Buscar

A_conquista_do_espaco_uma_abordagem_hist

Prévia do material em texto

FUNARI, P. P. A. . A conquista do espaço: uma abordagem histórica. In: Maria Filomena Fontes Ricco; Pedro Paulo A. Funari; Aline Vieira de Carvalho. (Org.). Espaço exterior, Ciência, 
tecnologia, ambiente e sociedade. 1ed.Erechim: Hábilis, 2011, v. 1, p. 15-20. 
A conquista do espaço: uma abordagem histórica 
 
Pedro Paulo A. Funari1 
 
 A conquista do espaço sideral insere-se numa longa trajetória da Humanidade, 
desde os primeiros foguetes lançados na antiga China (Angelo 2006: 2), no século XIII. 
Naqueles séculos, contudo, os céus continuavam como uma aspiração longínqua, mais 
próxima da percepção de um mistério aspirado do que uma realidade possível de ser 
alcançada. Ícaro (Ovídio, Metamorfose 8, 183-235), com seu vôo mitológico, mostrava 
tanto a atração quanto as frustrações do ser humano com relação aos ares. Seria apenas 
com a industrialização dos séculos XVIII e XIX que seria possível o desenvolvimento 
tecnológico e científico necessário para que o domínio dos ares se desenvolvesse 
(Bowdoin van Riper 2004). Esses avanços foram o resultado, também e em não menor 
medida, dos confrontos imperialistas entre as principais potências bélicas, interessadas 
no uso militar dessas tecnologias (Magnoli 2006). 
 
 O século XX, já nos seus primeiros anos, foi decisivo para esse domínio 
primeiro dos ares e, em seguida, do espaço sideral. A invenção do aeroplano foi 
potencializada pelo uso militar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), assim como 
os foguetes foram desenvolvidos de maneira decisiva para fins militares no período 
 
1
 Pedro Paulo A. Funari é professor do Departamento de História e Coordenador do Centro de Estudos 
Avançados da Universidade Estadual de Campinas. 
entre-guerras (1918-1939), tendo levado aos primeiros mísseis suborbitais, os pioneiros 
V1 e V2 (Reuter 1998). Como ressaltou Walter A. McDougall (1982: 1013): 
 
 “As raízes da Era Espacial estão, na verdade, localizadas no final da década de 
1930, quando uma cooperação peripatética entre fogueteiros e os establishments 
militares nacionais foi inaugurada” 
 
Os estragos das bombas V2 em Londres logo levaram à conclusão que o futuro 
militar estaria ligado ao desenvolvimento dessa tecnologia (Tangye 1945). As 
explosões nucleares que destruíram Hiroshima e Nagasaki apenas reforçaram a 
importância dos mísseis como vetores de artefatos nucleares, o que viria a ocorrer ao 
final da década de 1950, com os foguetes soviéticos R7 e os americanos Atlas, em 1957. 
 
 A Guerra Fria (Painter 1999) iniciou-se com o fim da Segunda Guerra Mundial e 
com a contraposição entre os países ocidentais, defensores da democracia e do 
capitalismo e a União Soviética e seus aliados, com seu sistema político de partido 
único e economia estatal. Por longas décadas (1947-1989), opuseram-se Ocidente e 
Oriente, Capitalismo e Comunismo, Liberalismo e Estatismo, até o fim da União 
Soviética e o declínio acentuado do estatismo na economia, ainda que o partido único 
tenha continuado a balizar a vida política de países como a China, hoje uma das 
potências espaciais. 
 
 Durante aquele período de Guerra Fria, o grande questão estratégica mundial foi 
o poderio militar das duas super-potências, na forma dos seus arsenais atômicos. O que 
garantia a bi-poloridade era esse arsenal nuclear e foi para desenvolver os mísseis de 
longo alcance que se aprimorou a tecnologia dos foguetes (Levine 1994). Os soviéticos, 
com sua economia centralizada, planejada e militar, concentraram seus esforços no 
sentido de dominarem o espaço sideral, que parecia, na década de 1950, de importância 
capital para a supremacia militar. Os americanos, com sua economia de mercado e em 
pleno boom, voltavam-se para satisfazer ao crescente consumo das classes médias, na 
forma da produção de todo tipo de produto de massa, de carros a filmes (Vatter 1984). 
Por isso, os soviéticos conseguiram lançar o primeiro satélite, o Sputnik, em 1957, o 
primeiro animal, a cadela Laika, em 1957, e o primeiro homem, Iuri Gagarin, em 12 de 
abril de 1961. Para soviéticos e norte-americanos, a ciência de construção de mísseis e 
foguetes ligava-se ao aprimoramento da economia, por meio da inovação científica e 
tecnológica (Bille e Lischock 2004), em ambos os países com uma forte participação do 
Estado na organização tanto da pesquisa, como da aplicação tecnológica (Audretsch 
1995). Isto se devia, em primeiro lugar, às implicações militares dessas atividades, pois, 
em qualquer estado moderno, as forças armadas e o uso da força são apanágio da nação 
(Weber 1922: 29) e coube a ambas as potências centralizar as pesquisas e tecnologias. 
 
