Buscar

06 Pierre, Erica e uma conversa sobre a história da arte brasileira Autor Ericki Funes Gutierrez

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 85 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Pierre, Erica 
e uma conversa sobre a 
história da arte brasileira
Ericki Funes Gutierrez
Pierre, Erica e uma conversa sobre a 
história da arte brasileira
Ericki Funes Gutierrez
2015
Texto de Qualificação apresentado ao Programa de Pós-graduação em 
História - Mestrado Profissional da Universidade de Caxias do Sul como 
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História. 
Orientadora: Profa. Drª Eliana Rela
If I had six hours to chop down a tree, I’d spend four 
hours sharpening the axe.
- Autor desconhecido
Sobre o autor:
Ericki Funes Gutierrez possui graduação em Design pela Faculdade da Serra 
Gaúcha (2012), e atua na área do Design Gráfico. Mestrando em História pela 
Universidade de Caxias do Sul, o autor costuma se auto definir como um 
designer por formação, historiador por vocação e artista por teimosia.
Apresentação
Prólogo
Capítulo 1 - Pierre, Erica, museus e a educação patrimonial
Capítulo 2 - A arte indígena pré-cabralina e uma História 
eurocêntrica da Arte
Capítulo 3 - A arte nos primeiros anos de Brasil, o Barroco e 
Aleijadinho
Capítulo 4 - A arte erudita e a indústria cultural
Capítulo 5 - A Missão Artística Francesa, Debret e o 
Academicismo brasileiro
Capítulo 6 - A Arte, a História, o repertório e a finalidade 
disso tudo
Capítulo 7 - O fim do Academicismo: o que precede a Arte 
Moderna no Brasil em meados do Sec. XX
Capítulo 8 - O Modernismo brasileiro e suas consequências
Capítulo 9 - Estética, alteridade e consciência histórica
Capítulo 10 - A arte contemporânea, aura e Romero Britto
Epílogo
Referências
11
15
17
23
29
36
41
47
53
59
67
72
81
82
Apresentação
Por que, afinal, História da Arte?
O homem de negócios abre uma revista e encontra um anúncio de vodka 
em cores saturadas, composto principalmente de vermelho, preto, branco e 
figuras geométricas simples. 
Uma adolescente compra o novo álbum de sua banda favorita, 
entusiasmada também com o trabalho gráfico do pacote que ilustra um rosto 
feminino com a mão à boca, como que gritasse o nome da banda, em uma 
imagem preta e branca com apenas uma cor em destaque: o vermelho.
Um casal vai ao concerto de uma famosa cantora pop, cujo principal 
diferencial no cenário musical mundial é seu visual pouco ortodoxo, surrealista, 
que compõem cenários e atmosferas oníricas e impactantes. 
Os cenários acima são breves exemplos de que estamos cercados 
pela História da Arte, mesmo quando não estamos conscientes disso. E essa 
carga faz muita diferença na forma como consumimos qualquer produto ou 
linguagem visual. Baseada em Salvador Dali, a artista pop agrega para si e para 
sua persona um valor extremamente poderoso. Nenhuma linguagem visual 
representa a Rússia como as cores chapadas e a tipografia angulosa do seu 
Construtivismo.
Há muito tempo a História não é mais a mesma. 
Ao longo dos tempos, através de diversas transformações no pensamento 
acadêmico e social, a História vem transformando-se, aos poucos despindo 
seu surrado e conhecido casaco composto de datas, nomes e acontecimentos 
heróicos. Tal indumentária serviu por muito tempo, porém, sob uma ótica 
atual, pode ser considerada desatualizada.
A História hoje veste cores diferentes e tecidos mais intrincados. Costuras 
complexas, que cobrem diversos ângulos, produzem uma nova roupagem para 
a disciplina, que busca aproximar seus conteúdos com a realidade do século 
XXI. 
Passou-se a formular diferentes perguntas. Ao invés de simplesmente 
conhecer o que aconteceu, o historiador e o leitor possuem maior interesse no 
como, nos porquês. O singular passou a fazer parte do discurso da História, a 
Peça de Marketing da vodka russa 
Stolichnaya., 2007 
Todo o marketing da marca Stolichnaya 
baseia-se fortemente no Construtivismo 
russo, movimento artístico que foi 
principalmente influenciado pelo Futuris-
mo europeu das primeiras décadas do 
século XX e que surgiu como uma forma 
de linguagem direta dentro de uma Rússia 
recém saída da revolução bolchevique. 
Através dessa abordagem, a marca busca 
mostrar um diferencial, identificando -se 
enquanto um produto verdadeiramente 
russo.
Derrote os brancos com a cunha vermelha. 
El Lissitsky, 1920
Os cartazes no construtivismo russo 
utilizavam-se amplamente das formas 
geométricas e das cores chapadas, 
principalmente o preto, branco e vermelho, 
por dois motivos: primeiro, por sua força 
e impacto visual, mas também pela 
facilidade e menor custo de reprodução: 
cartazes com menos cores poderiam ser 
impressos em maior tiragem.
11
subjetividade passou a dar as cartas nas mais diferentes análises. O cotidiano 
do pequeno fazendeiro tornou-se tão importante quanto as batalhas vencidas 
por cavaleiros e reinos distantes.
Apesar disso, a História da Arte parece muitas vezes carecer do mesmo 
cuidado com o seu guarda-roupa. Ao contrário de sua parente próxima, a 
História da Arte habituou-se a ser ensinada e apreendida em sua forma mais 
datada e, pois sim, maçante. Professores e alunos mastigam uma disciplina 
servida em pílulas que encarceram enormes conceitos e amplas redes de 
relações em celas individuais. 
Os movimentos artísticos, constantemente apresentados 
cronologicamente, espremem um pequeno número de artistas em um punhado 
de páginas, sendo que muitas vezes esses artistas possuem muito pouco em 
comum em suas obras. Ainda assim, habituou-se a apresentar essas obras 
em uma lista de ícones a serem admirados, absorvidos e, logo em seguida, 
deixados de lado, pois o próximo capítulo não lhes menciona. Como se cada 
momento histórico tivesse uma data objetiva de início e término. 
Imagine o artista, ao acordar em uma manhã cinzenta e modorrenta, 
após coçar a barba, declarar ao mundo: 
- A partir de hoje, não se pinta mais como pintamos até agora, nosso 
movimento acabou. Devemos mudar nossa arte a partir desse dia, e desse dia 
apenas.
 Parece óbvio pensar que, se hoje as mudanças no pensamento vigente 
acontecem através de longos processos, muitas vezes subjetivos, não há 
motivos para imaginar que no passado seria diferente. Ao longo da história, 
tais transformações subjetivas aconteceram igualmente aos poucos, resultado 
da acumulação de pequenas alterações pontuais, aqui e acolá, que culminam 
em uma revolução intelectual que pode ser vista apenas em retrospecto, 
olhando-se para trás.
Vivemos em um mundo composto por marcas e produtos, estímulos 
sensoriais repletos de carga simbólica que fazem parte das vidas de todos 
nós. Atualmente, pode-se encontrar uma plenitude de exemplos de linguagens 
visuais profundamente inspiradas no passado, e essa inspiração atribui uma 
imensa quantidade de valores implícitos na recepção dessas mensagens 
visuais. 
E isso não se aplica apenas às artes visuais. A música é constantemente 
influenciada por antigos ícones e momentos importantes de seu passado. 
A frequente revisitação aos anos 70 e 80 na música do século XXI não é 
coincidência: buscando referências no que já passou, a Arte reinventa-se, 
Capa do album You Could Have Done So 
Much Better, da banda Franz Ferdinand. 
2005
É visível a influência do passado nas 
linguagens visuais do mundo contempo-
râneo. A capa do segundo álbum da banda 
escocesa é uma releitura da obra Knigi, de 
Alexandr Rodchenko, de 1924.
Knigi. Alexandr Rodchenko, 1924
Peça de propaganda para o governo 
soviético que buscava incentivar a 
educação, a trabalhadora grita, confinada 
em um círculo, “Knigi” (livros), com 
violência, aos trabalhadores do país. A 
fotografia retrata uma trabalhadora da 
cidade, como que anunciando ofertas na 
feira. A forma como o artista representa a 
voz dela, porém, simula o impacto de uma 
bala de revolver.
12
criando novas identidades que entram em harmonia com as demandas da 
atualidade.
O fato é que estamos cercados de referências ao passado. É preciso 
conhecer o que existe para imaginar o novo e avançar em direção ao 
desconhecido.
O profissional criativo precisa compreender o papel da História da Arteno seu fazer profissional, uma vez que a o mercado hoje exige o aporte de 
muitas disciplinas fundamentais. Nenhum profissional completo sustenta-
se apenas em uma área do conhecimento: a interdisciplinaridade gera no 
indivíduo a capacidade de adaptar-se a diferentes realidades e circunstâncias. 
A adaptabilidade é uma competência necessária à vida em sociedade e 
à atividade profissional. O verdadeiro profissional tem a mente aberta à 
interdisciplinaridade, agregando ao seu repertório pessoal sempre mais 
conhecimento.
A adaptabilidade é também uma competência necessária à História 
da Arte e seus professores. Está mais do que na hora de abandonar esses 
trajes velhos e surrados, e abraçar uma nova vestimenta que leve em conta 
as necessidades e expectativas do público para o qual se leciona. O mundo 
contemporâneo não tem tempo para conhecimentos abstratos e inaplicáveis. 
Relacionar o que se estuda com o que se vive é um quesito básico para um 
processo de ensinagem1 funcional e proveitoso.
É para este leitor que este livro foi escrito. Tanto para o acadêmico que 
espera mais da História da Arte, como para o profissional que busca abraçar 
as oportunidades e a interdisciplinaridade no seu dia a dia. Para o educador 
que pode encontrar nele uma forma de aproximar-se do seu aluno, e para o 
entusiasta que busca envolver-se com a Arte e deixar-se levar pelos devaneios 
que apenas a linguagem artística pode provocar, produzindo suas próprias 
interpretações acerca da Arte e da sua presença no nosso cotidiano.
