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APOSTILA - Relações étnico-raciais e atuação policial 3 ed


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POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 
ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E ATUAÇÃO POLICIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte – 2024 
 
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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E ATUAÇÃO POLICIAL 
 
 
Coordenação Geral 
Yukari Miyata 
 
Subcoordenação Geral 
Marcelo Carvalho Ferreira 
 
Coordenação Didático-Pedagógica 
Flávia Portes Teixeira 
 
Coordenação de Recrutamento e Seleção 
Robson Silva de Aguiar 
 
Conteudistas 
Guilherme Cardoso Vasconcelos 
Isabella Franca Oliveira 
Lydiane Maria Azevedo 
Lucas Eduardo Guimarães 
Nayara Ferreira de Souza Saraiva 
 
Revisão e Edição 
Equipe multidisciplinar da Acadepol / MG 
 
 
 
 
 
 
 
Reprodução Proibida 
 
 
Direitos exclusivos cedidos à Polícia Civil de Minas Gerais 
3 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
UNIDADE 1 ........................................................................................................ 4 
1. REFLEXÕES INICIAIS ................................................................................... 4 
2. CONCEITOS IMPORTANTES ....................................................................... 7 
3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL ................................................................ 20 
4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ........................ 31 
UNIDADE 2 ...................................................................................................... 39 
5. MARCOS LEGAIS DO ANTIRRACISMO .................................................... 39 
6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS 
CRIMES NO BRASIL ....................................................................................... 51 
7. DIFERENCIAÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RACISMO E DE INJÚRIA 
RACIAL ............................................................................................................ 64 
UNIDADE 3 ...................................................................................................... 75 
8. IMPLICAÇÕES DO RACISMO E DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA 
ATUAÇÃO POLICIAL ...................................................................................... 75 
9. ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA DA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO 
BRASIL ............................................................................................................ 93 
UNIDADE 4 .................................................................................................... 104 
10. A IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA IGUALDADE 
RACIAL .......................................................................................................... 104 
11. QUAIS PROVIDÊNCIAS DEVEM SER ADOTADAS EM CASO DE 
PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO DECORRENTES DA RAÇA .............. 112 
12. EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROMOÇÃO DA IGUALDADE 
RACIAL .......................................................................................................... 116 
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 121 
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 123 
 
 
4 
 
UNIDADE 1 
 
1. REFLEXÕES INICIAIS 
 
Neste curso, teremos a oportunidade de abordar aspectos importantes 
ao entendimento das relações étnico-raciais em nosso país. Ainda que a Lei nº 
7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de 
preconceito de raça e cor, etnia, religião ou procedência nacional, tenha 
completado mais de 30 anos de existência, vivemos em uma nação que 
enfrenta um significativo cenário de desigualdade racial e de vulnerabilização 
da população negra. 
Segundo o Atlas da Violência, no ano de 2020, 76,2% das pessoas 
assassinadas no Brasil eram pretas ou pardas, sendo que, se contabilizarmos 
todas as pessoas negras mortas em uma década no país (408.605 pessoas), 
teremos um número que é superior à população da cidade de Palmas, capital 
do Tocantins, que é, conforme projeção do IBGE para 2022, composta por 
334.454 pessoas. 
 
Figura 01: Dados estatísticos sobre homicídio e população negra. 
 
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022. 
 
Assim, primeiramente conheceremos conceitos-chave utilizados em 
nosso país quando nos referimos a pretos e pardos, como: raça, etnia, racismo, 
preconceito e discriminação racial. Ademais, discutiremos como a questão 
racial delineou-se no Brasil e porque trata-se de um tema que não diz respeito 
exclusivamente ao povo negro. Em seguida, por meio do estudo de dados 
estatísticos sobre raça no Brasil, compreenderemos alguns dos obstáculos que 
desafiam o princípio da igualdade para uma representativa parcela da nossa 
5 
 
sociedade e a consequente violência que vitimiza a população negra. Depois, 
perpassaremos por alguns marcos legais contra o racismo no Brasil. Por fim, 
examinaremos o que diferencia o crime de racismo e o de injúria racial, bem 
como algumas orientações quanto às providências a serem adotadas caso a 
pessoa sofra, presencie ou tome conhecimento de algum ato de racismo. 
 
Figura 02: Quantitativo de pessoas negras assassinadas nos últimos 10 (dez) anos. 
 
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2022. 
 
Diante da amplitude das definições que serão apresentadas, será 
bastante razoável parecer estranho a quem lê, o enfoque, quase exclusivo, nas 
relações étnico-raciais entre pessoas brancas e negras. E outros grupos 
discriminados e minoritários do ponto de vista da pertença racial, como ficam? 
Os indígenas, judeus, amarelos1? 
São questões sem dúvida pertinentes. Há sobretudo duas razões 
práticas para essa escolha – a primeira delas, quantitativa: as pessoas 
autodeclaradas brancas e negras compõem a imensa maioria da população 
brasileira. A segunda, que diríamos “acadêmica”, mas que ao fundo é também 
quantitativa, diz respeito à produção teórica existente sobre as relações 
racializadas: a variedade de materiais, enfoques e produções sobre a díade 
brancos e negros é muito maior do que as outras, certamente em razão da 
própria magnitude populacional. 
 
1 Aqui, repetimos a designação de cor/raça dada pelo IBGE, apesar de termos 
conhecimento de que há críticas a esse rótulo postuladas por grupos de japoneses, chineses, 
coreanos e seus descendentes no Brasil. Entretanto, em prol da clareza e da homogeneidade 
textual, nos limitamos ao nome atualmente estabelecido. 
6 
 
Apesar disso, os dispositivos legais, as normas e aparatos institucionais 
existentes não estão submetidos ao mesmo recorte. Em certa medida, 
resguardadas as particularidades de diferentes grupos étnico-raciais, boa parte 
do que se discutirá nas páginas a seguir pode ser usado por analogia para a 
análise de outros cenários de desigualdade racial. Nesse sentido, esperamos 
ter sido capazes de apresentar os temas e reflexões de maneira tal que esse 
aproveitamento se dê facilmente. 
Ademais, não é excessivo lembrar que este material não é, não pretende 
ser (e nem poderia ser) definitivo sobre o tema. Pelo contrário, ele é tão 
somente uma porta de entrada para um assunto sobre o qual ainda há muito 
por ser discutido. Esperamos que o conhecimento compartilhado neste curso 
possa contribuir para o entendimento do problema, que figura como pano de 
fundo de parte significativa das violências evidenciadas no Brasil, bem como os 
aspectos legais envolvidos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
2. CONCEITOS IMPORTANTES 
 
Antes de iniciarmos qualquer discussão acerca das relações étnico-
raciais no Brasil, é importante que tenhamos em mente qual a definição desse 
conceito e também de outros relacionados. Para isso utilizaremos, entre outras, 
as reflexões apresentadas pela professora Nilma Lino Gomes, no texto 
intitulado “Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações 
raciais no Brasil: uma breve discussão”.Gomes (2005) dialoga com os 
movimentos sociais a fim de apresentar conceitos-chave utilizados em nosso 
país quando nos referimos a pretos e pardos. Lembrando que, conforme 
convencionado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no 
Brasil a população definida como negra é aquela composta pelas pessoas 
que se autodeclaram pretas ou pardas. 
 
Figura 03: Quadro pintado pela artista plástica Rita Vianna. 
 
 
Antes de falarmos em “identidade negra”, precisamos compreender o 
que o conceito de “identidade” define. Conforme descrito por Deschamps & 
Moliner (2014), a psicologia social contemporânea, no bojo das ciências 
sociais, entende a existência de dois processos identitários: de um lado, a 
identidade individual, que permite que um indivíduo reconheça a si mesmo ao 
longo do tempo (aquilo que ele expressa quando lhe perguntam quem ele é); e 
8 
 
a identidade social, que é marcada pelo reconhecimento dos grupos sociais 
aos quais os indivíduos fazem parte. Entretanto, esses processos não são 
isolados: há elementos na identidade pessoal (ou individual) que são oriundos 
das relações grupais, enquanto entre pessoas que compartilham uma mesma 
identidade social, são as identidades individuais que as diferenciam. 
Para apresentar o conceito de identidade negra, Gomes (2005) nos 
lembra que a identidade não é algo inato, vez que é decorrente de nossa 
interação com o mundo que nos cerca, se constrói e se expressa em larga 
medida por meio de práticas linguísticas, tradições e comportamentos. Esses 
traços assinalam pertencimentos, marcam nos sujeitos suas vinculações aos 
diferentes grupos que fazem parte: uma família específica, uma naturalidade, 
uma classe social, um sexo, um grupo étnico-racial. Nesses termos, as 
pessoas buscam alcançar a valorização de seus grupos de pertença, porque 
isso reflete, ao fim e ao cabo, na distinção positiva de si mesmo, como parte 
daquele grupo socialmente valorizado (MONTEIRO, 2013). Alguns grupos de 
nossa sociedade, como negros e indígenas, cuja história é marcada por 
subalternização e marginalidade, têm maior necessidade e dificuldade para 
valorizar suas diferenças em relação aos demais grupos. Inserida nesse 
cenário, a identidade negra, se manifesta como uma maneira de fortalecer do 
modo de existir dessas pessoas perante a sociedade (WOODS, 1987). 
 
Figura 04: Significado de subalternização. 
 
