aos Estados o dever de respeitar e garantir os direitos nele
enunciados a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam
sujeitos a sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo,
religião, opinião política ou outra natureza, origem nacional ou social, situação
econômica, nascimento ou qualquer outra condição.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do 16° concurso do Ministério Público do Trabalho trouxe a
seguinte proposição: "De acordo com o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, é dever dos Estados-Partes assegurar os direitos neles pre-
vistos, inclusive protegendo os indivíduos contra a violação de seus direitos
perpetrada por entes privados". Está correto!
5.1. Direitos reconhecidos
Os direitos e garantias reconhecidos no Pacto abrangem:
• igualdade entre homens e mulheres;
• vida;
• proibição de tortura e de penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes;
• proibição de escravidão,de servidão e de submissão a trabalho forçado;
• liberdade e segurança pessoal;
• integridade do preso;
• não prisão por descumprimento de obrigação contratual;
• direito de circulação;
• juízo natural;
• presunção de inocência;
• tipicidade penal;
• personalidade jurídica;
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 163
• vida privada;
• liberdades de pensamento, consciência e religião;
• liberdade de expressão;
• direito de reunião, que pode ser objeto de restrições impostas em confor-
midade com a lei e que são necessárias numa sociedade democrática, no
interesse da segurança nacional, da segurança pública, da ordem pública
ou para proteger a saúde e a moral públicas ou os direitos e as liberdades
de outrem.;
• direito de associação, inclusive constituir sindicatos;
• proteção à família;
• proteção à criança;
• direito de participação política;
• igualdade perante a lei e igual proteção da lei;
• proteção às minorias.
> Como foi cobrado em prove?
A prova de Juiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição: "0
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos reconhece, sem restrições, o
direito de reunião pacífica". Está errado!
Cabe acrescentar algumas considerações sobre o direito à vida e sobre o
trabalho forçado, por serem pontos que exigem uma atenção especial para as
provas.
5.1.1. Direito à vida e pena de morte
Ao tratar do direito à vida, no artigo 60, o Pacto não aboliu a pena de morte,
mas lhe impôs restrições - a começar pela previsão de que essa só pode ser pro-
nunciada para os crimes mais graves, em conformidade com a legislação em vigor,
no momento em que o crime foi cometido e que não deve estar em contradição
com as disposições do Pacto nem com a Convenção para a Prevenção e a Repres-
são do Crime de Genocídio.
> como foi cobrado em prova?
A prova de Wiz Militar de São Paulo 2016 trouxe a seguinte proposição:
"0 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos: prevê que a pena de
morte não deverá ser imposta sob nenhuma hipótese, salvo em situação de
guerra". Está errado!
164 Direitos Humanos - vol. 39 • Rafael Barretto
Previu ainda que qualquer indivíduo condenado à morte terá o direito de soli-
citar o perdão ou a comutação da pena e que uma sentença de morte não pode
ser pronunciada em casos de crimes cometidos por pessoas de idade inferior a 18
anos e não pode ser executada sobre mulheres grávidas.
Posteriormente, convictos de que a abolição da pena de morte contribui para
a promoção da dignidade humana e para o desenvolvimento progressivo dos
direitos do homem, os Estados instituíram o "Segundo Protocolo Facultativo ao
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Politicos com vista à Abolição da Pena
de Morte", em 15 de dezembro de 1989.
O Protocolo dispõe que nenhum indivíduo sujeito à jurisdição de um Estado
signatário será executado, mas, de outro modo, admite que os Estados reservem
a aplicação da pena de morte em tempo de guerra em virtude de condenação
por infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em tempo
de guerra.
I Importante:
O Pacto dos direitos civis e políticos não aboliu a pena de morte, o que
somente veio ocorrer com o 20 Protocolo Facultativo, o qual dispôs que
nenhum indivíduo deve ser executado, ressalvando apenas a aplicação
da pena capital em tempo de guerra em virtude de condenação por
infração penal de natureza militar de gravidade extrema cometida em
tempo de guerra.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova do concurso de Defensoria Pública de Pernambuco de 2018
trouxe a seguinte proposição: "0 Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de
Morte prevê reserva à aplicação da pena de morte em tempo de guerra em
virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade
extrema". Está correto!
