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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-65-5821-019-1 9 7 8 6 5 5 8 2 1 0 1 9 1 Código Logístico 59844 Temas sociais e educacionais contemporâneos Graziella Rollemberg IESDE BRASIL 2021 © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa:Blan-k/ Rainbow Black/ Receh Lancar Jaya/ Kate_gr/ art of line/ Somjai Jathieng/ Bloomicon/ Maria Ion/Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R656t Rollemberg, Graziella Temas sociais e educacionais contemporâneos / Graziella Rollem- berg. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2021. 176 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-019-1 1. Educação ambiental. 2. Meio ambiente. 3. Desenvolvimento susten- tável. I. Título. 21-70382 CDD: 363.7 CDU: 502.1 Graziella Rollemberg Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Sergipe (IFS). Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Norte do Paraná (Unopar). Licenciada em Sociologia pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi). Bacharel em Ciências Sociais com habilitação em Antropologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Docente e coordenadora editorial de coleções didáticas e paradidáticas para Ensino Fundamental e Ensino Médio. Autora de obras didáticas para Educação Básica e Educação Superior e de obras paradidáticas para Educação Básica das redes pública e privada há 25 anos. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Educação ambiental e consumo responsável 9 1.1 Compreendendo conceitos 10 1.2 Preservação e conservação do meio ambiente 13 1.3 Novas tendências de sustentabilidade 23 1.4 Educação ambiental 28 2 Educação financeira: um aprendizado para a vida 37 2.1 Sistemas econômicos e racionalidade econômica 37 2.2 Relações de produção e de trabalho 45 2.3 Economia solidária 50 2.4 Educação financeira e fiscal 56 3 Educação científica e inclusão digital 65 3.1 O que é conhecimento? 65 3.2 A ciência 71 3.3 A tecnologia 83 3.4 Ciência, tecnologia e educação 89 4 Promoção da saúde na escola 103 4.1 Saúde integral e qualidade de vida 104 4.2 Prevenção de doenças e de riscos 118 4.3 Promoção da saúde integral na escola 127 5 Respeito à diversidade na sociedade 139 5.1 Direitos humanos, igualdade e diversidade 139 5.2 Desigualdade e exclusão 153 5.3 Diversidade cultural: multiculturalismo e interculturalismo 159 Gabarito 171 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Esta obra pretende subsidiar a abordagem, no contexto escolar, dos Temas Transversais Contemporâneos (TCTs), propostos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), articulando conteúdos conceituais e encaminhamentos didático-pedagógicos, no sentido de contribuir para a formação integral do estudante e de fortalecer o exercício das funções sociais da escola. Segundo a BNCC, os TCTs podem explicitar a ligação entre os diferentes componentes curriculares de maneira integrada e relacioná-los com situações vivenciadas pelos estudantes em suas realidades sociais, contribuindo para agregar contexto e contemporaneidade aos objetos do conhecimento recomendados. No primeiro capítulo, serão abordados conceitos como natureza e meio ambiente, conservação e preservação ambiental, ética ambiental e desenvolvimento sustentável, bem como educação para o consumo responsável. Serão apresentados, também, elementos para a construção de práticas em educação ambiental e de intervenções no contexto escolar e local, a fim de promover hábitos de consumo sustentável e uma cultura de conservação do meio ambiente da comunidade. O segundo capítulo trará conceitos básicos relativos ao funcionamento dos sistemas econômico e financeiro e orientações gerais sobre gestão da vida financeira, visando formar cidadãos cientes das relações econômicas nas quais estão inseridos e capazes de administrar suas finanças com responsabilidade individual, social e ética, o que contribui para a saúde financeira de toda a sociedade. No terceiro capítulo, serão vistos os conceitos básicos da ciência e da tecnologia e seus métodos próprios, assim como noções da sua aplicação à análise da realidade e à interpretação das informações às quais temos acesso no cotidiano, buscando formar cidadãos capazes de selecionar, compreender e interpretar criticamente essas informações, assim como de construir sua visão de mundo e suas ações por meio do conhecimento acumulado pela humanidade. APRESENTAÇÃO Vídeo 8 Temas sociais e educacionais contemporâneos O quarto capítulo tratará das várias dimensões ligadas ao conceito de saúde integral, que fundamenta as políticas públicas para a área de saúde no Brasil, abordando as dimensões da saúde física, mental e social. O objetivo é construir estratégias para a adoção de hábitos saudáveis que contribuam para reduzir o risco de desenvolvimento de doenças, físicas ou mentais, como hábitos alimentares saudáveis, atividade física regular, sono de qualidade, interação social saudável, gerenciamento do estresse, redução de riscos e doenças, eliminação do tabagismo, bons hábitos posturais, entre vários outros que devem fazer parte das orientações voltadas para a formação integral dos alunos no contexto escolar. Por fim, o quinto capítulo abordará conceitos essenciais para a construção de sociedades democráticas mais igualitárias e inclusivas – por exemplo, diversidade, igualdade, desigualdade, equidade, alteridade, multiculturalismo, cidadania e direitos humanos –, no intuito de contribuir para a construção de práticas inclusivas de tolerância e respeito à diversidade na escola, bem como para a mobilização da comunidade escolar na luta pela promoção da igualdade de acesso aos direitos básicos e à cidadania plena. Bons estudos! Educação ambiental e consumo responsável 9 1 Educação ambiental e consumo responsável Você já deve ter ouvido muitas vezes o termo meio ambiente em contextos que destacavam a necessidade de proteger recursos na- turais, como florestas, rios e mares, ou preservar espécies animais e vegetais, ou ainda cuidar da vida do planeta em face do aquecimen- to global etc. O tema do meio ambiente é frequente em jornais e revistas, nas notícias veiculadas na televisão e no rádio, em vídeos, postagens e discussões nas redes sociais. Está presente também na escola e em outros locais nos quais há diálogo sobre temas importantes para a sociedade. Os movimentos ambientalistas vêm ganhando cada vez mais espaço na mídia, e a preservação do meio ambiente tem se torna- do uma grande luta social em todo o mundo, principalmente para a geração mais jovem. Mas o que é o meio ambiente? Por que é tão importante preservá-lo? É possível protegê-lo e, ainda assim, extrair subsistên- cias e riquezas da natureza? Como gerar desenvolvimento para a sociedade sem prejudicar o meio ambiente? O que pode acontecer se algumas daspráticas que prejudicam o meio ambiente não fo- rem repensadas? Neste capítulo você vai compreender os conceitos de nature- za e meio ambiente, conservação e preservação ambiental, ética ambiental e desenvolvimento sustentável e estudará um pouco a educação para o consumo responsável. Com esses conhecimen- tos, poderá responder às questões apresentadas aqui e a várias outras, o que contribuirá para a construção de suas práticas em educação ambiental e para suas intervenções no contexto escolar, no sentido de promover hábitos de consumo sustentável e uma cultura de conservação do meio ambiente da comunidade. sarayut_sy/Shutterstock 1.1 Compreendendo conceitos Vídeo Natureza e meio ambiente são conceitos que se transformaram ao longo da história e que podem ter diferentes significados dependendo da área de conhecimento e dos autores escolhidos. De uma maneira simples, a natureza pode ser definida como um conjunto de elementos presentes no mundo natural, como rios, ma- res, montanhas, árvores, animais etc. Em geral, ela costuma ser vista como algo externo aos indivíduos e muitas vezes como uma coleção de recursos que servem à sobrevivência humana, o que sugere certa oposição entre os seres humanos e o mundo natural, o qual precisaria ser dominado e explorado em benefício das pessoas. Uma definição simples de meio ambiente é: conjunto de fatores fí- sicos, biológicos e químicos que cerca os seres vivos, influenciando-os e sendo influenciado por eles (ONU, 1972). Nessa concepção o ser hu- mano nem é citado. Outra forma mais complexa de conceituar o meio ambiente é: con- junto de unidades ecológicas que funciona como um sistema natural, mesmo com uma intensa intervenção humana e de outras espécies do planeta, incluindo toda a vegetação, os animais, os micro-organismos, o solo, as rochas, a atmosfera e os fenômenos naturais que podem ocorrer em seus limites (LIMA, 2010). Percebemos que o meio ambiente costuma ser considerado algo que engloba, além da natureza, todos os seres vivos e não vivos que existem nela, sendo os humanos apenas um de seus integrantes, com importân- cia equivalente à dos