 
A construção da identidade do povo negro, assim como outros 
processos identitários, dá-se gradativamente sob a influência de fatores 
sociais, históricos e culturais diversos. Segundo Gomes (2005, p.43) 
“geralmente este processo se inicia na família e vai criando ramificações e 
desdobramentos a partir das outras relações que o sujeito estabelece.” A 
autora ressalta o quanto pode ser difícil construir uma identidade positiva em 
9 
 
uma sociedade que, desde muito cedo, ensina às pessoas negras que para ser 
aceito é preciso negar a si mesmo. 
 
Figura 05: Charge do artista Thyagão. 
 
 
A utilização do termo raça pode assumir vários sentidos, a depender do 
contexto no qual é aplicado, de quem fala, como e quando fala. Quando o 
Movimento Negro e especialistas da área, como sociólogos e psicólogos 
sociais, utilizam o conceito para dialogar sobre fenômenos como o racismo e a 
discriminação presentes na sociedade brasileira, o fazem baseando-se na 
dimensão social e política do termo e não alicerçados na ideia de superioridade 
e inferioridade biológica, como originalmente era usada no século XIX. Ou seja, 
o conceito é utilizado para retratar e compreender a realidade das pessoas 
racializadas. 
Ao investigar a questão da assim chamada “mestiçagem racial” na 
sociedade e no pensamento brasileiro, o antropólogo Kabengele Munanga 
inicia por discutir a própria concepção de raças humanas. Na definição do 
autor, as denominações raciais (negro, branco, amarelo, mestiço etc.), apesar 
de possuírem diferenças visualmente perceptíveis e, por meio dessa 
percepção, carregarem a crença de que são exclusivamente fundadas na 
biologia são, na verdade, uma “manipulação do biológico pelo ideológico” 
(MUNANGA, 2020, p. 24). Em outros termos, o que o autor demonstra ao 
10 
 
retomar o processo histórico de construção dessas diferenças, é que aquilo 
que nos parecem distâncias biológicas são, na verdade, distâncias culturais 
biologizadas: ou, como diria Silvio Almeida (2020), foi o racismo que inventou a 
raça, não o contrário. 
Naturalmente, isso não quer dizer que não existem diferenças 
biológicas, físicas, entre as pessoas. Como dissemos, essas diferenças 
existem e estão no campo do evidente. O que não existe, do ponto de vista 
biológico, é a definição de diferentes raças humanas. Estas são na realidade 
construções históricas, socioculturais e políticas, que emergem nas relações 
sociais e de poder. Cultural e socialmente nós aprendemos a enxergar as 
raças, ou seja, aprendemos a perceber as diferenças, a comparar e a 
classificar a partir de características físicas, como afirma Gomes (2005). O 
problema começa quando essa percepção da diferença resulta em 
estereotipização do outro e na hierarquização, a priori, dos grupos em razão de 
suas características fenotípicas. 
O emprego do termo etnia é preferido por algumas pessoas que 
acreditam que a utilização do conceito de raça, mesmo em uma dimensão 
social e política, pode significar um retorno à sua perspectiva biológica (e 
consequentemente, sua limitação a esta perspectiva). Além disso, é utilizado 
para referir-se a um grupo de pessoas que têm certo tipo de consciência 
acerca de suas origens e interesses em comum (GOMES, 2010). A identidade 
desse grupo define-se com base no compartilhamento de uma língua, de uma 
cultura, de tradições, de momentos históricos e territórios já habitados. Não se 
trata, assim, de um mero agrupamento de pessoas (GOMES, 2010). 
 
Figura 06: Fotografia de diferentes pessoas. 
 
 
A aplicação da expressão étnico-racial acaba significando que, para 
compreensão da realidade do negro em nossa sociedade é preciso considerar, 
11 
 
além da classificação racial pautada em características físicas, também a 
dimensão identitária (GOMES, 2010). Assim, chamamos de relações étnico-
raciais aquelas construídas – no processo histórico, social, político, 
econômico e cultural – em contextos nos quais a raça, em sua dimensão 
social e política, é utilizada como forma de demarcação das diferenças 
entre as pessoas. 
Conforme nos lembra Gomes (2010), para uma análise profunda das 
relações étnico-raciais é preciso ter em mente que os sujeitos vivem diferentes 
processos identitários, os quais interferem no modo como é construído seu 
pertencimento étnico-racial. Por exemplo, a identificação de uma criança negra 
com outras pessoas negras e com a cultura e história de seus antepassados 
pode ser influenciada pela maneira como a temática é trazida a ela, ou seja, 
como os aspectos étnico-raciais são vivenciados no dia a dia. 
Acerca do conceito de racismo, Almeida (2020, p. 32) o define como: 
 
uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como 
fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou 
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para 
indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. 
 
Gomes (2005) resume de maneira mais direta que o racismo é, por um 
lado, a aversão, até mesmo ódio, direcionado a pessoas nas quais se observa 
sinais de pertencimento racial (racializadas), tais como cor de pele e tipo de 
cabelo; e por outro lado, diz respeito a um conjunto de ideias de grupos que 
acreditam na existência de hierarquia entre as raças. 
O racismo pode ser concebido como um fenômeno de natureza 
individualista, institucional ou estrutural. Novamente, trata-se de uma 
distinção formal, de algo que efetivamente não se manifesta de maneiras tão 
desconectadas uma das outras, conformeveremos. Neste momento, nos basta 
uma distinção superficial de suas manifestações. Assim, a visão individualista 
do racismo, é aquela que se observa quando indivíduos cometem atos 
discriminatórios contra outros indivíduos, de maneira singular e dirigida. Esses 
atos podem se dar desde comportamentos de recusa da interação, até 
situações de agressão e violência física. Dois exemplos veiculados pela grande 
mídia são especialmente ilustrativos. No primeiro deles, uma consumidora 
enviou mensagem ao comércio no qual fizera um pedido com os seguintes 
dizeres: “Por favor mandem um entregador branco, não gosto de pretos nem 
12 
 
pardos [...]”, causando revolta nos funcionários (MARTINS, 2022). O segundo 
exemplo, certamente bastante cruel, foi vivido por uma criança de 10 anos em 
uma praia no estado do Rio de Janeiro. Enquanto realizava um ensaio 
fotográfico vestida com uma fantasia de sereia, a menina ouviu de um homem 
a frase “Nunca vi sereia preta” (CATRACA LIVRE, 2022). Nessa concepção, 
pode-se falar menos em racismo e mais em preconceito, posto que se 
manifesta na ação (comportamento) isolada de indivíduos ou grupos bem 
delimitados, e supostamente é fruto de uma patologia ou anormalidade, de 
ordem moral ou orgânica (ALMEIDA, 2020). 
Já na concepção institucional, o conceito de racismo diz respeito a 
práticas discriminatórias promovidas pelo Poder Público, pelo Estado ou por 
outros organismos (as instituições) com o apoio indireto ou chancela do 
Estado, como o isolamento de negros em determinados espaços; a concessão 
de privilégios ou desvantagens baseadas na raça; ou a permissividade ante a 
imagens estereotipadas de personagens negros em livros didáticos ou na 
publicidade (GOMES, 2005). Para o melhor entendimento dessa concepção, é 
imprescindível que compreendamos que o termo “instituição” não se refere 
exclusivamente a estruturas físicas, mas abarca também o funcionamento 
institucional (DOUGLAS, 1998), manifesto como “somatório de normas, 
padrões e técnicas de controle que condicionam o comportamento dos 
indivíduos”, conforme Almeida (2020, p.39). Assim, podemos perceber que o 
Poder Judiciário, as polícias, o sistema educacional, enfim, o próprio Estado 
em si, são exemplos de instituições. 
Figura 07: Propaganda racista. 
 
Fonte: https://economia.uol.com.br/listas/propagandas-acusadas-de-racismo.htm 
13 
 
 
A consideração do racismo de natureza institucional se apoia sobre a 
percepção de que, em diversos momentos da História humana, o racismo foi 
cometido com o aporte de leis ou do funcionamento regular das instituições. O 
Holocausto nazista, as leis de segregação nos Estados Unidos ou na África do 
Sul, para nos limitarmos a uns poucos exemplos, descrevem situações em que 
a discriminação étnico-racial representou o modo de funcionamento regular do 
Estado, legalmente amparado. 
Por fim, cabe discutir a perspectiva estrutural do racismo, conforme 
apresentada por Silvio Almeida (2020). Ainda que algumas vezes “racismo 
institucional” e “racismo estrutural” sejam tomados como sinônimos, de acordo 
com o autor, o racismo estrutural tem caráter mais amplo e transversal, já que 
“as instituições são racistas porque a sociedade é racista” (ALMEIDA, 2020, 
p.47). Ou seja, o conceito diz respeito à prática do racismo que decorre da 
própria estrutura social, a qual é consolidada nas relações cotidianas, políticas, 
econômicas, jurídicas etc. Conforme discutido pelo psiquiatra martinicano 
Frantz Fanon (2020), a subalternização das populações negras é tomada como 
um dado natural, fazendo-se presente, ainda que imperceptível de imediato, no 
funcionamento normal das sociedades contemporâneas. Fruto do colonialismo 
moderno (séculos XVIII e XIX, sobretudo), o racismo estrutural carrega consigo 
a noção de uma sub-humanidade do negro (CÉSAIRE, 2020), que faz da sua 
existência algo de menor valor, inclusive exterminável (MBEMBE, 2018). 
A manifestação da faceta estrutural do racismo torna-se evidente 
quando observamos, por exemplo, a maior pré-disposição ao uso desmedido 
da força por agentes de segurança contra indivíduos negros tomados, de 
partida, como agressores (FANTTI, 2023). Entretanto, o racismo estrutural não 
se encerra na ação individual de quem, como no caso citado, puxa o gatilho: 
está também na percepção coletiva desse ato, que o sopesa e normaliza, com 
frases como “mas será mesmo que ele não fez nada de ameaçador?” e outras 
semelhantes. Essa orientação discriminatória de nossa coletividade, marcada 
pela diferença racial, chega a criar zonas de permissividade ou, nas palavras 
do filósofo camaronês Achille Mbembe (2018), “espaços de exceção”, nos 
quais a lei funciona diferente e direitos fundamentais ficam indisponíveis 
(ADORNO, 2017). 
14 
 
 
Figura 07: Conceitos importantes sobre racismo estrutual. 
 