O Brasil aderiu ao Protocolo em 25/9/2°09 e fez a reserva mencionada, admi-
tindo a pena de morte em caso de guerra declarada, em sintonia com o art. 50,
XLII, "a", da Constituição brasileira.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte propo-
sição: A respeito do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos - PIDCP,
é correto afirmar que o Segundo Protocolo Facultativo ao PIDCP com vistas à
Abolição da Pena de Morte foi ratificado pelo Estado brasileiro sem ter este
estabelecido qualquer reserva ao mesmo. Está errado!
A prova do concurso de Defensoria Pública de Pernambuco de 2018
trouxe a seguinte proposição: "0 Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 165
Internacional dos Direitos Civis e Políticos com vistas à Abolição da Pena de
Morte prevê reserva à aplicação da pena de morte em tempo de guerra em
virtude de condenação por infração penal de natureza militar de gravidade
extrema". Está correto!
A prova de Investigador da Polícia Civil de Minas Gerais 2014 trouxe a
seguinte questão: "o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, edi-
tado no âmbito do sistema global de proteção dos direitos humanos, tem a
ele o Segundo Protocolo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
adotado em 15 de dezembro de 1989, que estabelece que cada Estado-
-parte deverá adotar todas as medidas necessárias para abolir a pena de
morte em sua jurisdição. O citado Protocolo ainda não foi ratificado pelo
Brasil". Está errado!
5.1.2. Trabalho forçado
Ao proibir a escravidão e a servidão, o Pacto se dedicou ao tema do trabalho
forçado, dispondo que ninguém pode ser obrigado a executar trabalhos forçados
ou obrigatórios. Entretanto, ressalvou, em relação aos países que punem certos
crimes com prisão e trabalhos forçados, a possibilidade de o órgão jurisdicional
competente condenar a esse tipo de trabalho.
Demais, o Pacto não considera trabalho forçado as seguintes situações:
• qualquer trabalho ou serviço exigido de um indivíduo que tenha sido
encerrado em cumprimento de decisão judicial ou que, tendo sido objeto
de tal decisão, ache-se em liberdade condicional;
• qualquer serviço de caráter militar e, nos países em que se admite a
isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei
venha a exigir daqueles que se oponha ao serviço militar por motivo de
consciência;
• qualquer serviço exigido em casos de emergência ou de calamidade que
ameacem o bem-estar da comunidade;
• qualquer trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas nor-
mais.
5.2. Aplicação Imediata
Um aspecto muito importante do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políti-
cos é que ele possui aplicação imediata, o que significa dizer que os direitos nele
previstos podem ser exigidos de plano, de imediato.
Isso é relevante porque, como veremos em seguida, o Pacto dos Direitos Econômi-
cos, Sociais e Culturais possuem aplicação progressiva.
166 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
5.3. Suspensão das obrigações decorrentes do Pacto
O art. 40 do Pacto autoriza os Estados a, ante situações excepcionais que amea-
cem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente, adotar medidas que
suspendam as obrigações decorrentes do instrumento internacional, mas desde que
as medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam
impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas
por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social.
Mas, mesmo ante tal hipótese, não será possível suspender os seguintes direitos:
• vida;
• proibição de tortura;
• proibição de escravidão e de servidão;
• proibição de prisão por descumprimento de obrigação contratual;
• tipicidade penal;
• personalidade jurídica;
• liberdade de pensamento, de consciência e de religião.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público do Paraná 2014trouxe essa proposição:
"0 direito de reunião, dodo seu papel central para o funcionamento de
uma sociedade democrática, é protegido contra sua suspensão em qual-
quer hipótese, na forma do que prevê o artigo 4° do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos". Está errado!
A prova da Defensoria Pública do Estado de São Paulo 2012 trouxe a
seguinte questão:
Dos direitos abaixo, qual é passível de suspensão, na forma do artigo 4.
do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e políticos?
A) Não ser arbitrariamente privado de sua vida.
B) Não ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes.
C) Não ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios.
D) Não ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação
contratual.
E) Não ser obrigado a adotar uma religião ou crença que não de sua
livre escolha.
A resposta é letra C.
5-4- Monitoramento
Como órgão responsável pela fiscalização do cumprimento do instrumento
internacional o Pacto instituiu o Comitê dos Direitos do Homem e, como mecanis-
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 167
mos fiscalizatórios, os relatórios e as comunicações interestatais, não tendo pre-
visto as petições individuais.
