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1 POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E ATUAÇÃO POLICIAL Belo Horizonte – 2024 2 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E ATUAÇÃO POLICIAL Coordenação Geral Yukari Miyata Subcoordenação Geral Marcelo Carvalho Ferreira Coordenação Didático-Pedagógica Flávia Portes Teixeira Coordenação de Recrutamento e Seleção Robson Silva de Aguiar Conteudistas Guilherme Cardoso Vasconcelos Isabella Franca Oliveira Lydiane Maria Azevedo Lucas Eduardo Guimarães Nayara Ferreira de Souza Saraiva Revisão e Edição Equipe multidisciplinar da Acadepol / MG Reprodução Proibida Direitos exclusivos cedidos à Polícia Civil de Minas Gerais 3 SUMÁRIO UNIDADE 1 ........................................................................................................ 4 1. REFLEXÕES INICIAIS ................................................................................... 4 2. CONCEITOS IMPORTANTES ....................................................................... 7 3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL ................................................................ 20 4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ........................ 31 UNIDADE 2 ...................................................................................................... 39 5. MARCOS LEGAIS DO ANTIRRACISMO .................................................... 39 6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS CRIMES NO BRASIL ....................................................................................... 51 7. DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RACISMO E DE INJÚRIA RACIAL ............................................................................................................ 64 UNIDADE 3 ...................................................................................................... 75 8. IMPLICAÇÕES DO RACISMO E DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA ATUAÇÃO POLICIAL ...................................................................................... 75 9. ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL ............................................................................................................ 93 UNIDADE 4 .................................................................................................... 104 10. A IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA IGUALDADE RACIAL .......................................................................................................... 104 11. QUAIS PROVIDÊNCIAS DEVEM SER ADOTADAS EM CASO DE PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO DECORRENTES DA RAÇA .............. 112 12. EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL .......................................................................................................... 116 13. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 121 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 123 4 UNIDADE 1 1. REFLEXÕES INICIAIS Neste curso, teremos a oportunidade de abordar aspectos importantes ao entendimento das relações étnico-raciais em nosso país. Ainda que a Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça e cor, etnia, religião ou procedência nacional, tenha completado mais de 30 anos de existência, vivemos em uma nação que enfrenta um significativo cenário de desigualdade racial e de vulnerabilização da população negra. Segundo o Atlas da Violência, no ano de 2020, 76,2% das pessoas assassinadas no Brasil eram pretas ou pardas, sendo que, se contabilizarmos todas as pessoas negras mortas em uma década no país (408.605 pessoas), teremos um número que é superior à população da cidade de Palmas, capital do Tocantins, que é, conforme projeção do IBGE para 2022, composta por 334.454 pessoas. Figura 01: Dados estatísticos sobre homicídio e população negra. Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022. Assim, primeiramente conheceremos conceitos-chave utilizados em nosso país quando nos referimos a pretos e pardos, como: raça, etnia, racismo, preconceito e discriminação racial. Ademais, discutiremos como a questão racial delineou-se no Brasil e porque trata-se de um tema que não diz respeito exclusivamente ao povo negro. Em seguida, por meio do estudo de dados estatísticos sobre raça no Brasil, compreenderemos alguns dos obstáculos que desafiam o princípio da igualdade para uma representativa parcela da nossa 5 sociedade e a consequente violência que vitimiza a população negra. Depois, perpassaremos por alguns marcos legais contra o racismo no Brasil. Por fim, examinaremos o que diferencia o crime de racismo e o de injúria racial, bem como algumas orientações quanto às providências a serem adotadas caso a pessoa sofra, presencie ou tome conhecimento de algum ato de racismo. Figura 02: Quantitativo de pessoas negras assassinadas nos últimos 10 (dez) anos. Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022. Diante da amplitude das definições que serão apresentadas, será bastante razoável parecer estranho a quem lê, o enfoque, quase exclusivo, nas relações étnico-raciais entre pessoas brancas e negras. E outros grupos discriminados e minoritários do ponto de vista da pertença racial, como ficam? Os indígenas, judeus, amarelos1? São questões sem dúvida pertinentes. Há sobretudo duas razões práticas para essa escolha – a primeira delas, quantitativa: as pessoas autodeclaradas brancas e negras compõem a imensa maioria da população brasileira. A segunda, que diríamos “acadêmica”, mas que ao fundo é também quantitativa, diz respeito à produção teórica existente sobre as relações racializadas: a variedade de materiais, enfoques e produções sobre a díade brancos e negros é muito maior do que as outras, certamente em razão da própria magnitude populacional. 1 Aqui, repetimos a designação de cor/raça dada pelo IBGE, apesar de termos conhecimento de que há críticas a esse rótulo postuladas por grupos de japoneses, chineses, coreanos e seus descendentes no Brasil. Entretanto, em prol da clareza e da homogeneidade textual, nos limitamos ao nome atualmente estabelecido. 6 Apesar disso, os dispositivos legais, as normas e aparatos institucionais existentes não estão submetidos ao mesmo recorte. Em certa medida, resguardadas as particularidades de diferentes grupos étnico-raciais, boa parte do que se discutirá nas páginas a seguir pode ser usado por analogia para a análise de outros cenários de desigualdade racial. Nesse sentido, esperamos ter sido capazes de apresentar os temas e reflexões de maneira tal que esse aproveitamento se dê facilmente. Ademais, não é excessivo lembrar que este material não é, não pretende ser (e nem poderia ser) definitivo sobre o tema. Pelo contrário, ele é tão somente uma porta de entrada para um assunto sobre o qual ainda há muito por ser discutido. Esperamos que o conhecimento compartilhado neste curso possa contribuir para o entendimento do problema, que figura como pano de fundo de parte significativa das violências evidenciadas no Brasil, bem como os aspectos legais envolvidos. 7 2. CONCEITOS IMPORTANTES Antes de iniciarmos qualquer discussão acerca das relações étnico- raciais no Brasil, é importante que tenhamos em mente qual a definição desse conceito e também de outros relacionados. Para isso utilizaremos, entre outras, as reflexões apresentadas pela professora Nilma Lino Gomes, no texto intitulado “Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão”.Gomes (2005) dialoga com os movimentos sociais a fim de apresentar conceitos-chave utilizados em nosso país quando nos referimos a pretos e pardos. Lembrando que, conforme convencionado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil a população definida como negra é aquela composta pelas pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas. Figura 03: Quadro pintado pela artista plástica Rita Vianna. Antes de falarmos em “identidade negra”, precisamos compreender o que o conceito de “identidade” define. Conforme descrito por Deschamps & Moliner (2014), a psicologia social contemporânea, no bojo das ciências sociais, entende a existência de dois processos identitários: de um lado, a identidade individual, que permite que um indivíduo reconheça a si mesmo ao longo do tempo (aquilo que ele expressa quando lhe perguntam quem ele é); e 8 a identidade social, que é marcada pelo reconhecimento dos grupos sociais aos quais os indivíduos fazem parte. Entretanto, esses processos não são isolados: há elementos na identidade pessoal (ou individual) que são oriundos das relações grupais, enquanto entre pessoas que compartilham uma mesma identidade social, são as identidades individuais que as diferenciam. Para apresentar o conceito de identidade negra, Gomes (2005) nos lembra que a identidade não é algo inato, vez que é decorrente de nossa interação com o mundo que nos cerca, se constrói e se expressa em larga medida por meio de práticas linguísticas, tradições e comportamentos. Esses traços assinalam pertencimentos, marcam nos sujeitos suas vinculações aos diferentes grupos que fazem parte: uma família específica, uma naturalidade, uma classe social, um sexo, um grupo étnico-racial. Nesses termos, as pessoas buscam alcançar a valorização de seus grupos de pertença, porque isso reflete, ao fim e ao cabo, na distinção positiva de si mesmo, como parte daquele grupo socialmente valorizado (MONTEIRO, 2013). Alguns grupos de nossa sociedade, como negros e indígenas, cuja história é marcada por subalternização e marginalidade, têm maior necessidade e dificuldade para valorizar suas diferenças em relação aos demais grupos. Inserida nesse cenário, a identidade negra, se manifesta como uma maneira de fortalecer do modo de existir dessas pessoas perante a sociedade (WOODS, 1987). Figura 04: Significado de subalternização. A construção da identidade do povo negro, assim como outros processos identitários, dá-se gradativamente sob a influência de fatores sociais, históricos e culturais diversos. Segundo Gomes (2005, p.43) “geralmente este processo se inicia na família e vai criando ramificações e desdobramentos a partir das outras relações que o sujeito estabelece.” A autora ressalta o quanto pode ser difícil construir uma identidade positiva em 9 uma sociedade que, desde muito cedo, ensina às pessoas negras que para ser aceito é preciso negar a si mesmo. Figura 05: Charge do artista Thyagão. A utilização do termo raça pode assumir vários sentidos, a depender do contexto no qual é aplicado, de quem fala, como e quando fala. Quando o Movimento Negro e especialistas da área, como sociólogos e psicólogos sociais, utilizam o conceito para dialogar sobre fenômenos como o racismo e a discriminação presentes na sociedade brasileira, o fazem baseando-se na dimensão social e política do termo e não alicerçados na ideia de superioridade e inferioridade biológica, como originalmente era usada no século XIX. Ou seja, o conceito é utilizado para retratar e compreender a realidade das pessoas racializadas. Ao investigar a questão da assim chamada “mestiçagem racial” na sociedade e no pensamento brasileiro, o antropólogo Kabengele Munanga inicia por discutir a própria concepção de raças humanas. Na definição do autor, as denominações raciais (negro, branco, amarelo, mestiço etc.), apesar de possuírem diferenças visualmente perceptíveis e, por meio dessa percepção, carregarem a crença de que são exclusivamente fundadas na biologia são, na verdade, uma “manipulação do biológico pelo ideológico” (MUNANGA, 2020, p. 24). Em outros termos, o que o autor demonstra ao 10 retomar o processo histórico de construção dessas diferenças, é que aquilo que nos parecem distâncias biológicas são, na verdade, distâncias culturais biologizadas: ou, como diria Silvio Almeida (2020), foi o racismo que inventou a raça, não o contrário. Naturalmente, isso não quer dizer que não existem diferenças biológicas, físicas, entre as pessoas. Como dissemos, essas diferenças existem e estão no campo do evidente. O que não existe, do ponto de vista biológico, é a definição de diferentes raças humanas. Estas são na realidade construções históricas, socioculturais e políticas, que emergem nas relações sociais e de poder. Cultural e socialmente nós aprendemos a enxergar as raças, ou seja, aprendemos a perceber as diferenças, a comparar e a classificar a partir de características físicas, como afirma Gomes (2005). O problema começa quando essa percepção da diferença resulta em estereotipização do outro e na hierarquização, a priori, dos grupos em razão de suas características fenotípicas. O emprego do termo etnia é preferido por algumas pessoas que acreditam que a utilização do conceito de raça, mesmo em uma dimensão social e política, pode significar um retorno à sua perspectiva biológica (e consequentemente, sua limitação a esta perspectiva). Além disso, é utilizado para referir-se a um grupo de pessoas que têm certo tipo de consciência acerca de suas origens e interesses em comum (GOMES, 2010). A identidade desse grupo define-se com base no compartilhamento de uma língua, de uma cultura, de tradições, de momentos históricos e territórios já habitados. Não se trata, assim, de um mero agrupamento de pessoas (GOMES, 2010). Figura 06: Fotografia de diferentes pessoas. A aplicação da expressão étnico-racial acaba significando que, para compreensão da realidade do negro em nossa sociedade é preciso considerar, 11 além da classificação racial pautada em características físicas, também a dimensão identitária (GOMES, 2010). Assim, chamamos de relações étnico- raciais aquelas construídas – no processo histórico, social, político, econômico e cultural – em contextos nos quais a raça, em sua dimensão social e política, é utilizada como forma de demarcação das diferenças entre as pessoas. Conforme nos lembra Gomes (2010), para uma análise profunda das relações étnico-raciais é preciso ter em mente que os sujeitos vivem diferentes processos identitários, os quais interferem no modo como é construído seu pertencimento étnico-racial. Por exemplo, a identificação de uma criança negra com outras pessoas negras e com a cultura e história de seus antepassados pode ser influenciada pela maneira como a temática é trazida a ela, ou seja, como os aspectos étnico-raciais são vivenciados no dia a dia. Acerca do conceito de racismo, Almeida (2020, p. 32) o define como: uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. Gomes (2005) resume de maneira mais direta que o racismo é, por um lado, a aversão, até mesmo ódio, direcionado a pessoas nas quais se observa sinais de pertencimento racial (racializadas), tais como cor de pele e tipo de cabelo; e por outro lado, diz respeito a um conjunto de ideias de grupos que acreditam na existência de hierarquia entre as raças. O racismo pode ser concebido como um fenômeno de natureza individualista, institucional ou estrutural. Novamente, trata-se de uma distinção formal, de algo que efetivamente não se manifesta de maneiras tão desconectadas uma das outras, conformeveremos. Neste momento, nos basta uma distinção superficial de suas manifestações. Assim, a visão individualista do racismo, é aquela que se observa quando indivíduos cometem atos discriminatórios contra outros indivíduos, de maneira singular e dirigida. Esses atos podem se dar desde comportamentos de recusa da interação, até situações de agressão e violência física. Dois exemplos veiculados pela grande mídia são especialmente ilustrativos. No primeiro deles, uma consumidora enviou mensagem ao comércio no qual fizera um pedido com os seguintes dizeres: “Por favor mandem um entregador branco, não gosto de pretos nem 12 pardos [...]”, causando revolta nos funcionários (MARTINS, 2022). O segundo exemplo, certamente bastante cruel, foi vivido por uma criança de 10 anos em uma praia no estado do Rio de Janeiro. Enquanto realizava um ensaio fotográfico vestida com uma fantasia de sereia, a menina ouviu de um homem a frase “Nunca vi sereia preta” (CATRACA LIVRE, 2022). Nessa concepção, pode-se falar menos em racismo e mais em preconceito, posto que se manifesta na ação (comportamento) isolada de indivíduos ou grupos bem delimitados, e supostamente é fruto de uma patologia ou anormalidade, de ordem moral ou orgânica (ALMEIDA, 2020). Já na concepção institucional, o conceito de racismo diz respeito a práticas discriminatórias promovidas pelo Poder Público, pelo Estado ou por outros organismos (as instituições) com o apoio indireto ou chancela do Estado, como o isolamento de negros em determinados espaços; a concessão de privilégios ou desvantagens baseadas na raça; ou a permissividade ante a imagens estereotipadas de personagens negros em livros didáticos ou na publicidade (GOMES, 2005). Para o melhor entendimento dessa concepção, é imprescindível que compreendamos que o termo “instituição” não se refere exclusivamente a estruturas físicas, mas abarca também o funcionamento institucional (DOUGLAS, 1998), manifesto como “somatório de normas, padrões e técnicas de controle que condicionam o comportamento dos indivíduos”, conforme Almeida (2020, p.39). Assim, podemos perceber que o Poder Judiciário, as polícias, o sistema educacional, enfim, o próprio Estado em si, são exemplos de instituições. Figura 07: Propaganda racista. Fonte: https://economia.uol.com.br/listas/propagandas-acusadas-de-racismo.htm 13 A consideração do racismo de natureza institucional se apoia sobre a percepção de que, em diversos momentos da História humana, o racismo foi cometido com o aporte de leis ou do funcionamento regular das instituições. O Holocausto nazista, as leis de segregação nos Estados Unidos ou na África do Sul, para nos limitarmos a uns poucos exemplos, descrevem situações em que a discriminação étnico-racial representou o modo de funcionamento regular do Estado, legalmente amparado. Por fim, cabe discutir a perspectiva estrutural do racismo, conforme apresentada por Silvio Almeida (2020). Ainda que algumas vezes “racismo institucional” e “racismo estrutural” sejam tomados como sinônimos, de acordo com o autor, o racismo estrutural tem caráter mais amplo e transversal, já que “as instituições são racistas porque a sociedade é racista” (ALMEIDA, 2020, p.47). Ou seja, o conceito diz respeito à prática do racismo que decorre da própria estrutura social, a qual é consolidada nas relações cotidianas, políticas, econômicas, jurídicas etc. Conforme discutido pelo psiquiatra martinicano Frantz Fanon (2020), a subalternização das populações negras é tomada como um dado natural, fazendo-se presente, ainda que imperceptível de imediato, no funcionamento normal das sociedades contemporâneas. Fruto do colonialismo moderno (séculos XVIII e XIX, sobretudo), o racismo estrutural carrega consigo a noção de uma sub-humanidade do negro (CÉSAIRE, 2020), que faz da sua existência algo de menor valor, inclusive exterminável (MBEMBE, 2018). A manifestação da faceta estrutural do racismo torna-se evidente quando observamos, por exemplo, a maior pré-disposição ao uso desmedido da força por agentes de segurança contra indivíduos negros tomados, de partida, como agressores (FANTTI, 2023). Entretanto, o racismo estrutural não se encerra na ação individual de quem, como no caso citado, puxa o gatilho: está também na percepção coletiva desse ato, que o sopesa e normaliza, com frases como “mas será mesmo que ele não fez nada de ameaçador?” e outras semelhantes. Essa orientação discriminatória de nossa coletividade, marcada pela diferença racial, chega a criar zonas de permissividade ou, nas palavras do filósofo camaronês Achille Mbembe (2018), “espaços de exceção”, nos quais a lei funciona diferente e direitos fundamentais ficam indisponíveis (ADORNO, 2017). 14 Figura 07: Conceitos importantes sobre racismo estrutual. No entanto, Almeida (2020) também chama atenção que entender o fenômeno como estrutural não isenta quem comete atos racistas de sua responsabilidade individual quanto à intolerância praticada, pelo contrário: compreender que o racismo é parte de uma estrutura social e não um ato isolado torna todos ainda mais responsáveis pelo seu enfrentamento. Dito 15 numa metáfora, ainda que o racismo monte o palco e seja o material do qual é feito todo o cenário, ainda serão pessoas de carne e osso, os atores, que atuam sobre esse palco, que interagem nesse cenário. Na prática, o racismo estrutural está presente no nosso cotidiano na naturalização de muitas práticas, como por exemplo: ● quando, independente do seu nível de instrução, a remuneração da população negra é inferior ao valor pago à população branca em igual posição; ● quando não encontramos pessoas negras em cargos de liderança; ● quando se constata que a população negra é mais atingida pela violência do que a população não-negra, inclusive em índices fatais; ● ao nos depararmos com uma escassez de produções culturais (como filmes e novelas) em que há pessoas negras em papel de destaque, ou mesmo a sua sub-representação nessas mesmas produções, quando comparada à população geral; ● no preconceito em relação às religiões de matriz africana (racismo religioso); ● em nosso círculo social, quando fazemos e/ou toleramos piadas de cunho racial ou utilizamos frases que inferiorizam os grupos racializados; ou ● quando, automaticamente, um homem negro se torna sinônimo de perigo e acaba sendo vítima de violência. Um ponto importante precisa ser colocado acerca daquilo que popularmente é rotulado como “racismo reverso”. Sua existência é tanto uma impossibilidade lógica quanto conceitual. Do ponto de vista lógico, afirmar a existência de um racismo reverso exige que se reconheça que há um “racismo normal” – no qual o negro é inferiorizado – e um racismo “incomum”, que inverte essa normalidade ao inferiorizar a população branca. Desnecessário chamar atenção de que não há racismo que possa ser tomado como natural ou normal, visto que não existe condição de subordinação de grupos humanos a priori, fora do contexto social de interação. 16 No que diz respeito à impossibilidade conceitual, lembremos que o racismo é um processo político de discriminação sistêmica que influencia a organização e funcionamento da sociedade (ALMEIDA, 2020). Ele é sofrido, enquanto tal, por quem não domina as posições de poder e mando. Ou seja, não é razoável pensar que negros (ou outro grupo étnico-racial subalternizado) tenham condições materiais de submeter brancos (ou outro grupo étnico-racial socialmente dominante) a processos de discriminação, em razão de sua própria condição como subalternizados. Abordaremos a seguir a distinção entre preconceito e discriminação racial, mas antes precisamos desatar um último nó que pode ter restado acerca do chamado “racismo reverso”. É possível que alguns de nós tenhamos vivenciado, ou até experienciado,atitudes discriminatórias ou de preconceito vindas de pessoas negras – seja dirigido a pessoas brancas ou até mesmo a outras pessoas negras (ED., 2023) – e, nos lembrando dessas situações, tenhamos dificuldade em compreender o racismo reverso como uma impossibilidade. Entretanto, o ponto fundamental diz respeito à efetividade e amplitude social desses atos discriminatórios. Novamente, nas palavras de Almeida: Há um grande equívoco nessa ideia porque membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, seja direta, seja indiretamente. Homens brancos não perdem vagas de emprego pelo fato de serem brancos, pessoas brancas não são "suspeitas' de atos criminosos por sua condição racial, tampouco têm sua inteligência ou sua capacidade profissional questionada devido à cor da pele. (ALMEIDA, 2020, p.53) Acerca dos demais conceitos, Gomes (2005) e Almeida (2020) diferenciam ainda preconceito e discriminação racial. O preconceito racial manifesta-se por meio de julgamento prévio, baseado em estereótipos (em geral negativos) sobre os indivíduos que compõem um grupo étnico-racial. Trata-se de uma opinião descolada da realidade, generalizante (“negros são preguiçosos”, “judeus são avarentos”, “mulheres brasileiras são fáceis”). É importante destacar que ninguém nasce preconceituoso, é um comportamento aprendido socialmente e que, a despeito de existir e ser disseminado, dificilmente veremos quem goste de assumir-se preconceituoso. 