 
No entanto, Almeida (2020) também chama atenção que entender o 
fenômeno como estrutural não isenta quem comete atos racistas de sua 
responsabilidade individual quanto à intolerância praticada, pelo contrário: 
compreender que o racismo é parte de uma estrutura social e não um ato 
isolado torna todos ainda mais responsáveis pelo seu enfrentamento. Dito 
15 
 
numa metáfora, ainda que o racismo monte o palco e seja o material do qual é 
feito todo o cenário, ainda serão pessoas de carne e osso, os atores, que 
atuam sobre esse palco, que interagem nesse cenário. 
Na prática, o racismo estrutural está presente no nosso cotidiano na 
naturalização de muitas práticas, como por exemplo: 
 
● quando, independente do seu nível de instrução, a remuneração 
da população negra é inferior ao valor pago à população branca em igual 
posição; 
● quando não encontramos pessoas negras em cargos de 
liderança; 
● quando se constata que a população negra é mais atingida pela 
violência do que a população não-negra, inclusive em índices fatais; 
● ao nos depararmos com uma escassez de produções culturais 
(como filmes e novelas) em que há pessoas negras em papel de destaque, ou 
mesmo a sua sub-representação nessas mesmas produções, quando 
comparada à população geral; 
● no preconceito em relação às religiões de matriz africana (racismo 
religioso); 
● em nosso círculo social, quando fazemos e/ou toleramos piadas 
de cunho racial ou utilizamos frases que inferiorizam os grupos racializados; ou 
● quando, automaticamente, um homem negro se torna sinônimo de 
perigo e acaba sendo vítima de violência. 
 
Um ponto importante precisa ser colocado acerca daquilo que 
popularmente é rotulado como “racismo reverso”. Sua existência é tanto uma 
impossibilidade lógica quanto conceitual. Do ponto de vista lógico, afirmar a 
existência de um racismo reverso exige que se reconheça que há um “racismo 
normal” – no qual o negro é inferiorizado – e um racismo “incomum”, que 
inverte essa normalidade ao inferiorizar a população branca. Desnecessário 
chamar atenção de que não há racismo que possa ser tomado como natural ou 
normal, visto que não existe condição de subordinação de grupos humanos a 
priori, fora do contexto social de interação. 
16 
 
No que diz respeito à impossibilidade conceitual, lembremos que o 
racismo é um processo político de discriminação sistêmica que influencia a 
organização e funcionamento da sociedade (ALMEIDA, 2020). Ele é sofrido, 
enquanto tal, por quem não domina as posições de poder e mando. Ou seja, 
não é razoável pensar que negros (ou outro grupo étnico-racial subalternizado) 
tenham condições materiais de submeter brancos (ou outro grupo étnico-racial 
socialmente dominante) a processos de discriminação, em razão de sua 
própria condição como subalternizados. 
Abordaremos a seguir a distinção entre preconceito e discriminação 
racial, mas antes precisamos desatar um último nó que pode ter restado acerca 
do chamado “racismo reverso”. É possível que alguns de nós tenhamos 
vivenciado, ou até experienciado,atitudes discriminatórias ou de preconceito 
vindas de pessoas negras – seja dirigido a pessoas brancas ou até mesmo a 
outras pessoas negras (ED., 2023) – e, nos lembrando dessas situações, 
tenhamos dificuldade em compreender o racismo reverso como uma 
impossibilidade. Entretanto, o ponto fundamental diz respeito à efetividade e 
amplitude social desses atos discriminatórios. Novamente, nas palavras de 
Almeida: 
 
Há um grande equívoco nessa ideia porque membros de grupos 
raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar 
discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a 
membros de outros grupos majoritários, seja direta, seja 
indiretamente. Homens brancos não perdem vagas de emprego pelo 
fato de serem brancos, pessoas brancas não são "suspeitas' de atos 
criminosos por sua condição racial, tampouco têm sua inteligência ou 
sua capacidade profissional questionada devido à cor da pele. 
(ALMEIDA, 2020, p.53) 
 
Acerca dos demais conceitos, Gomes (2005) e Almeida (2020) 
diferenciam ainda preconceito e discriminação racial. 
O preconceito racial manifesta-se por meio de julgamento prévio, 
baseado em estereótipos (em geral negativos) sobre os indivíduos que 
compõem um grupo étnico-racial. Trata-se de uma opinião descolada da 
realidade, generalizante (“negros são preguiçosos”, “judeus são avarentos”, 
“mulheres brasileiras são fáceis”). 
É importante destacar que ninguém nasce preconceituoso, é um 
comportamento aprendido socialmente e que, a despeito de existir e ser 
disseminado, dificilmente veremos quem goste de assumir-se preconceituoso. 
17 
 
O conceito de discriminação racial, por sua vez, pode ser definido 
como a efetivação do preconceito racial e do racismo. Conforme nos ensina 
Gomes (2005, p.55), “enquanto o racismo e o preconceito encontram-se no 
âmbito das doutrinas e dos julgamentos, das concepções de mundo e das 
crenças, a discriminação é a adoção de práticas que os efetivam” ou, nos 
termos mais amplos de Almeida (2020, p.32) a discriminação racial é “a 
atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupo racialmente 
identificados”. 
 
Figura 08: Afirmação importante. 
 
 
A discriminação pode ser ainda diferenciada como direta ou indireta, 
positiva ou negativa: a forma direta deriva de atos ostensivos de discriminação 
de uma pessoa, expressamente, em razão de sua cor – como no mencionado 
episódio de xingamento à criança de 10 anos no Rio de Janeiro. Já a forma 
indireta resulta de políticas públicas ou práticas administrativas que, apesar de 
aparentemente neutras do ponto de vista racial (numa lógica conhecida como 
color blindness, quando as diferenças objetivas entre os grupos raciais é 
desconsiderada, restringindo-se à igualdade formal), possuem potencial 
discriminatório. Isso porque as condições concretas de existência dos grupos 
minoritários impactam diretamente na existência desses grupos e nas 
possibilidades de seus indivíduos acessarem recursos coletivamente 
disponíveis. Sua manifestação afronta o Princípio da Igualdade da Pessoa 
Humana, conforme resumido pela máxima aristotélica: deve-se tratar 
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua 
desigualdade. Sua marca é percebida “quando os resultados de determinados 
indicadores socioeconômicos são sistematicamente desfavoráveis para um 
18 
 
subgrupo racialmente definido em face dos resultados médios da população” 
(GOMES, 2005, p. 56). 
Por fim, Almeida (2020) chama atenção para a possibilidade de uma 
discriminação racial indireta e positiva, em atenção restrita ao princípio da 
igualdade: é ela que destacamos quando pensamos no “tratamento desigual 
aos desiguais, na medida de sua desigualdade”. Sua existência se funda na 
lógica de color consciousness, qual seja, numa perspectiva que considera a 
existência das diferenças sociais entre os grupos raciais, e atua na medida 
dessas diferenças, instaurando um regime de igualdade material entre os 
grupos. Configuram discriminações positivas, por exemplo, programas de 
ações afirmativas como as cotas. 
Resumindo... 
 
Figura 09: Resumo de termos importantes do capítulo. 
 
 
Figura 10: Resumo de outros conceitos importantes para a compreensão do capítulo. 
19 
 
 
 
Uma vez tendo repassado conceitos fundamentais à compreensão da 
questão racial em nosso país, partimos ao estudo do percurso histórico do 
tema até os dias de hoje2. 
 
 
 
 
 
2 Antes de avançar, se faz necessário apontar uma nota em relação a figura 10: o termo 
“dororidade” foi cunhado pela pensadora Vilma Piedade e apresentado em 2017 em livro 
homônimo. Criando em complemento ao termo feminista “sororidade” (do latim soror – irmã e 
~eidade, conjunto irmandade feminina), dororidade visa destacar que há dores que unem as 
mulheres negras que vão além daquelas consequentes do machismo (MARIA, 2022). 
20 
 
3. QUESTÃO RACIAL NO BRASIL 
 
Para discutirmos a questão racial no Brasil é preciso voltarmos na 
História, a fim de compreender a razão do contexto brasileiro de racismo, 
preconceito e discriminação estar tão relacionado a acontecimentos que 
extrapolam o próprio território do país, bem como porque a discussão da 
temática racial não deve ser exclusiva do povo negro. Trata-se de uma questão 
social, política e cultural de todos/as os/as brasileiros/as e da comunidade 
internacional (GOMES, 2005). 
Segundo Carula (2016), o termo “raça” começa a ser utilizado na Europa 
durante o período da Reconquista da Península Ibérica pelos cristãos (entre 
718 e 1492). Supostamente, sua origem está no termo árabe “ra’s”, que 
designa o chefe de um clã ou grupo. No uso cristão, o uso de raça (como 
“raza”) servia para indicar a origem e descendência de alguém. Esse destaque 
tão remoto é particularmente importante para esclarecer que o termo, em 
princípio, não servia para designar separações humanas baseadas em 
características fenotípicas. Pelo contrário, antes do século XVII, o paradigma 
de distinção social mais relevante era o religioso: de um lado os cristãos 
(brancos) e do outro os não cristãos (pagãos, muçulmanos, judeus) – não-
brancos, portanto (CARULA, 2016). 
 