 Os norte-americanos reagiram aos avanços iniciais dos soviéticos com a criação 
da NASA, em 1958, ainda na presidência do General Eisenhower (1953-1961), mas foi 
o presidente John Kennedy, em 1961, a decidir por um incremento substancial do 
programa espacial e pelo desafio de colocar um homem na lua antes do fim da década 
de 1960 (Ruffner 1995). Para isso, a NASA, um órgão estatal e civil (Logsdon 1995-
2008), passou a contar com muitos fundos e com a criatividade de engenheiros e 
cientistas que desenvolveram algumas tecnologias que poderiam florescer no ambiente 
de liberdade política e de mercado, mas que não encontravam paralelo na União 
Soviética, pelo regime estatal e de partido único. Assim, dois aspectos tecnológicos 
foram de particular relevância: a computação e as comunicações por satélite. Ambas 
tiveram aplicações civis e de mercado, com a criação, ainda antes do fim da Guerra Fria, 
dos computadores pessoais (Noyes 2001: 12) e da comunicação a longa distância e de 
massa por satélite (Moran 2010: 266-268). A União Soviética não tinha interesse 
estratégico nos computadores pessoais e a comunicação por satélites, embora tenha sido 
muito útil para o estado soviético, era limitada aos fins do estado, na medida em que 
não havia veículos de comunicação privados. 
 
 O programa espacial americano, após a chegada à lua, em 1969, e alguns pousos 
até 1972, mudou de rumos e voltou-se para aspectos mais práticos, com pesquisas na 
órbita terrestre. Para isso, foi desenvolvido o programa de um ônibus espacial (space 
shuttle), com o primeiro lançamento em 1981 e durante essa década multiplicaram-se os 
lançamentos e naves. Os soviéticos centraram-se na manutenção dos foguetes 
tradicionais e no desenvolvimento de estações espaciais, Salyut (1971) e Mir (1986-
1998), enquanto os americanos desenvolveram o Skylab (1973-1979). O fim da Guerra 
Fria, com o desaparecimento da União Soviética, em 1989, marcou, também, o 
encerramento formal da corrida espacial. A partir daí, a cooperação entre os Estados 
Unidos, a Rússia e outros atores, como a União Européia, mas também os japoneses e 
canadenses, entre outros, marcou a nova fase, até os dias de hoje, com a Estação 
Espacial Internacional, International Space Station (ISS), de 1998 em diante. 
 
O fim da tensão nuclear entre as duas super-potências levou a relações 
internacionais baseadas em outros parâmetros, com conseqüências profundas para a 
pesquisa e exploração espacial. Por um lado, não houve desafio mais profundo à 
supremacia militar dos Estados Unidos, que, sob o ponto de vista militar tornou-se a 
única super-potência e, neste aspecto, o mundo caminhou para o poder militar 
discricionário dos Estados Unidos (Fukuyama 1992), consubstanciado nas guerras do 
Golfo, balcânicas, do Afeganistão e Iraque. Por outro lado, em termos econômicos, 
houve desde 1989 uma descentralização crescente, com o desenvolvimento das 
economias da Europa, primeiro, e depois da Ásia e, mais recentemente, de outros países 
denominados emergentes (Funari 2011). Isso explica as características recentes da 
pesquisa espacial, com a diversificação dos atores e com mudanças substanciais tanto 
nas características, como nos objetivosdessa exploração (Corcoran & Beardsley 1990). 
 
Os aspectos econômicos, voltados para o uso de satélites de comunicação, assim 
como relativos à coleta de informações de posicionamento e localização, foram muito 
desenvolvidos, tendo em vista o surgimento e expansão da comunicação online 
imediata, desde a popularização da internet, na década de 1990 (Taylor 2005; Leiner et 
alii 2009). As viagens espaciais tripuladas centraram-se em estações espaciais 
transnacionais, com a exceção da manifestação política chinesa, que visou colocar seus 
astronautas no espaço, de forma autônoma e independente e, portanto, com objetivos 
estratégicos e militares (Martel & Yoshihara 2003; Seedhouse 2010). Nos Estados 
Unidos, a desativação dos ônibus espaciais, a partida da década de 2010, parece indicar 
uma inflexão em direção à política de laissez-faire e de incentivo à introdução das 
empresas privadas na gestão de viagens espaciais (The Economist 2011). 
 