animais, das plantas, dos minerais etc. A relação entre os seres humanos e a natureza assume as- pectos diferentes dependendo da época, do local e do tipo de organização social, cultural e econômica de cada grupo humano. Ao longo da história, em alguns contextos, a natureza foi vista como algo a ser conquistado e explorado e, em outros, como algo a ser contemplado e respeitado, quase como um paraíso na Terra. Segundo Gonçalves (2000), o termo natureza não é um conceito natural, mas sim inventado pelos se- 1010 Temas sociais e educacionais contemporâneosTemas sociais e educacionais contemporâneos res humanos, e depende muito da cultura e das intenções de cada grupo social. Para o autor: toda sociedade, toda cultura, cria, inventa, institui uma deter- minada ideia do que seja a natureza. Nesse sentido, o con- ceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelo ser humano. Constitui um dos pilares atra- vés do qual os homens e as mulheres erguem as suas rela- ções sociais, sua produção material e espiritual, enfim, a sua cultura. (GONÇALVES, 2000, p. 23) Se a noção do que é a natureza foi construída pelo ser humano e não é sempre a mesma em todas as culturas, épocas e lugares, é im- portante conhecermos a história das interações humanas com ela. Va- mos recuar um pouco no tempo: como nossos antepassados da época pré-histórica interagiam com o ambiente que os cercava, com a nature- za e com seus elementos? Os seres humanos sempre exploraram de alguma forma o meio ambiente para obter recursos e garantir sua sobrevivência. Itens como água, alimentos e abrigo estavam disponíveis na natureza, mas era preciso enfrentar alguns desafios para obtê-los, como percorrer longas distâncias, lutar ou fugir de predadores, proteger-se de eventos climá- ticos, entre muitos outros. No início da história dos grupos humanos no planeta, a natureza era vista como fonte de sobrevivência, mas também como força poderosa e impossível de ser dominada pelos seres humanos. Gradativamente, porém, isso foi se modificando. Nossos antepassados foram aprenden- do com as experiências e, com base no que vivenciavam no cotidiano, entendendo como evitar plan- tas venenosas e locais perigosos, lutar com determinados animais e fugir de outros, obter melho- res alimentos, proteger-se me- lhor do frio, da chuva ou do calor excessivo etc. Gorodenkoff/Shutterstock 1111Educação ambiental e consumo responsávelEducação ambiental e consumo responsável 12 Temas sociais e educacionais contemporâneos Esses conhecimentos adquiridos pela interação com o meio foram sendo transmitidos de geração em geração. Com o tempo, a natureza se tornou mais do que fonte de sobrevivência, passando a representar também fonte de riquezas. Sua exploração foi então se ampliando e começou a gerar consequências negativas, como a progressiva degra- dação do meio ambiente. Entretanto, se no início os grupos humanos eram pouco numerosos e nômades, isto é, quando a caça e a coleta no local em que se encontravam começavam a ficar escassas, migravam para outro ambiente que pudesse oferecer alimento por mais um pe- ríodo. No decorrer do tempo essa situação foi se transformando. A partir do período histórico chamado de Neolítico, os grupos hu- manos descobriram como produzir seu próprio alimento por meio da agricultura e da criação de animais. Com isso, passaram a se fixar em um só local e foram crescendo e estabelecendo núcleos de convivência, com moradias fixas, plantações etc. Para isso, era preciso intervir mais ativamente no ambiente, derrubar árvores e arar a terra. Se da t D em ir /S hu tte rs to ck Cidade de Çatalhöyük, Turquia, descrita como uma das mais antigas povoações do período Neolítico. Bem mais à frente, nos séculos XVIII e XIX, com a invenção das máquinas e o estabelecimento das primeiras fábricas, no contexto da Revolução Industrial, a produção aumentou muito. As cidades se ampliaram, e a retirada de matérias-primas da natureza assim como a intervenção no ambiente para a construção de ruas, casas, fábricas, ferrovias etc. aumentaram de modo considerável. Educação ambiental e consumo responsável 13 Essa industrialização trouxe desenvolvimento para os centros urba- nos, transformou os processos produtivos, melhorando a quantidade e a qualidade dos produtos, e gerou lucro para a classe industrial, além de novos postos de trabalho para a população em geral, mesmo que muitas vezes sem a justa remuneração ou as condições adequadas de trabalho e de vida. Basta observarmos as periferias das grandes cida- des para notarmos que a industrialização não trouxe desenvolvimento igual para todos. A industrialização também proporcionou impactos cada vez mais profundos ao meio ambiente, contribuindo para que tenhamos de conviver com o aquecimento excessivo do planeta, o desflorestamento causado por desmatamentos e queimadas, a desertificação, a poluição do ar, do solo, dos rios e dos mares, a produção de enormes quanti- dades de lixo causadas pelo consumo desenfreado, a extinção de es- pécies, a destruição da biodiversidade, o surgimento de epidemias e pandemias em razão da invasão dos seres humanos aos habitat natu- rais de determinadas espécies animais, entre outros impactos negati- vos da ação humana. Vamos a partir de agora ampliar a compreensão de conceitos como preservação e conservação do meio ambiente, ética ambiental e de- senvolvimento sustentável, bem como conhecer os movimentos am- bientais e ecológicos e aprofundar as noções de educação ambiental e consumo responsável. Assim, construiremos as bases de nossas ações educativas na comunidade escolar com relação ao meio ambiente. Uma verdade inconveniente é um famoso documentá- rio, premiado com o Oscar de Melhor documentário em 2007, que mostra a campanha que Al Gore, na época vice-presidentedos Estados Unidos e eco- logista desde a década de 1970, empreendeu pelo país, alertando para os pe- rigos do aquecimento glo- bal e incentivando os de- bates sobre a necessidade de reduzir a emissão de gases provenientes de combustíveis fósseis. Direção: Davis Guggenheim. EUA: Lawrence Bender Productions, 2006. Documentário Como proteger o meio ambiente dos impactos negativos da industrialização e do consumo exagerado e ao mesmo tempo promover os desenvolvimentos econômico e social? Desafio 1.2 Preservação e conservação do meio ambiente Vídeo Há meios de evitar a degradação do meio ambiente sem, no entanto, proibir toda e qualquer exploração de recursos naturais. Para começar- mos a entender melhor esse assunto, vamos conhecer dois conceitos importantes: a conservação e a preservação do meio ambiente. A legislação brasileira considera conservação ambiental a proteção dos recursos naturais por meio da utilização racional, garantindo sua sustentabilidade, ou seja, que continuem disponíveis para as próximas gerações (BRASIL, 1981). O uso racional desses recursos previne tan- 14 Temas sociais e educacionais contemporâneos to a degradação do meio ambiente quanto o desaparecimento deles, contribuindo também para a manutenção da vida humana no planeta. Já a preservação ambiental é tida como a promoção da total integri- dade dos recursos naturais exatamente como são hoje, permanecendo intocados, o que é desejável nos casos em que há risco de perda de biodiversidade, seja a extinção de uma espécie, um ecossistema ou um bioma inteiro (DIEGUES, 2001). As áreas de preservação ambiental são exemplos dessa forma de gestão do meio ambiente. Figura 1 Ativistas em favor do meio ambiente Va lm ed ia / s hu tte rs to ck Jovens do mundo todo inspiraram-se no movimento liderado pela ativista ambiental sueca Greta Thunberg e marcharam, em várias cidades, em defesa do meio ambiente. Tais manifestações culminaram em um protesto com milhares de jovens em Roma e no Vaticano, em abril de 2019. Esses conceitos muitas vezes são usados como sinônimos, mas não têm o mesmo significado, como acabamos de ver. Vamos conhecer um pouco da história dos debates a respeito do meio ambiente, assim com- preenderemos melhor como os conceitos surgiram e se desenvolveram. A noção da necessidade de preservar a natureza, precursora da ideia de preservacionismo, surgiu muito antes de existir o que cha- mamos de movimento ambientalista. Um dos primeiros estudiosos a defender, ainda no século XIX, que a natureza deveria permanecer “intocada” pelos seres humanos foi o naturalista escocês-americano John Muir (1838-1914), cuja sensibilidade ecológica inspirou o ambienta- lismo, movimento que se consolidaria apenas em meados do século XX, O filme Na natureza selvagem se baseia no livro Into the Wild (1996), do escritor, jornalista e alpinista Jon Krakauer, e narra a história verídica de Christopher McCandless, um jovem recém-formado que abre mão de toda e qualquer posse para empreender uma jornada solitária em busca de uma vida de equilíbrio com a natureza e despojada de qualquer tipo de consumo. A trilha sonora premiada de Eddie Vedder e a atuação inspiradora