Figura 11: Atenção ao conceito de colonização. 
 
 
O uso do termo numa acepção mais próxima àquela da 
contemporaneidade se deu com a publicação de Nouvelle division de la terre, 
par les diferentes espèces ou races d'hommes qui l'habitent (“Nova divisão da 
21 
 
terra pelas diferentes espécies ou raças de homens que a habitam”, em 
tradução livre), de François Bernier, em 1684 (CARULA, 2016, p. 156). Nela, o 
autor defende a classificação da humanidade em quatro ou cinco raças de 
homens, conforme sua cor de pele, características físicas e dados geográfico-
espaciais. Isso trouxe consequências diretas para aquilo que nos acostumamos 
a chamar de “colonização do Novo Mundo”, que significou para as populações 
nativas (sobretudo ameríndios e africanos) a utilização das diferenças 
fenotípicas como elementos de segregação, bem como a violência das práticas 
aplicadas naquela época com base nessas distinções. O tráfico de pessoas 
negras de África para as Américas atrelava-os à noção de inferioridade 
decorrente da própria condição como escravizados. As pessoas negras eram 
coisificadas e comercializadas sob a justificativa de sua sub-humanidade, 
alicerçada em crenças religiosas e filosóficas. 
 
Figura 12: Atenção ao conceito de Novo Mundo. 
 
 
Conforme descreve Berkenbrock (2012), estimativas apontam que, no 
período em que perdurou o tráfico transatlântico de pessoas (encerrado 
oficialmente em 1852), aproximadamente 3.600.000 negros escravizados foram 
trazidos à força para o Brasil. Isso representou algo em torno de 38% do total 
de cativos tirados do continente africano em direção às Américas. Se levarmos 
em conta que esses números são imprecisos, possivelmente subestimados 
(sobretudo pela destruição dos documentos do períodoescravista pela 
República), e que muitos escravizados morriam na travessia do oceano, 
perceberemos que é real a possibilidade de que o número de pessoas 
efetivamente sequestradas de África seja ainda maior. 
É no século XIX que dois fatos históricos importantes ocorreram, e foram 
responsáveis por trazer ao centro do debate jurídico e científico de então o 
22 
 
conceito de raça e a prática do racismo: a consolidação dos Estados Nacionais 
como forma primordial de ordenamento político e territorial – o que transparecia 
a emergência do capitalismo e de um sistema de classes que exigia o 
reordenamento de grupos sociais; e o imperialismo europeu que, a partir de 
sua expansão moderna, intensificou as relações dos estados europeus com os 
outros povos e nações (HEILBORN et al, 2010). 
 
Figura 13: Atenção ao conceito de Imperialismo. 
 
 
A partir desse momento, os países, caracterizados como Estados 
Nacionais, precisavam solidificar suas bases culturais, bases estas que 
deveriam cumprir o papel de criar nas pessoas um sentimento de pertença à 
nação. Ou seja, elas deveriam reconhecer-se como pertencentes a um mesmo 
grupo, com os mesmos costumes. E foi nesse contexto que o conceito de raça 
assumiu uma gama de significados, os quais caracterizavam uma noção nova 
de “raça nacional” (HEILBORN et al, 2010). 
 
Figura 14: Atenção ao conceito de Estado-Nacional. 
 
23 
 
 
No entanto, como nos lembram Heilborn et al (2010), unificar povos 
implicava no fato de dar à nação uma origem comum, ratificada na História, e a 
definição de um Outro, o diferente que permite a afirmação da semelhança 
entre os nacionais. Esse movimento se consolida na ideia de que as raças 
europeias eram superiores às demais e deu força para teorias raciais que 
justificavam cientificamente tal superioridade. 
Desde a colonização das Américas, as discussões sobre o conceito de 
raça foram evoluindo por campos diversos. Durante muitos anos, o uso do 
termo nas ciências, na política ou na sociedade, esteve ligado de um modo 
geral à dominação político-cultural de povo e de nações, como a exemplo do 
domínio nazista da Alemanha no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945) (GOMES, 2005). 
 
Figura 15: Atenção para o termo Segunda Guerra Mundial.
 
 
Fortemente apoiada nas propostas do chamado “racismo científico” do 
final do século XIX e início do século XX, a ideia vigente era a de que a raça 
ariana era superior às outras raças em termos biológicos, sociais e culturais 
(HISTÓRIA FM, 2023). Muitas atrocidades foram cometidas em nome dessa 
suposta hierarquização das raças. Entretanto, para autores como o martinicano 
Aimé Césaire (2020), o sul-africano Steve Biko (WOODS, 1987) e o camaronês 
Achille Mbembe (2018), o horror nazista vivenciado pelos europeus em seu 
próprio território foi a transposição do terror que colônias e ex-colônias nas 
24 
 
Américas, na África, na Ásia e na Oceania já conheciam desde o século XVI. 
Para Mbembe (2018), as torturas e execuções em massa, o Holocausto, foram 
o auge da aplicação de ferramentas de domínio que haviam sido aprimoradas – 
sem grande censura da comunidade internacional – nos espaços coloniais. Nas 
palavras de Aimé Césaire: 
 
[...] o que ele [o europeu típico do começo do século XX, “muito 
humanista e muito cristão”] não perdoa em Hitler não é o crime em si, 
o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o 
crime contra o homem branco, é a humilhação do homem branco, é 
de haver aplicado à Europa os procedimentos colonialistas que 
atingiam até então apenas os árabes da Argélia, os coolies da Índia e 
os negros da África. (CÉSAIRE, 2020, p.18. grifos no original) 
 
Somente no final da Segunda Guerra Mundial as discussões ganharam 
alguma tração e assumiram definitivamente um viés político e sociológico. 
Criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para investigar as 
motivações raciais da guerra, a Organização das Nações Unidas para a 
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) introduziu no campo científico 
estudos que comprovaram a diversidade de culturas humanas, bem como a 
legitimidade da existência das mesmas (HEILBORN et al, 2010). Falaremos 
sobre tais estudos mais adiante. 
A questão racial no Brasil só passou a ser de alguma forma tematizada a 
partir do século XIX, às vésperas da abolição da escravização. No final do 
século esteve em voga no mundo o darwinismo racial, cujo principal expoente 
brasileiro era o médico Raimundo Nina Rodrigues. Segundo essa corrente 
teórica, as raças biológicas, por corresponderem a espécies diferentes, não 
seriam passíveis de cruzamento, assim a miscigenação representaria a 
degradação humana (SCHWARCZ, 1998). Foi baseado nessa teoria 
pseudocientífica que se incentivou, por meio da massiva imigração europeia, o 
branqueamento da população brasileira a fim de purificar o país até então 
constituído por uma maioria negra, indígena e mestiça (HEILBORN et al, 2010). 
 
 
 
 
 
 
25 
 
Figura 16: Darwinismo racial. 
 
 
Outra vertente, de certo modo complementar, propunha a miscigenação 
como ferramenta de embranquecimento. O quadro “A redenção de Cam”3, 
pintado em 1895 pelo espanhol radicado brasileiro Modesto Brocos, resume a 
teoria cientificista do branqueamento. Essa obra ilustrou um artigo do médico, e 
então diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda no Congresso 
Universal das Raças de 1911, em Londres. Na ocasião, João Batista descreveu 
a imagem como “O negro passando a branco, na terceira geração, por efeito do 
cruzamento de raças” (RONCOLATO, 2018). 
 
Figura 17: Quadro “A redenção de Cam”, de Modesto Brocos (1895). 
 
 
3 A obra de Modesto Broncos faz referência a trecho bíblico do livro do Gênesis (Gn 9, 
18-28), segundo o qual os negros seriam descendentes de Cam, filho de Noé que foi 
amaldiçoado pelo pai após vê-lo nu e embriagado (BERKENBROCK, 2012). 
26 
 
 
Transcorrido o ápice do ideal manifesto de branqueamento da nação, na 
década de 1930 o mestiço converteu-se em ícone nacional. O sincretismo 
cultural passa a ser valorizado, de forma que produtos como o samba, a 
capoeira – que foi de ato criminoso à modalidade esportiva nacional em 1937, 
bem como a feijoada, passaram de elementos marginais a manifestações da 
tipicidade brasileira (SCHWARCZ, 1998). Entretanto, como aponta Reis (1996), 
esse enaltecimento da mestiçagem e de elementos da herança cultural negra 
como representantes do verdadeiro Brasil foi também resultado de um discurso 
de embranquecimento – um embranquecimento simbólico. O samba, a 
capoeira, a feijoada, a percussão, entre outros, são desafricanizados: ao invés 
de construído sobre um passado também africano, o que sustenta o país é um 
passado mestiço (REIS, 1996, p.40). 
É nesse contexto que intelectuais começaram a propagar a ideia de uma 
harmonia entre grupos étnico-raciais, ou seja, uma “democracia racial” no país. 
A obra de Gilberto Freyre é um exemplo da produção da época. 
 