17 O conceito de discriminação racial, por sua vez, pode ser definido como a efetivação do preconceito racial e do racismo. Conforme nos ensina Gomes (2005, p.55), “enquanto o racismo e o preconceito encontram-se no âmbito das doutrinas e dos julgamentos, das concepções de mundo e das crenças, a discriminação é a adoção de práticas que os efetivam” ou, nos termos mais amplos de Almeida (2020, p.32) a discriminação racial é “a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupo racialmente identificados”. Figura 08: Afirmação importante. A discriminação pode ser ainda diferenciada como direta ou indireta, positiva ou negativa: a forma direta deriva de atos ostensivos de discriminação de uma pessoa, expressamente, em razão de sua cor – como no mencionado episódio de xingamento à criança de 10 anos no Rio de Janeiro. Já a forma indireta resulta de políticas públicas ou práticas administrativas que, apesar de aparentemente neutras do ponto de vista racial (numa lógica conhecida como color blindness, quando as diferenças objetivas entre os grupos raciais é desconsiderada, restringindo-se à igualdade formal), possuem potencial discriminatório. Isso porque as condições concretas de existência dos grupos minoritários impactam diretamente na existência desses grupos e nas possibilidades de seus indivíduos acessarem recursos coletivamente disponíveis. Sua manifestação afronta o Princípio da Igualdade da Pessoa Humana, conforme resumido pela máxima aristotélica: deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Sua marca é percebida “quando os resultados de determinados indicadores socioeconômicos são sistematicamente desfavoráveis para um 18 subgrupo racialmente definido em face dos resultados médios da população” (GOMES, 2005, p. 56). Por fim, Almeida (2020) chama atenção para a possibilidade de uma discriminação racial indireta e positiva, em atenção restrita ao princípio da igualdade: é ela que destacamos quando pensamos no “tratamento desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade”. Sua existência se funda na lógica de color consciousness, qual seja, numa perspectiva que considera a existência das diferenças sociais entre os grupos raciais, e atua na medida dessas diferenças, instaurando um regime de igualdade material entre os grupos. Configuram discriminações positivas, por exemplo, programas de ações afirmativas como as cotas. Resumindo... Figura 09: Resumo de termos importantes do capítulo. Figura 10: Resumo de outros conceitos importantes para a compreensão do capítulo. 19 Uma vez tendo repassado conceitos fundamentais à compreensão da questão racial em nosso país, partimos ao estudo do percurso histórico do tema até os dias de hoje2. 2 Antes de avançar, se faz necessário apontar uma nota em relação a figura 10: o termo “dororidade” foi cunhado pela pensadora Vilma Piedade e apresentado em 2017 em livro homônimo. Criando em complemento ao termo feminista “sororidade” (do latim soror – irmã e ~eidade, conjunto irmandade feminina), dororidade visa destacar que há dores que unem as mulheres negras que vão além daquelas consequentes do machismo (MARIA, 2022). 20 3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL Para discutirmos a questão racial no Brasil é preciso voltarmos na História, a fim de compreender a razão do contexto brasileiro de racismo, preconceito e discriminação estar tão relacionado a acontecimentos que extrapolam o próprio território do país, bem como porque a discussão da temática racial não deve ser exclusiva do povo negro. Trata-se de uma questão social, política e cultural de todos/as os/as brasileiros/as e da comunidade internacional (GOMES, 2005). Segundo Carula (2016), o termo “raça” começa a ser utilizado na Europa durante o período da Reconquista da Península Ibérica pelos cristãos (entre 718 e 1492). Supostamente, sua origem está no termo árabe “ra’s”, que designa o chefe de um clã ou grupo. No uso cristão, o uso de raça (como “raza”) servia para indicar a origem e descendência de alguém. Esse destaque tão remoto é particularmente importante para esclarecer que o termo, em princípio, não servia para designar separações humanas baseadas em características fenotípicas. Pelo contrário, antes do século XVII, o paradigma de distinção social mais relevante era o religioso: de um lado os cristãos (brancos) e do outro os não cristãos (pagãos, muçulmanos, judeus) – não- brancos, portanto (CARULA, 2016). Figura 11: Atenção ao conceito de colonização. O uso do termo numa acepção mais próxima àquela da contemporaneidade se deu com a publicação de Nouvelle division de la terre, par les diferentes espèces ou races d'hommes qui l'habitent (“Nova divisão da 21 terra pelas diferentes espécies ou raças de homens que a habitam”, em tradução livre), de François Bernier, em 1684 (CARULA, 2016, p. 156). Nela, o autor defende a classificação da humanidade em quatro ou cinco raças de homens, conforme sua cor de pele, características físicas e dados geográfico- espaciais. Isso trouxe consequências diretas para aquilo que nos acostumamos a chamar de “colonização do Novo Mundo”, que significou para as populações nativas (sobretudo ameríndios e africanos) a utilização das diferenças fenotípicas como elementos de segregação, bem como a violência das práticas aplicadas naquela época com base nessas distinções. O tráfico de pessoas negras de África para as Américas atrelava-os à noção de inferioridade decorrente da própria condição como escravizados. As pessoas negras eram coisificadas e comercializadas sob a justificativa de sua sub-humanidade, alicerçada em crenças religiosas e filosóficas. Figura 12: Atenção ao conceito de Novo Mundo. Conforme descreve Berkenbrock (2012), estimativas apontam que, no período em que perdurou o tráfico transatlântico de pessoas (encerrado oficialmente em 1852), aproximadamente 3.600.000 negros escravizados foram trazidos à força para o Brasil. Isso representou algo em torno de 38% do total de cativos tirados do continente africano em direção às Américas. Se levarmos em conta que esses números são imprecisos, possivelmente subestimados (sobretudo pela destruição dos documentos do períodoescravista pela República), e que muitos escravizados morriam na travessia do oceano, perceberemos que é real a possibilidade de que o número de pessoas efetivamente sequestradas de África seja ainda maior. É no século XIX que dois fatos históricos importantes ocorreram, e foram responsáveis por trazer ao centro do debate jurídico e científico de então o 22 conceito de raça e a prática do racismo: a consolidação dos Estados Nacionais como forma primordial de ordenamento político e territorial – o que transparecia a emergência do capitalismo e de um sistema de classes que exigia o reordenamento de grupos sociais; e o imperialismo europeu que, a partir de sua expansão moderna, intensificou as relações dos estados europeus com os outros povos e nações (HEILBORN et al, 2010). Figura 13: Atenção ao conceito de Imperialismo. A partir desse momento, os países, caracterizados como Estados Nacionais, precisavam solidificar suas bases culturais, bases estas que deveriam cumprir o papel de criar nas pessoas um sentimento de pertença à nação. Ou seja, elas deveriam reconhecer-se como pertencentes a um mesmo grupo, com os mesmos costumes. E foi nesse contexto que o conceito de raça assumiu uma gama de significados, os quais caracterizavam uma noção nova de “raça nacional” (HEILBORN et al, 2010). Figura 14: Atenção ao conceito de Estado-Nacional. 23 No entanto, como nos lembram Heilborn et al (2010), unificar povos implicava no fato de dar à nação uma origem comum, ratificada na História, e a definição de um Outro, o diferente que permite a afirmação da semelhança entre os nacionais. Esse movimento se consolida na ideia de que as raças europeias eram superiores às demais e deu força para teorias raciais que justificavam cientificamente tal superioridade. Desde a colonização das Américas, as discussões sobre o conceito de raça foram evoluindo por campos diversos. Durante muitos anos, o uso do termo nas ciências, na política ou na sociedade, esteve ligado de um modo geral à dominação político-cultural de povo e de nações, como a exemplo do domínio nazista da Alemanha no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939- 1945) (GOMES, 2005). Figura 15: Atenção para o termo Segunda Guerra Mundial. Fortemente apoiada nas propostas do chamado “racismo científico” do final do século XIX e início do século XX, a ideia vigente era a de que a raça ariana era superior às outras raças em termos biológicos, sociais e culturais (HISTÓRIA FM, 2023). Muitas atrocidades foram cometidas em nome dessa suposta hierarquização das raças. Entretanto, para autores como o martinicano Aimé Césaire (2020), o sul-africano Steve Biko (WOODS, 1987) e o camaronês Achille Mbembe (2018), o horror nazista vivenciado pelos europeus em seu próprio território foi a transposição do terror que colônias e ex-colônias nas 24 Américas, na África, na Ásia e na Oceania já conheciam desde o século XVI. Para Mbembe (2018), as torturas e execuções em massa, o Holocausto, foram o auge da aplicação de ferramentas de domínio que haviam sido aprimoradas – sem grande censura da comunidade internacional – nos espaços coloniais. Nas palavras de Aimé Césaire: [...] o que ele [o europeu típico do começo do século XX, “muito humanista e muito cristão”] não perdoa em Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco, é a humilhação do homem branco, é de haver aplicado à Europa os procedimentos colonialistas que atingiam até então apenas os árabes da Argélia, os coolies da Índia e os negros da África. (CÉSAIRE, 2020, p.18. grifos no original) Somente no final da Segunda Guerra Mundial as discussões ganharam alguma tração e assumiram definitivamente um viés político e sociológico. Criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para investigar as motivações raciais da guerra, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) introduziu no campo científico estudos que comprovaram a diversidade de culturas humanas, bem como a legitimidade da existência das mesmas (HEILBORN et al, 2010). Falaremos sobre tais estudos mais adiante. A questão racial no Brasil só passou a ser de alguma forma tematizada a partir do século XIX, às vésperas da abolição da escravização. No final do século esteve em voga no mundo o darwinismo racial, cujo principal expoente brasileiro era o médico Raimundo Nina Rodrigues. Segundo essa corrente teórica, as raças biológicas, por corresponderem a espécies diferentes, não seriam passíveis de cruzamento, assim a miscigenação representaria a degradação humana (SCHWARCZ, 1998). Foi baseado nessa teoria pseudocientífica que se incentivou, por meio da massiva imigração europeia, o branqueamento da população brasileira a fim de purificar o país até então constituído por uma maioria negra, indígena e mestiça (HEILBORN et al, 2010). 25 Figura 16: Darwinismo racial. Outra vertente, de certo modo complementar, propunha a miscigenação como ferramenta de embranquecimento. O quadro “A redenção de Cam”3, pintado em 1895 pelo espanhol radicado brasileiro Modesto Brocos, resume a teoria cientificista do branqueamento. Essa obra ilustrou um artigo do médico, e então diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda no Congresso Universal das Raças de 1911, em Londres. Na ocasião, João Batista descreveu a imagem como “O negro passando a branco, na terceira geração, por efeito do cruzamento de raças” (RONCOLATO, 2018). Figura 17: Quadro “A redenção de Cam”, de Modesto Brocos (1895). 3 A obra de Modesto Broncos faz referência a trecho bíblico do livro do Gênesis (Gn 9, 18-28), segundo o qual os negros seriam descendentes de Cam, filho de Noé que foi amaldiçoado pelo pai após vê-lo nu e embriagado (BERKENBROCK, 2012). 26 Transcorrido o ápice do ideal manifesto de branqueamento da nação, na década de 1930 o mestiço converteu-se em ícone nacional. O sincretismo cultural passa a ser valorizado, de forma que produtos como o samba, a capoeira – que foi de ato criminoso à modalidade esportiva nacional em 1937, bem como a feijoada, passaram de elementos marginais a manifestações da tipicidade brasileira (SCHWARCZ, 1998). Entretanto, como aponta Reis (1996), esse enaltecimento da mestiçagem e de elementos da herança cultural negra como representantes do verdadeiro Brasil foi também resultado de um discurso de embranquecimento – um embranquecimento simbólico. O samba, a capoeira, a feijoada, a percussão, entre outros, são desafricanizados: ao invés de construído sobre um passado também africano, o que sustenta o país é um passado mestiço (REIS, 1996, p.40). É nesse contexto que intelectuais começaram a propagar a ideia de uma harmonia entre grupos étnico-raciais, ou seja, uma “democracia racial” no país. A obra de Gilberto Freyre é um exemplo da produção da época. Figura 18: Capa da 51ª edição do livro Casa Grande e Senzala, editora Global. Em seu livro “Casa Grande & Senzala”, publicado no ano de 1933, o escritor pernambucano Gilberto Freyre defende a predominância no Brasil de uma democracia social pautada em uma democracia racial. O livro aborda o 27 cotidiano com manuscritos e documentos que descrevem os costumes e hábitos das pessoas durante a escravização e desloca, pela primeira vez, o foco da raça biológica para a raça social (BASTOS, 1999). Ao tematizar detalhes do cotidiano compartilhado por pessoas escravizadas e seus escravizadores, Freyre (2019) transporta o leitor ao microcrosmo talhado de minúcias sobre as quais, a partir de uma leitura crítica, se assentavam fazeres subalternizantes. O lugar do homem negro escravizado, por exemplo, era também o de entreter o homem branco em circos, coros e bandas, assim como, na presença dos escravizadores, a féobrigatoriamente professada era a Católica, com a sujeição a rezas diárias. Segundo Bastos (1999), na obra de Freyre, a miscigenação entre senhores e mulheres escravizadas – ocorrida durante a colonização, foi tomada como prova da aceitação de uma raça pela outra e, assim, miscigenação e democracia podiam ser relacionadas. Ademais, os negros escravizados cristianizados e que frequentavam a casa-grande foram compreendidos como parte da família e, nesse contexto, transmitiam suas próprias características culturais aos senhores. A propositura de Freyre, entretanto, esbarra na crueza da realidade historicamente conhecida. A miscigenação entre o senhor branco e a mulher escravizada negra é antes uma história de violência do que de amor e integração racial. Transitando pela casa-grande, os escravizados domésticos não eram compreendidos como “parte da família”, mas como “quase da família”. Apesar de transmitir saberes aos senhores, eles não se sentavam à mesa com eles, não dormiam nas mesmas camas. Conforme Nascimento (2021) a crença na “democracia racial”, que nasce do clássico “Casa-grande e Senzala” na verdade é um mito cujo objetivo é esconder a violência das relações raciais no Brasil – desde os tempos de colônia. Desse modo, ao longo das décadas, a negação do preconceito foi tamanha que era “como se as posições sociais desiguais fossem quase um desígnio da natureza, e atitudes racistas, minoritárias e excepcionais” (SCHWARCZ, 1998, p. 179). O racismo é negado ostensivamente, ainda que seja efetivo no dia a dia (SCHWARCZ; REIS, 1996). A partir dos anos de 1950 foram financiados pela UNESCO estudos acerca da suposta “democracia racial” no Brasil, vez que poderia servir de 28 modelo para outras partes do mundo (SCHWARCZ, 1998). Vários especialistas foram contratados para investigar a realidade racial brasileira, entre eles Thales de Azevedo e Florestan Fernandes. Os chamados “ciclos de estudos da UNESCO” diferenciavam-se dos estudos anteriores, sobretudo, por desprezarem a concepção biologizada de raça, em voga no século XIX nos países da Europa e considerarem o termo como um construto social, histórico e político, como ressaltam Heilborn et al (2010). Passava a ser descortinada a verdadeira realidade enfrentada pela população negra no país. Com base no argumento de que no país prevaleceria a equidade racial, o escritor e pesquisador Thales de Azevedo (1975) realizou estudos que evidenciaram o racismo em diversos âmbitos, tais como no mundo do trabalho – eram relegadas aos negros as funções mais subalternas –, e nas relações sociais – não era permitido ao negro entrar em certos hotéis ou encenar peças teatrais em grandes teatros, por exemplo. Assim, Azevedo (1975) acaba por concluir que apesar de normas democráticas que asseguravam a punição de atos discriminatórios (como a Lei Afonso Arinos), havia na sociedade uma forte estereotipagem contra as pessoas negras, o que favorecia uma discriminação velada, muito eficaz à manutenção do mito da “democracia racial". Também na contramão daqueles que afirmavam a equidade racial no Brasil, o sociólogo Florestan Fernandes (1972), em seu livro “O negro no mundo dos brancos”, ressaltou o peso do passado de escravização dos povos africanos no modo como a sociedade brasileira organizou-se anos depois. Segundo Schwarcz (1998), para Florestan, enquanto dissimulava-se o preconceito racial, negando o racismo verdadeiramente praticado nos lares e instituições, a sociedade brasileira assistia ao aumento de privilégios econômicos, sociais e culturais dos brancos. Naquele contexto, sem emprego, renda ou escolarização, restava ao negro o lugar de subalterno. Junto com as décadas de 1970 e 1980 vieram as contestações dos valores vigentes na política, na música e na literatura, bem como as análises das profundas desigualdades entre os negros e demais grupos raciais (SCHWARCZ, 1998). Ficou evidenciada a discriminação racial que impactava cotidianamente no acesso à educação, ao lazer e na distribuição desigual de renda. O senso demográfico realizado na década de 1960 comprovou, por exemplo, que a 29 renda média da população branca era o dobro da renda do restante da população (SCHWARCZ, 1998). A desigualdade racial podia ser percebida, ainda, nas práticas penais brasileiras. Pesquisa realizada pelo sociólogo Sergio Adorno (1996) constatou tratamento diferenciado conforme cor da pele, ou seja, o negro era considerado mais perigoso, sendo mais perseguido pela vigilância policial, enfrentando maiores obstáculos de acesso à justiça, bem como recebendo tratamento penal mais rigoroso. Figura 19: Charge do artista Maurício Pestana. O que se observa, então, é um país culturalmente diverso, com grande assimilação de traços culturais dos povos africanos colonizados, porém, bastante marcado por uma hierarquização social que promoveu, ao longo de séculos, a inferiorização da população negra. Pesquisas e estatísticas oficiais comprovam a lamentável existência do racismo em nossa sociedade, por mais que coletivamente insistamos em negá- 30 lo. Quando comparadas as condições de vida, emprego, saúde, escolaridade e outros índices de desenvolvimento humano, os dados comprovam o abismo social entre negros e brancos (GOMES, 2005). A seguir, observaremos algumas informações que revelam a desigualdade socioeconômica que atinge a população negra no Brasil. 31 4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Figura 19: Releitura em painel urbano da obra “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933), pelo artista Mundano (OLIVIERA, 2020). Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do ano de 2019, pretos e pardos correspondem à maioria da população brasileira, representando 56,2% dos habitantes. E apesar de numericamente maior, essa representativa parcela da nossa sociedade convive diariamente com obstáculos resultantes de um duro processo histórico, que a confinam em posição minoritária no acesso a direitos, desafiando o princípio da igualdade. São exemplos claros da discriminação racial indireta, referida pela professora Nilma Lino Gomes (2005), que reverberam a estruturação racista da sociedade em que vivemos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), pretos e pardos compõem a maior parte da força de trabalho do Brasil, o que pode ser observado especialmente em relação ao trabalho informal. Lembramos que a informalidade do trabalho pode expor o trabalhador a condições precárias de trabalho, além de dificultar o acesso aos direitos básicos, como aposentadoria e salário-mínimo (IBGE, 2019b). No ano de 2018, 32 enquanto 34,6% das pessoas ocupadas brancas estavam em ocupações informais, o percentual entre as pretas e pardas atingiu 47,3%. Figura 20: Dados estatísticos sobre pessoas em ocupações informais. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de 14 ou mais anos de idade. Se pararmos para observar a remuneração da população preta e parda em nosso país, chegamos à conclusão de que, independentemente do seu nível de instrução, ela é inferior ao valor pago à população branca, que é 45% maior (IBGE, 2019b). Em se tratando de cargos de chefia a situação de desigualdade se mantém. Ainda segundo levantamento realizado no ano de 2018, apenas nas regiões Norte e Nordeste há uma maior proporção de pretos ou pardos em cargos de gerência (61,1%), nas demais há uma sub- representação (29,9%). Figura 21: Dados sobre remuneração. 33 Figura 22: Dados sobre rendimento médio real habitual do trabalho principal das pessoas ocupadas. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de 14ou mais anos de idade. No que diz respeito às condições de moradia, pretos e pardos compõem a maioria da população que reside em condições precárias de saneamento básico, estando mais exposta a doenças: 12,5% em locais sem coleta de lixo, contra 6,0% da população branca; 17,9% sem abastecimento geral de água, contra 11,5% da população branca; 42,8% sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial, contra 26,5% da população branca (IBGE, 2019b). 34 Figura 23: Dados sobre condições de moradia. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Ao analisarmos os dados de 2018 do IBGE sobre educação, percebemos uma taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais, de 9,1% para pretos e pardos contra 3,9% para brancos, expondo a desigualdade das oportunidades também nesse tema. Sendo a situação mais grave para aqueles que residem no campo (20,7%). Ademais, a proporção de jovens brancos de 18 a 24 anos de idade que frequentavam ou já haviam concluído o ensino superior (36,1%) é quase o dobro da observada entre aqueles pretos ou pardos (18,3%). Figura 24: Dados sobre analfabetismo. 