de Emile Hirsch no papel do protagonista imprimem profundidade a esse drama real. Direção: Sean Penn. EUA: River Road Entertainment, 2007. Filme Educação ambiental e consumo responsável 15 após a Segunda Guerra Mundial. Muir afirmava que o ser humano é parte integrante da natureza, por isso não poderia ter direitos mais amplos do que outros animais (MCCORMICK, 1992). Bem mais tarde, essa ideia deu origem à corrente teórica chamada de biocentrismo, uma concepção que considera que todas as formas de vida têm importância equivalente, ou seja, o ser humano não seria mais importante que os outros seres vivos, nem o centro do universo. O preservacionismo pregava que era preciso proteger a natureza do ser humano e, para isso, criar “ilhas” de preservação naturais, como unidades de conservação, parques nacionais etc., nas quais não fosse permitido o manejo de recursos naturais nem para a subsistência. O conservacionismo, por sua vez, surgiu com o objetivo de alertar as pessoas dos impactos negativos da intensificação do consumo nas sociedades capitalistas e das suas consequências, como a exploração exagerada dos recursos naturais, que pode levar à escassez, ao desma- tamento, à contaminação da água e do ar, à superprodução de lixo etc. Gifford Pinchot (1865-1946), engenheiro florestal e político norte- -americano, é considerado o criador do movimento conservacionis- ta. Ele defendia o uso racional dos recursos naturais no intuito de os conservar para as próximas gerações. Também considerava o meio ambiente como fonte de lu- cro e prosperidade, mas alertava para os abusos de sua exploração, que poderiam causar escassez e pobreza. O movimento conservacionista propôs três princípios fundamentais a respeito do meio ambiente: o uso dos recursos natu- rais pela geração presente, a prevenção do desperdício e o uso dos recursos em benefício da maioria dos cidadãos, e não apenas para uma elite econômica (MCCORMICK, 1992; DIEGUES, 2001). 1.2.1 Ética ambiental e desenvolvimento sustentável É possível identificarmos no pensamento preservacionista a essência da ética ambiental, pois essa corrente em geral considera Ricardo Medina C/Shutterstock Curiosidade John Muir era proprietário rural, explorador, botânico, zoólogo e escritor, tendo discutido em suas obras o que atualmente chamamos de filosofia ambiental. Teve papel central na criação das primeiras áreas de proteção ambiental norte-americanas e é considerado um dos precursores do pensamento ecológico e dos movimentos ambientalistas modernos (GRETEL, 2000). 16 Temas sociais e educacionais contemporâneos que o ser humano não tem o direito de destruir outras vidas ou o meio em que vive apenas para benefício próprio e que deve se relacionar de maneira harmônica com tudo que o cerca. Por outro lado, para alguns preservacionistas defensores da filosofia do “especismo”, os animais existiriam apenas para servir ao ser humano. Este, por ser a única espé- cie “racional”, seria eticamente responsável por conservar o ambiente de que todos necessitam para viver. Podemos pensar que a ética com relação ao meio ambiente é algo “intuitivo”, “natural” do ser humano. Talvez tenhamos um impulso natu- ral por apreciar e nos sentir bem em meio à natureza, porém é necessário ensinarmos e aprendermos princípios éticos referentes ao meio ambien- te, assim como a importância de proteger animais e plantas, de manter hábitos de uso racional da água e de outros recursos, sem desperdício, de descartar corretamente o lixo etc. Uma educação centrada na relação com o outro e com tudo o que nos cerca e baseada no respeito a todas as pessoas e a todos os seres vivos abre as portas para o aprendizado da ética ambiental e das ações sustentáveis no cotidiano. Por outro lado, podemos identificar nas bases do que chamamos de sustentabilidade os princípios conservacionistas que influen- ciaram boa parte dos movimentos ambientalistas contemporâneos. Diegues (2001, p. 29) destaca que: [o conservacionismo] foi um dos primeiros movimentos teórico-práticos contra o “desenvolvimento a qualquer custo”; a grande aceitação desse enfoque reside na ideia de que se deve procurar o maior bem para o benefício da maioria, incluindo as gerações futuras, mediante a redução dos dejetos e da ineficiên- cia na exploração e do consumo dos recursos naturais não reno- váveis, assegurando a produção máxima sustentável. A noção conservacionista de que precisamos de um desenvolvimen- to social e econômico sustentável, com base em uma produção de bens e de riquezas que se sustente ao longo do tempo, conservando os recursos em vez de apenas explorá-los até o fim e beneficiando a maioria da sociedade, esteve presente desde os debates ecológicos da décadade 1970 até as grandes conferências mundiais sobre meio am- biente, como a Eco-92. No contexto da ética ambiental surge a ética animal, que fundamenta vários movimentos em defesa dos animais e contra sua exploração irresponsável. Os princípios éticos na criação e no abate de animais, nos experi- mentos científicos que os usam como cobaias e na noção de que o ser humano deveria eliminar completamente o consumo deles inspiram ativistas de vários movimentos ao redor do mundo. Muitos desses denunciam o “especismo”, um tipo de “discriminação” do ser humano em relação às outras espécies, segundo o qual os humanos teriam o direito de explorar e matar outras espécies porque elas seriam “inferiores”. Os ativistas dos direitos dos animais repudiam não só o especismo como também a prática de classificar os seres vivos entre os que sentem (seres sencientes) e os que não possuiriam tal capacidade, tendo uma vida de “menor valor”. Saiba mais Educação ambiental e consumo responsável 17 Essa ideia influenciou as políticas públicas am- bientais de vários países, incluindo o Brasil, que em 1981 já dispunha de uma política nacional para o meio ambiente, garantida por lei, a qual destacava o papel do Estado na sua conservação, no desenvolvi- mento sustentável e na educação ambiental de seus cidadãos. Vamos conhecer um pouco melhor a traje- tória histórica do pensamento e das ações em favor do meio ambiente? A origem dos movimentos ambientalistas da atualidade advém do período pós-Segunda Guerra Mundial. A destruição das cidades japonesas de Hi- roshima e Nagasaki por bombas atômicas levantou uma séria preocupação no mundo todo: será que o ser humano irá em pouco tempo destruir o planeta Terra com uma guerra atômica? O medo de que tanto desenvolvimento tecno- lógico e industrial, tanto “progresso” nas ativida- des humanas acabasse por destruir o mundo e com ele a espécie humana se tornou presente no imaginário coletivo. Inspirado no pensamento con- servacionista, começou a surgir na Europa e nos No livro Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas, a professora brasileira Sônia Felipe, doutora em filosofia moral e teoria política pela Universidade de Konstanz, Alemanha, constrói uma rica rede argumentativa contra a ex- perimentação científica em animais vivos, partin- do de quatro diferentes perspectivas morais: as tradições religiosas antigas, as filosofias moderna e contemporânea, a ciência e a tradição jurídica. A autora também aponta duas noções opostas presentes nessas perspectivas: a de que existe um valor inerente à vida de todas as espécies e a de que o valor das outras espécies só existe à medida que tragam benefícios à espécie humana. Florianópolis: Edufsc, 2014. Livro O documentário Hiroshima: the real story é uma boa dica para saber mais detalhes de um dos mais marcantes eventos do século XX. Direção: Lucy van Beek. UK: Brook Lapping Productions, 2015. DocumentárioEstados Unidos a exigência legal de relatórios de impacto ambiental para os empreendimentos que pudessem poluir ou prejudicar de alguma forma o meio ambiente, como um modo de impor limites ao crescimento industrial e evitar catástrofes ecológicas. Observe uma pequena linha do tempo das iniciativas mundiais para o desenvolvimento sustentável, lembrando que em 2021 realiza-se a Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo Presidente dos EUA Joe Biden, na qual o tema do desmatamento na Amazônia é central. 18 Temas sociais e educacionais contemporâneos 1983 Criação da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. 1992 Conferência Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO-92, no Rio de Janeiro. 1986 O Brasil torna obrigatório o estudo de impacto ambiental para qualquer licenciamento de empreendimentos potencialmente danosos ao meio ambiente. 1997 Assinatura do Protocolo de Quioto. 2002 Conferência Rio+10, em Joanesburgo, na África do Sul. 2012 Conferência Rio+20, no Rio de Janeiro. 2015 Firmado o Acordo de Paris, na França. 