Figura 18: Capa da 51ª edição do livro Casa Grande e Senzala, editora Global. 
 
 
Em seu livro “Casa Grande & Senzala”, publicado no ano de 1933, o 
escritor pernambucano Gilberto Freyre defende a predominância no Brasil de 
uma democracia social pautada em uma democracia racial. O livro aborda o 
27 
 
cotidiano com manuscritos e documentos que descrevem os costumes e 
hábitos das pessoas durante a escravização e desloca, pela primeira vez, o 
foco da raça biológica para a raça social (BASTOS, 1999). 
Ao tematizar detalhes do cotidiano compartilhado por pessoas 
escravizadas e seus escravizadores, Freyre (2019) transporta o leitor ao 
microcrosmo talhado de minúcias sobre as quais, a partir de uma leitura crítica, 
se assentavam fazeres subalternizantes. O lugar do homem negro escravizado, 
por exemplo, era também o de entreter o homem branco em circos, coros e 
bandas, assim como, na presença dos escravizadores, a féobrigatoriamente 
professada era a Católica, com a sujeição a rezas diárias. 
Segundo Bastos (1999), na obra de Freyre, a miscigenação entre 
senhores e mulheres escravizadas – ocorrida durante a colonização, foi 
tomada como prova da aceitação de uma raça pela outra e, assim, 
miscigenação e democracia podiam ser relacionadas. Ademais, os negros 
escravizados cristianizados e que frequentavam a casa-grande foram 
compreendidos como parte da família e, nesse contexto, transmitiam suas 
próprias características culturais aos senhores. 
A propositura de Freyre, entretanto, esbarra na crueza da realidade 
historicamente conhecida. A miscigenação entre o senhor branco e a mulher 
escravizada negra é antes uma história de violência do que de amor e 
integração racial. Transitando pela casa-grande, os escravizados domésticos 
não eram compreendidos como “parte da família”, mas como “quase da 
família”. Apesar de transmitir saberes aos senhores, eles não se sentavam à 
mesa com eles, não dormiam nas mesmas camas. Conforme Nascimento 
(2021) a crença na “democracia racial”, que nasce do clássico “Casa-grande e 
Senzala” na verdade é um mito cujo objetivo é esconder a violência das 
relações raciais no Brasil – desde os tempos de colônia. 
Desse modo, ao longo das décadas, a negação do preconceito foi 
tamanha que era “como se as posições sociais desiguais fossem quase um 
desígnio da natureza, e atitudes racistas, minoritárias e excepcionais” 
(SCHWARCZ, 1998, p. 179). O racismo é negado ostensivamente, ainda que 
seja efetivo no dia a dia (SCHWARCZ; REIS, 1996). 
A partir dos anos de 1950 foram financiados pela UNESCO estudos 
acerca da suposta “democracia racial” no Brasil, vez que poderia servir de 
28 
 
modelo para outras partes do mundo (SCHWARCZ, 1998). Vários especialistas 
foram contratados para investigar a realidade racial brasileira, entre eles Thales 
de Azevedo e Florestan Fernandes. Os chamados “ciclos de estudos da 
UNESCO” diferenciavam-se dos estudos anteriores, sobretudo, por 
desprezarem a concepção biologizada de raça, em voga no século XIX nos 
países da Europa e considerarem o termo como um construto social, histórico e 
político, como ressaltam Heilborn et al (2010). Passava a ser descortinada a 
verdadeira realidade enfrentada pela população negra no país. 
Com base no argumento de que no país prevaleceria a equidade racial, 
o escritor e pesquisador Thales de Azevedo (1975) realizou estudos que 
evidenciaram o racismo em diversos âmbitos, tais como no mundo do trabalho 
– eram relegadas aos negros as funções mais subalternas –, e nas relações 
sociais – não era permitido ao negro entrar em certos hotéis ou encenar peças 
teatrais em grandes teatros, por exemplo. Assim, Azevedo (1975) acaba por 
concluir que apesar de normas democráticas que asseguravam a punição de 
atos discriminatórios (como a Lei Afonso Arinos), havia na sociedade uma forte 
estereotipagem contra as pessoas negras, o que favorecia uma discriminação 
velada, muito eficaz à manutenção do mito da “democracia racial". 
Também na contramão daqueles que afirmavam a equidade racial no 
Brasil, o sociólogo Florestan Fernandes (1972), em seu livro “O negro no 
mundo dos brancos”, ressaltou o peso do passado de escravização dos povos 
africanos no modo como a sociedade brasileira organizou-se anos depois. 
Segundo Schwarcz (1998), para Florestan, enquanto dissimulava-se o 
preconceito racial, negando o racismo verdadeiramente praticado nos lares e 
instituições, a sociedade brasileira assistia ao aumento de privilégios 
econômicos, sociais e culturais dos brancos. 
Naquele contexto, sem emprego, renda ou escolarização, restava ao 
negro o lugar de subalterno. Junto com as décadas de 1970 e 1980 vieram as 
contestações dos valores vigentes na política, na música e na literatura, bem 
como as análises das profundas desigualdades entre os negros e demais 
grupos raciais (SCHWARCZ, 1998). 
Ficou evidenciada a discriminação racial que impactava cotidianamente 
no acesso à educação, ao lazer e na distribuição desigual de renda. O senso 
demográfico realizado na década de 1960 comprovou, por exemplo, que a 
29 
 
renda média da população branca era o dobro da renda do restante da 
população (SCHWARCZ, 1998). 
A desigualdade racial podia ser percebida, ainda, nas práticas penais 
brasileiras. Pesquisa realizada pelo sociólogo Sergio Adorno (1996) constatou 
tratamento diferenciado conforme cor da pele, ou seja, o negro era considerado 
mais perigoso, sendo mais perseguido pela vigilância policial, enfrentando 
maiores obstáculos de acesso à justiça, bem como recebendo tratamento penal 
mais rigoroso. 
 
Figura 19: Charge do artista Maurício Pestana. 
 
 
O que se observa, então, é um país culturalmente diverso, com grande 
assimilação de traços culturais dos povos africanos colonizados, porém, 
bastante marcado por uma hierarquização social que promoveu, ao longo de 
séculos, a inferiorização da população negra. 
Pesquisas e estatísticas oficiais comprovam a lamentável existência do 
racismo em nossa sociedade, por mais que coletivamente insistamos em negá-
30 
 
lo. Quando comparadas as condições de vida, emprego, saúde, escolaridade e 
outros índices de desenvolvimento humano, os dados comprovam o abismo 
social entre negros e brancos (GOMES, 2005). A seguir, observaremos 
algumas informações que revelam a desigualdade socioeconômica que atinge 
a população negra no Brasil. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
 
4. DADOS SOBRE RAÇA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 
 
Figura 19: Releitura em painel urbano da obra “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933), pelo 
artista Mundano (OLIVIERA, 2020). 
 
 
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 
Contínua (PNAD Contínua) do ano de 2019, pretos e pardos correspondem à 
maioria da população brasileira, representando 56,2% dos habitantes. E apesar 
de numericamente maior, essa representativa parcela da nossa sociedade 
convive diariamente com obstáculos resultantes de um duro processo histórico, 
que a confinam em posição minoritária no acesso a direitos, desafiando o 
princípio da igualdade. 
São exemplos claros da discriminação racial indireta, referida pela 
professora Nilma Lino Gomes (2005), que reverberam a estruturação racista da 
sociedade em que vivemos. 
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 
pretos e pardos compõem a maior parte da força de trabalho do Brasil, o que 
pode ser observado especialmente em relação ao trabalho informal. 
Lembramos que a informalidade do trabalho pode expor o trabalhador a 
condições precárias de trabalho, além de dificultar o acesso aos direitos 
básicos, como aposentadoria e salário-mínimo (IBGE, 2019b). No ano de 2018, 
32 
 
enquanto 34,6% das pessoas ocupadas brancas estavam em ocupações 
informais, o percentual entre as pretas e pardas atingiu 47,3%. 
 
Figura 20: Dados estatísticos sobre pessoas em ocupações informais. 
 
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de 
14 ou mais anos de idade. 
 
Se pararmos para observar a remuneração da população preta e parda 
em nosso país, chegamos à conclusão de que, independentemente do seu 
nível de instrução, ela é inferior ao valor pago à população branca, que é 45% 
maior (IBGE, 2019b). Em se tratando de cargos de chefia a situação de 
desigualdade se mantém. Ainda segundo levantamento realizado no ano de 
2018, apenas nas regiões Norte e Nordeste há uma maior proporção de pretos 
ou pardos em cargos de gerência (61,1%), nas demais há uma sub-
representação (29,9%). 
 
Figura 21: Dados sobre remuneração. 
 
33 
 
 
Figura 22: Dados sobre rendimento médio real habitual do trabalho principal das pessoas 
ocupadas. 
 
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. Nota: Pessoas de 
14ou mais anos de idade. 
 