O propósito desse livro é servir como uma introdução a diversos 
temas da História da Arte brasileira através de uma linguagem simples e, 
pretende-se, envolvente. A intenção é apresentar constantemente relações 
entre artistas, obras e movimentos com o tempo em que vivemos, trazendo 
para a realidade do leitor os conceitos apresentados aqui. Além disso, a ideia 
desta obra é facilitar esse contato inicial do leitor que possui interesse no 
assunto, porém não está habituado ou disposto a empreender pelo muitas 
1	 Ensinagem	é	um	termo	cunhado	pela	pesquisadora	Lea	das	Graças	Anastasiou,	usado	para	indicar	uma	prática	social	complexa	
efetivada	entre	professor	e	aluno,	englobando	tanto	a	ação	de	ensinar	quanto	a	de	apreender,	consciente	para	o	enfrentamento	na	construção	
do conhecimento escolar. A ensinagem resulta de ações dentro e fora da sala de aula, superando o simples dizer do conteúdo por parte do 
professor. (ANASTASIOU, 2004) 
Em alguns shows de sua turnê realizada em 
2009, a cantora pop Lady Gaga apresentou-
se com um visual e um cenário inspirados 
diretamente em obras surrealistas de 
Salvador Dali. É possível ver a influência 
direta nas longas pernas instaladas no 
piano e no banco, com mais de 6 metros 
de altura.
A Tentação de Santo Antonio. Salvador 
Dali, 1946. Musée Royaux des Beaux-Arts, 
Bruxelas - Bélgica.
Como em muitas obras de Dali, a imagem 
toma curso no mundo dos sonhos, onde as 
criaturas que amedrontam Santo Antônio 
são desproporcionais, sua força e maldade 
muito maiores.
13
vezes excessivamente complexo mundo da História acadêmica que permeia a 
bibliografia da Historia da Arte. 
A presente obra está dividida em capítulos curtos, que podem ser 
lidos separadamente quando houver interesse em assuntos pontuais. Porém, 
é inevitável que a leitura completa da obra produza outras relações de 
conhecimento e uma diferente experiência de leitura. Alguns capítulos tratam 
de momentos da história da arte brasileira de forma cronológica, enquanto 
outros trabalham conceitos teóricos da Arte, da História e da sociedade. Essa 
estrutura foi pensada unicamente para servir ao propósito de ilustrar como a 
História da Arte não deve ser isolada em movimentos e estilos separados uns 
dos outros, mas sim como uma ampla rede de relações, onde cada pequeno 
fato influencia no seu tempo e no futuro. Além disso, ao fim de cada capítulo há 
uma lista de referências bibliográficas e audiovisuais para o leitor que busca 
ampliar seus conhecimentos e seu repertório acerca dos assuntos tratados 
naquele capítulo. Todos os vídeos indicados nessas sessões estão disponíveis 
livremente na internet, ao alcance de qualquer pessoa que os procurar.
É importante frisar que, apesar de ficcionais, os diálogos, nomes e locais 
presentes nesta obra tratam de assuntos, obras e artistas históricos. Diversas 
informações serão assinaladas ao longo do texto para que, caso o leitor possua 
interesse, encontre facilmente mais informações acerca daquele assunto e sua 
fonte histórica ao final do livro. Assim sendo, esta obra aborda uma ampla 
gama de conceitos, obras de arte e artistas, porém, por motivos óbvios, não se 
estende ou se aprofunda além do necessário.
Então convoco a você, leitor, para uma viagem pela História da Arte um 
tanto quanto diferente, porém com um final conhecido. Tomaremos o caminho 
mais longo e, felizmente, prazeroso, afinal, se nossa jornada é tão importante 
quanto o destino, nada mais justo que a aproveitemos em seus detalhes. Ao 
final dessa empreitada, o importante é que possamos ver a História da Arte 
em roupas novas.
O autor
31/05/2015
14
O clima tempestuoso, o céu cinzento e a chuva forte que caía sobre as 
calçadas da cidade grande mais pareciam uma metáfora sobre o estado de 
espírito de Pierre.
O homem havia acabado de sair de uma reunião nada animadora com 
seu editor. A pressão para lançar um novo livro agora estava definitivamente 
lhe atacando. Pierre observava a chuva pesada sentado ao volante do seu 
carro, parado no estacionamento da editora, refletindo sobre o que fazer em 
seguida. 
Havia recebido um ultimato: ou apresentava um rascunho até o final da 
semana, ou perderia o vínculo com sua editora. Pierre pensava que, após tantos 
anos de uma relação amigável com seu editor, ele fosse ser mais complacente 
quando, depois de seis meses de espera, Pierre ainda não tinha nada para lhe 
apresentar. 
Seu bloqueio criativo era um problema.
Romancista, Pierre estava finalmente, após mais de quinze anos de 
dedicação à literatura, recebendo atenção da mídia, criando uma base de 
fãs e, consequentemente, tendo algum retorno financeiro de suas obras. Isso 
tudo, porém, aumentava a demanda e a pressão para que novos lançamentos 
acontecessem com maior frequência. O homem odiava essa lógica de mercado.
- Vá se inspirar! – dizia o editor, zangado, durante a reunião, como se 
fosse a coisa mais simples do mundo. – Vá ler um livro, ou dois, ou dez! Vá a um 
museu, ou um parque, ou um bar! Vá viver, e me traga uma história que valha 
a pena ser contada.
Entretanto, mesmo se esforçando como nunca, dessa vez, Pierre parecia 
incapaz de escrever. Nada do que rabiscava lhe deixava minimamente contente, 
e, durante os últimos cento e oitenta dias, debateu-se inutilmente entre ideias 
mortas e personagens enfadonhas, nada que lhe satisfizesse enquanto artista, 
ou mesmo enquanto ser humano.
Pierre escrevia ficção, mas buscava imbuir sua obra de algum valor 
teórico, humano, reflexivo. Seus livros discutiam as regras não escritas que 
regem as sociedades, os comportamentos que são determinados por muitos 
outros elementos, além da própria vontade individual. Pierre escrevia sobre 
seres humanos que escreviam sua própria história, porém cercados por um 
mundo complexo, real e, por isso, um tanto opressivo.
Moveu os olhos pela rua movimentada, os carros zunindo de um lado a 
Prólogo
15
outro, a cidade pulsando caos e barulho na hora do rush. Suspirou, e ligou o 
rádio. Uma melodia dos anos oitenta que cantava a solidão e o amor invadiu o 
carro repleto de papéis espalhados pelos assentos, e o escritor achou irônico. 
- Será que todas as pessoas que escrevem sobre o amor possuem um 
amor para escrever a respeito? – Perguntou em voz alta, para ninguém.
Tamborilou com os dedos no volante, perdido em devaneios, até a 
música chegar ao fim. Então, como se saísse de um transe, coçou os olhos por 
debaixo dos óculos.
- Bom, é melhor seguir o conselhoe ir viver um pouco. 
Ligou o motor do carro, e partiu lentamente em direção a um lugar de 
que gostava muito: uma enorme galeria de arte.
16
- Não é interessante a arte brasileira?
A pergunta tirou Pierre de seus devaneios. Perdido em pensamentos 
enquanto seus olhos passeavam sem muito foco pelas obras de arte brasileira 
da galeria, a voz feminina o acordou para o mundo real. Sem que ele sequer 
percebesse, a mulher havia parado a seu lado, a observar a mesma obra, com 
olhos analíticos e profundos. O museu estava relativamente vazio, o que dava 
bastante espaço para contemplações. Apesar do clima tempestuoso do lado 
de fora da galeria, o silêncio nos corredores e salões era sereno.
Uma mulher de olhos curiosos lhe sorria, ao que Pierre rapidamente 
percebeu ser uma pergunta educada de alguém que claramente buscava, de 
modo simpático, iniciar uma conversa. Sorriu, assentindo.
- Acredita que não sei muito sobre a arte brasileira? – respondeu com 
uma pergunta. – Admito que gosto muito de arte, mas, por circunstâncias da 
vida, acabei me concentrando mais nas produções estrangeiras. 
A mulher sorriu.
- A história da arte brasileira é repleta de coisas fascinantes. Uma pena 
que a maioria dos brasileiros não saiba disso – ela continuou, com um sorriso 
como que irônico. – Uma obra de arte como essa, em um museu europeu, 
produzida por uma tribo milenar europeia, provavelmente receberia milhares 
de visitantes brasileiros todos os anos. Entretanto, aqui está ela, amargando 
um quase anonimato.
Um sinal de alerta imediatamente acendeu-se na mente de Pierre. “Essa 
conversa tem potencial para ser longa”, pensou de imediato. “Vamos ver o 
quanto ela está disposta a discutir.”
- Bem, penso que essa é uma questão um tanto quanto complexa – 
começou ele. – É muito fácil colocar a culpa da menor influência do cenário 
artístico contemporâneo brasileiro em uma “síndrome de vira-latas”, a famosa 
teoria de que o povo brasileiro prefere consumir o que é estrangeiro. Entretanto, 
penso que esse fenômeno que você cita está muito mais relacionado à forma 
como consumimos a cultura como um todo, desde que nascemos, e como 
lidamos com a cultura e a arte no nosso dia a dia. 
Por um momento Pierre pensou ter passado dos limites de uma conversa 
informal, complicando demais o assunto. “É por isso que você não tem uma 
namorada”, pensou, rindo de si mesmo. Entretanto, ao contrário do que ele 
esperava, a mulher mostrou-se interessada.
Capítulo 1 - Pierre, Erica, museus e a educação patrimonial
17
- Como assim? – Ela perguntou, seus grandes olhos piscando.
Pierre respirou aliviado, sentindo como se uma porta se abrisse, e, com 
um sorriso, continuou.
- Bem, eu acredito que existe no mundo uma série de estruturas 
hipotéticas que podem interferir, ou até mesmo dirigir a ação dos indivíduos. 
Essas estruturas são construídas socialmente, através da repetição. Para 
explicar melhor, pense que ao longo do tempo, as pessoas acostumam-se a 
gostar ou desgostar de certas coisas, e a repetição disso, ao longo de gerações, 
cria uma espécie de regra não escrita que influencia no comportamento das 
pessoas.2
- Então você quer dizer, basicamente, que os gostos das pessoas são 
definidos pelo contexto em que elas se encontram?
- Mais ou menos isso. Penso que o gosto e as práticas de cultura de cada 
um de nós são resultado de um amontoado de condições específicas. É através 
da socialização, dos nossos amigos, da nossa família, do que consumimos na 
mídia, do que aprendemos ou deixamos de aprender na escola... Entre muitas 
outras variáveis. Tudo isso compõe o gosto das pessoas.
- É uma boa teoria – ela sorriu. Depois, completou de modo súbito – 
O mundo contemporâneo possui muita arte, talvez até demais. Mas o Brasil 
sempre esteve atrasado com relação à Europa, em questão de tempo mesmo. 
A arte europeia possui muito mais tempo de vida, e o continente aprendeu a 
valorizá-la de uma maneira que ainda não fomos capazes de emular. O turismo 
na Europa, apesar de não parecer, baseia-se principalmente na História e na 
Arte, duas “disciplinas” que não são as favoritas do público em geral, mas que 
funcionam muito bem nesse aspecto mercadológico dos museus e galerias. 