2019 Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Madri, Espanha. Petr Vaclavek/Shuutterstock Em 2019, em Madri, a Conferência das Nações Unidas sobre Mu- danças Climáticas avaliou o andamento do cumprimento das metas anteriores com relação ao clima e estabeleceu em documento o com- promisso de 70 países com a zero emissão de carbono até 2050. O Brasil foi um dos principais obstáculos à assinatura do documento, ne- gando-se a se comprometer com a não emissão de carbono. Apesar de o país ter recentemente se posicionado de modo contrá- rio aos compromissos mundiais com a conservação ambiental, foi um dos pioneiros, ainda em 1981, do estabelecimento de políticas públicas para o meio ambiente, garantidas por lei. Vejamos o que esclarece o artigo 2º da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente: Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambien- tal propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao Educação ambiental e consumo responsável 19 desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetiva- mente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participa- ção ativa na defesa do meio ambiente. (BRASIL, 1981) Podemos perceber no texto da lei o reconhecimento do papel do Estado brasileiro no uso racional dos recursos ambientais, na prote- ção e na recuperação de ecossistemas e áreas ameaçadas, no contro- le de atividades com potencial de poluição do meio ambiente e, não menos importante, na educação ambiental, tanto no contexto escolar quanto na comunidade. Sem a educação ambiental de crianças e jo- vens será inviável garantir o desenvolvimento sustentável do país, ou mesmo proteger o meio ambiente de catástrofes ecológicas como te- mos assistido ao longo do tempo, tais como queimadas e desmata- mentos constantes, vazamento de petróleo nos mares, rompimento de barragens e tantas outras. 1.2.2 Educação para o consumo sustentável O sistema econômico capitalista se baseia na produção e no consu- mo. Se não houver consumidores para comprar os produtos fabricados, esse sistema não funciona. E é preciso lembrar que o desenvolvimento sustentável não envolve apenas a produção, que demanda a retirada de recursos da natureza, mas também o consumo, que gera impactos no meio ambiente. Ou seja, todos nós precisamos incorporar princípios éticos com relação ao meio ambiente e modificar nossos hábitos coti- dianos de consumo, contribuindo para que ocorra uma transformação nos padrões de consumo de toda a sociedade. Mas se por um lado a constante compra de objetos, móveis, equi- pamentos, alimentos industrializados, roupas, produtos tecnológicos etc. auxilia a manter as fábricas produzindo, o comércio vendendo os produtos e parte dos trabalhadores em seus empregos, por outro, com a intensificação e aceleração do consumo, estamos assistindo a uma série de consequências negativas parao meio ambiente, a sociedade e a qualidade de vida dos indivíduos. Segundo o instituto Global Footprint Network (TERRA, 2013), se não transformarmos nossos padrões de consumo até 2050, precisaremos de dois planetas Terra para sustentar as necessidades da população mundial. Ou seja, é uma questão de sobrevivência eliminarmos o con- sumo exagerado, o chamado consumismo. Carvalho (2017) aponta que por trás do consumo exagerado está um modelo de pensamento predominante nas sociedades capitalistas contemporâneas – principalmente nas gerações mais recentes, que cresceram sob a aceleração tecnológica – voltado para a satisfação ime- diata dos desejos, sem preocupação com as consequências desse tipo de atitude, seus impactos no meio ambiente, na própria sociedade e na qualidade de vida das pessoas. A autora destaca que a crise ecológica tem raízes também em uma crise educacional. Isto é, precisamos repensar o que tem sido ensinado nas escolas no sentido de evitar o incentivo à cultura do consumismo, do consumo exagerado, do desperdício e do descarte irresponsável. Devemos refletir também sobre como o tema do consumo é tratado nos meios de comunicação e até em nossas famílias. É muito importante inserir na escola e nas famílias as reflexões sobre o consumo para que crianças e adolescentes possam diferenciar a ne- cessidade de adquirir do simples desejo de ter. Uma noção importante que devemos construir com os alunos é a de que existem dois tipos de consumo, um relacionado às necessidades básicas das pessoas e outro à vontade, ao desejo de adquirir determi- nados produtos. É preciso aprender a diferenciar as necessidades das vontades. Que exemplos estamos dando às crianças e aos adolescentes a respeito do consumo e de suas consequências? Para refletir 2020 Temas sociais e educacionais contemporâneosTemas sociais e educacionais contemporâneos Educação ambiental e consumo responsável 21 Há produtos que servem às necessidades básicas dos seres huma- nos, relacionadas à garantia de sua sobrevivência, como ingerir água e alimentos, abrigar-se do frio ou do calor excessivos e descansar em segurança, mas também há inúmeros que não são essenciais à sobre- vivência, apesar de ajudarem de algum modo a tornar as tarefas do cotidiano mais fáceis, por exemplo. Os itens não essenciais, como eletrodomésticos, eletrônicos, rou- pas da moda, objetos de decoração, alimentos refinados, cosméticos e tantos outros, são alvo do desejo das pessoas e muitas vezes têm seu consumo incentivado na sociedade, principalmente pelos meios de comunicação. Quando dizemos que “precisamos” trocar de celular porque o apare- lho está “ultrapassado”, mesmo que ainda esteja funcionando, na verda- de não se trata de uma necessidade, mas sim de um desejo de compra. Somos convencidos pelas propagandas de que é preciso comprar a última novidade tecnológica ou nos sentiremos excluídos. Essa lógica, po- rém, leva ao consumismo irresponsável, pois, ao comprar o novo apare- lho, descartamos o antigo, e ele vai somar-se a toneladas de lixo que se acumulam em todas as regiões do mundo, prejudicando o meio ambiente. Durante a Eco-92 foi assinada a Agenda 21 Global, com metas a se- rem alcançadas no século XXI. O capítulo 4 desse documento trata do consumo sustentável. Leia um trecho desse capítulo, apresentado no portal do Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2020): O Consumo Sustentável envolve a escolha de produtos que uti- lizaram menos recursos naturais em sua produção, que garan- tiram o emprego decente aos que os produziram, e que serão facilmente reaproveitados ou reciclados. Significa comprar aqui- lo que é realmente necessário, estendendo a vida útil dos produ- tos tanto quanto possível. Consumimos de maneira sustentável quando nossas escolhas de compra são conscientes, responsá- veis, com a compreensão de que terão consequências ambien- tais e sociais – positivas ou negativas. Mudança de comportamento é algo que leva tempo e amadure- cimento do ser humano, mas é acelerada quando toda a socie- dade adota novos valores. O termo “sociedade de consumo” foi cunhado para denominar a sociedade global baseada no valor do “ter”. No entanto, o que observamos agora são os valores de sustentabilidade e justiça social fazendo parte da consciência co- letiva, no mundo e no Brasil. Este novo olhar sobre o que deve Pense na seguinte situação: um eletrodoméstico comprado há apenas dois ou três anos quebra e você, comparando a durabilidade dele com a de um equipamento similar que teve no passado, acha que o antigo pare- ce ter durado muito mais tempo. Já passou por essa situação? É comum ouvirmos relatos como esse, mas será que é apenas uma impressão ou há algum fundamento? Na verdade não é apenas uma impressão, mas um fato, e existe até um nome para ele: obsolescência programada. Trata-se de um conjunto de características que o fabricante desenvolve propositalmente em seu produto para que este se tor- ne ultrapassado ou não funcione mais após determinado tempo, a fim de pressionar o consumidor a comprar um produto novo. Curiosidade ser buscado por cada um promove a mudança de comportamen- to, o abandono de práticas nocivas de alto consumo e desperdí- cio e adoção de práticas conscientes de consumo. Consumo consciente, consumo verde, consumo responsável são nuances do Consumo Sustentável, cada um focando uma dimen- são do consumo. O consumo consciente é o conceito mais amplo e simples de aplicar no dia a dia: basta estar atento à forma como consumimos – diminuindo o desperdício de água e energia, por exemplo – e às nossas escolhas de compra – privilegiando produ- tos e empresas responsáveis. A partir do consumo consciente, a sociedade envia um recado ao setor produtivo de que quer que lhe sejam ofertados produtos e serviços que tragam impactos positivos ou reduzam significativamente os impactos negativos no acumulado do consumo de todos os cidadãos. Agora vamos analisar o que o trecho propõe. De início já temos uma explicação do que é o consumo sustentável. Ele ocorre quando decidimos comprar determinados produtos não apenas por razões ligadas às suas características, ao seu preço ou nos baseando em propagandas sobre ele, mas porque analisamos quais impactos terá no ambiente, incluindo seus efeitos sobre os seres hu- manos. Consumimos de maneira sustentável quando