35 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. O levantamento de 2018 ainda revela que a proporção de pessoas negras de 18 a 24 anos de idade, com menos de 11 anos de estudo e que não frequentavam escola foi de 28,8%, enquanto a proporção de pessoas brancas na mesma situação era de 17,4%. Acerca dessa mesma faixa etária, 55,6% dos jovens negros puderam ser vistos cursando o ensino superior, contra a proporção de 78% de estudantes brancos. A diferença em relação a essa taxa pode ser explicada, justamente, pela parcela da população que não concluiu o ensino médio ou que o abandonou em razão da necessidade de se inserir no mundo do trabalho. No ano de 2018, 61,8% dos estudantes que precisaram entrar no mercado de trabalho após a conclusão do ensino médio eram pretos ou pardos. Figura 25: Dados sobre a taxa ajustada de frequência escolar. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. 36 Figura 26: Dados sobre frequência escolar. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. A desigualdade denunciada pelos dados, por si só, já pode ser considerada sob a perspectiva de violência racial, uma vez que, quando a sociedade nega e priva de oportunidades indivíduos, obedecendo a uma lógica racista, também perpetua sua condição de violência – conforme discutimos ao apresentar o conceito de racismo institucional. Trata-se de um fenômeno que constitui pano de fundo para outras violências infligidas à essa parcela da população brasileira. E se nos debruçarmos sobre os dados de violência fatal, chegaremos a conclusões alarmantes. Figura 27: Dados sobre a taxa de conclusão do ensino médio. Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. As populações preta e parda, quando somadas, são as mais vitimadas por mortes violentas intencionais no país. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA 37 PÚBLICA, 2022), no ano de 2022, os negros representaram 77,6% das vítimas de homicídio doloso, 67,6% das vítimas de latrocínio, 84,1% dos mortos em decorrência de atuação policial e, na outra face da moeda, 67,7% dos policiais assassinados no período. Em termos comparativos, no referido ano a proporção de pessoas brancas vítimas de homicídio caiu 26,5%, enquanto esse índice para a população negra sofreu um aumento de 7,5%. Segundo o Atlas da Violência 2021, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entre os anos de 2009 e 2019, a redução dos homicídios foi muito maior entre a população não negra. Houve uma redução de 15,5% entre negros e 30,5% entre não-negros. Figura 28: Nota sobre as vítimas de homicídio doloso no Brasil. Figura 29: Dados sobre a taxa de homicídios de negros e não negros. 2009 a 2019. Fonte: IBGE, Atlas da Violência (IPEA, 2021). Se acrescentarmos na análise o recorte de gênero, a perversidade dos índices se mantém: as mulheres negras são as mais assediadas (43,3%), as 38 mais vitimadas em estupros e estupros de vulnerável (52,2%), o maior percentual de vítimas de mortes violentas intencionais (70,7%) e de feminicídio (62%) (FBSP, 2022). Como já discutimos, tal disparidade estatística é um retrato nítido da vulnerabilidade socioeconômica da população negra do país, sustentada, mantida e potencializada por mecanismos institucionais e estruturais de discriminação racial. Juntos, fatores como os índices de pobreza, a baixa escolarização, o desemprego, as deficiências de políticas específicas (IPEA, 2021), bem como a reprodução de estratégias baseadas em critérios raciais e em preconceitos sociais tornam essa população o alvo preferencial das ações das instituições da justiça criminal, como a polícia (SINHORETTO; BATITUTTI MOTA apud IPEA, 2021), reforçando o quadro discriminatório. Os dados são claros. Se pararmos para uma breve análise, chegaremos à conclusão que mais se desejaria evitar: a de que vivemos sim em uma sociedade racista, que a todos os anos assiste à perpetuação de práticas discriminatórias e, consequentemente, ao aumento e reiteração da violência dirigida às pessoas pretas e pardas. O que podemos fazer em relação a essa triste realidade? Cabe a todos nós assumirmos uma posição antirracista, ou seja, contrária à perpetuação de práticas prejudiciais baseadas na cor da pele, que inviabilizam a cidadania de tantas pessoas. A escritora Djamila Ribeiro (2019), no livro “Pequeno Manual Antirracista”, oferece ao leitor uma importante perspectiva quanto a práticas norteadoras de uma conduta antirracista. Entre outros aspectos, ressalta a necessidade de nos informarmos sobre o racismo praticado em nosso país e conversarmos sobre o tema na família, na comunidade e no trabalho, bem como refletirmos sobre o racismo que está internalizado em nós mesmos e que é expresso, por exemplo, na nossa tolerância a expressões racistas como “ela é negra, mas é bonita” ou “negro de alma branca”. A seguir, conheceremos algumas leis que integram o rol de ações afirmativas no campo do Direito. Elas representam marcos legais nacionais e internacionais para coibir e punir crimes baseados no racismo, e resultam da luta antirracista do Movimento Negro e dos demais grupos e organizações pela superação da desigualdade. 39 UNIDADE 2 5. MARCOS LEGAIS DO ANTIRRACISMO “Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela, “O longo caminho para a liberdade”, 1995) Figura 30: Recorte de matéria jornalista sobre o tratamento penal acerca do preconceito de raça ou cor. O primeiro diploma legal específico no Brasil a incluir a prática de atos resultantes de discriminação por raça ou cor entre as contravenções penais foi publicada em 3 de julho de 1951. Proposta pelo deputado federal Afonso Arinos (UDN-MG), cujo nome posteriormente apelidaria a lei, a proposição da Lei nº 1.390 se deu em razão do episódio de discriminação racial ocorrido em 1950, quando a mundialmente famosa bailarina norte-americana Katherine Dunham foi impedida de se hospedar no Hotel Esplanada, em São Paulo, enquanto fazia turnê no Brasil (WESTIN, 2020). 40 Figura 31: A bailarina Katherine Dunham em imagem extraída de https://blackthen.com/flash- black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/ (acesso em 04/02/2023). Antes de discutirmos de maneira mais detida esta e outras importantesleis com esse enfoque, precisamos lembrar que a história do enfrentamento institucional à discriminação racial no Brasil não começa, evidentemente, com a promulgação da Lei Afonso Arinos. Sejam as irmandades de escravizados e ex-escravidados do período colonial; o grupo de educação noturna e a atuação jurídica de gente como Luiz Gama (o “advogado de todos os tempos”, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil – [BRAUS; SANTOS; OLIVEIRA, 2020]); entre tantos outros, marcam uma luta que é centenária e historicamente farta. Parafraseando o antropólogo Kabenguele Munanga (2021), pode parecer que tudo nasce junto com as inovações políticas, mas não, para que ocorram as inovações políticas, foi (e segue sendo) necessária a atuação de gerações dos movimentos sociais negros. Se nos focarmos especificamente no período republicano (1889 – atualmente), perceberemos o surgimento (já no pós-abolição de 1888) de diversos grupos de cunho assistencialista, artísticos, culturais e de lazer voltados à população negra, conduzidos por pessoas negras. Barbosa (2020) assinala o surgimento do Centro Cívico Palmares, em 1926 na cidade de São Paulo, com um dos primeiros a, além desses aspectos culturais, pautar também a participação política de negros e negras brasileiros. Em resposta às teses eugenistas e de branqueamento populares no período (e que discutimos no Capítulo 2), surge também em São Paulo a Frente Negra Brasileira (1931), https://blackthen.com/flash-black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/ https://blackthen.com/flash-black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/ 41 que aprofunda e expande os temas encampados pelo Centro Palmares. Segundo algumas fontes (BARBOSA, 2020, p.14), a Frente chegou a contar com 200 mil filiados das mais diversas partes do país, com sedes em diversos estados. Em 1936, a Frente se converteu em um partido político, o primeiro partido negro do Brasil, dissolvido no ano seguinte com o início da ditadura getulista. Figura 32: Arte do Movimento Negro Unificado atualizando a capa do jornal da entidade (1991) que endossava a consciência e auto-estima da população negra (Extraído de MNU, s.d.a, s.p.). Mesmo que marcada por contradições, típicas sobretudo de movimentos com algum pioneirismo como foi a Frente Negra Brasileira, o grupo nasceu do choque de Aristides Barbosa, seu fundador, com o estado de miserabilidade e carestia dos negros na capital paulista. Essa mesma percepção atiçará a juventude quase quarenta anos à frente, na década de 1970. Foi uma década importantíssima para os movimentos sociais não só no Brasil, mas no mundo: desde o protesto dos jovens estudantes franceses em maio de 1968, aos processos de independência de diversos países africanos, passando pelos movimentos de direitos civis nos Estados Unidos, configuram um frame alignment dos interesses vocalizados por diferentes grupos sociais (RODRIGUES, 2020, p.75). No caso específico do Brasil, a efervecência cultural dos jovens visava “descobrir a negritude, assumir-se com orgulho e se 42 lançar aos protestos contra a condição de cidadão e cidadão de segunda classe” (BARBOSA, 2020, p.17). Formalmente, buscava-se o resgate da cultura negra, importante bastião de sobrevivência da identidade negra, reinserida em seu contexto histórico, filosófico e de defesa do grupo (SILVA, 2020). Essa “efervecência cultural” de que fala Márcio Barbosa (2020) ganhou mais e mais corpo à medida que se aproximavam os anos 1980 e a reabertura política dava seus primeiros sinais. Movimentos exclusivamente voltados à questão racial ou em que ela é um dos temas surgirão de norte a sul do país (RODRIGUES, 2020), e em certa medida culminarão com o surgimento do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978. Sobre o MNU, afirma o cientista social Cristiano Rodrigues: Sem negligenciar a pluralidade de identidades negras passíveis de serem politizadas, o MNU, já no seu ato de criação, tentou demonstrar como afro-brasileiros têm sido ao longo da história do país tratados como os outros, ainda que o discurso oficial de integração harmônica aponte para o lado oposto, e que as desigualdades sociais presentes no país poderiam – e deveriam – também ser traduzidas em termos raciais. (RODRIGUES, 2020, p.77) Essa não negligência à “pluralidade de identidades negras” de que fala Rodrigues pode soar contraditória com aquela que é uma das grandes conquistas do movimento, qual seja, o agrupamento sob a categoria “negro” de todos os brasileiros que possuem “na cor da pele, no rosto ou nos cabelos, sinais característicos dessa raça [negra]” (MNU, s.d.b, p.1). Longe de ser uma contradição, essa ação busca o reconhecimento, também de parte da vasta população mestiçoa brasileira, de seu lugar social como negros, e não eternas variações de “não-branco” que se colocavam como eufemismos de identificação (MUNANGA, 2020). Entendendo que todo esse esforço só encontra razão de ser na busca por uma sociedade livre de discriminação racial, o próprio Movimento encerra sua Carta de Princípios se afirmando “pela libertação do povo negro” e “por uma autêntica democracia racial” (MNU, s.d.b, p.2). Feito essa breve digressão temporal, podemos retomar a cronologia da legislação antirracista no Brasil. Como dissemos, a Lei nº 1.390/1951 (Lei Afonso Arinos) foi a primeira a criminalizar condutas discriminatórias. De acordo com ela, era considerada contravenção penal “a recusa, por parte de 43 estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de cor”. Como as condutas de racismo eram consideradas contravenções, as penalidades previstas na Lei nº 1.390/1951 eram baixas. Dessa forma, durante os 37 anos de sua vigência, nenhuma pessoa foi presa em razão da prática de tais delitos. Apesar disso, a importância social da lei não pode ser diminuída, tendo trazido à tona o tema do racismo e o definindo como comportamento reprovável. Particularmente relevante foi a justificativa apresentada por Afonso Arinos, um deputado conservador, para sua propositura. Nela, o parlamentar ataca diretamente as ideias do racismo científico que, conforme já discutido, defendiam a hierarquização dos grupos humanos e sua plena separação. Escreveu o deputado: A tese da superioridade física e intelectual de uma raça sobre outras, cara a certos escritores do século passado, como Gobineau, encontra-se hoje definitivamente afastada graças às novas investigações e conclusões da antropologia, da sociologia e da história. Atualmente ninguém sustenta a sério que a pretendida inferioridade dos negros seja devida a outras razões que não ao seu status social. Urge que o Poder Legislativo adote as medidas convenientes para que as conclusões científicas tenham adequada aplicação (ARINOS apud WESTIN, 2020, s.p.) Em 20 de dezembro de 1985 a Lei nº 1.390 foi alterada pela Lei nº 7.437, que incluiu, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal brasileira (CRFB), que estabelece a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. Tendo contado com a participação de representantes do Movimento Negro entre os constituintes, a Carta Magna trouxe entre seus objetivos basilares construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No artigo 4° da Constituição Federal há previsão de que a República Federativa do Brasil se rege em suas relações internacionais por diversos princípios, dentre eles o de repúdio ao racismo. Ademais, o art. 5º dispõe que 44 todos sãoiguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e prevê que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. Figura 33: Imagem sobre o tratamento constitucional de 1988 acerca do racismo. No ano seguinte, em 5 de janeiro de 1989, entrou em vigor a Lei nº 7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A lei estabelece penalidades para diversas situações de discriminação, inclusive práticas de incitação à discriminação ou preconceito, que serão estudadas a seguir. Portanto, essa é a lei que prevê o crime de racismo, isto é, a discriminação racial praticada contra uma coletividade e que reitera o entendimento do racismo como crime imprescritível e inafiançável. A Lei nº 7.716/1989 foi posteriormente alterada pela Lei n° 9.459, de 1997, que acrescentou a punição à discriminação e à incitação à discriminação por etnia, religião ou procedência nacional. A Lei nº 9.459/1997 ainda criou a injúria racial, um tipo qualificado de injúria no Código Penal. Neste ano, a Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, realizou novas e importantes alterações na concepção criminal do racismo. Particular que discutiremos em pormenores mais adiante. Já no ano de 2003, a Lei nº 10.639 modificou a Lei de Diretrizes de Base da Educação (Lei nº 9.394/1996), introduzindo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de ensino fundamental e 45 médio. O conteúdo programático acrescentou o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Além disso, foi incluído no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra” (artigo 79-A da Lei nº 9.394/1996). Figura 34: Imagem sobre o Dia da Consciênia Negra. No ano de 2009, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 992, que instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. O objetivo geral da referida política é promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). São algumas das diretrizes previstas na mencionada portaria: • a inclusão dos temas Racismo e Saúde da População Negra nos processos de formação e educação permanentes dos/as trabalhadores/as da saúde e no exercício do controle social da saúde; • o reconhecimento de saberes e práticas populares de saúde, incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas; e • o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva e contribuam para a redução das vulnerabilidades. 46 Em 20 de julho de 2010, a Lei nº 12.288 instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. O Estatuto trouxe diversos conceitos relacionados à temática, quais sejam: I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada; II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais; IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; V – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. O Estatuto prevê que é dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, 47 empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais. Esta lei é considerada o principal marco legal para o enfrentamento da discriminação racial e das desigualdades estruturais de raça aqui estudadas. Trata-se de um instrumento para garantia dos direitos fundamentais desse segmento, especialmente no que diz respeito à saúde, educação, cultura, esporte e lazer, comunicação, participação, trabalho, liberdade de consciência e de crença; acesso à terra e à moradia; além dos temas da proteção, do acesso à justiça e à segurança. O quadro abaixo, retirado da cartilha São Paulo contra o Racismo: Aspectos Legais e Ações Afirmativas, apresenta alguns direitos previstos no Estatuto: Figura 35: Quadro sobre direitos previstos no Estatuto a Igualdade Racial. SAÚDE Art. 6º. O direito à saúde da população negra será garantido pelo poder público mediante políticas universais, sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e de outros agravos. EDUCAÇÃO Art. 11. Nos estabelecimentos de ensinos fundamental e médio, públicos e privados. É obrigatório o estudo da história geral da África e da história da população negra no Brasil, observado o disposto na Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. CULTURA Art. 17. O poder público garantirá o reconhecimento das sociedades negras, clubes e outras formas de manifestação coletiva da população negra, com trajetória histórica comprovada, como patrimônio histórico e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição Federal. ESPORTE E LAZER Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da população negra às práticas desportivas, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais. ACESSO À TERRA Art. 27. O poder público elaborará e implementará políticas públicas capazes de promover o acesso da população negra à terra e às atividades produtivas no campo. MORADIA Art. 35. O poder público garantirá a implementação de políticas públicas para assegurar o direito à moradia adequada da população negra que vive em favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente e na qualidade de vida. 48 TRABALHO Art. 38. A implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho será de responsabilidade do poder público, observando-se: - o instituído neste Estatuto; - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965; - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificara Convenção no 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho(OIT), que trata da discriminação no emprego e na profissão; - os demais compromissos formalmente assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional MEIOS DE COMUNICAÇÃO Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País. Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS RELIGIOSOS Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com preceitos das respectivas religiões; - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às respectivas convicções religiosas; - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por legislação específica; - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões de matriz africana; - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a 49 manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; - o acesso aos órgãos e aos meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões; - a comunicação ao Ministério Público para abertura de ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros locais. SINAPIR Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no País, prestados pelo poder público federal. Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital e municipais, no âmbito das respectivas esferas de competência, poderão instituir conselhos de promoção da igualdade étnica, de caráter permanente e consultivo, compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população negra. OUVIDORIAS PERMANENTES E ACESSO À JUSTIÇA E À SEGURANÇA Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir atos de discriminação e preconceito praticados por servidores públicos em detrimento da população negra, observado, no que couber, o disposto na Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985. O capítulo IV do Estatuto estabelece as instituições responsáveis pelo acolhimento de denúncias de discriminação racial e apresenta os mecanismos institucionais existentes que têm como finalidade assegurar a aplicação efetiva dos dispositivos previstos em lei. Com isso, exigiu-se a instituição de Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial no âmbito do Executivo e do Legislativo federais, além de implicar o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Poder Judiciário na garantia da igualdade de direitos para a população negra. Em especial, no art. 53 o Estado brasileiro se compromete a adotar “medidas especiais para coibir a violência policial incidente sobre a população negra”, bem como a realizar ações visando a “ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta a experiências de exclusão social”. 50 O Estatuto trouxe ainda diversas alterações na Lei nº 7.716/89, que serão abordadas a seguir. Em suma, o Estatuto da Igualdade Racial é a principal referência para enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial, ao atualizar e ampliar o alcance das leis antirracistas anteriores, além de embasar juridicamente políticas públicas direcionadas a diminuir as desigualdades raciais no acesso à plena cidadania. As políticas afirmativas existentes serão estudadas posteriormente. 51 6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS CRIMES NO BRASIL Figura 36: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido- racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem- pardos.ghtml. Diariamente a imprensa divulga casos graves de racismo e injúria racial que ocorrem no Brasil, o que reflete o quão nossa sociedade ainda é racista. Neste módulo, serão trazidos os principais crimes referentes à temática, com a pena prevista em cada um deles. A proposta deste curso é apresentar aos alunos as condutas que são consideradas crimes no Brasil e não fazer uma análise jurídica dos mesmos. A Cartilha de Direitos Humanos e Combate ao Racismo da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul apresenta alguns exemplos de práticas que são consideradas racistas, quais sejam: • Apelidar negras e negros de acordo com as características físicas, a partir de elementos de cor e etnia da pessoa. • Inferiorizar as características estéticas de negras e negros. • Considerar uma negra ou um negro inferior intelectualmente, podendo até negar-lhe determinados cargos, funções ou empregos. • Desprezar seus costumes, hábitos e tradições, como na ofensa a religiões de matriz africana. • Duvidar da honestidade e competência da pessoa negra. https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-pardos.ghtml https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-pardos.ghtml https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-pardos.ghtml 52 • Recusar-se a prestar serviços a negras e negros. • Fazer ou se divertir com piadas depreciativas da pessoa negra e, vestimenta e de suas pré-concepções sobre os papéis sociais ou profissionais que crê ser adequados a ela. A Lei nº 7.716/1989 prevê uma série de condutas que são consideradas crimes, quando resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Serão analisados os crimes previstos na referida legislação. • Artigo 3° da Lei nº 7.716/89 Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos. Pena: reclusão de dois a cinco anos. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional. Este tipo penal criminaliza a conduta que impede ou obsta o acesso no serviçopúblico de pessoa habilitada ao cargo ou à promoção funcional. É necessário que o indivíduo esteja habilitado para executar o trabalho. • Artigo 4° da Lei nº 7.716/89 Negar ou obstar emprego em empresa privada. Pena: reclusão de dois a cinco anos. § 1º Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. § 2º Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências. 53 Verifica-se que o artigo 3º refere-se à negativa do acesso ao cargo ou à promoção funcional na administração pública e nas concessionárias de serviços públicos, enquanto o artigo 4º refere-se às empresas privadas. Negar ou obstar emprego, deixar de providenciar os equipamentos necessários a empregado, impedir a ascensão ou outro benefício funcional a empregado, tratar empregado de forma diferente dos demais e exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego sem justificativa são condutas criminalizadas neste artigo. Figura 37: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://www.hypeness.com.br/2022/04/funcionarios-negros-revelam-cultura-de-racismo- na-tesla-gigante-controlada-por-elon-musk/. • Artigo 5° da Lei nº 7.716/89 Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. Pena: reclusão de um a três anos. Este crime ocorre quando estabelecimentos comerciais negam servir, atender ou receber clientes em razão da raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Para a configuração deste delito o autor pode então recusar ou impedir o acesso de pessoa a estabelecimento comercial, bem como não servir ou atender a vítima. https://www.hypeness.com.br/2022/04/funcionarios-negros-revelam-cultura-de-racismo-na-tesla-gigante-controlada-por-elon-musk/ https://www.hypeness.com.br/2022/04/funcionarios-negros-revelam-cultura-de-racismo-na-tesla-gigante-controlada-por-elon-musk/ 54 Um caso com grande repercussão foi quando uma delegada de polícia negra foi impedida de ingressar em uma loja de roupas em um shopping. Durante a investigação, apurou-se que a loja possuía um código para alertar quando clientes negros suspeitos estavam no local. O gerente da loja foi denunciado por racismo. Figura 38: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/12/02/gerente-da-loja-zara-onde-delegada- negra-foi-barrada-e-denunciado-por-racismo.ghtml. Figura 39: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/09/24/adolescente-negra-e-barrada-em- shopping-apos-seguranca-achar-que-a-garota-era-uma-pedinte-em-fortaleza.ghtml. • Artigo 6° da Lei nº 7.716/89 Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau. Pena: reclusão de três a cinco anos. Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço). https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/12/02/gerente-da-loja-zara-onde-delegada-negra-foi-barrada-e-denunciado-por-racismo.ghtml https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/12/02/gerente-da-loja-zara-onde-delegada-negra-foi-barrada-e-denunciado-por-racismo.ghtml https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/09/24/adolescente-negra-e-barrada-em-shopping-apos-seguranca-achar-que-a-garota-era-uma-pedinte-em-fortaleza.ghtml https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/09/24/adolescente-negra-e-barrada-em-shopping-apos-seguranca-achar-que-a-garota-era-uma-pedinte-em-fortaleza.ghtml 55 Este crime ocorre quando há a recusa de inscrever ou impedir o ingresso de aluno em estabelecimento de ensino, não importa se público ou privado, nem de que grau seja. O entendimento é de que escolas de dança, informática, dentre outras enquadram-se neste dispositivo. Busca-se garantir um dos bens de todo ser humano, a educação, sem distinção em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena é aumentada quando a vítima é criança ou adolescente, protegendo-a e visando garantir a sua educação. Figura 40: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/03/14/crianca-autista-tem- matricula-escolar-recusada-por-usar-cabelo-black-power.htm. Figura 41: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2022/04/4998823- estudante-negra-e-proibida-de-entrar-na-escola-por-nao-ter-cabelo-liso.html. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/03/14/crianca-autista-tem-matricula-escolar-recusada-por-usar-cabelo-black-power.htm https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/03/14/crianca-autista-tem-matricula-escolar-recusada-por-usar-cabelo-black-power.htm https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2022/04/4998823-estudante-negra-e-proibida-de-entrar-na-escola-por-nao-ter-cabelo-liso.html https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2022/04/4998823-estudante-negra-e-proibida-de-entrar-na-escola-por-nao-ter-cabelo-liso.html 56 • Artigo 7° da Lei nº 7.716/89 Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar. Pena: reclusão de três a cinco anos. O impedimento de acesso a hotéis, pensão, estalagem ou outros estabelecimentos simulares, bem como a recusa de hospedagem, configura o crime de racismo previsto no art. 7°. Interessante relembrar que a recusa de hospedagem a uma dançarina negra em São Paulo ensejou a criação da primeira lei antirracista no Brasil, a Lei Afonso Arinos, estudada anteriormente. Figura 42: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/brasil-criou-1a-lei-antirracismo- apos-hotel-em-sp-negar-hospedagem-a-dancarina-negra-americana#gallery-1. https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/brasil-criou-1a-lei-antirracismo-apos-hotel-em-sp-negar-hospedagem-a-dancarina-negra-americana#gallery-1 https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/brasil-criou-1a-lei-antirracismo-apos-hotel-em-sp-negar-hospedagem-a-dancarina-negra-americana#gallery-1 57 Figura 43: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/28/policia-investiga-racismo- contra-hospede-de-hotel-em-caxias-do-sul-nao-doi-na-pele-doi-na-alma.ghtml. • Artigo 8° da Lei nº 7.716/89 Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos. O crime se consuma quando há a recusa de atendimento ou o acesso negado em restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes abertos ao público. Vale mencionar que o local dever ser público. Figura 44: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/05/21/casal-acusa-restaurante-do- tatuape-na-zona-leste-de-sp-de-racismo.ghtml. https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/28/policia-investiga-racismo-contra-hospede-de-hotel-em-caxias-do-sul-nao-doi-na-pele-doi-na-alma.ghtml https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/28/policia-investiga-racismo-contra-hospede-de-hotel-em-caxias-do-sul-nao-doi-na-pele-doi-na-alma.ghtmlhttps://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/05/21/casal-acusa-restaurante-do-tatuape-na-zona-leste-de-sp-de-racismo.ghtml https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/05/21/casal-acusa-restaurante-do-tatuape-na-zona-leste-de-sp-de-racismo.ghtml 58 Figura 45: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/. • Artigo 9° da Lei nº 7.716/89 Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos. Este crime se configura quando algum desses estabelecimentos se negar a receber, em suas dependências, um indivíduo como associado ou convidado, por preconceito a raça, cor, religião ou procedência nacional. Figura 46: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/. • Artigo 10 da Lei nº 7.716/89 Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades. Pena: reclusão de um a três anos. https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/ https://catracalivre.com.br/cidadania/menino-racismo-doceria/ 59 O legislador também determinou que é crime de racismo impedir o acesso ou recusar atendimento em salão de beleza e em locais similares e afins, atendendo-se à garantia de igualdade de tratamento nesses lugares. • Artigo 11 da Lei nº 7.716/89 Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos: Pena: reclusão de um a três anos. O crime consuma-se ao impedir qualquer pessoa de ter acesso a esses locais, determinando-lhe uma entrada específica e causando-lhe constrangimento e vergonha. Não há que impedir a um empregado, a empregada ou a um entregador de alimentos, por exemplo, o acesso pela entrada ou pelo elevador social, sob pena de, assim o fazendo, cometer o crime acima descrito. Figura 47: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/02/vitima-de-racismo-universitario-e- barrado-no-elevador-do-proprio-predio-onde-mora.html. • Artigo 12 da Lei nº 7.716/89 Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido. Pena: reclusão de um a três anos. https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/02/vitima-de-racismo-universitario-e-barrado-no-elevador-do-proprio-predio-onde-mora.html https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/02/vitima-de-racismo-universitario-e-barrado-no-elevador-do-proprio-predio-onde-mora.html 60 O tratamento diferenciado em razão de discriminação também é repudiado nos meios de transporte. Há crime quando o autor impede o acesso ou o uso de qualquer meio de transporte, podendo ocorrer o impedimento no início, bem como no prosseguimento da viagem de quem já está dentro desse meio de transporte. Figura 48: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/10/21/mulher-negra-denuncia- motorista-por-ataques-racistas-em-bh-nao-carrego-preto-no-carro.ghtml. • Artigo 13 da Lei nº 7.716/89 Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas. Pena: reclusão de dois a quatro anos. O delito previsto no artigo 13 da Lei nº 7.716/89 tem como conduta típica impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas. • Artigo 14 da Lei nº 7.716/89 Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social. Pena: reclusão de dois a quatro anos. Este crime é praticado, em regra, por familiares, em especial pais, que impedem ou obstam o casamento ou convivência familiar e social com pessoa em razão da raça. Entende-se que o casamento pode ser civil ou religioso. Já a convivência familiar refere-se às relações de união estável, ou a convivência https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/10/21/mulher-negra-denuncia-motorista-por-ataques-racistas-em-bh-nao-carrego-preto-no-carro.ghtml https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/10/21/mulher-negra-denuncia-motorista-por-ataques-racistas-em-bh-nao-carrego-preto-no-carro.ghtml 61 de namoro, noivado ou amizade. A convivência social pode ser considerada qualquer relacionamento próximo, fora da relação familiar. Figura 49: Reportagem sobre caso de racismo. Fonte: https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2021/10/26/casal-impedido-de-namorar-por- racismo-se-reencontra-39-anos-depois-e-resolve-casar.html. • Artigo 20 da Lei nº 7.716/89 Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa. § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público: (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023) Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023) § 2º-B Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023) § 3º No caso do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2021/10/26/casal-impedido-de-namorar-por-racismo-se-reencontra-39-anos-depois-e-resolve-casar.html https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2021/10/26/casal-impedido-de-namorar-por-racismo-se-reencontra-39-anos-depois-e-resolve-casar.html 62 I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. O caput do artigo 20 apresenta condutas diversas em relação à discriminação e ao preconceito, podendo ocorrer quando a pessoa pratica, induz ou incita esta prática tão condenável em nossa sociedade. Percebe-se que esse dispositivo foi elaborado para alcançar todos os tipos de preconceito e discriminação que não foram tipificados nos outros artigos citados, ampliando assim a eficácia da Lei de Racismo. Vale ressaltar que a maioria das condutas de preconceito e discriminação da lei em estudo acaba enquadrada nesse artigo. O § 2° prevê uma pena mais severa quando a prática, induzimento ou incitação do preconceito ou discriminação ocorre por meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza. Não há dúvidas de que o dano é maior quando os atos de preconceito e discriminação atingem um maior número de pessoas. Além disso, as formas que possibilitem a divulgação do nazismo são também condutas condenáveis pelo ordenamentojurídico brasileiro, conforme previsto no art. 20, § 1°. A lei determina que fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, é crime. Vale ressaltar que, em 13 de junho de 2019, o STF julgou a ADO 26 (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) e o MI (Mandado de Injunção) 4733, reconhecendo a mora do Congresso Nacional em legislar sobre atos atentatórios sobre direitos fundamentais dos integrantes das comunidades LGBTQIA+, restando determinada a aplicação da Lei de Racismo (Lei nº 7.716/89) até que se edite a norma regulamentando sobre o assunto. Além dos crimes de racismo trazidos acima, há também a injúria racial, cujo tratamento foi recentemente alterado pela Lei nº 14.532/2023, que retirou 63 a regra prevista no art. 140, § 3°, do Código Penal, e passou a disciplinar tal conduta no art. 2º-A, da Lei nº 7.716/1989. Art. 2º- A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas. A injúria racial consiste na ofensa direcionada a uma pessoa, valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional. Figura 50: Reportagem sobre caso de injúria racial. Fonte: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/11/23/jovem-registra-denuncia-de- injuria-racial-e-agressao-contra-segurancas-de-bar-no-df.ghtml. https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/11/23/jovem-registra-denuncia-de-injuria-racial-e-agressao-contra-segurancas-de-bar-no-df.ghtml https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/11/23/jovem-registra-denuncia-de-injuria-racial-e-agressao-contra-segurancas-de-bar-no-df.ghtml 64 7. DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RACISMO E DE INJÚRIA RACIAL Neste tópico, serão analisadas as diferenças existentes entre o crime de racismo e o crime de injúria racial, sem esquecer a recente decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à prescrição do crime de injúria. Conhecer os instrumentos legais disponíveis é essencial ao abordar a questão da discriminação racial e do racismo. Por esta razão, esta seção trata de apontar as ferramentas, principalmente presentes no direito penal. De particular importância são as Declarações das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (adotada pela Colômbia através da Lei 22 de 1981), a Recomendação nº XXXI sobre a prevenção da discriminação racial na administração e operação da justiça criminal do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD), órgão encarregado de fiscalizar a aplicação da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial. Complementar a isso são instrumentos mais gerais de direitos humanos, sendo certa a relevância para o caso brasileiro a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Como dito até aqui, as ações de combate ao racismo abrangem diversos tipos de atuação com o propósito de estimular a reflexão sobre práticas e percepções discriminatórias culturalmente naturalizadas e repassadas de geração em geração. Trata-se de problema global que cada vez mais ganha repercussão e estimula ações de promoção da tolerância e do respeito à população negra. Por uma nova cultura direitos, o papel da educação para os direitos humanos ganha merecido destaque, haja vista ser caminho necessário para mudança cultural que reconheça plenamente os direitos fundamentais de pessoas negras. Entretanto, lamentavelmente, as ações de educação não são suficientes para a transformação social desejada. O combate ao racismo exigiu a criação normas penais específicas visando coibir, sob diversos aspectos, a discriminação racial. 65 No âmbito global, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 dispõe que a expressão “discriminação racial” significa qualquer distinção, exclusão restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano, de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública (ONU, 1965). No Brasil, desde a abolição da escravização de pessoas negras, ocorrida em 13 de maio de 1888, a primeira norma de repressão ao racismo foi a Lei nº 1.390, de 3 de Julho de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos. Por meio dela, foi inserida na Lei de Contravenções Penais, que cuida exclusivamente de infrações de menor gravidade, tipos penais que visavam reprimir a discriminação racial em ambientes públicos e estabelecimentos comerciais. Considerada um passo pequeno no combate ao racismo, a referida lei teve pouco ou nenhuma efetividade, haja vista a gravidade do desafio histórico de construção da igualdade no país. Com a Constituição da República de 1988, o tratamento do racismo sofreu profunda transformação, ao menos no campo jurídico. O reconhecimento inédito do racismo como crime imprescritível e inafiançável pelo Constituinte, foi fundamental para a criação da Lei nº 7.716, de 1989, que, pela primeira vez na história brasileira, definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. O referido diploma estabelece, casuisticamente, hipóteses de caracterização do crime de racismo, tendo como bem jurídico tutelado o direito à igualdade e a dignidade da pessoa humana. Nos termos da Lei nº 7.716/89, são consideradas condutas racistas, entre outras, impedir o acesso a emprego, estabelecimentos comerciais, hospedagem, restaurantes e transporte público, desde que resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Cabe destacar que as condutas previstas na Lei nº 7.716/89, embora direcionadas a uma ou várias pessoas, atingem toda a coletividade de determinada raça, cor, etnia. 66 Por opção do legislador, não constava originalmente na lei do racismo a tipificação de conduta específica relativa a ofensas contra a honra por meio da utilização de elementos de raça e cor, sendo aplicada as disposições do crime de injúria previstas no art. 140 do Código Penal. Somente em 1997, por meio da Lei nº 9.459, foi inserida no código penal a injúria racial, como qualificadora do art. 140, caracterizada pela “utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem” (Brasil, 1997). Destaca-se que enquanto as demais modalidades de injúria fixavam penas de detenção de um mês a um ano, a injúria racial estabeleceu pena de reclusão de um a três anos, evidenciando que o legislador compreendeu a gravidade da conduta e suas consequências para a população negra e para toda a sociedade. Assim, se estabeleceu uma distinção entre o crime de racismo e o de injúria racial. Enquanto o primeiro está previsto na Lei nº 7.716/89 e atinge uma coletividade indeterminada de pessoas, a segunda estava inserida no código penal e se direciona à pessoa ou pessoas determinadas. E as distinções não param por aí. O delito de injúria racial se caracteriza, entre outros, pela realização de ofensas relacionadas a cor do indivíduo por meio de expressões pejorativas que ataquem a honra subjetiva, ou seja, o juízo de valor que o indivíduo faz de si mesmo. Já as condutas previstas na Lei 7.716/89, descrevem limitações ao exercício de direitos em virtude do preconceito de raça ou de cor,como já citado. Os diversos casos de discriminação racial ocorridos no Brasil e no mundo, além do reconhecimento da necessidade de adequações na lei penal sobre o tema, fomentaram a criação, pela câmara dos deputados, de uma comissão de juristas negros, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves, com a relatoria do advogado Silvio de Almeida. Como resultado desse trabalho, o Deputado Paulo Paim (PT-RS) apresentou substitutivo ao projeto de lei nº 4.566, com proposta de alterações na lei do racismo e no código penal, o que foi aprovado pelo Congresso Nacional e remetido ao Poder Executivo em 27/12/2022. Entre as primeiras ações do mandato do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva iniciado em 2023, está a sanção do referido projeto de lei, 67 o que deu origem à Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, que por sua vez altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público. Com o advento da Lei nº 14.532/2023, o crime de injúria racial, que antes estava previsto no Código Penal, com pena fixada entre um e três anos de reclusão, agora está inserido na Lei nº 7.716/1989, conhecido como Lei do Racismo, eliminando a separação legislativa entre injúria racial e crime de racismo. Em outras palavras, injúria racial é um dos crimes de racismo no Brasil. Além disso, o legislador realizou alteração na pena prevista para a injúria racial, saindo do intervalo de um a três anos, para a previsão de pena de dois a cinco anos. Outro destaque importante é que os crimes previstos na Lei do Racismo são de ação pública incondicionada à representação, ou seja, se o estado tem conhecimento de fatos que possam caracterizar qualquer dos tipos previstos na Lei n º 7.716/1989, deverá atuar independentemente da vontade da vítima. Ou seja, caso a Polícia Civil seja procurada ou tenha conhecimento, por qualquer meio, de práticas racistas e discriminatórias coibidas pela legislação, deverá imediatamente iniciar a investigação, mesmo que a vítima não tenha interesse. Trata-se de passo importante para repressão aos crimes de racismo, além do reconhecimento de que a discriminação racial traz severos impactos à toda a coletividade e deve ser reprimida, nos termos da lei, em qualquer circunstância. Pois bem. Estabelecidas tais considerações, tem-se que o crime de injúria é crime contra a honra de uma pessoa. Ele acontece quando alguém ofende a dignidade ou o decoro de um indivíduo específico. A conduta exigida para o cometimento do crime de injúria qualificada é o animus injuriandi, consistente na vontade de ofender a honra subjetiva de outra pessoa. Neste caso, o agente profere palavras de cunho racista direcionadas somente à vítima. 