As petições individuais somente vieram a integrar o sistema de fiscalização
posteriormente, pelo "Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre
os Direitos Civis e Políticos", segundo o qual os indivíduos que se considerem víti-
mas da violação de qualquer dos direitos enunciados no Pacto e que tenham esgo-
tado todos os recursos internos disponíveis podem apresentar uma comunicação
escrita ao Comitê para que este a examine (art. lo).
I ATENÇÃO:
O Pacto criou o Comitê dos Direitos do Homem e previu os relatórios e
comunicações interestatais, não tendo previsto as petições individuais,
que somente passaram a integrar o sistema de fiscalização posterior-
mente, pelo Primeiro Protocolo Facultativo.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte propo-
sição: A respeito do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos - PIDCP, é
correto afirmar que possui como mecanismo de monitoramento os relatórios
elaborados pelos Estados-Partes sobre as medidas adotadas para tornar
efetivos os direitos civis e políticos submetidos ao Conselho Econômico e
Social. Está errado pois os relatórios são submetidos ao Comitê dos Direi-
tos do Homem.
A mesma prova, na mesma questão, trouxe ainda a seguinte proposição:
O Protocolo Facultativo ao PIDCP institui mecanismo de análise de petições
de particulares que se considerem vítimas diretamente ao Comitê de Direitos
Humanos por violações de direitos civis e políticos. Está correto!
A mesma prova, na mesma questão, trouxe ainda a seguinte proposição:
O Protocolo Facultativo ao PIDCP também estabelece expressamente, além
do sistema de petições, procedimento de investigação, procedimento inte-
restatal e medidas provisionais ou cautelares. Está errado, pois o Protocolo
instituiu apenas o sistema de petições individuais, não tendo previsto os
demais mecanismos indicados na proposição.
A prova da Defensoria Pública do Pará de 2009 trouxe a seguinte propo-
sição: "0 Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estabelece a aplica-
ção imediata de direitos civis e políticos, contemplando os mecanismos de
relatórios e comunicações interestatais e, mediante Protocolo Facultativo, a
sistemática de petições individuais". Está correto!
O Brasil ratificou o Protocolo Facultativo em 25.09.2009, tendo esse sido apro-
vado no Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo 311/2009 e promulgado pelo
Presidente na ordem interna brasileira, de modo que indivíduos podem denunciar
I
I
168 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
o Brasil perante os órgãos da ONU por descumprimento das obrigações decorren-
tes do Pacto Internacional dos Direitos Civis e políticos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Amazonas 2018 trouxe a seguinte pro-
posição: A respeito do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos -
PIDCP, é correto afirmar que o Estado brasileiro, até o presente momento,
não ratificou o Protocolo Facultativo ao PIDCP para instituir o mecanismo de
petição individual das vítimas. Está errado!
A prova de Investigador da Polícia Civil de minas Grais 2014 trouxe a
seguinte proposição: "o Protocolo Facultativo ao Pacto dos Direitos Civis e
Políticos, no âmbito do sistema global de proteção aos direitos humanos,
que trata do mecanismo das petições individuais, está pendente de apre-
ciação no Congresso Nacional". Está errado, pois, como dito, o Protocolo
foi aprovado no Congresso em 2009, pelo Decreto legislativo 311/09.
Importa destacar que as comunicações interestatais e as petições individuais
foram instituídas com natureza facultativa, ou seja, o Comitê somente poderá
atuar em relação a Estados que tenham declarado que reconhecem a sua compe-
tência para esses mecanismos, o que já ocorreu em relação ao Brasil.
Demais, o Comitê somente receberá comunicações e petições se o caso não
estiver sob apreciação de outra instância internacional e se houver o esgotamento
dos recursos internos - o que será dispensado quando a atuação dos órgãos
nacionais exceder prazos razoáveis - e, no caso das petições individuais, se as
mesmas não forem anônimas. Tratam-se, pois, de requisitos de admissibilidade
das denúncias.
6. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado
pela ONU conjuntamente com o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, em 19 de dezem-
bro de 1966, tendo sido incorporado ao Brasil em 1992, pelo Decreto 591, de 6 de
julho de 1992, ou seja, menos de 4 anos após a instauração da nova ordem consti-
tucional brasileira.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte pro-
posição: "0 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Cultu-
rais pertence ao sistema regional de proteção dos direitos humanos". Está
errado! Ele pertence ao sistema global!