- O velho conflito entre arte popular e arte erudita, não é mesmo? – 
Pierre suspirou.
- Pois é, o velho conflito – ela riu. Pierre percebeu que ela sorria muito, 
e às vezes não sabia dizer se eram sorrisos honestos ou irônicos. 
Uma pequena pausa, e, após olhar para um par de cadeiras postadas em 
frente à obra que iniciara a conversa entre os dois, a mulher aproximou-se e 
estendeu a mão em um cumprimento.
- Meu nome é Erica. Gostaria de sentar e conversar um pouco?
- Claro. Sou Pierre, a propósito – disse ele, sentando-se com um sorriso. 
Pierre adorava discussões do gênero. Era do tipo de pessoa que não se 
contentava com apenas um ponto de vista sobre qualquer coisa que fosse. 
2 SETTON, 2010
18
Para ele, tudo precisava ser debatido, explorado, problematizado. E quem sabe 
uma conversa sobre arte com uma estranha pudesse lhe trazer a inspiração 
que faltava para seus romances.
Erica sentou-se a seu lado, visivelmente animada. 
- Você sabe quando surgiram os primeiros museus? – Ela perguntou.
- Até onde sei, havia espécies de museus na Grécia antiga, não?
- Em verdade a origem da palavra museu vem do grego mouseion, que 
denominava o templo das nove musas, construído em Alexandria, no século 
III a.C. Mas o mouseion era algo muito diferente do que se conhece hoje 
por museu, embora possa se encontrar semelhanças fundamentais. A Casa 
das Musas tinha como objetivo proteger todas as obras humanas contra o 
esquecimento, garantindo a transmissão dos saberes filosóficos, científicos e 
artísticos às próximas gerações.3 
- Como a História, de Heródoto – Pierre ponderou -, cujo principal 
objetivo era o mesmo: proteger os feitos humanos do esquecimento. Os gregos 
não possuíam humildade na hora de definir seus objetivos. 
Erica riu.
- De fato. Mas os museus públicos nos modelos de hoje surgiram apenas 
no século XIX, a partir da Revolução Francesa. As instâncias revolucionárias de 
então instituíram procedimentos de preservação do patrimônio francês, uma 
vez que, após a Revolução, os bens do alto clero, da burguesia e da Coroa eram 
vistos como símbolos da opressão de outrora, e sofriam com a depredação 
e o ódio.4 Assim, instituíram-se aparatos para a preservação e gestão desses 
“bens recuperados pela Nação”, afim de que o povo não mais tivesse ódio 
desses símbolos, mas os abraçasse como parte de sua história, incentivando o 
civismo e o conhecimento político no país. 
- O Museu do Louvre nasce aí, não? – Pierre perguntou. Ele sabia um 
pouco sobre História da Arte, embora não tanto quanto a mulher que havia 
acabado de conhecer e já estava lhe dando uma aula. Porém, ele estava 
realmente interessado, tanto na história quanto na mulher que a trazia. Erica 
parecia muito inteligente, e sorria muito. Pierre adorava sorrisos.
- Exatamente. A pretensão inicial do novo governo francês era a instituição 
de grandes museus em todo o território nacional, porém esse objetivo 
mostrou-se inviável. O Louvre foi a única grande instituição a nascer com esse 
propósito, embora as políticas patrimoniais adotadas pela Revolução tenham 
sido responsáveis pela preservação de inúmeras obras e prédios espalhados 
3 ABUD, 2010
4 JULIÃO, 2006
19
pela França que teriam sido destruídos não fosse o trabalho de conscientização 
patrimonial realizado naquele momento. O Palácio de Versalhes é um exemplo 
disso, uma vez que muitos revolucionários queriam vê-lo em ruínas por sua 
relação direta com o Antigo Regime. Felizmente o palácio foi transformado em 
escola e museu.5 
- E a partir de então, os museus com esse objetivo cívico-educativo 
começaram a se espalhar pela Europa e, posteriormente, pelos outros 
continentes – concluiu Pierre. – Mas você realmente acha que essa questão 
temporal, o simples fato de que os museus surgiram antes lá, éo que faz com 
que os museus de História e de Arte sejam mais visitados na Europa que no 
Brasil? Quer dizer, é uma visão um tanto quanto simplista, a meu ver. Muitos 
outros campos estão envolvidos nessa questão. O turismo, os investimentos 
dos governos na área patrimonial, a própria educação patrimonial e os hábitos 
culturais particulares...
- Mas concordamos que, na Europa, o consumo de museus históricos e 
artísticos é definitivamente maior que no Brasil? – questionou Erica, em um 
tom conciliador.
- Definitivamente. Lembro-me de uma pesquisa recente acerca dos 
hábitos culturais do brasileiro que apresentava resultados alarmantes. 
Segundo ela, mais da metade dos brasileiros não pratica atividade cultural, 
nunca assistiu uma peça teatral, um espetáculo de dança ou mesmo sequer foi 
a uma exposição em um museu.6 Isso mostra como esse debate é importante. 
Qual é o público dos museus no Brasil? Quem os frequenta, quem não os 
frequenta, e, mais importante, por que não o faz? 
- Penso que essas questões são muito importantes para diversos 
segmentos da nossa sociedade, - Erica tomou a palavra rapidamente – não 
apenas pensando no âmbito cultural, como também na própria questão 
econômica. O Brasil possui tanto potencial turístico quanto qualquer país da 
Europa. Possui obras tão qualificadas, e uma história tão rica quanto qualquer 
lugar do mundo. Ainda assim, quanto desse potencial é desperdiçado devido 
à falta de investimentos, tanto do Poder Público quanto da esfera privada? 
Existem inúmeros pequenos museus ao longo de todo o território nacional, 
mas o investimento público é tão pouco que eles pouco produzem, em um 
sentido financeiro. As estatísticas baixíssimas de visitantes de museus ao 
longo de todo o Brasil, salvo exceções pontuais de alguns grandes museus 
e galerias em grandes centros urbanos como São Paulo e Salvador, apenas 
5 PAYNE, 1919
6	 Pesquisa	divulgada	em	Abril	de	2014,	realizada	pelo	Sesc	–	Serviço	Social	do	Comércio,	em	conjunto	com	a	fundação	Perseu	
Abramo.	Disponível	no	site	http://www.sesc-se.com.br/noticias/752-pesquisa-inedita-revela-habitos-culturais-do-brasileiro.	Último	acesso	em	
20/12/2014.
20
demonstram que as instituições falham em obter maior abrangência. Além 
disso, a educação patrimonial no Brasil possui tão pouco incentivo que esse 
quadro não tende a mudar tão cedo.
- Mas isso vem mudando aos poucos. – interrompeu-a Pierre – Nos 
últimos anos, através dos esforços da comunidade acadêmica, vem se 
produzindo muitas reflexões e trabalhos envolvendo a questão da educação 
patrimonial no Brasil7 , além de iniciativas, muitas vezes limitadas, é verdade, 
mas bem intencionadas, nos próprios museus, para ampliar sua abrangência 
de visitantes e envolver as comunidades locais em torno da educação 
patrimonial.8 
- Até porque – concluiu Erica – para que realmente serve um museu se 
não para incentivar a educação patrimonial? Essa área do conhecimento tem 
um imenso potencial transformador para as sociedades. A prática museológica 
deve ser motivação e estímulo para a construção do conhecimento, não apenas 
complementando o ensino escolar, mas também abraçando sua utilidade 
social, possibilitando que as pessoas tenham contato com a história e a 
cultura de uma maneira tal que nenhum outro veículo poderia proporcionar. 
A reflexão pessoal é muito importante para que qualquer pessoa possa 
perceber o impacto que a memória e a história possuem sobre si mesma, 
mesmo que muitas vezes não perceba. A criação de um conhecimento através 
da identificação e da atuação sobre o que se investiga é chave para produzir 
efetivamente esse conhecimento.
Um breve silêncio surgiu, e Pierre e Erica sorriram.
- Desculpe, estou falando demais? Às vezes penso que sou crítica demais. 
Ou talvez pessimista – perguntou ela, com um sorriso despreocupado.
- De forma alguma – foi a vez de Pierre rir. – Na verdade, estava pensando 
agora mesmo no quanto sua companhia é agradável para uma visita a essa 
galeria. O que acha de fazermos um passeio pelo prédio, para conversarmos um 
pouco mais sobre Arte? Parece que a exposição de arte brasileira foi montada 
de modo a formar uma viagem cronológica, pode ser uma boa oportunidade 
para que eu finalmente conheça mais sobre esse assunto. E você parece saber 
muito sobre a arte brasileira, então estou ansioso para ouvir o que você tem 
a dizer. 
Pierre pensou que isso parecia uma boa ideia, e estava genuinamente 
ansioso. Erica parecia uma pessoa intrigante. O escritor sentia-se prestes a 
fazer uma grande viagem. Ela assentiu, ainda sorrindo.
7	 FIGURELLI,	2011	
8 MAGALHÃES, 2013
21
- Será um prazer. Vejo que você gosta de conversar tanto quanto eu – 
disse ela, levantando-se da poltrona.
- Ah, você não faz ideia – Pierre sorriu, pondo-se em pé.
Para conhecer mais:
Sou Jovem, Meu Patrimônio é o Mundo. Vídeo Documentário, 2010. 10 min.
Curta produzido coletivamente por jovens da América Latina que 
participaram do Fórum Juvenil do Patrimônio Mundial, em julho de 2010, acerca 
do que é considerado Patrimônio da Humanidade.
Museu em Movimento. Série de vídeos, 2012. Episódios de 30 min.
Série de 5 programas produzidos pela Univesp TV sobre a origem, o 
desenvolvimento, as funções dos museus e sua relação com a Educação.
ABUD, Kátia Maria. Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 
2010. P. 132.
FIGURELLI, Gabriela Ramos. Articulações entre educação e museologia e 
suas contribuições para o desenvolvimento do ser humano. Revista Eletrônica 
do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimonio – PPG-PMUS 
Unirio | Mast – Vol. 4 nº2. 2011. P. 111.
JULIÃO, Letícia. Apontamentos sobre a história do museu. 2006. 
Disponível no site: http://www.cultura.mg.gov.br/arquivos/Museus/File/
cadernodiretrizes/caderno-diretrizes_segundaparte.pdf. Último acesso em 
20/11/2014.
MAGALHÃES, Leandro Henrique. Educação e ação cultural em museu. 
Revista Memória em Rede, Pelotas, V.3, n.9, Jul./Dez. 2013.