 
 
 A corrida espacial marcou toda a História recente da humanidade, tanto em 
termos estratégicos, como pelas conseqüências de aplicação das tecnologias 
desenvolvidas para a conquista do espaço. O mundo globalizado de nossos dias não 
pode ser entendido sem a disputa entre Estados Unidos e União Soviética pelo espaço 
sideral, desde a década de 1940, e sem as transformações desde o fim da Guerra Fria 
(1989), com multiplicação de atores e diversificação de estratégias e interesses. A 
conquista do espaço sideral marcou de forma decisiva a sociedade moderna e continua 
crucial nos dias de hoje. 
 
Agradecimentos 
 
 Agradeço a Filomena Ricco, Demétrio Magnoli e Patricia Mariuzzo. Menciono 
o apoio da FAPESP, CNPq e Unicamp. A responsabilidade pelas ideias restringe-se ao 
autor. 
 
References 
Angelo, Jr. J.A. Rockets. Nova Iorque, Facts on File, 2006. 
Audretsch, D.B. Innovation and Industry Evolution. MIT, 1995. 
Bille, M. & Lishock, E. The First Space Race. Lauching the world’s first satellites. 
Texas A&M University Press, 2004. 
Bowdoin van Riper, A. Rockets and Missiles. The life story of a technology. John 
Hopkins, 2004. 
Corcoran, E. & Beardsley, T. The new space race, Scientific American 263, 1990, 72-
85. 
Funari, P.P.A. Corrida especial e Guerra Fria, Pré-Univesp, 15/04/2011, 
http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/1603/corrida-espacial-e-
guerra-fria.html. 
Fukuyama, F. The End of History and the Last Man. Nova Iorque, Free Press, 1992. 
Leiner, B.M. et alii, A brief history of the internet, ACM SIGCOMM Computer 
Communication Review, 39, 5, 2009, 22-31. 
Levine, J. The Missile and Space Race. Westport, Praeger, 1994. 
Logsdon, J. M., ed., with Linda J. Lear, Jannelle Warren Findley, Ray A. Williamson, 
and Dwayne A. Day. Exploring the Unknown: Selected Documents in the History of the 
U.S. Civil Space Program, Volume I, Organizing for Exploration. NASA SP-4407, 
1995-2008, volumes I-VIII. 
Magnoli, D. História das Guerras. São Paulo, Contexto, 2006. 
Martel, W. C. & Yoshihara, T. Averting a sino-U.S. space race, The Washington 
Quarterly, 26, 4, 2003, 19-35. 
McDougall, W. A. Technocracy and Statecraft in the Space Age, American Historical 
Review,87, 4, 1982, 1010-1040. 
http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/1603/corrida-espacial-e-guerra-fria.html
http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/1603/corrida-espacial-e-guerra-fria.html
http://history.nasa.gov/SP-4407/vol1/intro.pdf
http://history.nasa.gov/SP-4407/vol1/intro.pdf
Moran, T.P. Introduction to the history of communication, evolutions and revolutions. 
Nova Iorque, Peter Lang, 2010. 
Noyes, J. Hove, Designing for Humans. Psychology Press, 2001. 
Painter, D.S. The Cold War, An international history. Londres, Routledge, 1999. 
Reuter, C. The A4 (V2) and the German, Soviet and American Rocket Program. 
Scarborough, S.R. Research and Publishing, 1998. 
Ruffner, K. Corona: America’s first satellite program. Washington, Government 
Printing Office, 1995. 
Seedhouse, E. The New Space Race. China vs. the United States. Nova Iorque, 
Springer, 2010. 
Tangye, N. Flying bombs and rockets, this time and next, Foreign Affairs, 24, 1, 1945, 
40-49. 
Taylor, J. Space Race. An inside view of the future of communications planning. 
Chichester, JohnWilley & Sons, 2005. 
Vatter, H. The United States Economy in the 1950s. Westport, Greenwood, 1984. 
The Economist, Apollo plus 50, May 21st, 2011, p. 36. 
Weber, M. Wirtschaft und Gesellschaft. Tübingen, Mohr,1922.

Continue navegando