No que diz respeito às condições de moradia, pretos e pardos compõem 
a maioria da população que reside em condições precárias de saneamento 
básico, estando mais exposta a doenças: 12,5% em locais sem coleta de lixo, 
contra 6,0% da população branca; 17,9% sem abastecimento geral de água, 
contra 11,5% da população branca; 42,8% sem esgotamento sanitário por rede 
coletora ou pluvial, contra 26,5% da população branca (IBGE, 2019b). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
34 
 
 
Figura 23: Dados sobre condições de moradia. 
 
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. 
 
Ao analisarmos os dados de 2018 do IBGE sobre educação, 
percebemos uma taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais, 
de 9,1% para pretos e pardos contra 3,9% para brancos, expondo a 
desigualdade das oportunidades também nesse tema. Sendo a situação mais 
grave para aqueles que residem no campo (20,7%). Ademais, a proporção de 
jovens brancos de 18 a 24 anos de idade que frequentavam ou já haviam 
concluído o ensino superior (36,1%) é quase o dobro da observada entre 
aqueles pretos ou pardos (18,3%). 
 
Figura 24: Dados sobre analfabetismo. 
 
35 
 
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. 
 
O levantamento de 2018 ainda revela que a proporção de pessoas 
negras de 18 a 24 anos de idade, com menos de 11 anos de estudo e que não 
frequentavam escola foi de 28,8%, enquanto a proporção de pessoas brancas 
na mesma situação era de 17,4%. Acerca dessa mesma faixa etária, 55,6% 
dos jovens negros puderam ser vistos cursando o ensino superior, contra a 
proporção de 78% de estudantes brancos. A diferença em relação a essa taxa 
pode ser explicada, justamente, pela parcela da população que não concluiu o 
ensino médio ou que o abandonou em razão da necessidade de se inserir no 
mundo do trabalho. No ano de 2018, 61,8% dos estudantes que precisaram 
entrar no mercado de trabalho após a conclusão do ensino médio eram pretos 
ou pardos. 
 
Figura 25: Dados sobre a taxa ajustada de frequência escolar. 
 
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
36 
 
Figura 26: Dados sobre frequência escolar. 
 
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. 
 
A desigualdade denunciada pelos dados, por si só, já pode ser 
considerada sob a perspectiva de violência racial, uma vez que, quando a 
sociedade nega e priva de oportunidades indivíduos, obedecendo a uma lógica 
racista, também perpetua sua condição de violência – conforme discutimos ao 
apresentar o conceito de racismo institucional. Trata-se de um fenômeno que 
constitui pano de fundo para outras violências infligidas à essa parcela da 
população brasileira. E se nos debruçarmos sobre os dados de violência fatal, 
chegaremos a conclusões alarmantes. 
 
Figura 27: Dados sobre a taxa de conclusão do ensino médio. 
 
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018. 
 
As populações preta e parda, quando somadas, são as mais vitimadas 
por mortes violentas intencionais no país. Segundo dados do Fórum Brasileiro 
de Segurança Pública – FBSP (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA 
37 
 
PÚBLICA, 2022), no ano de 2022, os negros representaram 77,6% das 
vítimas de homicídio doloso, 67,6% das vítimas de latrocínio, 84,1% dos 
mortos em decorrência de atuação policial e, na outra face da moeda, 
67,7% dos policiais assassinados no período. Em termos comparativos, no 
referido ano a proporção de pessoas brancas vítimas de homicídio caiu 26,5%, 
enquanto esse índice para a população negra sofreu um aumento de 7,5%. 
Segundo o Atlas da Violência 2021, produzido pelo Instituto de Pesquisa 
Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 
entre os anos de 2009 e 2019, a redução dos homicídios foi muito maior entre 
a população não negra. Houve uma redução de 15,5% entre negros e 30,5% 
entre não-negros. 
 
Figura 28: Nota sobre as vítimas de homicídio doloso no Brasil. 
 
 
Figura 29: Dados sobre a taxa de homicídios de negros e não negros. 2009 a 2019. 
 
Fonte: IBGE, Atlas da Violência (IPEA, 2021). 
 
Se acrescentarmos na análise o recorte de gênero, a perversidade dos 
índices se mantém: as mulheres negras são as mais assediadas (43,3%), as 
38 
 
mais vitimadas em estupros e estupros de vulnerável (52,2%), o maior 
percentual de vítimas de mortes violentas intencionais (70,7%) e de feminicídio 
(62%) (FBSP, 2022). 
Como já discutimos, tal disparidade estatística é um retrato nítido da 
vulnerabilidade socioeconômica da população negra do país, sustentada, 
mantida e potencializada por mecanismos institucionais e estruturais de 
discriminação racial. Juntos, fatores como os índices de pobreza, a baixa 
escolarização, o desemprego, as deficiências de políticas específicas (IPEA, 
2021), bem como a reprodução de estratégias baseadas em critérios raciais e 
em preconceitos sociais tornam essa população o alvo preferencial das ações 
das instituições da justiça criminal, como a polícia (SINHORETTO; BATITUTTI 
MOTA apud IPEA, 2021), reforçando o quadro discriminatório. 
Os dados são claros. Se pararmos para uma breve análise, chegaremos 
à conclusão que mais se desejaria evitar: a de que vivemos sim em uma 
sociedade racista, que a todos os anos assiste à perpetuação de práticas 
discriminatórias e, consequentemente, ao aumento e reiteração da violência 
dirigida às pessoas pretas e pardas. O que podemos fazer em relação a essa 
triste realidade? Cabe a todos nós assumirmos uma posição antirracista, ou 
seja, contrária à perpetuação de práticas prejudiciais baseadas na cor da pele, 
que inviabilizam a cidadania de tantas pessoas. 
A escritora Djamila Ribeiro (2019), no livro “Pequeno Manual 
Antirracista”, oferece ao leitor uma importante perspectiva quanto a práticas 
norteadoras de uma conduta antirracista. Entre outros aspectos, ressalta a 
necessidade de nos informarmos sobre o racismo praticado em nosso país e 
conversarmos sobre o tema na família, na comunidade e no trabalho, bem 
como refletirmos sobre o racismo que está internalizado em nós mesmos e que 
é expresso, por exemplo, na nossa tolerância a expressões racistas como “ela 
é negra, mas é bonita” ou “negro de alma branca”. 
A seguir, conheceremos algumas leis que integram o rol de ações 
afirmativas no campo do Direito. Elas representam marcos legais nacionais e 
internacionais para coibir e punir crimes baseados no racismo, e resultam da 
luta antirracista do Movimento Negro e dos demais grupos e organizações pela 
superação da desigualdade. 
 
39 
 
UNIDADE 2 
 
5. MARCOS LEGAIS DO ANTIRRACISMO 
 
“Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua 
origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e 
se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson 
Mandela, “O longo caminho para a liberdade”, 1995) 
 
Figura 30: Recorte de matéria jornalista sobre o tratamento penal acerca do preconceito de 
raça ou cor. 
 
 
O primeiro diploma legal específico no Brasil a incluir a prática de atos 
resultantes de discriminação por raça ou cor entre as contravenções penais foi 
publicada em 3 de julho de 1951. Proposta pelo deputado federal Afonso 
Arinos (UDN-MG), cujo nome posteriormente apelidaria a lei, a proposição da 
Lei nº 1.390 se deu em razão do episódio de discriminação racial ocorrido em 
1950, quando a mundialmente famosa bailarina norte-americana Katherine 
Dunham foi impedida de se hospedar no Hotel Esplanada, em São Paulo, 
enquanto fazia turnê no Brasil (WESTIN, 2020). 
 
 
 
 
 
 
 
40 
 
Figura 31: A bailarina Katherine Dunham em imagem extraída de https://blackthen.com/flash-
black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/ (acesso em 04/02/2023). 
 
 
Antes de discutirmos de maneira mais detida esta e outras importantesleis com esse enfoque, precisamos lembrar que a história do enfrentamento 
institucional à discriminação racial no Brasil não começa, evidentemente, com a 
promulgação da Lei Afonso Arinos. Sejam as irmandades de escravizados e 
ex-escravidados do período colonial; o grupo de educação noturna e a atuação 
jurídica de gente como Luiz Gama (o “advogado de todos os tempos”, segundo 
a Ordem dos Advogados do Brasil – [BRAUS; SANTOS; OLIVEIRA, 2020]); 
entre tantos outros, marcam uma luta que é centenária e historicamente farta. 
Parafraseando o antropólogo Kabenguele Munanga (2021), pode parecer que 
tudo nasce junto com as inovações políticas, mas não, para que ocorram as 
inovações políticas, foi (e segue sendo) necessária a atuação de gerações dos 
movimentos sociais negros. 
Se nos focarmos especificamente no período republicano (1889 – 
atualmente), perceberemos o surgimento (já no pós-abolição de 1888) de 
diversos grupos de cunho assistencialista, artísticos, culturais e de lazer 
voltados à população negra, conduzidos por pessoas negras. Barbosa (2020) 
assinala o surgimento do Centro Cívico Palmares, em 1926 na cidade de São 
Paulo, com um dos primeiros a, além desses aspectos culturais, pautar 
também a participação política de negros e negras brasileiros. Em resposta às 
teses eugenistas e de branqueamento populares no período (e que discutimos 
no Capítulo 2), surge também em São Paulo a Frente Negra Brasileira (1931), 
https://blackthen.com/flash-black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/
https://blackthen.com/flash-black-photo-katherine-dunham-legends-dance-series/
41 
 
que aprofunda e expande os temas encampados pelo Centro Palmares. 
Segundo algumas fontes (BARBOSA, 2020, p.14), a Frente chegou a contar 
com 200 mil filiados das mais diversas partes do país, com sedes em diversos 
estados. Em 1936, a Frente se converteu em um partido político, o primeiro 
partido negro do Brasil, dissolvido no ano seguinte com o início da ditadura 
getulista. 
 