PAYNE, Francis Loring. The Story of Versailles. New York:Moffat, Yard & 
Company, 1919.
SETTON, Maria da Graça Jacintho. Uma introdução a Pierre Bourdieu. 2010. 
Disponível em http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/uma-introducao-
a-pierre-bourdieu/. Último acesso em 25/06/15
22
Capítulo 2 - A arte indígena pré-cabralina 
e uma História eurocêntrica da Arte
Muiraquitã. Datação incerta. Peça de 
Jadeíta, original do estado do Amazonas. 
Ampliação do original. São Paulo, Museu 
Paulista da USP.
Acredita-se que a tradição de produzir 
muiraquitãs, amuletos de significado 
místico, tenha se originado na região 
do Baixo Amazonas, desde muito antes 
da chegada dos europeus às terras que 
viriam a ser o Brasil em 1500. Produzidos 
normalmente a partir de jade ou madeira, 
retratando rãs, peixes, tartarugas ou figuras 
humanas (embora esses fossem mais 
raros), esses amuletos eram produzidos 
com o intuito de proteger o seu portador 
de males, além de aumentar a fertilidade 
da mulher que o possuísse.
É possível perceber, através da riqueza de 
detalhes da peça, que os povos indígenas 
pré-cabralinos também possuíam um 
refinamento técnico em suas peças. A 
simetria era um valor estético muito 
apreciado, o que pode ser visto também 
nos padrões de pinturas corporais 
indígenas. 
Pode-se analisar a perspectiva impossível 
da peça do ponto de vista técnico. 
Como as pinturas egípcias, famosas por 
apresentarem figuras humanas vistas 
de perfil e, ao mesmo tempo, de frente, 
este muiraquitã é produzido de modo 
semelhante, em que se pode ver diversos 
ângulos do animal representado em uma 
única vista. A perspectiva tridimensional 
na representação artística não era 
plenamente desenvolvida entre os povos 
que habitavam o Brasil antes da chegada 
dos europeus.
A peça demonstra como a arte manual 
era vista nas comunidades indígenas que 
habitavam o Brasil durante o período 
pré-cabralino: todas as produções dos 
indivíduos serviam a um propósito social 
prático, sendo o misticismo um deles.
23
- Ao observar uma peçaassim, como esse muiraquitã, como não ficar 
fascinado pela arte indígena do Brasil pré-colonial? – perguntou, em um tom 
hipotético, Erica.
Pierre analisava a peça com atenção redobrada.
- É comum pensar que a arte no Brasil inicia-se apenas com o Barroco 
trazido pelos colonizadores europeus, mas a verdade passa longe disso, não 
é mesmo? – disse, sem tirar os olhos da peça. – No entanto, a arte indígena 
possui limites, tanto filosóficos quanto cronológicos, muito difíceis de serem 
precisados por nós.
- Especialmente em se tratando da expressão “pré-história” – respondeu 
a mulher. – Habituou-se chamar de pré-história todo o período que precede o 
surgimento da escrita, normalmente possuindo uma datação aproximada em 
3500 a.C. Entretanto, os povos americanos não possuíam sistema de escrita 
quando da chegada dos colonizadores europeus no continente, o que torna as 
barreiras muito mais difíceis de serem precisadas quando traçamos a história 
desses povos. 
- Entendo. Imagino que os poucos registros que existam sobre a arte 
indígena brasileira pré-colombiana acabem se misturando com os registros 
pré-históricos de arte rupestre encontradas em sítios arqueológicos, muito 
mais antigos, não é mesmo?
- Isso. E apesar de amplamente utilizado, o termo pré-história carrega 
um significado eurocêntrico um tanto quanto prejudicial para qualquer 
discussão – ponderou Erica. – Ela nos induz a pensar que os povos sem escrita 
não possuem história, ou de que, de alguma forma, sua história é inferior ou 
pouco relevante. Por isso o termo mais aceito atualmente para designar o 
período pré-colonial brasileiro é período pré-cabralino.9 Entretanto, mesmo 
essa designação é ampla demais: ela abarca, aproximadamente, desde 
60.000 a.C. até 1500 d.C., a data da chegada dos portugueses ao continente 
americano. E como muitas peças pré-cabralinas não possuem datação, as 
fronteiras cronológicas no estudo das artes indígenas brasileiras ficam ainda 
mais borradas.
Ela continuou:
- Mas isso é muito importante para que essa perspectiva eurocêntrica 
que se habituou a ter sobre a história e sobre a arte venha se transformando 
aos poucos. Tratar das questões acerca da arte indígena brasileira torna muito 
claro que a história do Brasil está muito ligada à história do resto do mundo, e 
nossas raízes são muito mais profundas do que se costuma pensar. A chegada 
9	 CUNHA,	1992
Exemplos de padrões da pintura corporal 
indígena.
Dada a amplitude dos povos e diversidades 
em suas culturas, é impossível atribuir um 
senso de unidade nas produções indígenas 
pré-cabralinas, embora manifestações 
em pintura corporal, palha trançada e 
cerâmica são muito expressivos. 
A pintura corporal é uma das mais 
conhecidas formas de representação 
esté-tica da cultura indígena brasileira, 
e, apesar do conceito de arte como 
conhecemos ser estranho aos povos que 
habitavam o Brasil antes da chegada dos 
europeus, ela possuía uma função social 
e ritualística muito definida, assim como 
toda e qualquer produção artística dos 
povos pré-cabralinos.
24
Pinturas Rupestres. Aproximadamente 
10.000 A.C. Sitio arqueológico Toca do 
Boqueirao da Pedra Furada, no Parque 
Nacional da Serra da Capivara, Piaui.
dos europeus ao continente americano não representa o início de nossa 
história, nem de nossa produção artística.
Pierre sorriu. Gostava do modo como Erica pensava. Ela valorizava coisas 
que, para outros, não eram tão claras assim. 
- Gosto de observar o quanto a arte pré-cabralina influenciou e influencia 
até hoje a produção visual brasileira – ele comentou. – É muito comum que 
temas como a tão falada “brasilidade” sejam representados por cores, formas 
e símbolos diretamente relacionados à produção artística indígena brasileira.
- Tanto na moda quanto na publicidade, utiliza-se muito a influência 
indígena para evocar o “espírito brasileiro” em um determinado produto 
ou peça gráfica. Um uso clássico do simbolismo histórico para atribuir um 
significado abstrato a alguma coisa, especialmente para usos econômicos – 
Erica continuou, com um certo desgosto na voz. – A publicidade e o design 
brasileiros dão a impressão de que toda a identidade brasileira pode ser 
representada por elementos indígenas e tropicais, florestas, frutas... A 
Amazônia tornou-se produto de exportação. 
Pierre concordou com a cabeça, mas apenas parcialmente.
- É verdade. Porém, embora haja muito mais no Brasil, é inegável que 
esses elementos são muito importantes para a nossa famosa identidade 
nacional. A Amazônia é patrimônio de todos os brasileiros, mesmo dos que 
nunca se aproximaram de uma floresta. A influência da arte indígena está 
nos padrões de estampas que a moda nacional produz, está nas cores e nas 
marcas. São elementos que fazem parte da nossa sociedade, e, direta ou 
indiretamente, interferem em nossos hábitos e nossos gostos. 
Tanto Pierre quanto Erica ficaram um momento em silêncio, como 
se absorvendo as informações que conversaram até então, observando 
atentamente o muiraquitã à sua frente. Suas formas suaves, seu tracejado 
firme, sua simetria quase perfeita, eram características impressionantes. 
Elas colocam em cheque o senso comum que se tem com relação às 
criações indígenas brasileiras, muito por conta da educação eurocentrista 
a que costuma-se ter acesso. Elas mostram que os povos brasileiros pré-
cabralinos eram capazes de produzir peças sofisticadas e com alto grau de 
simbolismo e preocupação estética. A arte que havia no Brasil contrasta com 
o que normalmente se estuda acerca da arte pré-colombiana, normalmente 
estando enquadrados nessa definição apenas os povos maias, incas e astecas. 
Entretanto, muitos outros povos viviam nas Américas além desses antes 
da chegada dos europeus, e no Brasil, um sem-número de tribos e grupos 
indígenas habitavam as matas intocadas pelos europeus até o ano de 1500. 
25
Pintura corporal da etnia Kayapó, feita de 
Genipapo. 2009
Urna funerária Marajoara. 1000-1250.
American Museum of Natural History, Nova 
Iorque, EUA.
É possível ver o refinamento técnico 
no trabalho de entalhe nos pequenos 
detalhes da peça, além de deixar claro 
como a simetria era um elemento bastante 
apreciado pelas culturas pré-cabralinas.
Muiraquitã. Datação incerta. Museu de 
Gemas do Pará, Belém - PA.
Estima-se que, quando da chegada dos europeus, habitavam o território que 
viria a ser o Brasil cerca de cinco milhões de indígenas. Hoje em dia, esse 
número não passa de novecentos mil.10 
- Você sabe a história dos muiraquitãs? – perguntou Erica fazendo um 
sinal com a cabeça para a peça que observavam, quebrando o silêncio. Pierre 
balançou a cabeça em negativo, e a mulher continuou, sua voz suave, porém 
decidida, ressoando pelos salões vazios da galeria. – Segundo as lendas 
indígenas, esses eram amuletos criados pelas amazonas icamiabas, mulheres 
guerreiras que habitavam a região do rio Nhamundá, e que eram dados aos 
homens que visitassem sua tribo, em troca de seu amor. 
- E quanto de verdade há nessa lenda? – Perguntou Pierre, interessado.
- É possível que essa seja uma lenda antiga até mesmo para os indígenas 
que aqui estavam durante o Descobrimento, o que explicaria o fato de que 
a tradição de se manufaturar muiraquitãs esteve presente em muitas tribos 
indígenas espalhadas pelo Brasil. Cada amuleto é diferente, uma vez que os 
muiraquitãs podiam possuir formas animais, humanas ou abstratas, embora 
as mais comuns sejam as formas de rã e de peixe. Acreditava-se que esses 
amuletos possuíam poderes sagrados, que podiam curar doenças e prevenir a 
infertilidade entre as mulheres. 
- As diferenças entre os amuletos também são justificadas pela 
diversidade entre a produção de artefatos entre cada tribo indígena, não? 
Cada uma possuía seu estilo.