escolhemos pro- dutos considerando o modo como foram produzidos e distribuídos e a forma como serão usados e descartados no ambiente. As decisões de compra para um consumo sustentável envolvem produtos que tenham sido produzidos usando menos recursos da natureza; que foram feitos por trabalhadores que tiveram condições dignas de trabalho; que foram produzidos localmente, para não en- volver transporte de longas distâncias, o que gera poluição e consu- mo de energia não renovável, como o petróleo; que gerarão menos lixo quando forem descartados; e, se possível, que possam ser re- ciclados ou reaproveitados. Photographee.eu/Shutterstock 2222 Temas sociais e educacionais contemporâneosTemas sociais e educacionais contemporâneos Educação ambiental e consumo responsável 23 O trecho mostra que o processo de mudança nos padrões de consu- mo é complexo, mas afirma que é possível modificar os hábitos coleti- vamente por meio da conscientização de cada um sobre a importância de melhorar seu próprio comportamento no cotidiano. Para isso, preci- samos prestar atenção ao que consumimos e por que consumimos, pre- ferindo adquirir produtos de empresas ambientalmente responsáveis, evitando o desperdício de recursos naturais como água, energia etc. Mas como desenvolver padrões de consumo consciente, responsá- vel e sustentável nas novas gerações? Existem algumas alternativas inovadoras que podem inspirar as no- vas gerações e ajudar a mudar seus hábitos de consumo. Há também os caminhos da educação ambiental e da educação para os consumos consciente, responsável e sustentável, que podemos desenvolverpor meio de práticas pedagógicas no âmbito escolar e com intervenções na realidade social da comunidade. 1.3 Novas tendências de sustentabilidade Vídeo A crescente conscientização dos impactos negativos do consumo no meio ambiente gerou novas tendências no cenário contemporâneo. Uma delas, ligada à proposta de consumo sustentável, é o lowsumerism. Esse termo em inglês vem da junção das palavras low (baixo) e consumerism (consumismo), ou seja, baixo consumismo. Essa tendência, adotada principalmente por jovens na Europa e nos Estados Unidos, mas que de várias formas já chegou a outros países como o Brasil, propõe que consumamos menos, buscando alternativas para viver apenas com o necessário, sem exageros, já que o consu- mismo desenfreado é insustentável sob o ponto de vista da sobrevi- vência do planeta. É por isso que alguns estudiosos da área traduzem lowsumerism como consumo equilibrado, representando o contrário de ser consumista. Antes de conhecer melhor essa tendência, vamos refletir sobre uma prática que se tornou comum nas grandes e médias cidades brasileiras: o uso de transporte urbano por aplicativo. Cada vez mais as pessoas deixam de usar seus carros particulares para se locomover nas cida- 24 Temas sociais e educacionais contemporâneos des, e preferem chamar um motorista de aplicativo e até mesmo com- partilhar o veículo para realizar seus trajetos. Por que várias pessoas gastariam altos valores para manter, cada uma, um carro na garagem, disponível para eventuais deslocamen- tos, quando podem compartilhar um mesmo automóvel por aplicati- vo, cada uma conforme suas necessidades, sem arcar com o preço do carro e de sua manutenção? A pesquisa Deloitte Global Automotive Consumer Study (DELOITTE GLOBAL, 2019), um estudo da indústria automotiva sobre tendências de consumo no setor de transportes, publicado em 2019, e que ouviu 25 mil pessoas em 20 países, mostra que as chamadas gerações Y, ou millennials (pessoas hoje com idade entre 26 e 39 anos), e Z (a parce- la de 18 a 25 anos) são as que têm menor interesse de possuir carro próprio, sendo os mais propensos a usar a mobilidade compartilhada. No Brasil não é diferente. A edição de 2017 da mesma pesquisa reve- la que 62% dos millennials brasileiros não deseja comprar um automóvel e opta por serviços de transporte por aplicativos. Essa prática pode ser incluída na tendência do lowsumerism, pois além de trazer praticidade e economia ao consumidor contribui para a redução de automóveis circu- lando – muitas vezes com uma pessoa apenas –, o que diminui a emissão de gases poluentes e os impactos negativos ao meio ambiente. Outra prática que se inclui nessa tendência é preferir o consumo de produtos com melhor qualidade e em menor quantidade. Um exemplo disso é o vestuário: em vez de ter um guarda-roupa cheio, ter poucas peças de qualidade, que durem bastante e combinem bem entre si. Reutilizar ou reciclar embalagens, roupas e objetos, dando outros usos ao que seria descartado, adquirir peças usadas, assim como com- partilhar livros, vestuário e até apartamentos e casas também são prá- ticas ligadas à redução do consumo. É cada vez mais difundida a prática de, em uma viagem, em vez de se hospedar em hotéis ou pousadas, ficar em imóveis compartilhados com os proprietários, pagando menos e tendo uma experiência mais próxima de “viver” naquele lugar. Há hoje uma tendência chamada de moda acessível ou moda sustentável e estabelecimentos conhecidos como guarda-roupa compartilhado, os quais oferecem a oportunidade de adquirir itens para Em Minimalismo: um do- cumentário sobre as coisas importantes, dois amigos de infância percorrem os Estados Unidos buscando fugir do consumismo e levar uma vida de maior liberdade e satisfação pessoal em meio a uma sociedade consumista, em que comprar parece ser a prioridade. O próprio título da pro- dução refere-se a uma visão de mundo em que “menos é mais”, ou seja, uma postura que leva a viver de modo simples, consumindo o menos possível, em equilíbrio com o meio ambiente e sem ceder à tentação de valorizar apenas o “ter” ao invés do “ser”. Direção: Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus. EUA: Netflix, 2015. Documentário Educação ambiental e consumo responsável 25 uso por períodos curtos, o que evita a compra de pe- ças que ocupam o armário para serem usadas apenas em determinadas ocasiões. Isso reduz os impactos no meio ambiente, já que a indústria da moda é uma das mais poluentes: cerca de 35% das microfibras lança- das nos oceanos vem de têxteis, e as etapas de processamento de roupas emitem 20% do carbono na atmosfera. Tero Vesalainen/Shutterstock 1.3.1 Produção, trabalho e consumo para um mundo sustentável Na sociedade capitalista em que vivemos, muitas vezes a valorização do individualismo, da competitividade e do lucro a qualquer custo preju- dica a percepção da coletividade sobre o que realmente importa: a vida. Assim como é importante valorizarmos a vida de todos os seres vi- vos e do ambiente que possibilita a sobrevivência das espécies, tam- bém é fundamental zelarmos pela qualidade de vida e dignidade do trabalho dos seres humanos, pois é essa a atividade essencial das pessoas para gerar sua própria subsistência. Do mesmo modo que é antiético explorar de modo irresponsável o ambiente, os animais etc., é também antiético explorar as pessoas em processos de produção in- justos ou insalubres. A busca de ampliar cada vez mais a produção e os lucros, como objetivo dos desenvolvimentos industrial e tecnológico, foi vista como o único caminho para o desenvolvimento humano. Entretanto, grada- tivamente está se consolidando a noção de que “progressos” técnico e produtivo nem sempre trazem desenvolvimentos social e econômico para toda a sociedade, e muitas vezes as consequências são a escassez de recursos naturais, a degradação do meio ambiente e até o adoeci- mento da população. Feiras de trocas de roupas, livros e outros objetos também fazem parte da tendência de baixo consumismo ou consumo equilibrado e podem ser facilmente organizadas na comunidade e dentro das esco- las, com a colaboração da comunidade escolar. 