Figura 32: Arte do Movimento Negro Unificado atualizando a capa do jornal da entidade (1991) 
que endossava a consciência e auto-estima da população negra (Extraído de MNU, s.d.a, s.p.). 
 
 
Mesmo que marcada por contradições, típicas sobretudo de movimentos 
com algum pioneirismo como foi a Frente Negra Brasileira, o grupo nasceu do 
choque de Aristides Barbosa, seu fundador, com o estado de miserabilidade e 
carestia dos negros na capital paulista. Essa mesma percepção atiçará a 
juventude quase quarenta anos à frente, na década de 1970. Foi uma década 
importantíssima para os movimentos sociais não só no Brasil, mas no mundo: 
desde o protesto dos jovens estudantes franceses em maio de 1968, aos 
processos de independência de diversos países africanos, passando pelos 
movimentos de direitos civis nos Estados Unidos, configuram um frame 
alignment dos interesses vocalizados por diferentes grupos sociais 
(RODRIGUES, 2020, p.75). No caso específico do Brasil, a efervecência 
cultural dos jovens visava “descobrir a negritude, assumir-se com orgulho e se 
42 
 
lançar aos protestos contra a condição de cidadão e cidadão de segunda 
classe” (BARBOSA, 2020, p.17). Formalmente, buscava-se o resgate da 
cultura negra, importante bastião de sobrevivência da identidade negra, 
reinserida em seu contexto histórico, filosófico e de defesa do grupo (SILVA, 
2020). 
Essa “efervecência cultural” de que fala Márcio Barbosa (2020) ganhou 
mais e mais corpo à medida que se aproximavam os anos 1980 e a reabertura 
política dava seus primeiros sinais. Movimentos exclusivamente voltados à 
questão racial ou em que ela é um dos temas surgirão de norte a sul do país 
(RODRIGUES, 2020), e em certa medida culminarão com o surgimento do 
Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978. 
Sobre o MNU, afirma o cientista social Cristiano Rodrigues: 
 
Sem negligenciar a pluralidade de identidades negras passíveis de 
serem politizadas, o MNU, já no seu ato de criação, tentou 
demonstrar como afro-brasileiros têm sido ao longo da história do 
país tratados como os outros, ainda que o discurso oficial de 
integração harmônica aponte para o lado oposto, e que as 
desigualdades sociais presentes no país poderiam – e deveriam – 
também ser traduzidas em termos raciais. (RODRIGUES, 2020, p.77) 
 
Essa não negligência à “pluralidade de identidades negras” de que fala 
Rodrigues pode soar contraditória com aquela que é uma das grandes 
conquistas do movimento, qual seja, o agrupamento sob a categoria “negro” de 
todos os brasileiros que possuem “na cor da pele, no rosto ou nos cabelos, 
sinais característicos dessa raça [negra]” (MNU, s.d.b, p.1). Longe de ser uma 
contradição, essa ação busca o reconhecimento, também de parte da vasta 
população mestiçoa brasileira, de seu lugar social como negros, e não eternas 
variações de “não-branco” que se colocavam como eufemismos de 
identificação (MUNANGA, 2020). 
Entendendo que todo esse esforço só encontra razão de ser na busca 
por uma sociedade livre de discriminação racial, o próprio Movimento encerra 
sua Carta de Princípios se afirmando “pela libertação do povo negro” e “por 
uma autêntica democracia racial” (MNU, s.d.b, p.2). 
Feito essa breve digressão temporal, podemos retomar a cronologia da 
legislação antirracista no Brasil. Como dissemos, a Lei nº 1.390/1951 (Lei 
Afonso Arinos) foi a primeira a criminalizar condutas discriminatórias. De 
acordo com ela, era considerada contravenção penal “a recusa, por parte de 
43 
 
estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, 
servir, atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça 
ou de cor”. 
Como as condutas de racismo eram consideradas contravenções, as 
penalidades previstas na Lei nº 1.390/1951 eram baixas. Dessa forma, durante 
os 37 anos de sua vigência, nenhuma pessoa foi presa em razão da prática de 
tais delitos. Apesar disso, a importância social da lei não pode ser diminuída, 
tendo trazido à tona o tema do racismo e o definindo como comportamento 
reprovável. 
Particularmente relevante foi a justificativa apresentada por Afonso 
Arinos, um deputado conservador, para sua propositura. Nela, o parlamentar 
ataca diretamente as ideias do racismo científico que, conforme já discutido, 
defendiam a hierarquização dos grupos humanos e sua plena separação. 
Escreveu o deputado: 
 
A tese da superioridade física e intelectual de uma raça sobre outras, 
cara a certos escritores do século passado, como Gobineau, 
encontra-se hoje definitivamente afastada graças às novas 
investigações e conclusões da antropologia, da sociologia e da 
história. Atualmente ninguém sustenta a sério que a pretendida 
inferioridade dos negros seja devida a outras razões que não ao seu 
status social. Urge que o Poder Legislativo adote as medidas 
convenientes para que as conclusões científicas tenham adequada 
aplicação (ARINOS apud WESTIN, 2020, s.p.) 
 
Em 20 de dezembro de 1985 a Lei nº 1.390 foi alterada pela Lei nº 
7.437, que incluiu, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes 
de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. 
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal brasileira (CRFB), que 
estabelece a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de 
Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. 
Tendo contado com a participação de representantes do Movimento Negro 
entre os constituintes, a Carta Magna trouxe entre seus objetivos basilares 
construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de 
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer 
outras formas de discriminação. 
No artigo 4° da Constituição Federal há previsão de que a República 
Federativa do Brasil se rege em suas relações internacionais por diversos 
princípios, dentre eles o de repúdio ao racismo. Ademais, o art. 5º dispõe que 
44 
 
todos sãoiguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do 
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e prevê 
que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, 
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. 
 
Figura 33: Imagem sobre o tratamento constitucional de 1988 acerca do racismo. 
 
 
No ano seguinte, em 5 de janeiro de 1989, entrou em vigor a Lei nº 
7.716, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A lei 
estabelece penalidades para diversas situações de discriminação, inclusive 
práticas de incitação à discriminação ou preconceito, que serão estudadas a 
seguir. Portanto, essa é a lei que prevê o crime de racismo, isto é, a 
discriminação racial praticada contra uma coletividade e que reitera o 
entendimento do racismo como crime imprescritível e inafiançável. 
A Lei nº 7.716/1989 foi posteriormente alterada pela Lei n° 9.459, de 
1997, que acrescentou a punição à discriminação e à incitação à discriminação 
por etnia, religião ou procedência nacional. A Lei nº 9.459/1997 ainda criou a 
injúria racial, um tipo qualificado de injúria no Código Penal. Neste ano, a Lei nº 
14.532, de 11 de janeiro de 2023, realizou novas e importantes alterações 
na concepção criminal do racismo. Particular que discutiremos em 
pormenores mais adiante. 
Já no ano de 2003, a Lei nº 10.639 modificou a Lei de Diretrizes de Base 
da Educação (Lei nº 9.394/1996), introduzindo a obrigatoriedade do ensino de 
história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de ensino fundamental e 
45 
 
médio. O conteúdo programático acrescentou o estudo da História da África e 
dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro 
na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro 
nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. Além 
disso, foi incluído no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia 
Nacional da Consciência Negra” (artigo 79-A da Lei nº 9.394/1996). 
 
Figura 34: Imagem sobre o Dia da Consciênia Negra. 
 
 
No ano de 2009, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 992, que 
instituiu a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. O 
objetivo geral da referida política é promover a saúde integral da população 
negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao 
racismo e à discriminação nas instituições e serviços do Sistema Único de 
Saúde (SUS). São algumas das diretrizes previstas na mencionada portaria: 
 
• a inclusão dos temas Racismo e Saúde da População Negra nos 
processos de formação e educação permanentes dos/as trabalhadores/as da 
saúde e no exercício do controle social da saúde; 
• o reconhecimento de saberes e práticas populares de saúde, 
incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes africanas; e 
• o desenvolvimento de processos de informação, comunicação e 
educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma 
identidade negra positiva e contribuam para a redução das vulnerabilidades. 
 
46 
 
Em 20 de julho de 2010, a Lei nº 12.288 instituiu o Estatuto da Igualdade 
Racial, “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de 
oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o 
combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. 
O Estatuto trouxe diversos conceitos relacionados à temática, quais 
sejam: 
 
I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, 
restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem 
nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, 
gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e 
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em 
qualquer outro campo da vida pública ou privada; 
II – desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de 
acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e 
privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica; 
III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da 
sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais 
segmentos sociais; 
IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram 
pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição 
análoga; 
V – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo 
Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais; 
VI – ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados 
pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais 
e para a promoção da igualdade de oportunidades. 
 