- É verdade, é importante falarmos nisso – comentou Erica. – A produção 
indígena de então era mais representativa das tradições da comunidade que 
a produziu do que a do próprio indivíduo que a manufaturava. Os estilos de 
tecelagem,cerâmica, trançado, pinturas corporais, eram muito próprios de cada 
tribo, e diferiam muito entre um grupo e outro. É muito prejudicial colocarmos 
toda a produção indígena pré-cabralina em um grande grupo, ignorando 
as particularidades de cada uma. Há um enorme campo para se pesquisar, 
adentrando nas especificidades de cada tribo. Infelizmente sabemos muito 
pouco sobre o assunto, a bibliografia sobre o assunto não é muito extensa.
– Mas ainda sobre o amuleto, o muiraquitã, - Pierre seguiu a conversa – a 
simetria e a delicadeza da peça são impressionantes. O nível de sofisticação na 
fabricação demonstra uma preocupação muito grande com a estética da peça, 
não é mesmo?
- Pois sabe que esse é um tópico bastante delicado? O conceito de 
Arte como conhecemos hoje, e com o qual costumamos abordar essas 
10	 BRASIL.gov.br.	Dados	de	pesquisa	realizada	em	2012.
26
Urna funerária Marajoara. 1000-1500. 
Coleção particular.
Cestaria em palha trançada. Datação 
incerta. American Museum of Natural 
History, Nova Iorque, EUA.
questões referentes à História da Arte, é muito diferente do conceito artístico 
dos indígenas brasileiros pré-cabralinos.Os indígenas produziram muitos 
artefatos, isso é fato. Mas geralmente, todas as produções deles possuíam 
utilidade prática. Diversos autores tratam os indígenas brasileiros como povos 
essencialmente práticos e diretos. Bardi escreveu certa vez dizendo que os 
índios eram bastante sistemáticos, contemplando cada necessidade com sua 
devida resolução. Necessitava fisicamente de apenas poucos objetos, mas 
possuía um universo mitológico muito complexo.11 
- Por isso algumas manifestações indígenas possuíam funções 
simbólicas, artísticas, por assim dizer, como sua dança, adornos e pinturas 
corporais, certo? – questionou Pierre.
- Claro, mas mesmo essas produções mais subjetivas são repletas de 
significados práticos. Os guerreiros pintavam-se para intimidar seus inimigos, 
para obter força espiritual, pintavam-se para louvar seus deuses, para 
expressar sua posição hierárquica na tribo, garantir seu respeito. Os primeiros 
registros da pintura corporal indígena datam de 1560, pois essa demonstração 
artística chamou a atenção do colonizador europeu. Mais tarde ela foi analisada 
também por vários estudiosos, inclusive por Lévi-Strauss, que esteve entre os 
indígenas brasileiros em 1935.12 E o uso de adornos corporais possui o mesmo 
princípio, assim como a música indígena, que possuía um simbolismo místico 
muito evidente.
- Como a famosa dança da chuva, que é atribuída aos indígenas até hoje, 
não é? – comentou ele, com um sorriso.
- Exato – riu Erica. – Embora haja registro de que muitos povos ao longo 
da história da humanidade praticavam rituais em busca da chuva, como 
antigos egípcios, maias e astecas, a dança da chuva popularizou-se através das 
representações dos indígenas norte americanos. Apesar dessa tradição não 
ser diretamente ligada aos indígenas brasileiros, ela dá uma ideia da mística 
envolvendo a dança e, por extensão, toda a produção artística indígena. 
Nenhuma produção artística desses povos refletia apenas o desejo estético ou 
criador de um indivíduo, como a arte europeia nesse período já fazia.
- Falando nas diferenças entre a arte brasileira e a europeia – Pierre 
lentamente começou a andar, sendo seguido por Erica – o que você tem a 
dizer sobre essa obra? – e apontou na direção de uma estátua de um colorido 
vibrante, retratando Jesus em seu calvário. 
11	 BARDI,	1977.
12	 		Segundo	Lévi-Strauss,	“as	pinturas	do	rosto	conferem,	de	início,	ao	indivíduo,	sua	dignidade	de	ser	humano;	elas	operam	a	
passagem	da	natureza	à	cultura,	do	animal	‘estúpido’	ao	homem	civilizado.	Em	seguida,	diferentes	quanto	ao	estilo	e	à	composição	segundo	as	
castas,	elas	exprimem,	numa	sociedade	complexa,	a	hierarquia	dos	‘status’.	Elas	possuem	assim	uma	função	sociológica.”	LÉVI-STRAUSS,	1957.	
27
Peças da coleção de Verão/2014 do 
estilista João Pimenta.
É fácil ver a influência da pintura 
corporal e da escultura indígena na moda 
brasileira. Na imagem, peças do designer 
João Pimenta apresentam padronagens 
que emulam a pintura indígena como 
uma forma de atribuir um sentimento 
nacionalista às peças.
Logotipo da Copa do Mundo FIFA 2014. 
O logotipo para a edição da Copa do Mundo 
de Futebol de 2014, realizada no Brasil, foi 
desenvolvido para representar de forma 
visual a famosa brasilidade. Percebe-se a 
utilização das cores da bandeira nacional, 
mas os traços imperfeitos, rústicos, 
que compõe a estilização da taça, e a 
forma como a palavra “Brasil” foi escrita, 
remetem à arte indígena pré-cabralina, 
em um claro esforço dos produtores da 
marca em buscar a história do Brasil para 
atribuir um significado simbólico à marca 
do evento.
Para conhecer mais:
Vídeo nas Aldeias. Projeto audiovisual, 1986-
Projeto de produção audiovisual que em 2000 tornou-se ONG, e que 
busca apoiar as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades 
e seus patrimônios territoriais e culturais por meio de recursos audiovisuais. 
Curtas produzidos disponíveis no site do projeto: www.videonasaldeias.com.br
Arte Indígena. Documentário, 2008. 10 min.
Documentário produzido pelo núcleo cultural da Petrobrás, aborda o 
trançado de palha das comunidades kaingang enquanto produto de exportação.
Índios, os Donos da Terra. Documentário, 2010. 30 min.
Documentário sobre a questão indígena no Brasil de hoje, em diversos 
âmbitos, com relatos da história de uma comunidade tupis-guarani.
BARDI, Pietro Maria. História da arte brasileira: pintura, escultura, 
arquitetura, outras artes. 2.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1977. 228 p.
CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: 
Cia. das Letras, 1992. 609 p.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Anhembi, 1957. 444 p.
SALÃO NACIONAL DE ARTES PLÁSTICAS 8., 1985 dez.13 - 1986 fev.02, Rio 
de Janeiro, RJ). A arte e seus materiais: arte e corpo : pintura sobre a pele e 
adornos de povos indígenas brasileiros. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1985. 103 p. 
ISBN 8524600152.
28
Capítulo 3 - A arte nos primeiros anos de Brasil, 
o Barroco e Aleijadinho
Jesus Carregando a Cruz, detalhe de 
Caminho para o Calvário. Aleijadinho, 1796-
1799. Congonhas do Campo - MG
Durante os anos de 1796 e 1799, Antonio 
Francisco Lisboa, o Aleijadinho, esculpiu 
as principais peças para a Via Sacra (série 
de imagens retratando o caminho de Jesus 
Cristo até sua crucificação e subsequente 
ressurreição) do santuário de Bom Jesus 
dos Matosinhos, em Congonhas do Campo. 
Em Jesus Carregando a Cruz, pode-se 
ver o excesso de detalhes, indo desde 
o drapeado das vestes aos cabelos, das 
pernas ensanguentadas às veias pulsando 
nas mãos. Ao contrário das esculturas 
renascentistas, em que figuras sacras 
eram representadas de forma serena e 
impassível, a arte barroca traz a emoção 
e a dor à obra de arte. O rosto assustado 
de Jesus, suas mãos calejadas e seu 
rosto magro, deixando às vistas os ossos 
da face, tornam a figura mais humana, 
sofrida e, por consequência, aumentam a 
proximidade do homem retratado com o 
público que o observa.
Com muita dor, emoção e drama, a 
arta barroca dos séculos XVIII e XIX no 
Brasil servia o propósito de evangelizar, 
popularizar a Igreja Católica e, ao mesmo 
tempo, trazer o assombro das grandes 
produções artísticas ao público da colônia.
29
- Aleijadinho é, até hoje, considerado um dos maiores mestres da arte 
brasileira. E eu concordo com isso – Erica declarou, com um sorriso que revelava 
sua admiração pela obra do artista mineiro. – Quer dizer, veja a riqueza de 
detalhes dessa obra. É um exemplo clássico da grandiosidade do Barroco 
brasileiro. As dobras das vestes, o sofrimento no rosto, até mesmo as veias na 
mão calejada da figura de Jesus... Essa quantidade de detalhes e a perfeição da 
representação humana era algo inédito no Brasil até o Barroco. 
- O barroco brasileiro, porém, é muito diferente do Barroco que se 
desenvolveu na Europano século XVII, não é mesmo? – perguntou Pierre. – O 
estilo barroco desenvolveu-se por aqui apenas a partir do início do século 
XVIII, um considerável atraso com relação à Europa, que nessa altura já havia 
inclusive abandonado o Barroco em favor da arte neoclássica. 
- Mas isso tem uma explicação bastante simples. Durante os primeiros 
séculos de Brasil, enquanto colônia puramente exploratória, não se produziu 
muita arte pelos colonizadores justamente por esse caráter puramente 
exploratório da ocupação portuguesa. O Brasil era visto apenas como um bem 
econômico, um local a ser explorado sem grandes preocupações para com o 
futuro do lugar ou do povo que aqui vivia.13 É por isso que, segundo os livros 
de história da arte, existe essa lacuna entre a arte indígena produzida durante 
o período pré-cabralino e o Barroco, como se durante esses mais de cem anos 
não se houvesse produzido arte por aqui. 
- E realmente – refletiu Pierre – pelo caráter puramente exploratório da 
colônia Brasil, não havia motivos para que os colonizadores produzissem ou 
incentivassem a Arte por aqui.
- Exato – Erica concordou. – A influência barroca alcança o Brasil através 
das missões católicas, especialmente jesuítas, quando o Brasil Colônia passa a 
florescer economicamente, e a catequização passou a ser de maior importância 
aos olhos da metrópole. O Barroco então passa a ser a representação artística 
de maior duração no Brasil, sendo a principal forma de produzir arte durante 
os tempos coloniais do país.
- Além do mais – ela acrescentou, com um sorriso – tudo em uma 
sociedade baseia-se na economia, não é mesmo? A estagnação crescente 
de uma economia reflete-se em todas as esferas da sociedade, inclusive em 
sua arte. Assim como uma economia florescente influencia da mesma forma 
nessas esferas.
Pierre percebeu a mensagem nas entrelinhas, e riu de modo amigável. 