O Pacto impõe aos Estados partes o dever de garantir o exercício dos direitos
nele enunciados sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma,
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 169
religião, opinião política ou de qualquer outra índole, origem nacional ou social,
posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
O Pacto é um importante instrumento na efetivação dos direitos econômicos,
sociais e culturais, pois cria obrigações para os Estados e permite a responsabili-
zação internacional daquele que violar os direitos enunciados.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa proposição: "0
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais expandiu o
rol dos direitos econômicos, sociais e culturais, determinados pela Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos de 1948, compreendendo-se que criou
obrigações legais para os Estados-membros, permitindo a sua responsa-
bilização internacional em casos de violação dos direitos ali enunciados".
Está correto!
6.1. Direitos reconhecidos
Os direitos e garantias reconhecidos no Pacto abrangem:
• igualdade entre homens e mulheres;
• direito ao trabalho;
• direito a condições de trabalho justas e favoráveis;
• liberdade sindical, compreendendo o direito de fundar sindicatos, filiar-se
a sindicatos e o direito de greve;
• segurança social, incluindo os seguros sociais;
• proteção e assistência à família;
• direito a um nível de vida adequado para si e sua família, inclusive alimen-
tação, vestimenta e moradia;
• direito a gozar do melhor estado de saúde física e mental possível;
• direito a educação;
• direito aparticipar na vida cultural;
• direito de gozar dos benefícios científicos.
Em relação ao direito a saúde (art. 12), os Estados devem adotar medidas
necessárias para assegurar
a. A diminuição da mortalidade e da mortalidade infantil, bem como o são
desenvolvimento da criança;
b. O melhoramento de todos os aspectos de higiene do meio ambiente e da
higiene industrial;
170 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
c. A profilaxia, tratamento e controle das doenças epidémicas, endémicas,
profissionais e outras;
d. A criação de condições próprias a assegurar a todas as pessoas serviços
médicos e ajuda médica em caso de doença.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa proposição: "O
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela
Resolução 2.200-A MO da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 1969, e
ratificado pelo Brasil, dispõe que os Estados-parte se comprometem a reco-
nhecer o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde
física e mental, estabelecendo no pacto um percentual mínimo da renda
do país destinado a assegurar este direito". Está errado porque não há
previsão de percentual mínimo da renda destinado a assegurar o direito.
Sobre o direito a educação (art. 13), de modo a assegurar o exercício do
direito, os Estados reconhecem que:
a. O ensino primário deve ser obrigatório e acessível gratuitamente a todos;
b. O ensino secundário, nas suas diferentes formas, incluindo o ensino secun-
dário técnico e profissional, deve ser generalizado e tornado acessível a
todos por todos os meios apropriados e nomeadamente pela instauração
progressiva da educação gratuita;
c. O ensino superior deve ser tornado acessível a todos em plena igualdade,
em função das capacidades de cada um, por todos os meios apropriados
e nomeadamente pela instauração progressiva da educação gratuita;
d. A educação de base deve ser encorajada ou intensificada, em toda a
medida do possível, para as pessoas que não receberam instrução primá-
ria ou que não a receberam até ao seu termo;
e. É necessário prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede esco-
lar em todos os escalões, estabelecer um sistema adequado de bolsas e
melhorar de modo contínuo as condições materiais do pessoal docente.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa proposição:
"0 Pacto internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ado-
tado pela Resolução 2.20o-A (XXI) da Assembleia-Geral das Nações Unidas,
em 1969, e ratificado pelo Brasil, dispõe que os Estados-parte se compro-
metem a reconhecer o direito à educação e. com o objetivo de assegurar
o pleno exercício desse direito, garantir a educação superior obrigatória e
acessível gratuitamente a todos". Está errado, pois o que foi previsto é
a instauração progressiva da educação gratuita para o nível superior.
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 171
6.2. Aplicação progressiva. Natureza programática do Pacto?
Aspecto muito importante é que a aplicação desse Pacto deve ser feita de
maneira progressiva, na medida das possibilidades de cada Estado, até o máximo
de recursos de que disponha.
Conforme previsto no art. 2.1. do Pacto, os Estados signatários se comprome-
tem a adotar medidas, "até o máximo dos recursos de que disponha, para pro-
gressivamente obter, por todos os meios apropriados, inclusive a adoção de medi-
das legislativas em particular, a plena efetividade dos direitos aqui reconhecidos".
> Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Pará 2009 trouxe a seguinte proposi-
ção: "0 Pacto internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o
Protocolo de San Salvador em matéria de direitos econômicos, sociais e
culturais preveem que estes direitos têm aplicação progressiva, devendo os
Estados dispor do máximo dos recursos disponíveis para a sua realização,
vedado o retrocesso social". Está correto!
A aplicação progressiva indica que os direitos previstos no Pacto não seriam
imediatamente exigíveis a partir da adesão do Estado ao tratado, a denotar certo
aspecto programático.
O que se poderia exigir de imediato seria o comprometimento do Estado no
sentido de adotar medidas que, gradativamente, propiciassem a efetivação dos
direitos ali enunciados - mas, exigir, de plano, essa efetivação, não teria base
normativa.
Ilustra bem o tema a previsão sobre o direito à educação, segundo a qual todo
Estado que, no momento em que se tornar parte, não tiver condições de implemen-
tar o ensino primário obrigatório e gratuito, deve apresentar, num prazo de dois
anos, um plano detalhando as medidas que pretende adotar num prazo razoável
de anos.
Registre-se: ao firmar o pacto, o Estado não está obrigado a fornecer, de ime-
diato, ensino primário obrigatório e gratuito. Ele tem um prazo de dois anos para
apresentar um plano indicando em quantos anos isso será implementado.
O aspecto da aplicabilidade constitui importante diferenciação entre o Pacto dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, pois um
possui aplicação progressiva e outro possui aplicação imediata.
I Importante:
O Pacto dos Direitos Civis e Políticos possui aplicação imediata, enquanto
que o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais possui aplicação
progressiva.
172 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Cabe ainda destacar a diferenciação entre o sistema internacional e o sistema da
constituição brasileira quanto ao aspecto da aplicação dos direitos.
Enquanto no sistema internacional apenas os direitos civis e políticos pos-
suem aplicação imediata, no sistema da constituição brasileira todos os direitos
fundamentais possuem aplicação (CF, art. 5., § 10), o que inclui também os direitos
sociais, econômicos e culturais.
I Importante:
A constituição brasileira reconhece e afirma a aplicação imediata de
todos os direitos fundamentais; o sistema internacional reconhece apli-
cação imediata apenas dos direitos civis e políticos, atribuindo aos direi-
tos econômicos, sociais e culturais aplicação progressiva.
6.3. Monitoramento
O Pacto não previu nenhum Comitê, mas o Conselho Econômico e Social da ONU,
órgão que atua na área de assuntos de caráter econômico, social, cultural, edu-
cacional, sanitário e conexos, conforme art. 6. da Carta da ONU, criou o Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, atribuindo-lhe competência para fiscalizar
a aplicação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Quanto aos mecanismos de monitoramento, o Pacto previu apenas os relató-
rios, mas, posteriormente, a Assembleia Geral da ONU aprovou o Protocolo Faculta-
tivo ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, instituindo
o sistema de comunicações individuais, o de comunicações interestatais e, ainda,
um procedimento de investigação das violações graves e sistemáticas de direitos
econômicos, sociais e culturais.
Abordaremos o Protocolo Facultativo mais detalhadamente no tópico a seguir.
I Importante:
O Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais instituiu apenas o
mecanismo dos relatórios, mas, posteriormente, mediante Protocolo
Facultativo, instituiu as comunicações individuais, as comunicações inte-
restatais e criou ainda um procedimento de investigação.
Nessa esteira, é de ser percebido que, originariamente, os dois grandes Pactos
da ONU possuíam como mecanismo comum de fiscalização apenas os relatórios; mas,
atualmente, possuem em comum também as comunicações individuais e as comu-
nicações interestatais, isso em decorrência dos Protocolos Facultativos.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público de Goiás 2014 trouxe essa proposição:
"0 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais expandiu
Cap. 4 • Sistema global(ou universal) de direitos humanos 173
o rol dos direitos econômicos, sociais e culturais, determinados pela Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos de 1948, compreendendo-se que exi-
miu o Estado da obrigação de encaminhamento de relatórios, contendo
as medidas adotadas e os obstáculos enfrentados. Está errado, pois os
relatórios não foram abolidos!
A prova da Defensoria Pública de São Paulo de 2°09 trouxe a seguinte
proposição: "No tocante aos mecanismos de monitoramento e implementa-
ção dos direitos que contemplam, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
têm em comum o envio de relatórios". Está correto, mas é preciso obser-
var que atualmente os Pactos têm em comum também os mecanismos
de denúncias interestatais e individuais.