O Estatuto prevê que é dever do Estado e da sociedade garantir a 
igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, 
independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à participação na 
comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas, 
47 
 
empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e 
seus valores religiosos e culturais. 
Esta lei é considerada o principal marco legal para o enfrentamento da 
discriminação racial e das desigualdades estruturais de raça aqui estudadas. 
Trata-se de um instrumento para garantia dos direitos fundamentais desse 
segmento, especialmente no que diz respeito à saúde, educação, cultura, 
esporte e lazer, comunicação, participação, trabalho, liberdade de consciência 
e de crença; acesso à terra e à moradia; além dos temas da proteção, do 
acesso à justiça e à segurança. 
O quadro abaixo, retirado da cartilha São Paulo contra o Racismo: 
Aspectos Legais e Ações Afirmativas, apresenta alguns direitos previstos no 
Estatuto: 
 
Figura 35: Quadro sobre direitos previstos no Estatuto a Igualdade Racial. 
SAÚDE Art. 6º. O direito à saúde da população negra será 
garantido pelo poder público mediante políticas 
universais, sociais e econômicas destinadas à 
redução do risco de doenças e de outros agravos. 
EDUCAÇÃO Art. 11. Nos estabelecimentos de ensinos 
fundamental e médio, públicos e privados. É 
obrigatório o estudo da história geral da África e 
da história da população negra no Brasil, 
observado o disposto na Lei n° 9.394, de 20 de 
dezembro de 1996. 
CULTURA Art. 17. O poder público garantirá o 
reconhecimento das sociedades negras, clubes e 
outras formas de manifestação coletiva da 
população negra, com trajetória histórica 
comprovada, como patrimônio histórico e cultural, 
nos termos dos arts. 215 e 216 da Constituição 
Federal. 
ESPORTE E LAZER Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso 
da população negra às práticas desportivas, 
consolidando o esporte e o lazer como direitos 
sociais. 
ACESSO À TERRA Art. 27. O poder público elaborará e implementará 
políticas públicas capazes de promover o acesso 
da população negra à terra e às atividades 
produtivas no campo. 
MORADIA Art. 35. O poder público garantirá a 
implementação de políticas públicas para 
assegurar o direito à moradia adequada da 
população negra que vive em favelas, cortiços, 
áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou em 
processo de degradação, a fim de reintegrá-las à 
dinâmica urbana e promover melhorias no 
ambiente e na qualidade de vida. 
48 
 
TRABALHO Art. 38. A implementação de políticas voltadas 
para a inclusão da população negra no mercado 
de trabalho será de responsabilidade do poder 
público, observando-se: 
- o instituído neste Estatuto; 
- os compromissos assumidos pelo Brasil ao 
ratificar a Convenção Internacional sobre a 
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação 
Racial, de 1965; 
- os compromissos assumidos pelo Brasil ao 
ratificara Convenção no 111, de 1958, da 
Organização Internacional do Trabalho(OIT), que 
trata da discriminação no emprego e na profissão; 
- os demais compromissos formalmente 
assumidos pelo Brasil perante a comunidade 
internacional 
MEIOS DE 
COMUNICAÇÃO 
Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de 
comunicação valorizará a herança cultural e a 
participação da população negra na história do 
País. 
Art. 44. Na produção de filmes e programas 
destinados à veiculação pelas emissoras de 
televisão e em salas cinematográficas, deverá ser 
adotada a prática de conferir oportunidades de 
emprego para atores, figurantes e técnicos negros, 
sendo vedada toda e qualquer discriminação de 
natureza política, ideológica, étnica ou artística. 
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE 
CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS 
CULTOS RELIGIOSOS 
Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e 
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos 
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a 
proteção aos locais de culto e a suas liturgias. 
Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de 
crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de 
matriz africana compreende: 
- a prática de cultos, a celebração de reuniões 
relacionadas à religiosidade e a fundação e 
manutenção, por iniciativa privada, de lugares 
reservados para tais fins; 
- a celebração de festividades e cerimônias de 
acordo com preceitos das respectivas religiões; 
- a fundação e a manutenção, por iniciativa 
privada, de instituições beneficentes ligadas às 
respectivas convicções religiosas; 
- a produção, a comercialização, a aquisição e o 
uso de artigos e materiais religiosos adequados 
aos costumes e às práticas fundadas na 
respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas 
vedadas por legislação específica; 
- a produção e a divulgação de publicações 
relacionadas ao exercício e à difusão das religiões 
de matriz africana; 
- a coleta de contribuições financeiras de pessoas 
naturais e jurídicas de natureza privada para a 
49 
 
manutenção das atividades religiosas e sociais 
das respectivas religiões; 
- o acesso aos órgãos e aos meios de 
comunicação para divulgação das respectivas 
religiões; 
- a comunicação ao Ministério Público para 
abertura de ação penal em face de atitudes e 
práticas de intolerância religiosa nos meios de 
comunicação e em quaisquer outros locais. 
SINAPIR 
 
 
Art. 47. É instituído o Sistema Nacional de 
Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) como 
forma de organização e de articulação voltadas à 
implementação do conjunto de políticas e serviços 
destinados a superar as desigualdades étnicas 
existentes no País, prestados pelo poder público 
federal. 
Art. 50. Os Poderes Executivos estaduais, distrital 
e municipais, no âmbito das respectivas esferas 
de competência, poderão instituir conselhos de 
promoção da igualdade étnica, de caráter 
permanente e consultivo, compostos por igual 
número de representantes de órgãos e entidades 
públicas e de organizações da sociedade civil 
representativas da população negra. 
OUVIDORIAS PERMANENTES E ACESSO 
À JUSTIÇA E À SEGURANÇA 
Art. 54. O Estado adotará medidas para coibir 
atos de discriminação e preconceito praticados por 
servidores públicos em detrimento da população 
negra, observado, no que couber, o disposto na 
Lei no 7.716, de 5 de janeiro de 1989. 
Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e 
das ameaças de lesão aos interesses da 
população negra decorrentes de situações de 
desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros 
instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na 
Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985. 
 
O capítulo IV do Estatuto estabelece as instituições responsáveis pelo 
acolhimento de denúncias de discriminação racial e apresenta os mecanismos 
institucionais existentes que têm como finalidade assegurar a aplicação efetiva 
dos dispositivos previstos em lei. Com isso, exigiu-se a instituição de 
Ouvidorias Permanentes em Defesa da Igualdade Racial no âmbito do 
Executivo e do Legislativo federais, além de implicar o Ministério Público, a 
Defensoria Pública e o Poder Judiciário na garantia da igualdade de direitos 
para a população negra. Em especial, no art. 53 o Estado brasileiro se 
compromete a adotar “medidas especiais para coibir a violência policial 
incidente sobre a população negra”, bem como a realizar ações visando a 
“ressocialização e proteção da juventude negra em conflito com a lei e exposta 
a experiências de exclusão social”. 
50 
 
O Estatuto trouxe ainda diversas alterações na Lei nº 7.716/89, que 
serão abordadas a seguir. 
Em suma, o Estatuto da Igualdade Racial é a principal referência para 
enfrentamento ao racismo e a promoção da igualdade racial, ao atualizar e 
ampliar o alcance das leis antirracistas anteriores, além de embasar 
juridicamente políticas públicas direcionadas a diminuir as desigualdades 
raciais no acesso à plena cidadania. As políticas afirmativas existentes serão 
estudadas posteriormente. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
51 
 
6. CONDUTAS RELACIONADAS À RAÇA QUE SÃO CONSIDERADAS 
CRIMES NO BRASIL 
 
Figura 36: Reportagem sobre caso de racismo. 
 
Fonte: https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-
racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-
pardos.ghtml. 
 
Diariamente a imprensa divulga casos graves de racismo e injúria racial 
que ocorrem no Brasil, o que reflete o quão nossa sociedade ainda é racista. 
Neste módulo, serão trazidos os principais crimes referentes à temática, com a 
pena prevista em cada um deles. A proposta deste curso é apresentar aos 
alunos as condutas que são consideradas crimes no Brasil e não fazer uma 
análise jurídica dos mesmos. 
A Cartilha de Direitos Humanos e Combate ao Racismo da Defensoria 
Pública do Rio Grande do Sul apresenta alguns exemplos de práticas que são 
consideradas racistas, quais sejam: 
 
• Apelidar negras e negros de acordo com as características físicas, 
a partir de elementos de cor e etnia da pessoa. 
• Inferiorizar as características estéticas de negras e negros. 
• Considerar uma negra ou um negro inferior intelectualmente, 
podendo até negar-lhe determinados cargos, funções ou empregos. 
• Desprezar seus costumes, hábitos e tradições, como na ofensa a 
religiões de matriz africana. 
• Duvidar da honestidade e competência da pessoa negra. 
https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-pardos.ghtml
https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-pardos.ghtml
https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/03/05/empresaria-se-indigna-com-pedido-racista-de-cliente-por-aplicativo-mandem-entregador-branco-nao-gosto-de-pretos-nem-pardos.ghtml
52 
 
• Recusar-se a prestar serviços a negras e negros. 
• Fazer ou se divertir com piadas depreciativas da pessoa negra e, 
vestimenta e de suas pré-concepções sobre os papéis sociais ou profissionais 
que crê ser adequados a ela. 
 
A Lei nº 7.716/1989 prevê uma série de condutas que são consideradas 
crimes, quando resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, 
religião ou procedência nacional. Serão analisados os crimes previstos na 
referida legislação. 
• Artigo 3° da Lei nº 7.716/89 
 
Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a 
qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das 
concessionárias de serviços públicos. 
 
Pena: reclusão de dois a cinco anos. 
 
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de 
discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, 
obstar a promoção funcional. 
 
Este tipo penal criminaliza a conduta que impede ou obsta o acesso no 
serviço