Erica utilizava muito de razões econômicas para justificar seus pontos de 
13	 PRADO	JÚNIOR,	1979
Teto da igreja de São Francisco de Assis. 
Manuel da Costa Ataíde, 1801-1812. Ouro 
Preto - MG.
Igreja de São Francisco de Assis. 
Aleijadinho, 1765-1812. Ouro Preto - MG.
30
vista, e, embora ele não concordasse plenamente com essa ideia, era capaz de 
aceitar muitos dos argumentos que sua companheira de debate apresentava. 
A tempestade que caía ao longe, do lado de fora da galeria, parecia agora 
simbolizar as diferenças ideológicas entre Pierre e Erica. Ele, porém, estava 
ansioso por continuar a conversa.
- Já no fim do século XVII – ele acrescentou, disposto a não deixar a 
conversa abrandar – a arquitetura das mais prósperas cidades brasileiras, 
especialmente no nordeste do país, começou a sofrer transformações através 
da influência barroca. Salvador, Recife e João Pessoa são exemplos do início 
do Barroco no Brasil. A igreja de São Francisco, em Salvador, impressiona até 
hoje pela sua rica decoração interior, em que praticamente tudo é revestido 
em talha dourada. Era uma obra de extrema opulência, para um Brasil colonial.
- Pois é interessante perceber que na Europa barroca, a Igreja Católica 
e as cortes dividiam o mecenato artístico, encomendando obras dos artistas 
daquele tempo. Entretanto, o Barroco brasileiro surgiu em um contexto muito 
diferente, quando a colônia era pesadamente explorada. Com a corte além do 
oceano, a Igreja abraçou o Brasil de modo a exercer uma forte influência, tanto 
social quanto política. Os religiosos comandavam boa parte do espaço social 
na época: eles dominavam o ensino, hospitais, orfanatos, asilos...
- Por extensão, - concluiu Pierre – a Igreja dominou a produção artística 
brasileira de então.
Pierre e Erica continuaram a caminhar lentamente, observando as obras 
Barrocas expostas na galeria, refletindo sobre as características dessa arte. A 
arte barroca brasileira foi uma arte muito funcional, prestando-se bem aos fins 
para os quais foi proposta: além de sua função estética, o principal objetivo 
da arte Barroca era propagar o catolicismo e ampliar sua influência. Através da 
arte, era mais fácil tornar a doutrina católica compreensível para os indígenas 
e, posteriormente, os negros.
Erica, de súbito, quebrou o silêncio. 
- Você disse antes que o Barroco europeu desenvolveu-se praticamente 
um século antes do brasileiro, não é mesmo? – ela indagou.
- Sim. O Barroco surge no início do século XVII, como uma reação 
direta dos acontecimentos ligados ao século anterior, em especial a Reforma 
Protestante iniciada na Alemanha e que, em seguida, expandiu-se por muitos 
outros países. 
- Pois é – Erica concordou, – a Reforma teve consequências muito 
drásticas, que ultrapassaram as questões de fé. 
Detalhe dos entalhes do portal da Igreja 
de São Francisco de Assis. Aleijadinho, 
1790-1794. Ouro Preto - MG. 
Bandeira da Procissão de Cristo. Joaquim 
José da Natividade, datação incerta (entre 
1785 e 1824). Museu Afro-Brasil, São Paulo 
- SP.
31
- A mentalidade da época foi alterada – Pierre concluiu o pensamento. 
– A Reforma serviu para mostrar ao europeu que as nações poderiam libertar-
se da submissão ao papa e à Igreja, que representava o maior poder político 
até então. Ela favoreceu o surgimento dos Estados nacionais e dos governos 
absolutos, propondo essa libertação religiosa.
- E após a divisão do cristianismo ocidental, a Igreja Católica teve de se 
organizar contra a Reforma, a fim de recuperar sua autoridade, combatendo 
a fé protestante. A Contra-Reforma, que visava eliminar os abusos nos 
mosteiros e fortalecer a vida espiritual, passou a enfatizar a divulgação dos 
ideais religiosos por meio das imagens, com mais exatidão na representação 
de narrativas bíblicas e com obras que podiam despertar um fervor religioso 
renovado.14 Isso explica as diferenças claras entre o Barroco e o estilo artístico 
do período que o precedeu, o Renascimento. 
O Barroco, surgido na Europa no início do século XVII, foi uma reação 
imediata contra o classicismo do Renascimento, cujos ideais conceituais 
baseavam-se no perfeito equilíbrio entre ciência e arte, no equilíbrio formal, 
na racionalidade e na simetria. Assim, o caminho óbvio a ser percorrido pelos 
artistas barrocos era exatamente o contrário. A estética barroca primou pela 
emoção, pelo excesso, pela assimetria, pela irregularidade, pelos sentimentos 
extremos. 
O Barroco europeu apresenta uma nova forma de compor imagens: 
em diagonal, ampliando a dinâmica das obras, e criando assim uma maior 
sensação de movimento nas telas. Da mesma forma, os artistas barrocos 
exageram ainda mais no contraste entre claro-escuro15, criando-se contrastes 
e iluminações impossíveis na vida real, mas que, na obra, intensificam os 
sentimentos retratados.
- As formas barrocas surgem através do foco sentimental dos artistas, - 
Pierre disse – por isso esquecem as regras formais e científicas. Ainda, essas 
formas expressam movimento, recobrem-se de efeitos decorativos, curvas, 
drapeados e, especialmente, do dourado, cor de opulência, mas também de 
emoção vibrante.
- O Barroco brasileiro então usou essa direção básica, criando igrejas 
opulentas e obras vibrantes e emocionais, certo? – perguntou Erica, sorrindo. 
Pierre sentiu um tom de ironia na pergunta, mas decidiu responder assim 
mesmo, como que para ver onde sua parceira queria chegar.
14	 	FARTHING,	2011
15	 Os	pintores	barrocos	tornam-se	mestres	na	técnica	do chiaroscuro	(do	italiano	“claro-escuro”),	para	acentuar	o	contraste	de	ilu-
minação	em	suas	obras,	destacando	os	volumes	e	ampliando	a	sensação	de	movimento.	Caravaggio	(1571-1610)	é	considerado	um	dos	maiores	
pintores	barrocos,	e	suas	obras	são	um	claro	exemplo	do chiaroscuro	nas	obras	barrocas.
A ceia dos Emaús. Caravaggio, 1601. 
National Gallery, Londres - Inglaterra.
Caravaggio criou através da luz um efeito 
dramático. A refeição noturna oferece 
um pretexto óbvio para mostrar uma 
sala imersa na escuridão, na qual os 
personagens surgem apenas graças à 
vários pontos de luz individualmente 
direcionados, comoera parte da obra de 
Caravaggio
Êxtase de Santa Teresa. Bernini, 1645. 
Capela Cornaro, Santa Maria della Vittoria, 
Roma.
É possível ver na obra de Bernini o Barroco 
europeu exemplificado. Fortes emoções 
estão presentes tanto na composição 
da cena, quanto nos rostos e corpos 
dos personagens. O anjo apresenta um 
sorriso enquanto envia uma seta de amor 
para Santa Teresa, que sofre, ao mesmo 
tempo em que é possuída pelo êxtase do 
sentimento. 
Curvas voluptuosas, tecidos elaborados 
e faces repletas de sentimento, caracte-
rísticas da arte barroca que também 
podem ser vistas na obra de Aleijadinho, 
e em toda a produção barroca brasileira.
32
- Sim, embora o estilo barroco tenha se espalhado por todo o Brasil, não 
ficando restrito apenas ao nordeste e Minas Gerais, onde é geralmente mais 
conhecido. O Barroco mineiro é geralmente considerado o mais expressivo, 
pois Minas Gerais era o estado de maior efervescência na época devido à 
exploração do ouro e pedras preciosas, mas Rio de Janeiro, São Paulo, e até 
mesmo o Rio Grande do Sul tiveram obras barrocas. 
- Entretanto – Erica interrompeu – essas obras foram construídas 
levando-se em conta as capacidades econômicas de cada local. Afinal, o 
Barroco paulista foi muito menos opulento que o das áreas mais ricas da 
Colônia, como Minas Gerais.
- Sim. Poucos lugares no país, além dos grandes centros urbanos, 
tinham capacidade econômica e interesse para contratar artistas conhecidos 
e produzir obras de grande porte. Centros produtores mais importantes 
acabavam possuindo maior população e, por consequência, recebendo maior 
atenção da Igreja. Nas regiões onde não existia nem açúcar e nem ouro, a 
arquitetura era mais modesta, com talhas mais simples e trabalhos realizados 
por artistas de menor expressão que profissionais que viviam nas regiões mais 
ricas da época. 16
- Viu, eu não disse que tudo acontecia por causa da economia? – Erica 
soltou uma risada. Pierre também riu.
- É, nesse caso, sim. A Igreja precisava ir onde era mais interessante 
politicamente e, naquele momento, era onde se produziam as riquezas 
coloniais.
- Uma coisa leva à outra – disse ela, debochada. – Apesar das construções 
barrocas coloniais inicialmente não terem o mesmo refinamento que as 
europeias, aos poucos prédios maiores e mais opulentos foram surgindo. 
Construções de madeira foram dando lugar a prédios de pedra, porém, 
ainda sem as curvas características do Barroco europeu. As igrejas barrocas 
brasileiras eram construídas em estruturas simples, de paredes paralelas, 
formando naves retangulares.
- Seriam consideradas um ultraje pelos artistas barrocos europeus – 
Pierre riu.
- Claro. O Barroco brasileiro assemelha-se ao europeu apenas em alguns 
casos, em que a opulência da construção aproxima-se da europeia, como a 
Igreja de São Francisco, como você bem citou anteriormente, ou a Igreja de 
São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Essa, particularmente, uma das minhas 
obras favoritas em todo o mundo. 
16	 BARDI,	1977
Ruínas de São Miguel das Missões. 1735-
1745. São Miguel das Missões, RS.
Altar de Santa Ifigênia. Igreja de São 
Francisco. 1767, Salvador - BH. 
33
- Ah sim, você é uma grande fã de Aleijadinho, não é?
- E como! Aleijadinho foi o maior expoente do Barroco brasileiro, tendo 
produzido mais de quatrocentas obras, entre talha, projetos arquitetônicos, 
relevos e estátuas, todas realizadas em Minas Gerais. Além disso, as lendas 
sobre o senhor Antônio Francisco Lisboa, verdadeiro nome dele, apenas 
acrescentam à sua figura intrigante.