68 Por outro lado, o crime de racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade. Não há uma vítima identificada, pois a ofensa é contra, por exemplo, toda uma raça, não existindo a especificação do ofendido. Figura 51: Imagem sobre a diferença entre racismo e injúria racial. Nos crimes de racismo, a ação penal é pública incondicionada, ou seja, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. Trata-se de crime inafiançável e imprescritível, conforme está previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Como se percebe, a injúria preconceituosa migrou do Código Penal para a Lei de Racismo. Portanto, a ofensa motivada pela “raça, cor e etnia” está expressa no art. 2º-A da Lei 7.716/89. Um outro detalhe importante: o termo “origem”, antes previsto no Código Penal, transmutou-se na expressão “procedência nacional”. Desse modo, fica a pergunta: qual a extensão da expressão “procedência nacional”? Abrande apenas as ofensas aos atributos pessoais baseados no preconceito regional (entre regiões do país) ou também o preconceito ao estrangeiro? Temos duas possibilidades de interpretação: O art. 140, § 3º do CP possuía a elementar típica “origem”, que abrangia as ofensas em razão da origem nacional ou internacional. Com a nova redação do art. 2º-A dada pela lei 14.532/2023, a expressão procedência “nacional” está 69 restrita à injúria preconceituosa de origem interna, ou seja, para pessoas pertencentes a determinados estados da federação. Eventual ofensa a atributos da pessoa em razão de sua condição estrangeira constituiria crime de injúria simples. A expressão “procedência nacional” constante no art. 2º-A abrange procedência interna e externa, ou seja, tutela pessoas de origem nacional e estrangeira. Ademais, a expressão “procedência nacional” não é nova na Lei nº 7.716/1989, pois consta do art. 20, que sempre puniu o racismo praticado contra pessoas de origem estrangeira. Essa segunda posição nos parece mais coerente, sob pena de proteção deficiente ao bem jurídico dignidade humana, não sendo razoável imaginar que apenas os nacionais estariam tutelados pela Lei de Racismo. Além disso, a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, refere que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, dentre outros. Assim, considerando as previsões da Lei de Racismo, tem-se que ofender a honra subjetiva da vítima em razão de sua procedência nacional ou estrangeira constitui injúria punível segundo o art. 2º-A. Por outro lado, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional constitui crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça possui precedente de que quem emitir ofensa discriminatória a uma coletividade em razão da sua origem nacional, como por exemplo, o povo nordestino, estará incidindo em crime de racismo previsto no art. 20, § 2º da Lei 7.716/1989 (REsp n. 1.569.850/RN, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 11/6/2018). A injúria praticada em razão da religião, da condição de idoso ou deficiente permaneceu no Código Penal. Com isto, a opção do legislador foi no sentido de que as ofensas a atributos pessoais da vítima valendo-se de elementos referentes à religião não constituem crime de racismo. Até mesmo a pena do art. 140, § 3º permaneceu inalterada. O dolo do agente é de ofender a pessoa e, para isso, vale-se de elementos relacionados à religião. Contudo, é importante salientar a existência da figura típica do racismo religioso em suas figuras básica e equiparada. Segundo art. 20 da Lei nº 7.716/1989 (figura 70 básica), constitui racismo praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Ainda, sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas previstas no caput do art. 20 (figura equiparada) quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. Nesses casos, o dolo do agente é de demonstrar superioridade, menosprezar, diminuir, segregar, impedir ou obstar a existência, a prática ou manifestações religiosas. Dito isso, tem-se que a injúria praticada contra a pessoa em razão da raça, cor, etnia ou procedência nacional torna-se, legalmente, espécie de racismo. A recente alteração legislativa foi precedida de decisões judiciais das cortes superiores. Jurisprudencialmente, o Superio Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 686.965/DF)e o Supremo Tribunal Federal (HC 154.248) já haviam se manifestado, ainda que parcialmente, sobre a natureza da injúria racial como espécie de racismo. O Supremo assentou que o delito de injúria racial, em sendo espécie de crime de racismo, é imprescritível. Apesar dessa posição equiparatória, o STF silenciou sobre a equiparação da injúria ao racismo quanto à natureza da ação penal (já que o racismo é de ação pública incondicionada e a injúria, antes da presente alteração, era de ação condicionada à representação, sendo possível, portanto, a ocorrência da decadência). Outro ponto omisso na decisão do STF era definir se, apesar da equiparação, o delito de injúria racial continuaria afiançável, já que o crime- parâmetro de racismo é inafiançável por mandado constitucional. A discussão, agora, está resolvida: a injúria racial é crime de ação pública incondicionada e, tendo sido inserida na Lei de Racismo, adota o mesmo regime jurídico quanto à inafiançabilidade e imprescritibilidade. A injúria racial, assim, é uma espécie de crime racial com dolo (animus injuriandi) diverso do crime de racismo previsto no art. 20 da Lei 7716/1989, que possui o dolo de diferenciar, segregar, diminuir, tratar de forma desigual, impedir ou restringir direitos, dentre outras formas de atuação. 71 Figura 52: Atenção para a mensagem. Com o objetivo de reforçar o conteúdo já trazido, segue quadro comparativo das principais diferenças entre o crime de racismo e de injúria racial. Figura 53: Quadro sobre a diferença entre racismo e injúria racial. Fonte: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/01/15/a-lei-14-532-2023-e-as- mudancas-promovidas-na-legislacao-criminal-brasileira/ https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/01/15/a-lei-14-532-2023-e-as-mudancas-promovidas-na-legislacao-criminal-brasileira/ https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/01/15/a-lei-14-532-2023-e-as-mudancas-promovidas-na-legislacao-criminal-brasileira/ 72 Estabelecidas estas premissas, retomemos o ano de 2021, período em que Supremo Tribunal Federal decidiu, durante o julgamento de um habeas corpus, que o crime de injúria racial configura uma categoria dos tipos penais de racismo e é imprescritível. Figura 54: Arte desenvolvida pela Defensoria Pública da Bahia. O habeas corpus refere-se ao caso de uma mulher idosa de 72 anos, à época dos fatos, que foi condenada pela Justiça do Distrito Federal a um ano de reclusão e dez dias-multa pela prática de injúria racial ano de 2013. O crime ocorreu no ano de 2012 em um posto de gasolina, diante da recusa da frentista/vítima em aceitar cheque como forma de pagamento, ocasião em que a autora proferiu os seguintes dizeres “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”. A defesa da autora solicitou a extinção da punibilidade em razão da prescrição do crime, considerando a idade da mesma. Segundo ministro Edson Fachin, com a alteração legal que tornou pública condicionada (que depende de representação da vítima) a ação penal para processar e julgar os delitos de injúria racial, o crime passou a ser equivalente ao de racismo e, portanto, imprescritível, conforme previsto na Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXII). 73 Então, a partir desta decisão do STF, a injúria racial tem sido considerada também imprescritível. Figura 55: Arte sobre a decisão do STF. Como dito nas linhas acima, a Lei nº 14.532/2023, em vigor desde 11 de janeiro do corrente ano, incluiu a injúria racial à Lei do Racismo, retirando-a do Código Penal. A proposta estabeleceu o aumento de pena para casos de injúria, que antes era de um a três anos, para dois a cinco anos de prisão, além do pagamento de multa. O crime também passa a ser imprescritível e inafiançável. A novel legislação sobre o tema também prevê que a pena por injúria será aumentada pela metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. De acordo com o regramento atual, os crimes de racismo, incluindo o de injúria, terão a pena aumentada em um terço até a metade se cometido em um contexto ou com o intuito de “descontração, diversão ou recreação” (art. 20-A). Também terá a pena aumentada em um terço até a metade quando praticado por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê- las (art. 20-B). E não é só! As alterações promovidas dispõem, ainda, que, quando o crime de racismo, previsto no art. 20, for praticado no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, a pena será de reclusão de dois a cinco anos mais a proibição de frequentar locais destinados a práticas esportivas, artísticas, culturais destinadas ao público, conforme o caso, por três anos (art. 20, § 2º-A). 74 Ademais, ao interpretar a lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência (art. 20-D). Verifica-se que as alterações almejam alinhar a lei ao entendimento do STF em relação ao crime de injúria, além de possibilitar uma repreensão mais eficaz e severa, inibindo, desta forma, a prática de atos de discriminação e preconceito. 75 UNIDADE 3 8. IMPLICAÇÕES DO RACISMO E DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA ATUAÇÃO POLICIAL É certamente clara a importância da discussão acerca de raça, racismo, discriminação e temas correlatos sob os enfoques conceitual, teórico e normativo. Entretanto, é igualmente evidente a importância de se apresentar e discutir estes esses temas sob o ângulo de sua implicação na prática do trabalho policial. A Matriz Curricular Nacional para ações formativas dos profissionais da área de segurança pública (SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA - SENASP, 2014) prevê, no escopo das ações de formação de policiais civis e militares, uma disciplina especificamente voltada para questões de diversidade étnico-sóciocultural. Tal disciplina (2.7.2), descreve como seus objetivos construir e exercitar, nos policiais ingressantes, habilidades para: Desenvolver uma conduta pessoal e profissional destituída de preconceito e discriminação racial; e Aplicar as leis referentes à discriminação racial e outros documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário (SENASP, 2014, p.188). Em sequência, estabelece a importância da capacitação como ferramenta de fortalecimento de atitudes que permitam aos policiais se tornarem conscientes e sensíveis acerca de sua importância como promotores da equidade étnico-social, bem como capazes de atuar adequadamente frente às situações de racismo e de violação dos direitos humanos dos grupos étnicos discriminados (SENASP, 2014, p.188). Além de todo o aspecto legal que coloca as polícias, enquanto órgãos de Estado, como agentes no combate à discriminação étnico-racial, o programa da Disciplina 2.7.2 da Matriz Curricular Nacional destaca que as forças policiais têm responsabilidades próprias quanto a este tema. Afinal, são as polícias instituições diretamente implicadas na garantia de direitos, sendo o direito à igualdade uma dessas garantias essenciais. Ainda na seara dos direitos fundamentais, Cerqueira e Dornelles (2001) chamam atenção para o fato de que é por meio de seus agentes que os Estados cumprem (ou deixam de cumprir) as exigências dos tratados 76 internacionais que são signatários – como é o caso do direito à não- discriminação, abordado tanto em diplomas internacionais específicos quanto, de maneira transversal, em outros acordos. A declaração da Assembleia das Nações Unidas para a eliminação da discriminação racial é um destes importantes tratadosinternacionais. Proclamada em novembro de 1963, a Declaração sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial faz referência especificamente ao trabalho policial em seu artigo 2º (2), ao afirmar que Nenhum Estado deverá encorajar, defender ou prestar o seu apoio, através de ação policial ou outras medidas, a qualquer discriminação baseada na raça, cor ou origem étnica cometida por qualquer grupo, instituição ou indivíduo (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1963). Faces de uma mesma moeda, o direito à igualdade (ou tratamento igualitário) e à não-discriminação caminham juntos e, no que tange mais especificamente à atuação policial, desembocam sobretudo no direito a um julgamento justo – ainda que por hábito tomemos “julgamento” como espaço exclusivo do sistema judicial do País. Entretanto, os aparatos judiciais funcionam em cadeia, e no caso da justiça penal, mais das vezes esta tem seu início no trabalho das polícias (CERQUEIRA; DORNELLES, 2001). Mais do que isso: Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014) demonstraram que os estamentos do sistema judiciário tendem a absorver o discurso policial – em resumo, processos de persecução penal iniciados de maneira discriminatória têm grandes chances de receber um segmento processual igualmente discriminatório. 77 Figura 56: Charge sobre o procedimento de reconhecimento e suas potencialidades para o processo criminal discriminatório. Fonte: Antonio Junião, 2020. Extraído de https://www.instagram.com/p/CFUtOwYnn-X/, em 10/02/2023. Anteriormente, nos remetemos à racialização dos índices de letalidade policial (isto é, o quantitativo de pessoas mortas em decorrência da intervenção direta de uma força policial, seja em confronto ou não) para demonstrar o quão seletiva é a distribuição da violência no País. Inclusive, evocamos os dados de vitimização policial por raça/cor (ou seja, a definição racial do quantitativo de policiais mortos, em serviço ou não) para expor que não é em decorrência do suposto “status criminal” que negros são mais vitimizados pela violência do que brancos no Brasil. Ao analisar os índices de três capitais da região sudeste do País, a desproporção na vitimização letal de pessoas negras pela polícia foi resumida por Sinhoretto e seus colaboradores (2014), expondo seu caráter alarmante. Computadas as ocorrências registradas de 2008 aos nove primeiros meses de 2013, a chance de uma pessoa morta pela polícia ser negra era de quatro para uma no Estado do Rio de Janeiro; três para uma em São Paulo; e duas para uma em Minas Gerais. O desequilíbrio acompanha o número geral de mortes por intervenção policial nos estados: o Rio de Janeiro detinha o maior índice de letalidade policial, seguido por São Paulo e, por último Minas Gerais4. 4 No período em questão, o índice de letalidade policial em Minas Gerais era dez vezes menor do que o de São Paulo e vinte vezes menor que o do Rio de Janeiro (SINHORETTO et al., 2014). https://www.instagram.com/p/CFUtOwYnn-X/ 78 É sempre importante lembrar, porém, que este curso se dirige sobretudo a policiais. Sendo assim, ainda que reconheçamos existir um ordenamento racialmente discriminatório na sociedade brasileira, nos cabe discutir mais o cenário micro (da atuação policial) do que o contexto macro (da sociedade como um todo). Isto posto, precisamos rememorar que, a despeito de qualquer particularidade, atuações policiais com resultado morte não podem ser encaradas com naturalidade: seu aspecto extraordinário deve ser sempre mantido em destaque, não sendo razoável tomar sua ocorrência como medida suficiente para a compreensão da dinâmica social. Figura 57: Fotografia sobre encarceramento. Fonte: Fiocruz, 2020. Extraído de https://campusvirtual.fiocruz.br/portal/?q=palavra-chave-de- documentos/encarceramento, acesso em 16/02/2023. Conforme apontam Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), a utilidade, e consequentemente a efetividade do trabalho policial é popularmente medida pelo volume de encarceramento que produz. Não somente a atuação da polícia, mas também ela. Igualmente, a Justiça Penal é útil na medida em que condena o suspeito, e o Sistema Penal como um todo alcança seu valor quando leva ao encarceramento do condenado. A este respeito, dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que 45% da população carcerária do Brasil em 2022 era composta por presos provisórios (YAHOO! NOTÍCIAS, 2022), dos quais uma parte considerável decorre de prisões em flagrante. Sendo assim, analisar o aprisionamento, e de imediato aqueles em flagrante, parece-nos um indicador mais confiável para https://campusvirtual.fiocruz.br/portal/?q=palavra-chave-de-documentos/encarceramento https://campusvirtual.fiocruz.br/portal/?q=palavra-chave-de-documentos/encarceramento 79 discutirmos a prevalência de práticas discriminatórias no trabalho policial. Para tanto, antecipamos a conclusão antes de dissecá-la: conforme apontam Sinhoretto et al (2014), a qualificação dos presos em flagrante no Brasil demonstra que a atenção policial recai em especial sobre as populações negras. Como apresentam os autores, entre 2008 e 2012 no Estado de São Paulo, por exemplo, 54,1% das pessoas presas em flagrante eram negras – a título de referência, os dados do Censo de 2010 apontavam que toda a população negra do Estado era de 34,8% (SINHORETTO et al., 2014, p.126). No caso de Minas Gerais, em 2012 o percentual de presos em flagrante negros era de 68,4% - segundo os dados do IBGE 2010, a população geral de MG era composta de 53,5% de negros (pretos e pardos) (Idem, p.130). Nos dois casos, o que se observa é a sobre representação da população negra nas respectivas massas carcerárias. Ainda que de maneira sucinta, esses números apontam que o viés racializado das prisões em flagrante parece ser efetivamente uma realidade. Sendo assim, cabe-nos mais um passo atrás, na direção do que leva às prisões desse tipo. Barros (2008) e Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014) assinalam o efeito das abordagens policiais na realização de prisões em flagrante, ainda que apresentem enfoques diferentes para a questão. Figura 58: Charge sobre abordagem policial. Fonte: Extraído de https://laurochammacorreia.jusbrasil.com.br/artigos/388119560/busca- pessoal-e-abordagem-policial-tem-previsao-legal, acesso em 16/02/2023. https://laurochammacorreia.jusbrasil.com.br/artigos/388119560/busca-pessoal-e-abordagem-policial-tem-previsao-legal https://laurochammacorreia.jusbrasil.com.br/artigos/388119560/busca-pessoal-e-abordagem-policial-tem-previsao-legal 80 Partindo da própria Matriz Curricular Nacional para formação de profissionais de segurança pública, Timbane (2013) destaca que discriminações por grupo social podem ocorrer desde o primeiro contato entre policiais e população, isto é, já no momento da abordagem desta por aquela. Entretanto, apesar de estar interessado nas formas como são verbalmente conduzidas as abordagens policiais, e de considerar que essas são palco de possíveis discriminações, Alexandre Timbane (2013) não se dedica a analisar especificamente as relações existentes entre abordagens policiais e a raça/cor dos abordados. Essas implicações serão consideradas em pesquisas realizadas em diversas partes do País, como os já citados (BARROS, 2008; e DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014), mas também Sinhoretto et al (2014) e Trad et al (2016). Em resumo, esses estudos demonstram de maneira bastante sólida a presença de marcadores de raça/cor nos processos de fundamentação de suspeita e abordagem policial. O trabalho de Geová Barros (2008) fez parte de um conjunto de pesquisas sobre a presença de discriminação racial entre os policiais militares do Estado de Pernambuco (PMPE). Usando métodos diversos de investigação, o autor deparou-se com 65,05% de seus entrevistados (todosmilitares da ativa) dizendo que sim, pessoas negras são priorizadas em abordagens policiais. Entre alunos dos cursos de formação de soldados (CFSD) e de oficiais (CFO), esse índice saltou para 74% e 76,9% respectivamente. Usando de outro instrumento, Barros, ele próprio oficial da PMPE, apresentou a seus entrevistados (tanto policiais quanto ingressantes) uma situação hipotética de abordagem: no modelo, um trio de agentes está diante de dois homens suspeitos, um deles branco e o outro, negro. Tendo que escolher qual dos dois abordar primeiro, o pesquisador perguntou aos participantes o que eles fariam, se fossem eles em patrulha; e o que eles achariam que aconteceria, sendo o respondente apenas um observador. O resultado obtido pelo pesquisador reforçou algo já conhecido sobre as relações raciais no Brasil: as pessoas admitem tratar-se de um país racista, mas quando convidados a apontar quem é racista, este é sempre o outro, nunca ele mesmo. Assim, militares da ativa e ingressantes, quando na situação de observadores, disseram que na maioria dos casos o suspeito negro seria abordado primeiro (67,4% em média). Quando o respondente deveria imaginar- 81 se realizando a abordagem, o índice muda radicalmente, e em média apenas 27,2% afirmam que o suspeito negro seria abordado primeiro. No caso em que se imaginam atuando, os participantes da pesquisa preferiram uma saída intermediária: 56,9% deles, em média, disse que nem abordariam o suspeito negro primeiro, nem o suspeito branco, mas que optariam por outra estratégia (BARROS, 2008, p.141). Ou seja: quando perguntados se a polícia militar age de maneira racista, policiais militares e aspirantes à função disseram que sim. Quando questionados se eles próprios, policiais militares, atuam de maneira racista, disseram que não. O racista é sempre o outro. Figura 59: Charge sobre cultura escravista. Fonte: Charge de Rico. Extraída de https://www.instagram.com/p/Cdg_rY-r8Oe/, acesso em 14/02/2023. Trad e seus colaboradores (2016) também realizaram entrevistas e conduziram grupos focais com policiais, acrescentando à pesquisa a escuta a jovens negros, estatisticamente os mais afetados pelo racismo institucional dos órgãos de segurança. Retomaremos mais adiante este trabalho, mas no https://www.instagram.com/p/Cdg_rY-r8Oe/ 82 momento basta destacarmos a percepção dos jovens participantes, sobretudo de Fortaleza e Recife, sobre quais elementos são utilizados pelos policiais para decidir quem deve ser abordado ou não. Assim, indicadores de pertencimento social (nível socioeconômico); comportamentos como a forma de andar, gesticular e a linguagem utilizada; a aparência do indivíduo; a raça/cor ou outros traços étnicos; e, por fim, traços externos (como veículo que conduz ou trafega, se carrega pacotes ou mochilas), foram apontados pelos jovens participantes da pesquisa como critérios básicos da decisão, por parte dos policiais, de abordar alguém ou não (TRAD et al., 2016, p.55). As conclusões desses estudos apontam para o fato de que características raciais das pessoas são efetivamente utilizadas para decidir se alguém deve ser abordado ou não. A questão é, porém, mais profunda: definida pelo artigo 244 do Código de Processo Penal, a abordagem – termo popular para a busca pessoal – é assim descrita: Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. (BRASIL, 1941. Grifos nossos) A fundada suspeita é elemento essencial para oportunizar ou não o uso da abordagem/busca pessoal. Em certa medida, é a sua presença que converte um cidadão em suspeito. O interesse da nossa discussão, para a apreensão da discriminação racial no fazer policial, passa a ser identificar o que os agentes levam em conta para identificar uma situação de fundada suspeita e, consequentemente, o/a suspeito/a5. É vã a expectativa de definir, a priori, um rol de elementos capazes de compor um quadro de suspeição. Isso porque, como refere o manual Servir e Proteger, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha – CICV (2020), aplicar a lei não é emitir respostas padronizadas para problemas igualmente padronizados. Os protocolos, que funcionam como norteadores, só conseguem dar diretivas genéricas a serem consideradas no momento e no espaço da ação. Isso cria uma separação: de um lado, o prescrito, o discurso institucional, 5 A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a busca pessoal ou veicular, sem mandado judicial, motivada apenas pela impressão subjetiva da polícia sobre a aparência ou atitude suspeita do indivíduo (RHC nº 158.580/BA). Vale também destacar, que em 01/03/2023, o STF começou a julgar validade de prova obtida em busca pessoal baseada na cor da pele (HC 208.240). 