6.4. Protocolo Facultativo
Como dito anteriormente, a Assembleia Geral da ONU, em io de dezembro
de 2008, aprovou o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Eco-
nômicos, Sociais e Culturais, que ampliou o sistema de fiscalização, instituindo o
sistema de comunicações individuais, o de comunicações interestatais e, ainda,
um procedimento de investigação das violações graves e sistemáticas de direitos
econômicos, sociais e culturais.
Como salientado pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, durante
a cerimônia de abertura da assinatura do Protocolo, realizada em Nova York, em
24 de setembro de 2009, esse Protocolo representou um marco histórico no sis-
tema internacional de direitos humanos, pois
vai permitir, pela primeira vez, que as vítimas procurassem justiça interna-
cional por violações aos seus direitos econômicos, sociais e culturais, enviando
comunicações individuais ao Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(DESO.
Decerto, o Protocolo promove um avanço significativo na busca pela efetivação
dos direitos sociais, que, como regra geral no Direito Internacional, são reconheci-
dos como direitos de aplicabilidade progressiva, não imediata.
E, justamente pela conformação programática com que esses direitos são
reconhecidos nos documentos internacionais, a atuação dos Estados pode se
demonstrar insuficiente, prejudicando as pessoas, que não possuíam legitimidade
para denunciar o caso às autoridades internacionais.
Agora, com o Protocolo, as vítimas podem denunciar diretamente ao Comitê de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU denunciando o Estado transgressor e
pedindo a adoção de providencias.
O Protocolo previu três procedimentos de fiscalização, que são as comunica-
ções individuais, as comunicações interestatais e o procedimento de investigação de
violações graves ou sistemáticas dos direitos sociais, econômicos e culturais.
174 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Pelo sistema de comunicações individuais, vítimas de violação em seus direitos
econômicos, sociais e culturais, ou pessoas em nome delas, poderão peticionar ao
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais denunciando o Estado transgressor.
Pelas comunicações interestatais, um Estado poderá apresentar comunicação
perante o Comitê denunciando outro Estado por descumprir as obrigações decor-
rentes do Pacto.
Pelo procedimento de investigação, o Comitê pode deflagrar uma investigação
quando receber informação fidedigna indicando a existência de violações graves
ou sistemáticas dos direitos estabelecidos no Pacto.
O mecanismo de comunicações individuais foi adotado de maneira obrigatória,
mas os outros possuem maneira facultativa, ou seja, Comitê somente poderá atuar
quanto a esses procedimentos em relação a Estados que tenham declarado acei-
tar a competência do Comitê para tais mecanismos.
Seguindo a linha do Direito Internacional, existem requisitos de admissibilidade
para o recebimento das comunicações, que são os seguintes:
• É preciso que os recursos internos tenham sido esgotados ou que haja
demora injustificada na aplicação desses recursos (regra do esgotamento
dos recursos internos);
• A comunicação deve ser encaminhada ao Comitê dentro de um ano após
exauridos os recursos internos, exceto em casos em que o autor possa
demonstrar que não havia possibilidade de submeter a comunicação den-
tro da data limite;
• Os fatos que são objeto da comunicação devem ocorrer posteriormente à
entrada em vigor do Protocolo para o Estado Parte interessado;
• O caso não pode ter sido examinado pelo Comitê, ou ter sido ou estar sendo
examinada por outro procedimento de investigação ou acordo internacional;
• A comunicação não pode ser anônima.
O procedimento de investigação é adotado quando o Comitê recebe informação
conflável indicando graves ou sistemáticas violações por um Estado Parte de qual-
quer um dos direitos econômicos, sociais e culturais arrolados no Pacto.
Em tal hipótese, o Comitê deve convidar tal Estado Parte para cooperar no
exame das informações e, com esta finalidade, apresentar observações a respeito
das informações em análise.
Levando em conta quaisquer observações que possam ter sido apresentadas
pelo Estado Parte interessado, assim como qualquer outra informação conflável
disponível para tal, o Comitê pode designar um ou mais de seus membros para
conduzir uma investigação e para transmitir um informe, em caráter urgente, para
o Comitê.
Quando apropriado, e com o consentimento do Estado Parte, a investigação
pode incluir uma visita ao seu território.
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 175
A investigação será conduzida confidencialmente e a cooperação do Estado
Parte será buscada em todos os estágios dos procedimentos.