- Ah, mas é importante ressaltar que muito dessas lendas não é 
comprovado – divergiu Pierre. – Quer dizer, por mais que seja romântico 
imaginar a figura do artista perturbado, o gênio mulato, apaixonado pelo ofício, 
muito dessa imagem é criada pelos modernistas do século XX, que buscavam 
em Aleijadinho um ideal de brasilidade. Um mulato deficiente era um ótimo 
símbolo para representar a multiplicidade étnica do Brasil, além de ser um 
artista que transformou a herança europeia da arte barroca em algo original e, 
para eles, genuinamente brasileiro. 17
- Você não acredita que a arte de Aleijadinho seja genuinamente 
brasileira? – Perguntou Erica, em um tom acusatório.
- Acredito que o Barroco brasileiro eventualmente transformou-se em 
um movimento artístico com muitas características locais. Afinal, após tanto 
tempo, devido à influência local, a produção arte acabaria sendo transformada 
em algo diferente do seu gênese europeu. Porém, Aleijadinho é uma figura 
emblemática na história da arte brasileira, especialmente por essa aura que 
o envolve: a aura da doença. Muitas vezes tratado como a figura misteriosa do 
gênio sofrido, monstruoso, ampliando-se o efeito da doença para que fique 
nítido o esforço sobre-humano de sua obra e para que o belo ganhe realce na 
moldura da lepra. 
- Bom, isso é verdade. Tanto é que o Barroco acaba estando presente 
em muito do nosso dia-a-dia até hoje. Veja o nosso carnaval, por exemplo – 
Erica disse, caminhando lentamente por entre as obras. – O carnaval é uma 
festa essencialmente barroca. A cultura da festa barroca está impregnada da 
mentalidade no fazer e sentir brasileiro, na mentalidade da sociedade. Apesar 
dos museus e da arte erudita ser contemporânea, as festas populares possuem 
uma marca barroca muito profunda. 18
- Como assim?
- As raízes do carnaval brasileiro formam-se ainda no período colonial, 
em que festas de origem portuguesa acabavam sendo transformadas e 
readaptadas para a realidade local. E a tensão entre a liberdade individual, 
17	 GOMES	JÚNIOR,	1998
18	 MALUF,	2001.
Coleção Primavera 2012 Dulce & Gabanna. 
De clara inspiração barroca, a coleção da 
famosa grife italiana possui intrincados 
detalhes florais e longos drapeados, 
característica do Barroco europeu do 
século XVII.
Carnaval brasileiro. 2015 
A opulência presente nas fantasias e carros 
alegóricos, o excesso de ornamentos e 
acessórios remete à uma tradição barroca 
que pode ser vista também no famoso 
carnaval de Veneza.
Fantasias e máscaras características do 
Carnaval de Veneza. 2010.
34
da experimentação e expressão pessoal, chocando-se contra um sentimento 
arcaico de limitação radical, é uma síntese do Barroco. 
- Pensando bem – Pierre coçou a cabeça – o carnaval é uma festa de 
excessos. 
- Como o Barroco em si. O gosto pela profusão, e o horror ao espaço vazio, 
são características claras das raízes barrocas que ainda estão profundamente 
enraizadas na cultura brasileira.
- E não apenas no carnaval, mas diversas outras festas populares do 
nosso país apresentam essas características. As festas do Bumba-meu-boi 
maranhense, com suas máscaras zoomorfas e suas decorações excessivas, 
também tem suas origens no Barroco.
- Todos esses exemplos nos fazem ver a extensão do legado barroco 
em nossa sociedade. Por isso, quando se fala no Barroco brasileiro, não se 
pode resumir apenas ao que convencionou-se chamar de obra de arte. O estilo 
continua vivo, se não nas galerias, na cultura popular.
Para conhecer mais:
O Aleijadinho. Documentário, 1978. 22 min.
Um inventário sobre a obra de Aleijadinho, contextualizando a produção 
barroca mineira no período colonial.
BARDI, Pietro Maria. História da arte brasileira: pintura, escultura, 
arquitetura, outras artes. 2.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1977. 228 p.
FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011, p. 212
GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Palavra peregrina: o Barroco e o 
pensamento sobre artes e letras no Brasil. São Paulo: EdUSP, 1998. pp. 59-60
MALUF, Marcia. O aspecto barroco das festas populares. REVISTA OLHAR . 
ANO 03 . N 5-6 . JAN-DEZ/01. Disponível em http://www.ufscar.br/~revistaolhar/
pdf /olhar5-6/maluf_corrigido.pdf
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia. 16.ed. 
São Paulo: Brasiliense, 1979. 391 p.
35
Capítulo 4 - A arte erudita e a indústria cultural
- Essa questão, – Pierre iniciou, enquanto vagueavam novamente pela 
galeriadesértica – de que o Barroco não está mais nas galerias mas está 
presente na cultura popular brasileira...
- Sim?
- Isso me faz pensar naquela questão que mencionamos anteriormente. 
Quem decide o que é arte clássica, erudita, e o que é arte popular? 
- As classes dominantes, é claro! – respondeu Erica de pronto. – Desde 
a aurora das sociedades, a produção artística é definida pelos que compõe as 
classes mais poderosas economicamente em sua época. As principais, talvez 
únicas, obras de arte que se conhece da Grécia Antiga, por exemplo, advém 
de templos religiosos, prédios administrativos e políticos, ou da morada 
de nobres e governantes. A Igreja dominou a arte Renascentista e Barroca, 
enquanto, depois da Revolução Francesa, o nascimento da burguesia fez surgir, 
também, novas demandas de arte. 
- Sim, mas... Será mesmo que a resposta é tão simples assim? – Pierre 
questionou. Não costumava aceitar repostas curtas para qualquer pergunta. 
– Será que, de um momento para o outro, essas pessoas determinaram essas 
regras, e, a partir de então, toda a arte deveria ser diferente, sob pena de ser 
marginalizada?
- E não é o que acontece hoje com a moda, por exemplo? – Perguntou 
ela. – A coleção que uma marca lança este ano não torna sua coleção 
anterior, automaticamente, desatualizada e obsoleta? E não precisamos falar 
apenas em roupas: as modas visuais. Um cartaz, uma ilustração, uma capa 
de livro. Qualquer um desses artigos, se produzido há dez anos atrás, não é 
completamente diferente do que é produzido hoje? Produzir um artigo visual 
com essa roupagem, não tornaria o trabalho datado? 
- Os códigos visuais mudam muito rapidamente, de fato. Cada momento 
possui uma tendência, e produtos que funcionavam ontem podem não 
funcionar amanhã. Porém, será que apenas um grupo de pessoas determina 
isso, de modo consciente?
Erica ficou em silêncio, esperando que Pierre continuasse sua linha de 
pensamento.
- É fato que a produção de bens artísticos se divide em dois campos: 
a produção erudita, e a indústria cultural. Gosto de pensar que a diferença 
básica entre elas está no público-alvo desses bens culturais produzidos. O 
36
campo da produção erudita destina sua arte a um público de produtores de 
bens culturais, enquanto o campo da indústria cultural destina-se aos não-
produtores, ou seja, o grande público.19
- Certo.
- Isso acontece a partir do século XV, na Europa. Como comentamos 
anterior-mente sobre o Barroco, durante toda a Idade Média, a produção 
artística era pautada pela ordem religiosa, atendendo suas demandas éticas e 
estéticas. A partir do Renascimento, a aristocracia passa a encomendar obras 
de arte, dividindo o mecenato e, por consequência, o poder de criação artística 
a partir de então. E essa libertação artística, gradual porém definitiva, passa a 
tornar o artista capaz de se libertar das imposições estéticas, e expressar-se 
enquanto artista, modificando a forma de produzir e consumir a arte. Passa a 
ter grande importância a relação que os artistas mantém com os não-artistas 
e, do mesmo modo, com outros artistas, o que causa uma nova definição da 
função do artista e de sua produção: ele agora tem o direito de legislar sobre 
seu próprio campo.
- O campo da forma e do estilo artístico – Erica concluiu. 
- Exato. E a partir daí, podemos dizer que a produção erudita começa 
a legislar sobre si mesma, em prol do seu público. E o público determina a 
própria produção em si.
- Sim, claro – Erica concordou. – O público-alvo é um conceito básico 
para qualquer produção, seja artística ou não. É de suma importância saber 
para quem se está produzindo, e o que essas pessoas buscam ou desejam.
- O campo da produção erudita, então, produz suas próprias normas de 
produção e avaliação, e existe, exclusivamente, em nome da concorrência pelo 
reconhecimento cultural concedido pelos pares, que são, ao mesmo tempo, 
clientes e concorrentes. 
- Ah, isso eu conheço bem – exclama ela. – O mundo das artes funciona 
como um ringue, uma constante luta pela legitimidade, pelo reconhecimento 
do próprio mundo das artes. Por isso mesmo há aquela famosa questão 
dos críticos de arte, que se habituam a fornecer interpretações... inspiradas, 
digamos assim, à obras de arte. Essas interpretações garantem um afastamento 
da arte erudita com o grande público.
- Essa é a minha teoria. Para mim, os próprios artistas criam suas próprias 
regras, sobre o que vale e o que não vale nessa luta pelo reconhecimento 
cultural. Mas não apenas eles, e sim todas as forças envolvidas nesse embate. 
19	 BOURDIEU,	1992
37
Instituições culturais, de ensino, legisladores e políticos, questões econômicas... 
Tudo isso influencia no campo da arte erudita. E, por essas características, 
por ser produzida para um público específico e reduzido, a recepção da arte 
erudita depende do nível de instrução de quem a recebe. Ela exige que seus 
receptores possuam competências teóricas específicas para que possam 
compreender os símbolos que lhe são apresentados.
- Porém, a arte erudita também está subordinada às regras de mercado. 
– Erica interrompeu. – Esse conflito surge, no mundo ocidental, com o fim 
da era do mecenato, após a queda do Império Napoleônico, quando a arte 
européia volta-se para o Romantismo, um movimento cultural complexo, 
com clara preferência à natureza em vez da nova sociedade de máquinas e 
utilitarismo que se erguia rapidamente. Os artistas, julgando-se necessários 
em oposição ao materialismo do mundo moderno, evitavam a abordagem de 
temas modernos, voltando-se para o passado, ou retratavam a vida na cidade 
de modo crítico ou irônico. 