83 manifesto em protocolos, normas e códigos de conduta. Do outro, a atuação real, sujeita a variáveis diversas, discricionária (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014). O discurso institucional é diferente das práticas policiais. A racionalidade que rege a primeira não resume as ações da segunda, ainda que seja evocada no discurso dos policiais quando chamados a explicar os motivos de sua ação (TRAD et al., 2016). Se as abordagens policiais são discriminatórias, certamente esse traço não estará presente nos protocolos de atuação, mas sim no momento de tomada de decisão por parte dos agentes. Essa separação entre discurso e prática não é tão radical quando pode parecer. Trad et al (2016) deixam claro que a abordagem é definida por um misto de técnica (oriunda dos protocolos, do discurso institucional) e a discricionariedade do agente. A questão passa a ser, portanto, o que pesa na definição da fundada suspeita que orienta a abordagem. Do ponto de vista formal, “uma pessoa deverá ser considerada um suspeito em potencial com base em fatos claros e conclusões lógicas. Qualquer consideração desse tipo não deverá ser influenciada por questões de nacionalidade, raça, religião, género, classe social etc.” (CICV, 2020, p.162), conforme o princípio da não- discriminação. Entretanto, como assinalam Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), a construção do suspeito policial está atrelada a crimes ocorridos no espaço do visível – furtos, roubos, tráfico. São as características desses tipos de crimes que serão consideradas para se identificar quem é suspeito e quem não é, porque acredita-se que existe um perfil identificável da pessoa que comete esses crimes. Em contrapartida, delitos que ocorrem no espaço “invisível” – corrupção, violência doméstica, homicídio, violência sexual – não possuem características supostamente visíveis e, portanto, não geram um perfil do suspeito de cometer esse tipo de crime. Ainda segundo os mesmos autores (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014), toda essa discussão acerca do que fundamenta a parte prática, discricionária, da atuação policial é habitualmente reduzida a um termo: o tirocínio. Espécie de habilidade talhada pelos tempos de serviço, o tirocínio serve de explicação para tudo aquilo que não tem explicação – que se pergunte a um policial por que considera suspeito um homem negro dirigindo 84 um carro de luxo, mas não um homem branco com um carro semelhante, e a chance de ouvir “por experiência, tirocínio” é grande. A verdade porém é que, mais das vezes, o “tirocínio” não passa de um chavão: um argumento coringa utilizado sempre que os agentes não sabem racionalizar os passos que antecederam a tomada de decisão. Figura 60: Matéria jornalista sobre ação policial e tirocínio. Fonte: Extraído de https://patosagora.net/noticia/tirocinio-policial-ajuda-na-prisao-de-cinco- homens-que-iam-assaltar-casa-de-avo-de-um-dos-envolvidos.,acesso em 16/02/2023. O tirocínio é o resultado de um espaço de ação mal delimitado e que, aliado à grande resistência das instituições policiais em discutir raça e racismo (TRAD et al., 2016), faz com que o processo de tomada de decisão seja fortemente sustentado por estereótipos – geográficos, de gênero, de classe, de raça (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014). Conforme demonstra Geová Barros, quando confrontados ou quando reconhecem o caráter racialmente orientado de alguma decisão que tomaram no exercício de sua atividade, os policiais o fazem de maneira constrangida. Assim, 21,9% dos entrevistados por Barros (2008, p.147) disseram que pessoas negras são priorizadas em abordagens porque “a maioria das pessoas presas/detidas é negra”, ou que “a maioria dos pretos/pardos mora em favelas” (14,3%). Um percentual não desprezível dos policiais ouvidos (22,6%) afirmam que a preferência de pessoas negras para abordagem se dá por “questões culturais”, somados aos outros 5,4% que afirmam que a preferência se dá “de maneira automática”, perceberemos que esse automatismo, essa prescrição cultural, essa criminalização da pobreza, se apoiam no já discutido racismo estrutural (ALMEIDA, 2020). Por sua vez, a explicação que atrela suspeição e https://patosagora.net/noticia/tirocinio-policial-ajuda-na-prisao-de-cinco-homens-que-iam-assaltar-casa-de-avo-de-um-dos-envolvidos https://patosagora.net/noticia/tirocinio-policial-ajuda-na-prisao-de-cinco-homens-que-iam-assaltar-casa-de-avo-de-um-dos-envolvidos 85 população carcerária diz muita coisa, é uma profecia autorrealizável: a maioria dos presos ser negra faz com que negros sejam mais abordados e, se mais abordados, mais chances têm de serem pegos em flagrante, aumentando a massa carcerária de pessoas negras, que orienta as preferências de abordagem... Figura 61: Ilustração sobre discriminação racial e ação policial. Fonte: Extraída de Cruz (2019). Ainda nesse sentido, se conforme já discutimos, a tradição do pensamento brasileiro embranquece elementos da cultura negra pra fazê-los nacionais (REIS, 1996), de maneira semelhante os discursos evocam traços socioeconômicos para justificar o que é, efetivamente, racial (TRAD et al, 2016). Conforme Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), ao justificarem a fundada suspeita que deu causa a uma abordagem, os policiais apresentam elementos econômicos e comportamentais, sobretudo para escamotear aspectos raciais. Surge assim um “tipo social criminoso” (SINHORETTO et al., 2014, p.137), na forma do “kit peba” referido pelos policiais do Distrito Federal6, dos elementos do hip hop referidos pelos policiais de MG e SP, ou o estilo 6 Na descrição dos policiais ouvidos pelos pesquisadores, no “kit peba” as roupas “[...] são largas, aparecem as cuecas, são acompanhadas de boné que esconde os olhos e a intenção da pessoa; possuem um jeito desleixado de andar, roupas com estampa, geralmente de marca, não sendo necessariamente originais.” (SINHORETTO et al, 2014, p.135). 86 funkeiro descrito pelos agentes do Rio de Janeiro – em síntese, elementos comuns na cultura das periferias, das favelas, passam a compor o perfil criminoso. Nos aspectos comportamentais tomados como indícios para a fundada suspeita, novamente o caráter autorrealizável das características levadas em conta: cidadãos marginalizados são mais abordados, o que os deixa mais apreensivos quando diante de policiais, o que acaba sendo tomado como elemento de suspeição (CRUZ, 2019). Figura 62: Ilustração sobre discriminação racial e ação policial. Fonte: Extraída de Cruz (2019). Pode ser que alguns considerem essa relação entre elementos de periferia e raça/cor uma metonímia exagerada. A esse respeito, é importante recuperarmos o que apresenta Oracy Nogueira (MUNANGA, 2020): a discriminação no Brasil é estruturada como racismo de marca, não de origem. Quer dizer, é mais discriminado aquele que se parece ser (ou é) fenotipicamente mais preto. O inverso é verdadeiro, e quanto menos preta uma pessoa se parece, menos sujeita à discriminação ela está. Quando os policiais 87 entrevistados apontam elementos socioeconômicos como marcadores de suspeição, o fator racial se faz presente, ainda que não declarado: há um emparelhamento em que negritude = pobreza/periferia/crime (“a maioria das pessoas negras mora em favelas”), do qual o elemento “negritude” é ocultado somente no discurso. De mais a mais, discriminação pode se dar em função da etnia real ou presumida (CICV, 2020, p.163): “periférico” e “negro” tornam-se concepções intercambiáveis, sinônimos do qual se presume o crime. Os versos de “Haiti”, canção de Caetano Veloso e Gilberto Gil, podem ser evocados para traduzir essa relação de maneira mais poética, menos técnica: Mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres E pobres são como podres E todos sabem como se tratam os pretos (VELOSO, 2003, p.190) Para a discriminação racista, estruturalmente organizada, a pobreza, os elementos típicos das periferias e sua cultura, as favelas, o hip hop, o funk são agentes enegrecedores. É em razão disso que podemos entender o que um policial quer dizer quando afirma que “algumas situações passam despercebidas porque a pessoa não tem essas características que a gente espera que ela tenha” (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014, p.95); ou quando uma juíza afirma que o réu “não possui o estereótipo padrão de bandido” (G1, 2019a). 88 Figura 63: Fragmento de decisão judicial. Fonte: Extraída de G1 (2019a). Ressaltar as razões raciais que subjazem as escolhas que são justificadas como baseadas exclusivamente em elementos socioeconômicos não equivale a dizer que elementos dessa natureza não compõem o quadro discriminatório, porque eles compõem, se somam. Não nos esqueçamos que o posicionamento das forças de segurança deve, conforme alguns de seus membros, variar de acordo com o lugar em que opera (DUARTE; MURARO; LACERDA e GARCIA, 2014; ADORNO, 2017). Existem várias cidades dentro de uma mesma cidade, com regras próprias de intervenção. Majoritariamente negras, as favelas, as periferias, vivem em um permanente “estado de exceção”, no qual a truculência e a violência racial são a linguagem socialmente aprovada (MBEMBE, 2018). • E a Polícia Civil? 89 É relativamente fácil para nós, policiais civis, nos eximirmos da responsabilidade ante a discussão que conduzimos até aqui. Afinal, é só muito raramente que a abordagem a suspeitos se faz presente em nossa atuação e, quando prendemos alguém, na maioria das vezes é como resultado de um processo investigativo que individualizou a responsabilidade pelo delito. Porém nada neste assunto é simples. Conforme aponta o manual de referência para policiais e forças de segurança da Cruz Vermelha (CICV, 2020), uma técnica usual para se chegar à autoria de um delito é o perfilamento: a construção de uma hipótese sobre a identidade do suspeito potencial com base na natureza do crime, nas circunstâncias em que foi cometido e, espera-se, em outros indícios coletados. Uma vez considerados esses condicionantes, a busca pelo autor do crime é restrita às pessoas que correspondem ao perfil criado. Apesar do que mostram os filmes, o perfilamento (profiling) não necessariamente ocorre de maneira formal, com a confecção de um perfil criminal por escrito redigido por caricatos psicólogos ou psiquiatras forenses. Pelo contrário: de maneira intuitiva e informal, construímos perfis criminais o tempo todo, baseados nos indícios e em nossas experiências. É pertinente então que nos lembremos do que foi discutido acerca do recurso à “experiência profissional”, materializada no “tirocínio”, como fundamento da ação policial. Figura 64: Fragmento de decisãojudicial. Fonte: Extraído de https://www.guiadasprofissoes.info/profissoes/profiler-criminal-profiling/, acesso em 16/02/2023. https://www.guiadasprofissoes.info/profissoes/profiler-criminal-profiling/ 90 A definição prematura de um perfil a ser buscado, baseada somente em experiência ou sem informações e indícios sólidos, pode apontar na direção errada e impedir que indícios relevantes sejam percebidos e coletados. Ademais, situações como essa não raras vezes impedem completamente que o criminoso verdadeiro seja capturado, restando o delito insolúvel e o responsável sem a devida punição. Muitas vezes o autor de um crime é procurado a partir de impressões vagas de tipo físico ou região de residência (como uma determinada comunidade ou favela, por exemplo). Em decorrência disso, empenha-se grande esforço para abordar um grande número de pessoas em razão de um perfil impreciso e discriminatório. Isso pode fazer com que pessoas pertencentes ao grupo minoritário atingido sintam-se discriminadas e apresentem alto grau de desconfiança ao se relacionar com a polícia (CICV, 2020, pp.164-165). Nesse cenário, esse grupo pode tornar-se [...] menos inclinado a denunciar crimes ou dar informações que poderiam ser relevantes às investigações policiais. No longo prazo, essa abordagem terá um efeito negativo sobre o trabalho e a eficácia policial. O fenômeno é frequentemente observado em bairros pobres, onde as pessoas se sentem discriminadas por sua baixa condição social, já que as forças policiais que investigam um crime específico imediatamente lançam amplas buscas pelo perpetrador nesses bairros sem qualquer informação ou prova adicional de que ele realmente de lá proceda. Consequentemente, as pessoas que moram nesses bairros tornam-se cada vez mais relutantes a denunciar crimes à polícia ou tendem a lidar com o crime por si mesmos e à sua própria – e com frequência violenta – maneira. (Idem, p.165) • Existe mesmo discriminação racial na minha atuação policial? Algumas pessoas, inclusive entre nós policiais, tendem a se colocar de maneira relutante diante de discussões como a que fizemos aqui. Não há nada de extraordinário nisso: conforme apresentamos anteriormente, o racismo, dada a sua forte crítica moral, é entendido como um comportamento condenável, vexatório – e de fato deve ser percebido assim. Entretanto, isso faz com que sejamos rápidos em negar qualquer possibilidade de que existam traços racistas em nós ou em nossas ações. Da mesma forma, somos igualmente velozes em apontar, no outro e em suas ações, a presença vil da discriminação racial. 91 Conforme Duarte, Muraro, Lacerda e Garcia (2014), existirão mesmo aqueles que negarão o fundo racista nos índices de mortes violentas ou de encarceramento, suspeitando de uma possível “mentira coletiva”. Oras, a estes teremos de dizer que os dados são muitos e oriundos de diversas fontes. Trabalhos que, como mostramos brevemente, lançaram mão das mais diferentes técnicas – entrevistas, grupos focais, situações simuladas, análise de dados estatísticos, análise de boletins de ocorrência policial e sentenças judiciais – para chegar à mesma infeliz conclusão. Outros, ainda, recorrerão à ausência de intenção, à ação inconsciente, automatizada, mecânica. A estes, Barros (2008) lembra que a intenção de discriminar é irrelevante para definir se ocorreu discriminação, porque os efeitos dela independem se quem discriminou agiu deliberadamente ou não. A fim de fugir à possibilidade de atuação discriminatória, algumas instituições estabelecem como padrão de resposta o aumento da repressão, de maneira indiscriminada – todos serão submetidos a abordagens, independentemente da existência de suspeição prévia. Além de não existir nenhuma tecnicidade nesse tipo de procedimento, ainda imporia a todos os cidadãos uma percepção antecipada de culpa, demolindo a presunção de inocência. A necessidade de tratamento igualitário não propõe que todos sejam igualmente tratados como criminosos, pelo contrário. Nas palavras de uma jovem negra do Distrito Federal: Quando a gente fala de tratamento igual não é de pensar que os brancos devem ser tratados assim, no sentido da polícia ser truculenta com eles. Mas no sentido de desnaturalizar que eu já sou um possível suspeito por eu ser negra ou por meu irmão ser negro. A questão caminha no sentido de sair do campo fenotípico ou até do cultural e passar por questões mais operacionais mesmo, de situação. A situação pede que eu aborde pessoas que estão aqui, independente de sejam brancos ou negros. (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014, p.97) Por fim, precisamos recordar que as polícias não são as únicas responsáveis pelo tratamento discriminatório que pessoas negras recebem do sistema penal. Se é de conhecimento geral que o racismo se faz presente nas ações ordinárias da segurança pública, a ausência de oposição firme ante esse estado de coisas por parte dos poderes Judiciário e Legislativo auxilia na sua manutenção (DUARTE; MURARO; LACERDA; GARCIA, 2014). Discutimos extensamente sobre a forma estrutural do racismo no Ocidente, em especial no 92 Brasil. Assim, temos consciência de que qualificar apenas a polícia para o enfrentamento das discriminações raciais não é o suficiente – ainda que seja necessário e inevitável. 93 9. ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL Figura 66: Atenção a anotação abaixo. Nessa noite, fiquei ao lado das filhas de santo que o ajudavam a se trocar durante a celebração. Os trocadores aqueceram seus tambores na fogueira acesa no terreiro. A primeira a chegar, após a ladainha e a saraivada de fogos, foi justamente a dona da festa, santa Bárbara; a caixa trazida por dona Tonha continha a saia vermelha, o adê e a espada de Iansã, todos os adornos que a santa vestiria. O quarto dos santos, onde rezavam a ladainha, tinha velas acesas e uma profusão de cores das imagens e bonecas. Havia imagens de gesso e madeira de diferentes tamanhos e estados de conservação. São Sebastião, Cristo Crucificado, o Bom Jesus, são Lázaro, são Roque, são Francisco, padre Cícero. Havia pequenos quadros, uns de cores vivas, outros desbotados, de são Cosme e são Damião, Nossa Senhora Aparecida, santo Antônio. Havia fotografias de meus pais, da velha Donana, outras tantas, pequenas, de devotos. Havia flores de papel, algumas mais novas, outras pálidas. Sempre-vivas que colhíamos na estrada ou nas cercanias, entre as rochas. [Trecho do livro Torto arado, do escritor Itamar Vieira Junior (2019)] Nesse trecho da ficção criada por Vieira Junior (2018) e ambientada no sertão da Bahia, uma das filhas da personagem Zeca Chapéu Grande narra os instantes que antecedem os festejos de Santa Bárbara, Iansã, nas religiões afro-brasileiras. O descortinar do sincretismo religioso brasileiro, tão bem representado pelo escritor baiano em sua obra, não se trata de mero espetáculo ao leitor atento. O entremear de tradições religiosas é constituinte da identidade brasileira, sendo a sociedade, desde o início do seu processo 94 colonizador, predominantemente Católica, religião professada pelas nações colonizadoras. No entanto, estatísticas oficiais acerca das filiações religiosas tem apontado para a crescente alteração dessa realidade. No Censo Demográfico realizado no ano de 2010, 64,6% da população brasileira declarava-se católica, seguida de 22,2% de evangélicos, 2% de espíritas, 0,3% de Umbanda e Candomblé e de 2,7% de outras religiosidades. A estimativa é de que no ano de 2030 o Brasil não seja predominantemente de católicos, mas sim de evangélicos, em suas variações (SANTO, DIAS e SANTOS, 2023). Já falamos por aqui sobre os impactos do imperialismo europeu sobre os povos africanos, de como tiveram suasliberdades solapadas. Eles foram sequestrados e inseridos opressivamente em uma cultura diversa, na qual seus costumes mostravam-se tão inferiores quanto aos motivos que justificaram o tratamento desumano. O sociólogo Pierre Bourdieu (2005) ajuda-nos a compreender a dominação religiosa como recurso da manutenção de um arranjo social. Segundo Bourdieu (2005), sistemas simbólicos cumprem um papel político de legitimação da dominação. Acredita que todas as outras formas de poder estão transfiguradas no poder simbólico, ele é como um poder invisível “o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo o exercem” (BOURDIEU, 2005, p.8), é o responsável por construir a realidade e estabelecer um sentido para o mundo social. Se tomamos a religião dominante como um sistema simbólico, compreendemos a mesma como capaz de produzir experiências, com legitimação e poder para influir nas normas sociais. Com o advento das transformações econômicas e sociais, a Igreja Católica tornou-se autônoma e desenvolvida no que tange a crenças e práticas. Papéis foram estabelecidos dentro da sociedade, restando à Igreja a função de guiar os indivíduos na construção de costumes religiosos (BOURDIEU, 2005). A necessidade da convivência em grupo, da relação de dependência e o corporativismo levaram à introdução de seus valores morais na sociedade. Houve uma “racionalização” das ações e da forma de encarar os costumes e ritos, o que inclui a passagem do mito à ideologia (BOURDIEU, 2005). Os sacerdotes passaram à condição de organizados e cientes de suas funções, contribuindo ainda mais para a solidificação do monoteísmo. 95 A justificação do poder de dominação pela religião passou a ser garantida, então, pela propriedade de capital religioso por parte de instâncias religiosas e de indivíduos que o exerciam (os sacerdotes), por esse motivo estes se diferenciavam dos demais (leigos), motivando uma separação entre o sagrado e o profano. Essa propriedade (a do capital religioso) deu à instância religiosa a capacidade de desenvolver nos leigos costumes religiosos, capazes de fazê-los agir dentro de normas e de acordo com preceitos que, por conseguinte, conformavam certa visão política de mundo social (BOURDIEU, 2005). A partir desse entendimento, Bourdieu (2005) ajuda-nos a compreender que a manutenção da dominação pela religião está relacionada também à manutenção de uma ordem política. Nesse sentido, parte da tarefa de subalternizar os povos escravizados, utilizados como sustentáculos de um país em construção, era garantir também uma dominação simbólica por meio da imposição da religião do colonizador. As manifestações de intolerância às religiões de matriz africana que vemos ainda hoje derivam desse processo de silenciamento e expressam a contínua tentativa de silenciamento das camadas mais vulneráveis de nossa sociedade. Trata-se de um tipo de violência que foi substrato do processo colonial brasileiro e que se atualiza com o passar do tempo (CUNHA, 2023). Figura 67: Imagem do orixá Ogum. Fonte: O orixá Ogum (CORSI, 2023). 