Após examinar os resultados de tal investigação, o Comitê deve transmiti-los
ao Estado Parte interessado, junto com quaisquer outros comentários e recomen-
dações que considere oportunas.
O Estado Parte interessado deve, dentro de seis meses após o recebimento
dos resultados, comentários e recomendações transmitidas pelo Comitê, submeter
suas observações ao Comitê.
Depois que tais procedimentos forem completados, com respeito à investiga-
ção feita, o Comitê pode, após consultas feitas ao Estado Parte interessado, decidir
incluir um resumo dos resultados dos procedimentos no seu relatório anual.
Outro aspecto importante do Protocolo foi a instituição de medidas provisórias
para proteger as vítimas de violação de direitos econômicos, sociais e culturais.
Conforme o Protocolo, a qualquer tempo, depois do recebimento da comuni-
cação e antes que a decisão sobre o mérito tenha sido tomada, o Comitê pode
transmitir ao Estado interessado, para sua urgente consideração, um pedido para
que adote medidas provisórias, dentro do que for necessário, em circunstâncias
excepcionais, para evitar possíveis danos irreparáveis para a vítima ou vítimas das
violações alegadas (art. 5.).
É importante registrar que, apesar da grande importância do Protocolo, o Brasil
ainda não assinou o referido instrumento normativo.'
I Importante:
O Brasil ainda não assinou o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional
dos direitos sociais econômicos e culturais.
7. OUTROS INSTRUMENTOS NORMATIVOS
O sistema global é formado ainda por diversos outros instrumentos normati-
vos além dos três básicos que integram a international bill of rights.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova da Defensoria Pública do Piauí de 2009 trouxe a seguinte proposi-
ção: "Além da UDHR de 1948 não há outros documentos relevantes no âmbito
da proteção internacional global dos direitos humanos". Está errado! A UDHR
é o mais importante documento, mas não é o único! Há também os Pactos
Internacionais dos direitos civis e políticos e dos direitos sociais, econômi-
cos e culturais e outros tantos instrumentos normativos!
Consulta feita diretamente no site da ONU em 17.01.2021.
176 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
Uma análise pormenorizada de cada um desses outros tantos instrumentos
normativos exorbitariados limites propostos para a presente obra; atento à pro-
posta da obra, traremos observações sobre aspectos costumam aparecer nos edi-
tais de concurso.
7.1. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial
Essa convenção foi adotada pela ONU em 7 de março de 1966, tendo sido pro-
mulgada na ordem interna brasileira pelo Decreto 65.810, de 8 de dezembro de 1969.
Trata-se de um importante mecanismo de combate à discriminação racial, pois
permite a responsabilização internacional dos Estados partes que praticarem atos
racistas ou que se omitirem em apurar os casos de discriminação racial.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Defensor Público do Paraná 2014 trouxe essa proposição: "0
Estado-parte pode ser responsabilizado internacionalmente por ato racista
ou discriminatório praticado por particular, caso comprovada sua omissão
em adotar as medidas estabelecidas no artigo II da Convenção Internacional
sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial". Está correto!
Nos termos da Convenção, a expressão 'discriminação racial significa:
qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundadas na raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por fim ou efeito anu-
lar ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade
de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos
domínios político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio
da vida pública.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia do Piauí 2018 trouxe essa proposição:
"De acordo com o disposto na Convenção Internacional sobre a eliminação
de todas as formas de discriminação racial, a expressão "discriminação
racial" significa: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada
em raça, idade, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, grau de
escolaridade, que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reco-
nhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de con-
dição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.".
Está ERRADO, pois a questão menciona grau de escolaridade!
Conforme a Convenção (art. 20), os Estados Partes condenam a discriminação
racial e comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados e sem demora,
uma política de eliminação de todas as formas de discriminação racial, e de pro-
moção da harmonia entre todas as raças, e, para este fim:
Cap. 4 • Sistema global (ou universal) de direitos humanos 177
a) Os Estados Partes comprometem-se a não apoiar qualquer ato ou prática
de discriminação racial contra pessoas, grupos de pessoas ou instituições,
e a proceder de modo que todas as autoridades e instituições públicas,
nacionais e locais se conformem com esta obrigação;
b) Os Estados Partes comprometem-se a não incitar, defender ou apoiar a
discriminação racial praticada por qualquer pessoa ou organização;
c) Os Estados Partes devem tomar medidas eficazes a fim de rever as políti-
cas governamentais nacionais e locais e para modificar, revogar ou anular
as leis e qualquer disposição regulamentar que tenha como efeito criar a
discriminação racial ou perpetuá-la onde já existir;
d) Os Estados Partes devem, por todos os meios apropriados - inclusive, se
as circunstâncias o exigirem, com medidas legislativas -, proibir a discri-
minação racial praticada por quaisquer pessoas, grupos ou organizações,
pondo-lhe um fim;
e) Os Estados Partes comprometem-se a favorecer, quando for conveniente, as
organizações e movimentos multirraciais, e outros meios próprios, visando
suprimir as barreiras entre as raças e a desencorajar o que tende a reforçar
a divisão racial.
I Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia do Piauí 2018 trouxe essa proposição:
"De acordo com o disposto na Convenção Internacional sobre a eliminação
de todas as formas de discriminação racial, os Estados Membros compro-
metem-se a não encorajar, ou apoiar a discriminação racial praticada por
uma pessoa, entretanto não poderá tomar medidas legislativas ou políticas
que ainda não existam para modificar ou anular tal discriminação.". Está
errado, pois os Estados se comprometem a não encorajar ou apoiar a
discriminação racial por todos os meios apropriados, o que inclui a ado-
ção de medidas legislativas e políticas nesse sentido.
A prova de Defensor Público do Paraná 2014 trouxe essa proposição:
"A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial prevê que os Estados-partes devem adotar medidas
legislativas para tipificar o crime de racismo, recomendando, ainda, que
a respectiva pena recaia preferencialmente sobre medidas alternativas à
prisão". Está errado! Realmente há previsão de o Estado adotar medidas
legislativas para tipificar o crime de racismo, mas não há detalhamento
sobre as penas a serem previstas para o delito.
Ainda no artigo segundo está previsto também que os Estados Partes adota-
rão, se as circunstâncias assim o exigirem, nos campos social, econômico, cultural
e outros, medidas especiais e concretas para assegurar adequadamente o desen-
volvimento ou a proteção de certos grupos raciais ou de indivíduos pertencentes
a esses grupos com o propósito de garantir-lhes, em igualdade de condições, o
178 Direitos Humanos - Vol. 39 • Rafael Barretto
pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, sendo que
essas medidas não poderão, em hipótese alguma, ter o escopo de conservar direi-
tos desiguais ou diferenciados para os diversos grupos raciais depois de alcança-
dos os objetivos perseguidos.
Como esse assunto foi cobrado em concurso?
A prova de Delegado de Polícia do Piauí 2018 trouxe essa proposição: "De
acordo com o disposto na Convenção Internacional sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação racial, serão consideradas discriminação
racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o
progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos
que necessitem da proteção que possa ser necesscíria para proporcionar a
tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liber-
dades fundamentais.". Está ERRADO, pois essas medidas não são consi-
deradas discriminação racial, podendo ser adotadas pelo Estado parte!
Também está previsto na Convenção que os Estados Partes condenam espe-
cialmente a segregação racial e o apartheid e comprometem-se a prevenir, proi-
bir e eliminar nos territórios sob sua jurisdição todas as práticas dessa natureza
(art. 30).
Demais, os Estados Partes condenam toda propaganda e todas as organiza-
ções que se inspiram em ideia ou teorias cujo fundamento seja a superioridade
de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa
origem étnica, ou que pretendam justificar ou encorajar qualquer forma de ódio
e de discriminação raciais, comprometendo-se a adotar imediatamente medidas
positivas destinadas a eliminar qualquer incitação a tal discriminação e, para esse
fim, tendo em vista os princípios formulados na Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos e os direitos expressamente enunciados no artigo V da Convenção,
comprometem-se, nomeadamente:
a) a declarar como delitos puníveis por lei qualquer difusão de ideias que
estejam fundamentadas na superioridade ou ódio raciais, quaisquer incita-
mentos à discriminação racial, bem como atos de violência ou provocação
destes atos, dirigidos contra qualquer raça ou grupo de pessoas de outra
cor ou de outra origem étnica, como também a assistência prestada a ati-
vidades racistas, incluindo seu financiamento;
b) a declarar ilegais e a proibir as organizações, assim como as atividades
de propaganda organizada e qualquer outro tipo de atividade de propa-
ganda, que incitem à discriminação racial e que a encorajem, e