- Mas na medida em que eles tornavam-se financeiramente dependentes 
do sucesso de suas obras, - ela continuou – críticos de arte tornam-se figuras 
importantes nesse mundo, criando uma intermediação entre o artista e o 
público. Isso dá origem a um jogo engraçado, em que se espera que o artista 
seja um indivíduo inspirado, dedicado à auto-expressão e que não se importa 
com o mundo capitalista, mas que também deve produzir obras que serão 
vendidas a esse mesmo mundo capitalista. E mais: essas obras seriam vendidas 
justamente por causa desse suposto desprezo do artista por esse mundo. Aí é 
que surge a ideia da vanguarda, em que os artistas unem-se em um radicalismo 
estético, mas que implica na aceitação de um legado comum, no qual a nova 
arte, apresentada como radical e livre do gosto público estabelecido, em pouco 
tempo se transforma em arte aceita, de beleza universalmente reconhecida.20 
- Faz sentido – Pierre concordou. – Penso que a arte popular está 
subordinada à regras de mercado, mas que são regras diferentes das que são 
aplicadas à arte erudita. A arte popular é de fácil assimilação, e é pautada pela 
demanda popular.
- E, ao mesmo tempo, – interrompeu Erica novamente – também está 
subordinada aos detentores dos meios de produção e difusão dessa arte. As 
grandes gravadoras, por exemplo, no caso da música. Ou as grandes emissoras 
de TV, para as tendências visuais. É importante frisar que a arte popular baseia-
se no retorno financeiro e, para isso, precisa atingir a maior extensão possível 
de público. Diversas batalhas são travadas nesse campo, para atingir o maior 
20	 FARTHING,	2011
38
público possível, e garantir o retorno financeiro aos produtores.
- Mas isso, de maneira alguma, torna a arte popular inferior à arte 
erudita, isso seria um julgamento muito equivocado, a meu ver – Pierre disse 
com um tom conciliador. – Essas duas formas de arte possuem interesses e 
públicos diferentes, por isso considero perfeitamente normal a coexistência 
de ambas, sem que uma aja em detrimento da outra. Mas isso explica aquilo 
que estávamos comentando no início de nossa conversa. As galerias de arte 
acabam ficando vazias, também, por serem pautadas por códigos que não 
são compreendidos por todos públicos, justamente por que são criados para 
não serem compreendidos por todos os públicos. A arte erudita torna-se uma 
espéciede capital, que diferencia esferas da sociedade entre si.
Um pequeno silêncio após essas palavras fez Pierre pensar que havia 
ido longe demais.
- Essas ideias são complicadas, eu sei – ele riu. – Peço desculpas.
- Não, não se preocupe – ela disse, com um sorriso despreocupado. – Na 
verdade, eu estava pensando em como você sabe tanto sobre arte.
Pierre surpreendeu-se com o interesse, e soltou uma risada nervosa.
- Na verdade eu não entendo tanto assim de arte – disse, um tanto 
constrangido. Apesar de seu relativo sucesso literário, ele não era muito afeito 
a elogios. - Apenas gosto de pensar sobre as relações sociais. Entender como 
as pessoas interagem entre si é um assunto fascinante para mim.
- Mas essa é uma teoria bastante complexa para alguém simplesmente 
curioso sobre o assunto – Erica disse, buscando uma explicação mais 
convincente.
- Bem, eu sou escritor – declarou Pierre, percebendo que, até o momento, 
eles não haviam dito nada um sobre o outro além de seus nomes. 
- Ah, isso explica bastante coisa – Erica riu. – E o que você escreve, Pierre?
- Romances. A ficção me permite escrever coisas mais reais que qualquer 
outro gênero. Quer dizer, enquanto escrevo personagens e acontecimentos 
fictícios, escrevo também sobre a humanidade, sobre sentimentos, emoções 
reais.
- Parece muito legal – Erica declarou, e Pierre sorriu com a espontaneidade 
do comentário. “Legal” era a primeira palavra que soava casual saída da boca 
de sua companheira de passeio, sempre tão formal e acadêmica. Essa pequena 
palavra era como uma nesga de luz entre as nuvens de mistério que encobriam 
Erica. Pierre queria saber mais sobre aquela mulher que tanto falava e tanto 
tinha a dizer.
39
- E você, Erica, o que faz? 
- Essa é uma pergunta difícil – ela disse, e ambos riram. – Na verdade, 
eu pinto. 
- Isso também explica bastante coisa. Por isso você conhece tanto sobre 
arte e sua história – Pierre declarou, sorrindo. Sua expressão, porém, logo após 
transformou-se em uma expressão de embaraço. – Nossa, eu falei tanto sobre 
a arte e os artistas, e você nem pra me dizer que era uma! Desculpe-me se 
disse algo inconveniente ou se a ofendi de alguma forma. 
- Não, imagine – Erica afastou a preocupação de Pierre com um 
movimento de mão no ar e um tom despreocupado. – Achei uma teoria bastante 
pertinente e verdadeira. A arte erudita possui muitas amarras, impostas pelas 
academias e pelos próprios artistas – Seus olhos passearam pela sala em que 
se encontravam, até pousar sobre uma pintura do século XVIII. Ela sorriu. – Por 
falar em academia, por acaso chegamos exatamente em uma ala onde está 
uma obra de um dos mais conhecidos artistas da história da arte brasileira. O 
que você acha de Debret?
Para conhecer mais:
O Assunto É Consumo Cultural. Vídeo, 2011. 6 min.
Produzido pela TV PUC-Campinas, o curto vídeo trabalha de modo 
sucinto as diferenças entre arte erudita e popular.
BOURDIEU, Pierre; MICELI, Sérgio. A economia das trocas simbólicas. 
3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. 361 p. 
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas: o que falar quer 
dizer. 2.ed. São Paulo: EDUSP, 1998. 188 p.
FARTHING, Stephen. Tudo sobre arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011, p. 212
40
Capítulo 5 - A Missão Artística Francesa, 
Debret e o Academicismo brasileiro
Retrato de Dom João VI (Detalhe). Jean-
Baptiste Debret, 1817. Museu Nacional de 
Belas Artes, Rio de Janeiro - RJ.
A arte acadêmica de Debret e de todos 
os outros artistas neoclássicos, era a da 
exaltação dos valores burgueses e das 
cortes imperiais. 
Para os artistas acadêmicos desse 
período, a beleza era idealizada, não 
sendo encontrada na natureza, o que 
significa que a arte deveria ser uma forma 
esteticamente melhorada do mundo 
real. Assim, todas os retratos e imagens 
produzidos por esses artistas, conferiam 
às pessoas retratadas um ar solene, 
imponente, poderoso.
Na obra em questão, pode-se ver um 
Don João VI forte, ostentando seu 
poder de imperador, em trajes oficiais e 
condecorações militares e de nobreza, 
idealizado como uma figura altiva e de 
rosto jovem. Mesmo no calor tropical, a 
corte portuguesa permanecia vestindo 
roupas da nobreza europeia, como forma 
de representar seu poder.
41
- Na verdade, não sei muito sobre Debret além de seu nome – Pierre 
admitiu, abrindo as mãos em sinal de descontração.
- Pois então você está perdendo uma parte bem interessante da história 
da arte brasileira – Erica declarou, aproximando-se da obra. – Você sabe 
que a corte portuguesa veio instalar-se no Brasil fugindo de uma invasão 
napoleônica a Portugal, certo?
- Sim, em 1808. Dom João VI e uma comitiva de mais ou menos quinze 
mil nobres e funcionários reais se mudaram de Portugal para o Rio de Janeiro. 
Já li sobre isso, há bastante material sobre o assunto. 
- Pois então, como conversamos antes, o Brasil dessa época não se 
enquadrava na realidade que as cortes nobres da Europa estavam habituadas. 
O país era essencialmente agrícola, atrasado, sem grandes atrativos, justamente 
por ser uma colônia pesadamente explorada pelos portugueses. Porém, 
quando a corte imperial veio instalar-se por aqui, a realidade local precisou 
ser transformada. Agora havia uma família real e uma extensa fila de nobres 
para serem servidos. Assim, diversas reformas administrativas, econômicas e 
culturais foram realizadas, principalmente no Rio de Janeiro, capital do país na 
época, para adaptar a realidade às necessidades dessa nobreza. 21 
- Aí surgiram instituições como o Banco do Brasil, não é? 
- Além do Museu Real e a Biblioteca Real, e muitas outras. O próprio Jardim 
Botânico do Rio de Janeiro foi criado nesse momento. A nobreza necessitava, 
além de aparatos econômicos e políticos, arte e cultura para manter seu status 
burguês. Afinal, a corte não sabia se jamais voltaria à metrópole. 
- Claro, os poderosos não poderiam ver-se vivendo em um ambiente 
agrário, tão distante das facilidades que sempre possuíram nas cortes 
européias. Nada mais justo que essa nobreza quisesse tornar sua nova terra 
um local sofisticado e produtivo.
- Exato – Erica concordou. – Além das indústrias e do incentivo às 
ciências, Dom João VI também incentivou a produção artística brasileira. Um 
desses incentivos foi a convocação da chamada Missão Artística Francesa, que 
foi uma comitiva de diversos artistas franceses que atracou no Brasil em 1816. 
Com a ideia de transformar o panorama das artes no nosso país, esses artistas 
foram muito bem pagos pela Coroa para afastar a arte brasileira do Barroco, 
tendência há muito deixada para trás na Europa, mas que aqui ainda era a arte 
vigente.
- E o que esses artistas fizeram? – Perguntou Pierre. 
21	 	CIVITA,	1986
Segundo Casamento de Sua Majestade 
Imperial D. Pedro I (Detalhe). Jean Baptiste 
Debret, 1829
Primeira distribuição das cruzes da Legião 
de Honra, em 14 de julho de 1804. Jean 
Baptiste Debret, 1812.
É possível ver a semelhança entre as duas 
obras, ambas de Debret. A principal razão 
de existir da Missão Artística Francesa foi a 
importação da arte palaciana e burguesa 
do Neoclassicismo europeu. Debret foi 
um dos pintores da corte napoleônica, e 
trouxe a sua arte perfeccionista e pomposa 
para a corte imperial portuguesa no Brasil.
42
- Inicialmente, foi organizada por eles a criação da Escola Real de 
Ciências e Ofícios, que ainda mudaria de nome diversas vezes, até ser 
chamada de Imperial Academia e Escola de Belas-Artes. A Coroa imaginou que, 
instituindo um novo sistema de ensino superior em artes e ofícios, poderia 
aos poucos modificar o panorama artístico e também substituir a influência 
da Igreja no ensino no Brasil.22 Apesar da resistência que sofreu inicialmente, a 
Missão Artística Francesa deu certo, e a partir desse momento, a arte brasileira 
passa a ser muito mais acadêmica, influenciada pelas ideias européias do Neo 
Classicismo. 
- É fácil de entender essa resistência. O ensino, não apenas da arte, 
mas em geral, era praticamente medieval no

Continue navegando

Outros materiais