26 Temas sociais e educacionais contemporâneos Desenvolvimento sustentável, como a própria expressão diz, é um desenvolvimento que se sustenta no tempo, que não destrói para se estabelecer, pois ao destruir está condenando todos à escassez. Para desenvolver o país de modo sustentável é preciso pensar na melhoria das condições de vida de toda a população e na conservação dos recur- sos do nosso território em benefício de todos. Se pelo lado do consumo a tomada de consciência ambiental já está rendendo bons frutos, por parte da produção também observamos algumas mudanças. As chamadas soluções verdes, novos processos e tecnologias que tornam a produção mais sustentável, reduzindo a ex- ploração de recursos naturais e os impactos no meio ambiente, já es- tão sendo adotadas por vários setores da indústria. Muitas vezes as medidas tomadas para diminuir o potencial poluidor de uma fábrica também geram redução nos custos de produção e agre- gam valor às marcas das empresas, as quais já começam a perceber que o perfil dos consumidores mudou, que muitas pessoas passam a preferir empresas que prezam pelas responsabilidades ambiental e social, e que decidem consumir produtos com menor impacto no meio ambiente. Algumas dessas medidas em busca da sustentabilidade são: • Reutilização de água em processos industriais, evitando a explo- ração continuada das águas dos rios. • Tratamento de resíduos descartados no meio ambiente. • Uso de matrizes energéticas sustentáveis, como a energia eóli- ca e a fotovoltaica, para movimentar máquinas e fazer funcionar equipamentos industriais. • Responsabilidade pela reciclagem de embalagens e outros com- ponentes descartados ligados à produção. • Emprego de substâncias biodegradáveis e substituição de carbo- no derivado de combustíveisfósseis como o petróleo na fabrica- ção de produtos de limpeza e higiene. • Aplicação de tecnologias alternativas no manejo de pragas na agricultura extensiva destinada à indústria de alimentos. • Controle e redução de emissão de gases de efeito estufa em fábricas. Essas e outras iniciativas são exemplos de práticas de produção sus- tentáveis e que contribuem para a conservação ambiental. Educação ambiental e consumo responsável 27 As pequenas empresas também estão começando a aderir às ten- dências de sustentabilidade. Segundo o Sebrae (2018), são seis as prin- cipais tendências para os pequenos negócios: Empreendedorismo com propósito Pequenos empreendedores criam negócios que possam realizar seus propósitos pessoais de acordo com seus valores e suas crenças e preocupados com os desafios socioambientais. Diversidade como vantagem competitiva A percepção de que as chamadas minorias são consumidores em potencial tem gerado interesse de criar pequenos negócios com linhas de produtos e serviços que contemplem esse nicho de mercado que as grandes empresas por vezes não enxergam. Inovação e tecnologia em favor de negócios mais sustentáveis Diante da ameaça de escassez de recursos naturais, a inovação é a resposta para desenvolver produtos com menos impactos ambiental e social. Economia colaborativa como fonte de crescimento Em um cenário em que as pessoas estão ultrainformadas e conectadas e há o desejo de criar soluções inovadoras e contribuir com a coletividade, cresce o papel da colaboração como base de novos pequenos negócios. Economia circular como oportunidade de negócio Com o planeta dando mostras de que não suportará por muito tempo o modelo de desenvolvimento exploratório do sistema capitalista tradicional, surgem negócios que não seguem mais a lógica linear de produção, consumo e descarte, mas a lógica circular do reuso, reciclagem, trocas e compartilhamento. Cidades sustentáveis, ambientes para o empreendedorismo As pequenas empresas têm papel importante na oferta de produtos e serviços adequados às realidades locais, tornando os espaços urbanos mais sustentáveis e garantindo a qualidade de vida. Essas e outras tendências de sustentabilidade para os pequenos negócios podem não só trazer benefícios para o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas, mas também gerar renda direta para as famílias que se dedicam ao empreendedorismo como forma de driblar a falta de oportunidades no mercado de trabalho. A Unilever, empresa multinacio- nal considerada a terceira maior fabricante de bens de consumo do mundo, com produtos pre- sentes em 190 países, anunciou que substituirá 100% do car- bono derivado de combustíveis fósseis de seus produtos de lim- peza e lavanderia por carbono obtido de fontes renováveis ou recicladas (a chamada química verde). A iniciativa é parte de seu programa de inovação e sustentabilidade denominado Futuro Limpo, que também pretende: zerar as emissões líquidas de seus processos de produção até 2039; eliminar os petroquímicos, substituindo-os por matéria-prima vegetal; tornar todos os seus produtos biodegradáveis; diminuir o consumo de água; e reduzir o plástico de uso único nas embalagens, substituindo-o por plástico reciclado e plástico verde provenientes da cana-de-açúcar (UNILEVER..., 2020). Curiosidade 28 Temas sociais e educacionais contemporâneos 1.4 Educação ambiental Vídeo No contexto da Eco-92 foram elaborados documentos importan- tes, como a Carta da Terra, a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Declaração sobre Florestas e a Agenda 21, os quais orientam como promover o desenvolvimento sustentável das sociedades, com melhor qualidade de vida e por meio da preservação dos ecossistemas. Surgiu então uma importante linha de pensamento educacional, que amplia a noção de educação ambien- tal: a ecopedagogia. Gadotti (2005), em seu livro Pedagogia da Terra, trata da ecopedago- gia como uma educação sustentável, voltada para uma relação saudá- vel com o meio ambiente e centrada na noção de que o que realizamos na vida cotidiana e o sentido mais profundo de nossa existência estão ligados diretamente ao futuro da humanidade e do planeta Terra. Na obra o autor desenvolve conceitos importantes a serem traba- lhados no contexto escolar, como a consciência e a cidadania planetá- ria. Ele defende que se inclua no currículo escolar a formação para a cidadania planetária, ou seja, a formação para se situar como parte da humanidade e do planeta como um todo, não apenas como cidadão de determinada região ou país, já que todos vivemos em uma comunida- de que é global e local ao mesmo tempo. Gadotti (2005, p. 19-20) defende que: o desenvolvimento sustentável, visto de forma crítica, tem um componente educativo formidável: a preservação do meio am- biente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação. É aqui que entra em cena a ecopedagogia. Ela é uma pedagogia para a promoção da apren- dizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana. [...] Não aprendemos a amar a Terra lendo livros sobre isso, nem livros de ecologia integral. A experiência própria é o que conta. Plan- tar e seguir o crescimento de uma árvore ou de uma plantinha, caminhando pelas ruas da cidade ou aventurando-se numa flo- resta, sentindo o cantar dos pássaros nas manhãs ensolaradas ou não, observando como o vento move as plantas, sentindo a areia quente de nossas praias, olhando para as estrelas numa noite escura. O belo documentário/ drama Home – Nosso planeta, nossa casa ilustra muito bem as teses de Gadotti sobre a cidadania planetária. Com suas impressionantes imagens aéreas de diversos locais do planeta, faz refletir sobre a trajetória do ser humano na Terra, sua exploração do meio am- biente, seus padrões de consumo e a necessidade de buscar a sustentabi- lidade. Foi dirigido pelo jornalista, fotógrafo e ambientalista francês Yann Arthus-Bertrand, o qual declara, na obra, que sua intenção era mostrar que “o nosso ecossistema não tem fronteiras. Onde quer que estejamos, as nossas ações terão repercussões”. Direção: Yann Arthus-Bertrand. França: EuropaCorp, 2009. Documentário Educação ambiental e consumo responsável 29 Para orientar as práticas pedagógicas dos educa- dores, o autor lista alguns princípios de referência para a ecopedagogia, nos quais podemos reconhecer a influência de Jean Piaget e Paulo Freire: • O planeta como uma única comunidade. • A Terra como mãe, organismo vivo e em evolução. • Uma nova consciência que sabe o que é sus- tentável, apropriado, e faz sentido para a nossa existência. • A ternura para com essa casa. Nosso endereço é a Terra. • A justiça sociocósmica: a Terra é um grande pobre, o maior de todos os pobres. • Uma pedagogia biófila (que promove a vida): envolver-se, comunicar-se, compartilhar, problematizar, relacionar-se, entusiasmar-se. • Uma concepção do conhecimento que admite só ser integral quando compartilhado. • O caminhar com sentido (vida cotidiana). • Uma racionalidade intuitiva e comunicativa: afetiva, não instrumental. • Novas atitudes: reeducar o olhar, o coração. • Cultura da sustentabilidade: ecoformação. Ampliar nosso ponto de vista. (GADOTTI, 2005, p. 26) O papel da escola na construção de uma cultura da sustentabilida- de, o que Gadotti chama de ecoformação, é muito importante. Mais do que educar para a sustentabilidade e mostrar aos alunos que todos nós fazemos parte de um mesmo organismo vivo, a Terra, a escola pre- cisa oferecer cotidianamente exemplos práticos de comportamentos e atitudes sustentáveis e exercitar esses atos de cidadanias ambiental e planetária. Mas como inserir no currículo esse tipo de formação? É justamente a função dos temas transversais, previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), proporcionar a inserção no currículo, demodo transversal, de temas sociais contemporâneos im- portantes para a formação integral de crianças e jovens. Um desses temas é a educação ambiental, que abarca a educação para a susten- tabilidade e o consumo responsável e que pode ser abordada sob a perspectiva da ecoformação de que fala Gadotti. De que adianta falar aos alunos da conservação do meio ambiente, explicar a sustentabilidade e o consumo responsável, mas colocar copos de plástico junto ao bebedouro, por exemplo? Para refletir Rawpixel.com/Shutterstock 30 Temas sociais e educacionais contemporâneos As práticas cotidianas na escola são a melhor forma de estimular comportamentos sustentáveis e novos padrões de consumo. A refle- xão sobre os próprios comportamentos, estimulada durante as aulas por meio de rodas de conversa, palestras de profissionais externos à escola e membros da comunidade, campanhas de conscientização no meio escolar etc., pode ser um bom início para a mudança de atitudes e hábitos na comunidade escolar. Entretanto, é preciso colocarmos em prática os novos hábitos por meio de condutas cotidianas, como evitar o desperdício de recursos, o descarte exagerado de lixo na escola, en- tre outras. Por meio da reflexão e conscientização e da convivência com exem- plos de comportamentos sustentáveis no cotidiano escolar, crianças e adolescentes passam a adotar novos hábitos também em casa e tornam-se divulgadores desses novos padrões em suas famílias. 