96 Acerca desse fazimento, Santos e Gino (2023, p. 182) afirmam que: A intolerância religiosa no Brasil faz parte de um processo dicotômico construído pela dominação social, política europeia que passou a dividir o que representava a “boa” e a “má” religião. Tal visão e representação religiosa foi construída no período colonial, a partir do encontro entre a religião cristã e as religiosidades africanas em solo brasileiro, onde os adeptos das religiões africanas, com suas culturas e suas representações, configuram um mal a ser combatido pelos não adeptos a estas religiosidades. Segundo Dias e Santos (2023, p.170), podemos definir a intolerância religiosa “como a dominação de uma vertente religiosa sobre as demais, sendo caracterizada pela perseguição explícita, concreta e objetiva em relação a instituições, símbolos e centros religiosos de determinada religião”. O que se observa é que “fomentados pelo racismo e pelo preconceito, os processos de colonização religiosa nas Américas ajudaram na construção de uma ideia e identidade não positiva das religiões e culturas de matriz africana” (SANTOS e GINO, 2023, p. 183) a ponto de que na tradição religiosa vivida pela sociedade brasileira, a qual tem reverberado no crescimento dos grupos religiosos evangélicos, as religiões de matriz africana estejam situadas no elo mais fraco do acirramento das guerras espirituais (SANTOS e GINO, 2023). Nesse sentido, nem mesmo os aparatos estatais são capazes de pôr fim a essa questão. Desde o fim do período ditatorial (1964-1985), vivemos todos em um Estado democrático de direitos no qual é assegurado, pela Constituição Federal de 1988, o livre exercício da religiosidade. Conforme se vê definido no artigo 5º, VI, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Porém, alguns anos depois da promulgação do documento que chancelava nossa democracia, novos acontecimentos convocavam a sociedade à luta por uma velha demanda renovada, o direito à re-existir enquanto povo brasileiro. Explicamos melhor. Grandes transformações políticas e sociais marcaram os anos de 1990. Segundo Cunha (2023), embora as demandas por direitos humanos ganhassem força, os anos de 1990 foram protagonizados por grandes catástrofes sociais responsáveis por desvelar violências (religiosa, de gênero, 97 contra a infância e de classe por exemplo) praticadas em desfavor de minorias políticas e por colocar o país na mídia e tribunais nacionais e internacionais. Entre eles, vale citar o "Massacre do Carandiru" (1992) e a "Chacina da Candelária" (1993). Figura 68: Relembre. Figura 69: Relembre. No que diz respeito especificamente à violência religiosa, o episódio conhecido como o “chute da santa” escancarou um contexto de violência religiosa antes não evidenciado na sociedade brasileira (CUNHA, 2023): Foi durante o programa matutino Despertar da Fé, transmitido pela TV Record, que Sérgio Von Helder, ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, em 12 de outubro de 1995, proferiu chutes e palavras ofensivas em direção a uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida. Esta, proclamada padroeira do Brasil, teve o seu dia de comemoração na Igreja Católica decretado como feriado nacional por lei em 1980. (CUNHA, 2023, p. 207) Em reação ao evento, exemplo da “guerra santa” instaurada no país, grupos e lideranças religiosas em defesa da liberdade de crença, como o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), o Movimento Inter-Religioso (MIR), a Mãe Beata de Iemanjá e o babalaô Ivanir dos Santos, puseram-se em um ativismo que acabou por consolidar a questão como um problema de toda a sociedade (CUNHA, 2023). Recentemente foi divulgado o II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. O documento resulta do esforço de grupos da sociedade civil, como Centro de Articulação de Populações Marginalizadas 98 (CEAP), com o apoio da UNESCO, em reunir dados acerca do fenômeno no país e em defesa da liberdade religiosa, incluindo dados do Disque Direitos Humanos (Disque 100). A seguir, acessamos alguns casos de intolerância às religiões de matriz africana apresentados no ano de 2021 à Comissão de Combate a Intolerância Religiosa do Estado do Rio de Janeiro e relatados no referido relatório (SANTOS, DIAS e SANTOS, 2023, s.p.): Região Metropolitana, capital: (Ilha do Governador): Adepto do Candomblé de 77 anos sofre traumatismo craniano quando cumpria rito religioso, na rua, em 04/01, na primeira segunda-feira do ano, após seis dias a vítima veio a falecer. Região Baixada Fluminense(Duque de Caxias, Saracaruna): Vizinho evangélico destrói um Terreiro de Umbanda, com vandalismo e incêndio. Aos gritos de “o pastor deu ordem para quebrar todos os demônios que visse pela frente”, tentou fugir para residência de outro membro da igreja que frequenta, mas foi detido. Região Baixada Fluminense (Japeri, Engenheiro Pedreira): Padre se recusa a batizar filho de casal que segue o Candomblé. Todo o processo para a celebração foi parado, e os pais da criança ouviram que “estou aqui para a igreja não virar bagunça”. Região Baixada litorânea (Cabo Frio): Terreiro de Umbanda que estava em construção e, dessa forma, sem teto, foi invadido e depredado, após culto. O sacerdote umbandista tentou suicídio após o ocorrido. Das 47 denúncias recebidas pela Comissão no ano de 2021, 43 diziam respeito às religiões de matriz africana, 03 à religião judaica e 01 à católica. Do total de casos, a maior parte (26%), representa injúria religiosa direcionada a pessoas, 23,9% dizem respeito às injúrias voltadas à comunidade religiosa e 21,7% dos casos está relacionado a vandalizações dos templos religiosos (SANTOS, DIAS e SANTOS, 2023). Segundo levantamento realizado por Santos, Dias e Santos (2023) a partir de dados obtidos junto ao Disque 100, responsável por receber denúncias relacionadas a violações de direitos humanos no país, o número de denúncias de intolerância religiosa foi de 477 em 2019, 353 em 20207 e 966 em 2021. No que diz respeito aos dados apresentados para o ano de 2021, as evidências apontam que as religiões de matriz africana, apesar de representar minoria no país, estão envolvidas na maior parte das denúncias. Das 966 denúncias, 244 envolviam religiões de matriz africana, 234 não definia especificamente a religião envolvida, 186 de matriz evangélica, 160 denúncias 7 No ano de 2020, o número de denúncias sofreu uma queda (353), fato que tem como hipótese explicativa o afastamento social imposto pela pandemia de COVID-19, o qual acabou por contribuir para um menor número de ocorrências de intolerância religiosa (SANTOS, DIAS e SANTOS, 2023). 99 diziam respeito às demais religiões, 125 à católica e 17 a denúncias envolveram pessoas sem religião. Nesse ano, a relação entre vítima e suspeito era de vingança (226 denúncias), assim, em sua maioria, a natureza jurídica da vítima era de pessoa física (743 denúncias) e a maior parte das vítimas era do sexo feminino (628 denúncias), ao passo que os suspeitos foram em sua maioria do sexo masculino (434 denúncias). O Relatório apresentado por Santos, Dias e Santos (2023) disponibilizou, ainda, um levantamento por Estado acerca de casos de intolerância religiosa de maior repercussão via Internet. Fizemos algo semelhante, o que nos levou a algumas das principais manchetes sobre intolerância religiosa no Estado de Minas Gerais no ano de 2022: 02 de maio de 2022: Casos de intolerância religiosa crescem 23% em Minas Gerais. Praticantes do candomblé e umbanda reclamam da sensação de impunidade pelos crimes cometidos, conforme dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG). Segundo a secretaria, somente em 2021 foram 96 registros de crimes com causa presumida de preconceito religioso contra 78 casos em 2020. As religiões de matrizes africanas são alvos dos ataques, em sua maioria. (FÓRNEAS, 2022) 09 de maio de 2022: Pai de santo denuncia intolerância religiosa contra casa de umbanda O sacerdote fez boletim de ocorrência contra uma pessoa da vizinhança que coloca música alta a fim de evitar que os cultos ocorram. A denúncia foi feita pelo pai de santo e terapeuta Bruno Vieira. Ele alega que uma pessoa da vizinhança liga som alto com músicas de louvor para atrapalhar as atividades no centro. (CAIXETA, 2022) 12 de maio de 2022: Casa de candomblé é alvo de ataques em Esmeraldas. Donos do local acreditam que o crime se trata de intolerância religiosa. Uma casa de candomblé em construção foi alvo de ataques, em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Portas, vigas e muros foram derrubados. Além disso, criminosos quebraram e furtaram Ibás, objetos que representam fisicamente os orixás. (BOM DIA MINAS, 2022) 14 de junho de 2022: Em Minas Gerais, mulher perde guarda da filha após levá-la a ritual de Umbanda. Uma mãe de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, está impedida desde o último dia 20 de maio de conviver com sua filha de 14 anos. O motivo do impedimento, veja só, é o fato dela ter levado a adolescente para participar de um ritual umbandista. (CENARIUM AMAZÔNIA, 2022) 20 de outubro de 2022: Umbandistas denunciam intolerância religiosa após depredação em terreiro de BH. Um terreiro de umbanda foi depredado na madrugada dessa terça-feira (18), no bairro Jardim Montanhês, na região Noroeste de BH. Umbandistas denunciam que a motivação da destruição no local seja por 100 intolerância religiosa e a Polícia Civil investiga o caso. (FERNANDES, 2022) No Estado de Minas Gerais, segundo dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) e divulgados pelo Portal O Tempo, o registro de crimes com motivação presumida de preconceito religioso subiu de 78 em 2019, para 92 em 2021. Figura 70: Dados sobre registros envolvendo preconceito religioso. Ao analisar as queixas de intolerância religiosa nos boletins de ocorrências registrados no Estado de Minas Gerais entre os anos de 2016 e 2018, Nicácio (2021) pode verificar 101 ocorrências que indicam a existência de crime ou contravenção penal relacionada a violência e intolerância religiosa. Nessas, os episódios estão presentes nos mais diversos ambientes: vizinhanças, locais de trabalho, rua, escolas e igrejas, por exemplo. Porém, a maior parte das violências cometidas tem como contexto as relações de vizinhança (37 casos, 36,6%) e entre pessoas conhecidas (12 casos, 11,9%). Segundo Nicácio (2021), os dados também indicam que os episódios de violência são em desfavor de diversas matrizes religiosas: cristianismo, protestantismo, espiritismo, umbanda e candomblé, por exemplo, e, embora em 101 números absolutos haja uma predominância de atos violentos contra o cristianismo evangélico (35 casos, 34,6%), as religiões de matriz africana são afetadas de modo preocupante (31 casos, 30,7%). Bem menos numerosa na sociedade brasileira, essas estão mais expostas à intolerância religiosa (NICÁCIO, 2021), confirmando a tendência apontada por Santos, Dias e Santos (2023) no II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. Dito isso, compreendemos que a intolerância religiosa tem sido utilizada como mecanismo de exclusão operacionalizado, principalmente, em desfavor daquelas(es) que professam a fé herdada da ancestralidade africana. Herança é a palavra de ordem. Por meio do sincretismo, herdamos as religiões de matriz africana, por meio do colonialismo europeu, herdamos, enquanto sociedade, a noção de uma superioridade religiosa (SANTOS e GINO, 2023). E, apesar de compreendemos que tanto o racismo, como o fenômeno aqui abordado, têm raízes na escravização de povos africanos, é preciso ter em mente que a intolerância religiosa não está relacionada a questões fenotípicas, como a cor da pele, mas “tem a ver com a cultura que ela representa e que está ligada às ‘africanidades’ que nos apresentam uma identidade religiosa destoante da religiosidade vigente” (SANTOS e GINO, 2023, p.188). No ano de 2022, a Lei Federal 11.635, de 27 de dezembro de 2007, que instituiu 21 de janeiro como o Dia de Combate à Intolerância Religiosa no Brasil, completou 15 anos e, desde então, acompanhamos a criação de frentes parlamentares, conselhos, grupos de trabalho e políticas públicas em defesa da liberdade religiosa e combate à intolerância (CUNHA, 2023), mas, como bem vimos, há muitoa ser feito. Nesse trilhar, é possível afirmar que a identificação dos casos relativos à intolerância religiosa representa uma dimensão importante para pensar os processos de reconhecimento de direitos e, principalmente, sobre o papel do órgão estadual de investigação criminal na responsabilização de infratores, notadamente em razão da liberdade religiosa e da laicidade que constituem-se como paradigmas fundantes do Estado de Direito moderno. Estudos sociológicos e antropológicos têm demonstrado que a ideia de um Estado impessoal e laico não se realizou nem plenamente, nem de maneira uniforme, seja porque se observou o surgimento de movimentos de contra 102 secularização, seja porque a laicização se deu de formas variadas e com efeitos distintos nas sociedades, em especial, no que se refere às formas político-jurídicas de tratar a diversidade de manifestações religiosas no espaço público. Como recomendação para enfrentar a questão, avulta a importância de que policiais civis estejam atentos no trabalho de investigar tais fatos. Como primeiro passo, no desempenho de suas atribuições, o servidor da polícia civil (das carreiras policial e administrativa) deve possuir cuidado meticuloso na formalização dos atos de apuração, desde o registro do fato (por meio do boletim de ocorrência: aqui em Minas Gerais, o Registro de Evento de Defesa Social) até oitivas, comunicações de serviço, termos ordinatórios, laudos periciais, representações por medidas cautelares e relatórios de investigação. Em pesquisa relevante, aponta Camila Nicácio (2021, p. 573-575): A inconsistência de relatos observada em minha abordagem aponta para um problema persistente no padrão de preenchimento de um documento teoricamente fundante da formalização: o registro de ocorrências. Somados, relatos contendo condutas atípicas (35) e relatos inconsistentes (32) se aproximam da metade do total encontrado (168), estando prejudicados para efeito de análise. Atipicidade e inconsistência não se confundem, e o agente policial não pode inventar um delito, ainda que participe de sua reconstrução. De todo modo, é interessante se perguntar até que ponto a falta de qualidade do preenchimento não produz, de algum modo, a própria atipicidade. Tal indagação ganha um contorno irônico se associada ao fato de que policiais têm a convicção de que o “destino penal” de um caso depende, definitivamente, do trabalho que eles realizam (Lévy, 1985: 421). Menciono igualmente a ausência de informações relevantes. Refiro- me aqui, por exemplo, a dados como a relação entre as vítimas, ou a religião delas, ou às características centrais da própria situação pretensamente ofensiva relatada. Nesse sentido, em 18 ocorrências (17,8%) não se informou a religião da vítima. Aproximando-se de 1/5 do universo de condutas típicas, tal dado desperta interesse quando pensamos não somente na sequência da formalização (com investigações e procedimentos judiciais posteriores), mas também na formatação de políticas públicas para enfrentar o problema da intolerância religiosa. Exemplos do que estou indicando seguem abaixo: (...) Nota-se, nesse conjunto, falta flagrante de informações essenciais para uma investigação posterior, se se leva em conta o fato de que inquéritos carecem de um mínimo de informações para se determinar uma linha de investigação, e que “quanto mais detalhada for a circunstância do crime em um primeiro momento, melhor será desenvolvido o trabalho policial no processo de elucidação” (Miranda; Oliveira; Paes, 2010: 25). Pergunta-se, então, para o caso mineiro: o destino de boa parte dos REDS não seria a inutilização? Quantos deles embasariam inquéritos, precocemente arquivados por falta de elementos mínimos? Se o crime em questão é o preconceito ou discriminação 103 por motivo religioso, que lugar reservar à religião da vítima no conjunto dos dados, sobretudo tendo em vista a complementaridade das ações do Estado para enfrentar um problema determinado? De algumas dessas questões tratarei na próxima seção. Antes de avançar, insiro um dado que me parece importante na correlação entre mise en forme e problemas públicos: a visibilidade da categoria “intolerância religiosa” nos registros. A expressão aparece em apenas 14 de um total de 168 ocorrências, das quais 101 representaram o universo de ocorrências típicas sobre o qual trabalhei. Foram encontradas nada menos do que 20 naturezas de crime ou conflito motivados por intolerância religiosa. Dentre esse “emaranhado normativo”, encontram-se violências de várias ordens, cujo bem violado é a integridade física e o patrimônio aqui, a honra e liberdade acolá, aos quais o sentimento religioso parece se amalgamar não como ator principal, mas como coadjuvante. Noto que a Lei do Racismo, nº 7.716/1989, não foi mobilizada nem uma vez. Não se trata aqui, como nas hipóteses anteriores, de um problema de formalização, mas algo que a formalização capta: uma possível relação entre a relativa baixa incidência de violência ligada à intolerância religiosa e um relativo desconhecimento ou confusão sobre o que ela abarca (Nicácio, 2020). Como vimos, os números estatísticos são tímidos; a questão de fundo, qualitativa, é que desperta a atenção. (sem destaques no original). Portanto, fundamental o papel do servidor da PCMG na implementação concreta da investigação criminal enquanto política pública, caso contrário contribuirão para ocultar e tornar “invisível” (para o sistema de justiça criminal) o problema da intolerância religiosa. 104 UNIDADE 4 10. A IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA IGUALDADE RACIAL Figura 71: Imagem sobre a Lei de Cotas. Fonte: Extraído de UFJF (2022). As ações afirmativas, ou políticas afirmativas, constituem medidas que têm por objetivo garantir igualdade de direitos a grupos da sociedade que são oprimidos ou sofrem com as consequências de passados de opressão. Em que pese a Constituição Federal estabelecer que todos os brasileiros têm direitos iguais, tais direitos não são cumpridos efetivamente em todas as camadas sociais, sendo necessária a efetivação de políticas afirmativas para se alcançar a efetiva igualdade, a material. O ex-ministro Joaquim Barbosa conceitua ações afirmativas como “políticas públicas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física” (PORTAL GELEDÉS, 2012, s.p.). Ademais, destacou que por meio delas “a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade” (BARBOSA apud PORTAL GELEDÉS, 2012, s.p.). Conforme registra o ex-ministro, as ações afirmativas podem ser desenvolvidas pelos entes estatais bem como por entes não estatais, visto que não se trata de ação típica de governo (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 105 2012). Existem ações afirmativas desenvolvidas por instituições da sociedade civil com autonomia suficiente para decidir a respeito de seus procedimentos internos, tais como partidos políticos, centrais sindicais e sindicatos, escolas, igrejas, empresas (MALAR, 2021; BRITO, 2022), dentre outras. Assim, por meio de ações pontuais e por tempo determinado, as ações afirmativas têm como objetivo diminuir as desigualdades históricas vivenciadas por grupos sociais, como as populações negras e indígenas no Brasil. De acordo com Campos (2016, p.16, grifos no original), as “ações afirmativas raciais em vigor no Brasil visam, por exemplo, modificar o viés racista de uma determinada estrutura social alterando as posições historicamente destinadas aos negros e reconduzindo-os a espaços de privilégio e poder”. Conforme o mesmo autor, a expectativa de açõesdesse tipo é que, sendo bem-sucedidas, contribuam para dissociar negritude e pobreza, gerando efeitos – ideológicos e práticos – diversos. Como já mencionado, o Estatuto da Igualdade Racial incentiva a adoção de políticas afirmativas, de modo a atingir a igualdade material entre os indivíduos. São dois exemplos que serão tratados neste curso, a Lei de Cotas, Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que reserva vagas nos cursos de graduação das universidades federais para estudantes de escolas públicas, negros, indígenas e quilombolas, e a Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, que estabelece cotas para negros e pardos em concursos federais. A Lei 12.711/2012, regulamentada pelo Decreto 7.824, de 10 de outubro de 2012, dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio: Art. 1º As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Parágrafo único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo, 50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita. Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação 106 onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Parágrafo único. No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, aquelas remanescentes deverão ser completadas por estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Essa distribuição é resumida no fluxograma a seguir, de elaboração do Ministério da Educação: Figura 72: Fluxograma sobre distribuição de vagas. Fonte: Extraído de Ministério da Educação (2012). Convém destacar que esse infográfico é anterior à promulgação da Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016, que incluiu a categoria “pessoas com deficiência” no caput do art. 3º da Lei nº 12.711/2012. As disposições da Lei nº 12.711/2012, já tratam de demonstrar a inviabilidade de uma das principais críticas populares ao modelo de cotas aplicado no Brasil, qual seja, de que ele deveria ser baseado em critérios 107 sociais, e não raciais, de demarcação. Como se vê, essa inviabilidade está já no caput do art. 3º, que inicia a distribuição de vagas a partir da reserva de metade delas para candidatos oriundos de escolas públicas – independente da raça/cor declarada. Ademais, segundo define Kabengele Munanga (2021, p.117) “todos os problemas da sociedade são sociais, mas como o social é complexo e diverso, as políticas sociais têm de ser específicas e focadas, não genéricas. É preciso nomear os beneficiados para não deixar margem à indefinição.” Por ocasião dos dez anos de promulgação da Lei (que por força de seu art. 7º, deveria ser revista quando decorrido esse período), a Agência Senado (BAPTISTA, 2022) apresentou dados da pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do IBGE, na qual constatou-se que o número de matrículas de estudantes pretos e pardos nas universidades e faculdades públicas no Brasil em 2018 alcançou pela primeira vez a marca de mais da metade dos matriculados (50,3%). Apesar de maioria em termos puramente numéricos, esse grupo ainda assim se encontrava subrepresentado, já que na ocasião correspondia a 55,8% da população brasileira (BAPTISTA, 2012). Figura 73: Dados sobre a distribuição de pessoas que frequentam o ensino superior. Fonte: Extraído de Baptista (2012). Citamos acima a prescrição legal de revisão da Lei de Cotas, uma vez passados dez anos de sua publicação. Entretanto, vencido o prazo, tal revisão 108 não ocorreu. Antes de discutirmos o status atual da Lei nº12.711/2012, precisamos compreender o que se entende por revisá-la. Apesar de relativamente pouco discutido, o processo de revisão é medida essencial para aferição da eficácia e da efetividade de uma política pública. Nas palavras do professor Wallace Corbo, “o prazo de 10 anos não é para que a Lei de Cotas perca os efeitos. Ela não deixará de valer. É só para criar a obrigação de o governo avaliar quais foram as consequências da política nesse período e, se necessário, promover alguma mudança (CORBO apud TENENTE, 2022, s.p.). Ou seja, o processo de revisão serve que se verifique os resultados alcançados no período já cumprido de funcionamento da lei. Nesse sentido, três eram as possibilidades, vislumbradas no ano passado, de posicionamento do Congresso brasileiro ante a Lei nº 12.711/2012: 1) deixá-la fora da pauta, permanecendo válido integralmente o texto atual (a lei não “caduca” por falta de revisão); 2) a prorrogação do prazo de revisão; e 3) a discussão efetivamente acontecer, gerando alguma mudança na lei (por exemplo, restringindo seu alcance a menos grupos ou para incluir novos mecanismos, como recursos anti-fraude) (TENENTE, 2012). Findado o ano legislativo, a discussão não ocorreu, valendo a primeira hipótese acima. O Projeto de Lei nº 5.384/2020 sugeria que o caráter permanente da política de cotas passe a constar no texto legal, mas desde 14 de junho de 2022 aguarda no Plenário da Câmara para ser votado. O deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA) foi designado seu relator, e propôs que a revisão seja adiada por cinco anos, prevista então para ocorrer em agosto de 20278 (MUGNATTO, 2022). Em paralelo, pesquisa desenvolvida por Godoi e Santos (2021) com vistas a auxiliar o processo de revisão, demonstrou que a lei alcançou resultados substanciais e positivos, mas que sua implantação se encontra aquém de suas possibilidades. Ademais, destacou a necessidade de desenvolvimento de mecanismos eficazes de monitoramento e avaliação; bem como a previsão explícita das bancas de heteroidentificação, a fim de coibir fraudes; entre outras. 