1.4.1 Atitudes e comportamentos sustentáveis Há comportamentos que precisam ser ensinados e exemplificados diariamente na escola, pois significam o bom uso dos recursos naturais e a conservação do meio ambiente, e devem ser incorporados ao coti- diano familiar dos alunos, tais como: não desperdiçar água; nunca dei- xar torneiras abertas enquanto se ensaboa as mãos, escova os dentes ou realiza qualquer outra atividade; economizar energia – para isso não deixar a luz acesa em espaços que não estão sendo utilizados, preferir a luz solar durante o dia e evitar abrir a geladeira a todo momento; separar o lixo orgânico do reciclável; e tentar reaproveitar embalagens e produtos usados. Para estimular e exemplificar esses comportamentos, podem ser aplicadas estratégias lúdicas como um concurso ou uma gincana per- manente de economia de recursos naturais na escola, em que os alu- nos ganham e perdem pontos conforme economizam ou desperdiçam água e energia. A aferição pode ser feita por meio de estratégias de avaliação conti- nuada com observação e registro do professor e estratégias de autoa- valiação dos alunos, que podem ser implementadas, por exemplo, com base nos princípios da aprendizagem por pares, na qual dois alunos colaboram no registro das ações um do outro. A pontuação pode ser exposta em um ranking da sustentabilidade de cada turma. Ao final do ano, a sala que mais economizou água, energia elétrica etc. pode ganhar uma medalha ou outro prêmio simbólico. Desse modo, os alunos são incentivados a alcançar metas de sustentabilidade coletivamente e acabam adotando as mesmas atitudes em suas casas. Outra estratégia que pode ser divertida e ajuda a construir hábitos sustentáveis é a confecção de lixeiras pelos próprios alunos para desti- nação de cada tipo de lixo reciclável na sala de aula. Isso pode ser feito reaproveitando caixas de papelão, por exemplo, ou com sacos plásti- cos coloridos fixados em painéis na parede ou em suportes. Desse modo o aprendizado da separação correta de lixo, sua des- tinação e reciclagem parecerá mais significativo para os alunos e será mais facilmente aplicado no dia a dia. Lixeiras para destinação separada de lixo, com cores que caracterizam cada tipo de resíduo: amarelo – metais; azul – papel e papelão; marrom – resíduos orgânicos; verde – vidro; vermelho – plástico. ve rs us /S hu tte st oc k Am ar el o Az ul M ar ro m Ve rd e Ve rm el ho Para construir atitudes e hábitos de consumo sustentáveis, respon- sáveis com relação ao meio ambiente, precisamos levar os alunos à reflexão sobre os próprios padrões de consumo, para depois propor- mos mudanças com base na percepção deles mesmos sobre as conse- quências negativas de algumas de suas decisões de compra. Esse trabalho pode ser desenvolvido na sala de aula ou na escola como um todo e envolver toda a comunidade escolar. É necessário explicarmos que, quando se está em um momento de decisão de compra, é importante fazer a si mesmo alguns questiona- mentos importantes antes de comprar, pois ajudam a tomar decisões de consumo mais sustentáveis: Narrado pelo ator inglês Jeremy Irons e grande sucesso de crítica, o documentário investigativo Trashed – Para onde vai o nosso lixo revela o modo como as autoridades da administração pública de países do Hemisfério Norte tratam da desti- nação do lixo industrial desde o final do século XIX até a atualidade, e busca apontar caminhos para o manejo sustentável dos materiais descartados, mostrando a importância da reciclagem do lixo. Direção: Candida Brady. EUA: Blenheim Films, 2012. Documentário Ja co b Lu nd /S hu tte rs to ck A bicicleta é uma opção de meio de transporte mais econômico e com menos impacto sobre no ambiente. 3131Educação ambiental e consumo responsávelEducação ambiental e consumo responsável 32 Temas sociais e educacionais contemporâneos • Eu preciso realmente do produto? • Eu tenho algum produto com as mesmas funções que poderia ser consertado, reformado ou reciclado, evitando a compra de um novo? • Vou usar o produto com muita frequência ou provavelmente fi- cará abandonado em um canto da casa? (Esse questionamento é muito útil com relação a brinquedos). • O produto fará uma diferença real no meu dia a dia ou posso muito bem continuar sem ele? • Eu preciso do produto imediatamente ou posso adiar a compra? • Eu tenho dinheiro sobrando para comprá-lo ou isso trará dificul- dades para o meu orçamento? • Comprar o produto é apenas um desejo de exibi-lo para os ou- tros, de me sentir incluído em um grupo ou de estar “na moda”? • De que modo irei descartar o produto quando não for usá-lo mais? É um item reciclável? • O produto foi produzido tendo alguma preocupação com os impactos ao meio ambiente? • Ele foi produzido localmente ou transportado de muito longe? Esses questionamentos podem ser levantados com alunos de todas as faixas etárias, para que os adotem toda vez que estiverem em uma situação de compra, mesmo que apenas acompanhando familiares. Se a cada compra que pensamos em realizar fizermos essas pergun- tas a nós mesmos e tentarmos responder a elas de maneira honesta, com certeza evitaremos muitas das chamadas compras por impulso, das quais provavelmente vamos nos arrepender. Com as crianças e os adolescentes é a mesma coisa: se aprende- rem a fazer esses autoquestionamentos antes de cada decisão de compra, estarão realizando o que denominamos preciclagem, que é a escolha de um produto em função de seu menor impacto ambiental ou social. Notemos que a reciclagem é feita após o uso de um produto, para reaproveitá-lo de algum modo; já a preciclagem é um processo anterior ao consumo e que o define. Com essa aprendizagem, estudan- tes podem se tornar adultos mais responsáveis com seu consumo e contribuir para o desenvolvimento sustentável da sociedade. Educação ambiental e consumo responsável 33 1.4.2 Intervenção na comunidade escolar Há várias estratégias interessantes de inter- venção na comunidade escolar para incentivar a conscientização da sustentabilidade e estimular comportamentos sustentáveis. Algumas delas são: • Iniciar a primeira aula da semana sempre com uma roda de conversa sobre o que os alunos fize- ram no fim de semana e ajudá-los a analisar suas atitudes com relação ao consumo, à economia de recursos como água e ener- gia e ao descarte de lixo. • Promover campanhas regulares na escola, com cartazes, pales- tras etc. sobre um tema ligado à busca do desenvolvimentosus- tentável: consumo equilibrado, defesa dos animais, conservação de áreas ambientais na comunidade local etc. • Instituir na escola datas comemorativas ligadas à conserva- ção ambiental, como: Dia Mundial da Água (21 de março), Dia Internacional da Biodiversidade (22 de maio), Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), Dia do Consumo Consciente (15 de outubro), entre várias outras previstas no calendário. Para esses dias é possível preparar eventos – com a divisão das tarefas entre as turmas de alunos – como mostras culturais e científicas, cam- panhas de conscientização, projeção de filmes e documentários sobre os temas ligados ao meio ambiente etc. • Criar e manter uma horta na escola com a colaboração de toda a comunidade escolar e até dos familiares dos alunos e dos outros membros da comunidade local. A horta é uma excelente estraté- gia para construir conhecimentos práticos relacionados à susten- tabilidade, ao meio ambiente e à alimentação saudável, podendo constituir um eixo permanente na escola para a educação am- biental dos alunos. Mesmo em pequenos espaços é possível criar coletivamente hortas verticais ou pequenos canteiros suspensos, por exemplo. • Promover regularmente na escola feiras de trocas de livros, revis- tas, brinquedos, roupas e outros objetos de interesse dos alunos, conforme cada faixa etária, é uma boa estratégia para educar para o consumo sustentável e passar a reconhecer a qualidade, Robert Kneschke/Shutterstock 34 Temas sociais e educacionais contemporâneos o valor de uso e o valor sentimental dos objetos, e não sua quan- tidade. As feiras de trocas, muito aplicadas como estratégia de ensino de matemática, podem contribuir para a criação de uma cultura de sustentabilidade na escola e até na comunidade local. • Manter coleções de compartilhamento nas salas de aula. Montar coletivamente uma biblioteca comunitária da turma, uma brin- quedoteca coletiva, um guarda-roupa compartilhado etc. contri- bui para a compreensão prática da economia circular, que não se baseia em consumo e descarte, mas no reuso e no compartilha- mento de produtos, para que tenham vida útil mais longa e evi- tem o consumo e o descarte exagerado de lixo no meio ambiente. • Montar uma pequena oficina de reciclagem na escola. Sob orien- tação de docentes e outros membros da comunidade escolar, os alunos, conforme suas capacidades, perfis e idade, podem cole- tar e reciclar embalagens e outros materiais, transformando-os em objetos úteis para os espaços escolares. Garrafas PET, caixas de papelão e de madeira e outras embalagens recicladas podem se tornar suportes para a horta escolar, para as feiras de troca e coleções compartilhadas, assim como podem ser transformadas em brinquedos, utensílios para a sala de aula, entre outras inú- meras funções que a criatividade alcançar. Essas e outras estratégias de intervenção na comunidade escolar para incentivar a conscientização para a sustentabilidade são meios práticos de engajar docentes, funcionários e alunos em ações efetivas e gerar mudanças de hábitos e padrões cotidianos no sentido de formar para a adoção de comportamentos sustentáveis no dia a dia da escola. CONSIDERAÇÕES FINAIS É urgente a conscientização dos impactos causados no meio ambiente do planeta pelos modos de exploração, produção e consumo da socie- dade capitalista, assim como da ação individual de cada um de nós por meio de atitudes, hábitos e comportamentos. A Terra tem mostrado sinais de que não temos mais tempo: precisamos transformar nossos valores e nosso modo de vida antes que sejamos responsáveis pela destruição de nosso habitat e do de inúmeras outras espécies. A busca do desenvolvimento sustentável é mais do que uma tendên- cia, um estilo de vida ou uma opção pessoal: é uma necessidade plane- tária. Antes de sermos cidadãos brasileiros, somos cidadãos do planeta Educação ambiental e consumo responsável 35 Terra e é nossa obrigação contribuir para que o planeta sobreviva, já que dependemos dele para nossa própria sobrevivência. A qualidade da vida em comunidade, das relações de trabalho, da saú- de coletiva e do futuro de todos nós como sociedade depende da conser- vação ambiental, da manutenção dos recursos naturais e da convivência em equilíbrio entre as espécies. Consumir não pode ser mais importante do que assegurar a permanência da vida no planeta. E a chave para isso é a educação: ecopedagogia, ecoformação, for- mação para a cidadania planetária, educação ambiental, educação para a sustentabilidade, educação para o consumo consciente e responsável, educação para o respeito a todas as espécies, educação para a recicla- gem, educação para a economia circular etc. Não importa como chame- mos, a educação passa por todas essas perspectivas e é a solução para a criação de uma cultura da sustentabilidade e para a formação de novas gerações comprometidas com a saúde do planeta e da sociedade como um todo e que respeitem o valor universal da vida. ATIVIDADES 1. Quais são as semelhanças e diferenças entre os conceitos de preservacionismo e conservacionismo? 2. Há um termo que expressa, essencialmente, o modo de proteger o meio ambiente dos impactos negativos da industrialização e do consumo exagerado e, ao mesmo tempo, promover os desenvolvimentos econômico e social. Qual é esse termo? 3. O posicionamento do Estado brasileiro na conferência mundial do meio ambiente de 2019 difere de seus posicionamentos em todas as conferências anteriores. Qual é a principal diferença entre tais posicionamentos? 4. Explique o que é lowsumerism e dê um exemplo dessa tendência. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 ago. 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938. htm. Acesso em: 4 dez. 2020. BRASIL. O que é consumo sustentável. Ministério do Meio Ambiente, 2020. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo- sustentavel/conceitos/consumo-sustentavel.html. Acesso em: 1 dez. 2020. CARVALHO, I. C. de. M. Educação ambiental: formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2017. 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Para formar adultos conscientes das relações econômicas em que estão inseridos e capazes de administrar suas finanças com responsabilidade e ética, de modo a proporcionar conforto e tran- quilidade para si e para os outros, é preciso desenvolver deter- minados conhecimentos e habilidades. Essas aprendizagens serão abordadas neste capítulo. 2.1 Sistemas econômicos e racionalidade econômica Vídeo Quando se fala em sistemas econômicos, é provável que nos venha à mente algo relacionado ao sistema que organiza a economia de um país. É comum pensarmos também que esse tipo de sistema é o que promove economia, ou seja, mais ganhos e menos gastos, ou maior produção a um custo menor, gerando maior lucro. Essas ideias estão atreladas àquilo que conhecemos, à maneira como a nossa sociedade está estruturada e ao sistema econômico vi- gente: o capitalista. No entanto, não existe apenas um tipo de sistema econômico em todos os lugares do mundo, assim como já existiram diferentes sistemas econômicos ao longo da história. A base econômica das sociedades, seus modos de produção e suas relações de trabalho se transformam conforme passa o tempo e dife- 38 Temas sociais e educacionais contemporâneos rem entre si. Segundo Godelier (1969, p. 327), a regra econômica de “maximizar a produção e minimizar os custos” só faz sentido no con- texto de uma “hierarquia de necessidades e valores que se impõem aos indivíduos no seio de determinada sociedade e que têm seu funda- mento na natureza das estruturas desta sociedade”. Isso significa que o modo de pensar a economia – ou o que chamamos de racionalidade econômica – nas sociedades capitalistas não faria nenhum sentido nas sociedades pré-industriais ou em outras regiões do mundo que ado- tam sistemas diferentes. De maneira simples, podemos definir sistema econômico como a forma política, social e econômica pela qual uma sociedade se organi- za, incluindo o tipo de propriedade, o modo de produção e distribuição de riquezas, a gestão da economia e a divisão e as relações de trabalho. Dependendo do tipo específico de sistema econômico de que estamos tratando, podemos incluir no conceito os processos de circulação das mercadorias, o consumo e os níveis de desenvolvimento tecnológico da sociedade. Indo além, de modo mais elaborado, temos vários conceitos para sistemas econômicos. Um deles é o do historiador polonês Kula (1970), que os define como um conjunto mais amplo que integra coerente- mente uma série de fatos econômicos e relações de dependência eco- nômica em uma sociedade, durante determinado período histórico. A racionalidade econômica do sistema capitalista baseia-se na lógi- ca de mercado, que considera tudo como recurso – a natureza, o ser humano, o conhecimento, o trabalho –, tudo deve se tornar lucrativo. Sob essa visão, só existe um único modelo de desenvolvimento possí- vel para a sociedade, o qual depende de aumentar cada vez mais a produção e o lucro, o que muitas vezes ocasiona danos irreversíveis ao meio ambiente e à vida das pessoas. Mas existem outras lógicas e visões de mundo. Por exemplo: no Bra- sil, povos indígenas que mantiveram parte significativa de sua cultura e modo de vida, tendo sofrido pouca influência da sociedade capitalista, não possuem a mesma racionalidade econômica que o restante da po- pulação, como esclarece Bonin (2015): um elemento constitutivo das distintas lógicas indígenas é a es- treita relação estabelecida entre os processos e os meios de pro- dução – por isso, a terra é de posse coletiva e não individual; a Educação financeira: um aprendizado para a vida 39 terra não é vista como propriedade privada e sim como espaço de relações sociais lançadas sobre esta base territorial. A nature- za, por sua vez, é entendida como provedora, mas cada ser pre- cisa aprender a respeitar os demais, para não destruir o tecido denso e delicado dessa relação entre as pessoas, os seres e as coisas que, na cultura ocidental, são vistas como inanimadas. Como se vê, o valor simbólico da terra, para os povos indígenas, difere do valor que ela tem numa sociedade capitalista. Para os povos indígenas, a terra não se restringe a um mero recurso, a ser explorado em todo o seu potencial. Do mesmo modo, em períodos históricos passa- dos ou em países com outros sistemas econômicos, a regra de produzir o máximo gastando o mínimo para obter maior lucro, ou de explorar as terras ao máximo, não faria sentido para as pessoas. Ou
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