8 Na data de redação deste tópico, fevereiro de 2023, a revisão não havia acontecido, tampouco seu (eventual) adiamento. 109 Outra importante política afirmativa no âmbito federal é a Lei 12.990/2014, que reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. De acordo com a legislação, poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito raça/cor utilizado pelo IBGE. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. A citada legislação entrou em vigor no ano de 2014 e tem vigência pelo período de dez anos. Em 2017 foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 41/DF) em relação à Lei 12.990/2014, que declarou a legislação constitucional, conforme trecho da decisão: A constitucionalidade da instituiçãode sistema de reserva de vagas, com base em critério étnico-racial, foi exaustivamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental 186/DF. Assentou a Corte a compatibilidade de tais políticas públicas com os princípios e valores consagrados na Constituição da República de 1988, sobretudo com a garantia constitucional da isonomia, em sua acepção material ou substancial (CR, art. 5º, caput), e com os objetivos gerais do estado democrático de direito e fundamentais da República Federativa do Brasil, voltados à construção de sociedade solidária, fraterna e pluralista, à redução das desigualdades sociais e à promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (CR, preâmbulo e arts. 1º, V, e 3º, I, III e IV). Ressaltou o tribunal a importância da adoção de políticas de ação afirmativa como instrumentos jurídicos aptos a conferir efetividade a direitos e garantias fundamentais e a corrigir distorções decorrentes da aplicação meramente formal do princípio da igualdade, aplicação esta insuficiente para superar situações de desigualdade que sofrem grupos historicamente excluídos. [...] Os mecanismos legais em foco são, portanto, não apenas juridicamente corretos e compatíveis com a Constituição da República como sociologicamente justos e desejáveis, na direção de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; 110 reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação. Todos esses são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, definidos de forma expressa no art. 3º da Constituição nacional. (Procuradoria-Geral da República, 2016, p.11; p. 27. Grifos nossos) Citadas anteriormente como medida de controle cuja existência deve ser prevista em lei (GODOI; SANTOS, 2021), as bancas de heteroidentificação. Como afirma Munanga (2021), o princípio de admissibilidade inicial dos candidatos a programas de cotas é o da autodeclaração, estabelecida nos termos de identificação “racial” estabelecidos pelo IBGE (branco, preto, amarelo, indígena e pardo). De partida, evitou-se a opção por rótulos que poderiam gerar ambiguidade e manipulação, tais como “negro” ou “afrodescendente”. Nas palavras do autor, essa definição seria o bastante “em regimes nos quais a cidadania funciona plenamente, o que não é o caso nos países em construção democrática, nos quais as fraudes podem ocorrer até em algumas das maiores instâncias do país, inclusive nos meios judiciários” (MUNANGA, 2021, p.127). Entretanto, a categoria “pardo” podia – e foi – manipulada de má- fé por pessoas brancas de fenótipo caucasiano RÁDIO ESCAFANDRO, 2022; G1, 2019b), tornando a autodeclaração, sozinha, insuficiente. Como o sistema brasileiro não considera teorias como a chamada one- drop-rule9 (MUNANGA, 2021) para definir a raça dos sujeitos, mas a sua condição fenotípica, é possível que indivíduos de traços caucasianos, que em condições normais se identificariam como brancos, evoquem um caráter mestiço (pardo) em situações de competição – sem que estejam efetivamente mentindo. Entretanto, essa assunção se dá por razões oportunistas: o indivíduo, em tudo lido e posicionado como branco, “assume uma identidade que nunca carregou na vida” (MUNANGA, 2021, p.128). Dessa forma, conclui o mesmo autor que: O princípio, ou melhor, o critério de controle defendido é aquele que combina a autodeclaração com a heterodeclaração. Quando a autodeclaração confere com a iconografia da pessoa, graças a uma 9 Segundo a lógica da one-drop-rule (ou “Regra da Gota de Sangue”), basta que um indivíduo tenha um ascendente negro, qualquer e a qualquer distância, para ser considerado negro. A teoria, usual nos Estados Unidos da América, define que a racialização independe do fenótipo, de modo que mesmo indivíduos fenotipicamente caucasianos, tendo ascendente(s) negro(s), é considerado negro. Como demonstra Munanga (2021) essa lógica assinala o racismo dito “de origem”. 111 fotografia colorida incontestável onde aparece a cor da pele e outros traços morfológicos que remetem à negritude, o candidato ou a candidata não é barrado(a) pela Comissão. Mas quando há um desencontro entre a autodeclaração e o fenótipo de um candidato que se autoidentifica como pardo, mas que tem um fenótipo claramente caucasiano, a autodeclaração teria de ser contestada pela Comissão [...]. Esse candidato não pode ser simplesmente barrado sem averiguação [...]. (Munanga, 2021, p.128) Figura 74: Reportagem sobre fraude em cota racial. Servidor exonerado por fraude em cota racial. Fonte: G1 (2019b, s.p.). Não se discute que a política de ações afirmativas vigente no Brasil pode ser aperfeiçoado – melhor seria, sem dúvidas, que houvesse igualdade de condições sociais entre os cidadãos, mas infelizmente essa não é a realidade. Sendo necessárias ações dessa natureza, que sejam constantemente revisadas, aperfeiçoadas e transparentes ao escrutínio público, até o momento em que, esperamos, deixem de ser necessárias. Até lá, muito ainda há para ser feito nessa seara. Os dispositivos legais apresentados não resumem todas as ações desse tipo, apenas ilustram as mais importantes. Há muitas outras ações conduzidas por entes privados e instituições estaduais, distritais e municipais. 112 11. QUAIS PROVIDÊNCIAS DEVEM SER ADOTADAS EM CASO DE PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO DECORRENTES DA RAÇA Ao sofrer ou presenciar alguma conduta preconceituosa ou de discriminação que se enquadra nos crimes de racismo ou injúria racial estudados ao longo deste curso, existem providências que devem ser adotadas para possibilitar a identificação e responsabilização do autor dos fatos. Caso o fato tenha ocorrido naquele momento, sendo possível a prisão em flagrante do autor, a Polícia Militar deve ser acionada por meio do número de telefone 19010. Uma viatura irá deslocar até o local dos fatos e poderá realizar a prisão em flagrante do autor, encaminhando-o até a Delegacia de Polícia para as medidas cabíveis no âmbito da Polícia Civil. No caso de prisão em flagrante, a vítima também será ouvida e deve narrar com detalhes como ocorreu a prática criminosa, indicando testemunhas, caso existam, que prestarão depoimento. Nas demais situações, quando o crime tiver ocorrido em outro momento (num passado distante do estado flagrancial) ou a discriminação é resultado da prática de atos repetitivos, a orientação é procurar a Delegacia de Polícia Civil mais próxima e formalizar o registro do fato. Antes do registro da ocorrência policial, orienta-se que a vítima busque o maior número de informações acerca do agressor, caso o conheça, bem como nome, telefone e endereço de eventuais testemunhas que tenham presenciado o crime. A vítima deverá narrar os fatos na íntegra e com a maior riqueza de detalhes possível. Caso o crime tenha sido gravado, esta informação também deverá ser levada ao conhecimento do policial responsável pelo registro, pois será mais um meio de prova do fato delituoso. Outra informação que merece constar na ocorrência policial é o interesse da vítima em processar criminalmente o agressor, caso seja o seu desejo. 10 Neste momento preambular, face a caracterização do flagrante delito, é dever imperativo a atuação imediata da PCMG. 113 Figura 75: Imagem da cartilha de orientação. Fonte: Sofri racismo, o que fazer? Cartilha de orientação à população no combate ao racismo. Várias cidades já possuem órgãos especializados de combate ao racismo como Delegacias de Polícia, Defensoria Pública e Ministério Público. A vítima poderá solicitar ao policial responsável pelo seu atendimentouma cópia do Boletim de Ocorrência feito na Delegacia. Figura 76: Atenção. 114 Após o registro do fato por meio da ocorrência policial, uma das hipóteses é a instauração do Inquérito para apuração dos fatos, com a produção dos elementos informativos (v.g., oitiva de todos os envolvidos, elaboração de laudos periciais conforme o caso e a realização de outras diligências cabíveis para apuração). Finda a etapa policial investigativa, o procedimento concluído será encaminhado à justiça para análise do Ministério Público. A vítima poderá buscar orientação jurídica, que pode ser realizada pela Defensoria Pública ou por advogado. Poderá ainda acompanhar todas as fases do inquérito policial e processo judicial. Além da investigação criminal, a vítima poderá ingressar com ações cíveis através de advogado/defensor público, solicitando indenizações, quando cabível. Noutro pórtico, é possível, ainda, registrar denúncias de forma identificada ou anônima, através de serviços existentes com esta finalidade, como o Disque 100 ou 181. Cita-se o caso do jornalista Manoel Soares que foi vítima de racismo através de publicações realizadas em uma rede social. Após a investigação, foi possível identificar o autor do delito, que reside em Belo Horizonte, o qual confirmou ter realizado as postagens. Figura 77: Reportagem sobre caso apurado pela PCMG. Fonte: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/02/04/homem-e-indiciado-em-bh-por- comentario-racista-contra-jornalista-manoel-soares.ghtml. https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/02/04/homem-e-indiciado-em-bh-por-comentario-racista-contra-jornalista-manoel-soares.ghtml https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2022/02/04/homem-e-indiciado-em-bh-por-comentario-racista-contra-jornalista-manoel-soares.ghtml 115 Figura 78: Atenção. 116 12. EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL Atualmente, existem diversos mecanismos e programas de proteção dos direitos das pessoas vítimas de preconceito e discriminação. A articulação e a parceria das três esferas do Governo (âmbito federal, estadual e municipal) constituem as chamadas redes proteção. Não pretendemos aqui esgotar o tema, apenas elencar alguns dos principais equipamentos de proteção e promoção da igualdade racial. • Disque Direitos Humanos (Disque 100) O Disque Direitos Humanos recebe denúncias sobre as violações de direitos humanos contra a população negra em geral e contra comunidades quilombolas, de terreiros, ciganas e religiões de matriz africana. Funciona 24 horas por dia, todos os dias, inclusive aos sábados, domingos e feriados, podendo receber denúncia, inclusive anônima, de qualquer pessoa através de ligação gratuita de qualquer telefone fixo ou celular. As denúncias ainda poderão ser recebidas através do aplicativo Proteja Brasil e através da ouvidoria online. Este serviço está vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e tem como objetivo receber e encaminhar denúncias para os órgãos competentes para que assim seja devidamente investigado. Caso sofra ou presencie situações de racismo ou qualquer outra forma de discriminação e violação de direitos humanos é possível denunciar através do Disque 100. 117 Figura 79: Imagem do canal Disque 100. • Coordenadoria Estadual de Políticas de Promoção de Igualdade Racial A Coordenadoria Estadual de Políticas de Promoção de Igualdade Racial é uma das coordenadorias que compõem a estrutura da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) do Governo de Minas Gerais. O órgão tem por objetivo planejar, coordenar, supervisionar, orientar, articular e avaliar as ações de promoção da igualdade étnica e racial. Dentre as principais atribuições está a de articular e acompanhar e supervisionar a execução de planos estaduais e políticas públicas para a promoção da igualdade racial, promoção e proteção dos direitos da população negra, indígenas, quilombolas, ciganos e demais povos e comunidade tradicionais, em consonância com a Lei 21.147/2014. • Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONEPIR O Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONEPIR/MG, foi criado pela Lei nº 18.251, de 7 de julho de 2009, e regulamentado pelo Decreto n.º 45.156, de 26 de agosto de 2009. Órgão colegiado de caráter consultivo, deliberativo, tem por finalidade propor políticas que promovam a igualdade racial no que concerne aos segmentos étnicos minoritários do Estado, com ênfase na população negra, indígena e cigana, 118 para combater a discriminação racial, reduzir as desigualdades sociais, econômicas, financeiras, políticas e culturais e ampliar o processo de participação social. • Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) Criada pela Resolução PGJ nº 5, de 10 de fevereiro de 2021, a Coordenadoria de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação (CCRAD), órgão auxiliar da atividade funcional do Ministério Público, vinculado ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Controle Externo da Atividade Policial e Apoio Comunitário (CAO-DH), que tem por finalidade o enfrentamento do racismo estrutural e todas as discriminações contra minorias através da interlocução e articulação entre os(as) Promotores(as) de Justiça, instituições públicas e sociedade civil organizada, para implementação de políticas afirmativas de igualdade racial e de promoção da diversidade, bem como de enfrentamento às discriminações étnico-raciais ou de gênero e orientação sexual. Compete à CCRAD desenvolver, no âmbito do MPMG, ações destinadas à promoção da diversidade e da igualdade étnico-racial, bem como de proteção dos direitos de indivíduos e grupos, afetados por discriminação e demais formas de intolerância; acompanhar a formulação e a implementação das políticas nacional, estadual e municipal afetas à área; – fiscalizar a aplicação das leis referentes ao enfrentamento das desigualdades étnico-raciais e promoção da diversidade; e identificar as demandas sociais de atuação do Ministério Público na área da defesa dos direitos das minorias, com especial atenção à discriminação em razão de origem, raça, cor, etnia, religião, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, provocando a atuação dos órgãos de execução com atribuição. • Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais A Defensoria Pública é um órgão público presente nos diversos estados do país que cumpre o dever constitucional do Estado de prestar assistência 119 jurídica integral e gratuita à população que não tenha condições financeiras de pagar as despesas relativas ao ajuizamento de ações. A assistência jurídica integral é mais do que uma assistência judiciária, pois também abrange, além de elaboração e encaminhamento de requerimentos ou defesa em processos judiciais, o amparo na esfera extrajudicial e consultorias jurídicas. Ou seja, a orientação e o aconselhamento jurídicos. A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais possui a Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH), que atua, dentre outras funções, no combate e na proteção dos Direitos Humanos. • Delegacia Especializada em Repreensão aos crimes de Racismo, Xenofobia, LGBT fobia e intolerâncias correlatas/DECRIN A Delegacia Especializada em Repreensão aos crimes de Racismo, Xenofobia, LGBT Fobia e intolerâncias correlatas foi criada pela Polícia Civil do Estado de Minas Gerias, através da Resolução nº 8.004/2018, e integra o Departamento de Investigação, Orientação e Proteção à família – DEFAM. Tem atribuição para investigação criminal quando a motivação decorrer de preconceito,intolerância ou qualquer outro ato de discriminação, excluindo os delitos de homicídio consumado, cuja atribuição será do Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à pessoa. Atualmente a Delegacia Especializada funciona no prédio da Divisão de Atendimento à Mulher em Belo Horizonte e recebe todas as vítimas de intolerância, seja em virtude da orientação sexual, da religião, da raça, cor, etnia. Nas cidades onde não houver delegacias especializadas, qualquer delegacia poderá fazer o registro de ocorrência. • Diretoria de Reparação e Promoção da Igualdade Racial A Diretoria de Políticas de Reparação e Promoção da Igualdade Racial (DPIR), vinculada à Subsecretaria de Direitos de Cidadania (SUDC), que compõe o quadro da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança 120 Alimentar e Cidadania (SMASAC), é responsável pela coordenação da Política Municipal de Promoção da Igualdade Racial, criada pela Lei 9.934/2010. O principal objetivo da DPIR é enfrentar o racismo e promover a igualdade racial como premissa e pressuposto das políticas de governo, as quais terão caráter intersetorial, de modo a descentralizar e regionalizar as ações na execução das políticas públicas de promoção da igualdade racial, enfrentamento dos racismos. • Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR) O Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR) foi criado em 2010, pela da Lei Municipal nº 9.934, e configura-se, desde então, como órgão estimulador da participação da sociedade civil na definição da Política Municipal de Promoção Igualdade Racial em Belo Horizonte. Está vinculado à Subsecretaria de Direitos de Cidadania e à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania. Sua finalidade era, inicialmente, colaborar com a Secretaria Municipal de Políticas Sociais e com a Coordenadoria Municipal de Promoção da Igualdade Racial na elaboração e no desenvolvimento de políticas de promoção da igualdade racial, com ênfase na população negra e em outros segmentos étnicos da população brasileira, com o objetivo de combater o racismo, o preconceito, a discriminação, a xenofobia e de reduzir as desigualdades raciais nos campos econômico, social, político e cultural. Atualmente, o COMPIR, junto à Diretoria de Promoção da Igualdade Racial, vem trabalhando na construção de uma política articulada que atenda a todos os grupos étnicos que compõem a cidade, tais como indígenas, ciganos, povos de tradição e quilombos. O conselho é formado por representantes do governo municipal e da sociedade civil, que contribuem e configuram o controle social das políticas públicas para a definição dos planos de ação da cidade, através de reuniões plenárias periódicas e discussões extraordinárias quando necessário. 121 13. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do curso, foram trazidos conceitos importantes referentes às relações étnico-raciais, bem como o contexto histórico no Brasil da pessoa negra, em especial a sua exploração por meio da escravidão. Os dados estatísticos demonstram que a população negra é a mais afetada pela desigualdade e pela violência em nosso país, sendo consequência do passado de opressão, exploração e discriminação. Com o objetivo de reparar essas desigualdades, é imprescindível a adoção de ações afirmativas pelo poder público, de modo a permitir o ingresso de pessoas negras em universidades e cargos públicos através de cotas específicas. Além disso, é necessário conscientizar a população da existência do racismo, que muitas vezes é negado no Brasil, e demonstrar como o racismo se manifesta, uma vez que existem condutas preconceituosas que estão, em alguns casos, naturalizadas e são reproduzidas pelos indivíduos, como em piadas e nas diversas expressões demonstradas neste curso. Ao analisar a legislação referente à criminalização do racismo, o Estatuto da Igualdade Racial, as ações afirmativas, dentre outras, podemos afirmar que, nas últimas décadas, houve conquistas nas políticas raciais no país, contudo, ainda existe uma série de desafios para superação do racismo em nossa sociedade, seja nas relações familiares, na escola, nas mídias, no trabalho, entre outros espaços e suas instituições. A conscientização da população sobre a natureza criminosa das condutas racistas é essencial. Toda a sociedade que presencia essas práticas, bem como as pessoas que são vítimas de racismo devem noticiar os crimes raciais às autoridades competentes, de forma a possibilitar a investigação do delito e permitir a responsabilização do autor, evitando, assim, que a impunidade prevaleça. Importante mencionar que quando uma ofensa racial é proferida, há sempre um dano psicológico irreversível. Não devemos tolerar qualquer ato de preconceito e discriminação em razão da raça, sendo de responsabilidade de todos nós buscarmos uma sociedade igualitária e sem qualquer forma de racismo. 122 Neste contexto, tendo em conta as obrigações constitucionais e internacionais (decorrentes das normas de Direitos Humanos) impostas ao Estado brasileiro em matéria de discriminação racial, são necessárias medidas oportunas e eficazes. Primeiro, no que diz respeito ao dever de respeitar o direito à igualdade de todas as pessoas, o Estado deve realizar ações destinadas a capacitar os servidores das instituições encarregadas de fornecer segurança aos cidadãos e, assim, tais agentes possam realizar o seu trabalho de forma civilizada, respeitosa e garantidora. Como componente dessa obrigação, é essencial que as instituições policiais (e, também, as outras que compõem o sistema de Justiça Crimianal) cumpram o dever de transparência da informação sobre a situação particular da população negra no sistema penal, especialmente ao nível da ação policial. Em segundo lugar, no que diz respeito à garantia do direito à igualdade e à não discriminação, a PCMG, por meio de seus servidores, deve estabelecer procedimentos cientificamente construídos e transparentes para o desencadeamento de atos de investigação e de atendimento ao público. Finalmente, como medida geral, é fundamental a promoção do diálogo entre as instituições policiais e os líderes e organizações comunitárias dos diferentes setores da sociedade civil. Os servidores da PCMG podem não só facilitar a construção de relações mutuamente respeitosa entre a polícia e os cidadãos, mas também podem estabelecer passos seguros para a contribuição do importante esforço conjunto de redução dos índices de violência e criminalidade. 123 REFERÊNCIAS ADORNO, Luís. Abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia, diz novo comandante da Rota. UOL. São Paulo. 24 ago. 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/24/abordagem-no- jardins-e-na-periferia-tem-de-ser-diferente-diz-novo-comandante-da-rota.htm. Acesso em: 27 jan. 2023. ADORNO, Sérgio. Racismo, criminalidade violenta e Justiça penal: réus brancos e negros em perspectiva comparativa. Revista Estudos Históricos, São Paulo, v. 9, n. 18, p. 283-300, jan. 1996. 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