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Apostila Curso Racismo Estrutural e Práticas Antirracistas

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saberes.senado.leg.br 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Racismo Estrutural 
 e 
 Práticas Antirracistas 
SUMÁRIO 
MÓDULO I – FUNDAMENTOS PARA ENTENDER O RACISMO 
ESTRUTURAL NO BRASIL ............................................. 4 
Unidade 1 - O Uso do Termo Raça e Racismo ...................................... 7 
Unidade 2 - Presença Negra no Brasil: Escravidão, Desigualdade e 
Preconceito ................................................................... 10 
Unidade 3 - Já Podemos Falar em Racismo Estrutural? ........................ 13 
Unidade 4 - Um Pilar a Mais: as Ideias de Branqueamento da População 
Brasileira ...................................................................... 15 
MÓDULO II – AÇÕES POLÍTICAS E A RESISTÊNCIA NEGRA ............ 18 
Unidade 1 - As Ações de Resistência Negra no Início do Século XIX ....... 22 
Unidade 2 - A Resistência Quilombola ................................................ 28 
Unidade 3 - As Revoluções Negras na América Latina e os 
Desdobramentos no Brasil .............................................. 36 
Unidade 4 - Os Aspectos Jurídicos e a Luta Negra por Liberdade ........... 39 
MÓDULO III – AS DIFERENTES FORMAS DE RACISMO E A LUTA 
ANTIRRACISTA NO BRASIL ..................................... 43 
Unidade 1 - As Diferentes Formas de Racismo na Sociedade Brasileira .. 47 
Unidade 2 - Feminização Negra: O Racismo Estrutural Inerente à Mulher 
Negra Brasileira ............................................................. 52 
Unidade 3 - A Uberização do Trabalho ............................................... 61 
Unidade 4 - A Construção da Luta Antirracista no Brasil ....................... 67 
MÓDULO IV – MECANISMOS E MANIFESTAÇÕES COTIDIANAS ....... 80 
Unidade 1 - Microagressões: O que são e como Identificá-las ............... 83 
Unidade 2 - Piadas e Preconceito ...................................................... 87 
Unidade 3 - Estereótipos Raciais e seus Impactos ............................... 91 
Unidade 4 - Efeitos do Racismo na Saúde Física e Mental ..................... 96 
Unidade 5 - A Desigualdade Racial sem Acesso a Oportunidades e 
Recursos: O Racismo Ambiental .................................... 101 
REFERÊNCIAS .............................................................................. 104 
 
 
 
SENADO FEDERAL 
INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO 
UNIVERSIDADE ZUMBI DOS PALMARES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURSO DE FORMAÇÃO 
 
RACISMO ESTRUTURAL E PRÁTICAS ANTIRRACISTAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2023 
MÓDULO I – FUNDAMENTOS PARA ENTENDER O RACISMO 
ESTRUTURAL NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
OBJETIVOS 
 
Ao final do módulo você será capaz de: 
 Contextualizar o racismo do ponto de vista conceitual, 
histórico, social e político; 
 Identificar o processo histórico escravista brasileiro; 
 Distinguir as noções de raça e racismo. 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
Você sabe o que é racismo? Quantas vezes já ouviu falar que uma pessoa 
foi destratada ou humilhada por conta da cor da pele? Ao iniciar a reflexão 
sobre este tema é importante olhar o mundo que está à sua volta: sua 
casa, sua escola, sua universidade, o ambiente de trabalho, a rua, enfim, os 
espaços em que há relações sociais. 
Em todos eles o que se vê é diversidade. São homens e mulheres com 
características sociais e físicas diferentes. O racismo assume alcance grupos 
sociais das mais diferentes origens. Indígenas, negros, asiáticos, muçulmanos 
apenas para citar alguns exemplos, são tocados por olhares de desaprovação. 
Também a sociedade brasileira foi fundada a partir de múltiplos povos. De 
um lado estavam as tribos indígenas que habitavam o território. Após 1500, 
houve a chegada dos portugueses e outros europeus que colonizaram o 
Brasil. Em determinado momento houve também a vinda compulsória dos 
negros africanos oriundos de tribos e culturas distintas. Já no fechar dos 
olhos do século XIX uma gama de novos imigrantes europeus aportou no 
Brasil para ocupar a força braçal da indústria nascente. 
É dessa junção de culturas e elementos físicos que se formou a sociedade 
brasileira miscigenada e repleta de distinções. No entanto, o olhar do 
europeu que conduziu a construção do Brasil sobre a presença negra no 
desenvolvimento do país inseriu uma marca que deixa registros até os dias 
atuais. O cidadão negro, mulato, cafuzo, mestiço e tantos outros resultantes 
do processo miscigenação, foi sendo estigmatizado e rebaixado na estrutura 
social, econômica e política nacional. Num termo teórico, esta ação se 
refere ao racismo. 
E por que falar em racismo estrutural? Essa caracterização só é possível 
porque falas, hábitos e ações práticas estão impregnadas na vida cotidiana 
reafirmando o preconceito racial todos os dias. O que é visto como 
“brincadeira” é, na verdade, a reprodução da estrutura na qual a 
desigualdade prevalece. Negros e negras são estigmatizados por sua pele, 
seu cabelo ou sua origem de classe e gênero. O racismo estrutural atinge 
diretamente esta população que foi por séculos escravizada e sofre até hoje 
as consequências múltiplas desta construção histórica e social. 
Neste curso são apresentados elementos que permitirão ampliar a leitura e 
interpretação sobre o significado do racismo negro no Brasil, bem como a 
forma que ele assumiu e assume na vida cotidiana. Na medida que as 
relações de poder foram se constituindo o racismo delegou um lugar para a 
população negra e mestiça. Não apenas de maneira velada como 
analisaram alguns pensadores nacionais, mas também explicitamente no 
olhar, na fala, nas piadas, na não aceitação do negro em espaços variados. 
 
INTRODUÇÃO 
Falar sobre o racismo estrutural requer um olhar de observação e 
questionamento sobre os acontecimentos cotidianos. Quem diria que em 
pleno século XXI estaríamos vendo trabalhadores sendo resgatados de 
situações análogas à escravidão. O que isto significa? É que assim como os 
negros africanos trazidos para o Brasil durante o período colonial, sofriam 
castigos, ficavam aprisionados e tinham sua liberdade confiscada. 
O caso revelado em Bento Gonçalves, conhecida como a capital brasileira do 
vinho, demonstra que não nos desprendemos completamente da escravidão 
no Brasil. É com postura crítica e problematizadora sobre o alcance do 
racismo que podemos ver o enraizamento dele na vida comum das pessoas. 
Veja a matéria do jornal Extra Classe sobre o caso. 
Os maus tratos, choques e péssimas condições de higiene e alimentação a 
que foram submetidos os mais de 200 homens nordestinos, negros e 
mulatos, revelam a profundidade do racismo estrutural. É ele uma constante 
nas relações pessoais, na forma como se olha para a mulher negra, no 
padrão do cabelo liso, dentre tantos outros pontos que podem ser citados. 
Na sequência, você é nosso convidado para conhecer alguns conceitos e um 
pouco da história brasileira que caminhou até o momento presente e 
mantém intenso o debate sobre o racismo, mas sobretudo, a luta de 
resistência cotidiana. 
http://www.extraclasse.org.br/justica/2023/02/180-foram-resgatados-de-trabalho-escravo-para-vinicolas-de-bento-goncalves/
Unidade 1 - O Uso do Termo Raça e Racismo 
 
 
Para início das discussões sobre o racismo, o primeiro passo é analisar o 
termo raça. Isto porque o termo racismo é uma variante daquela palavra 
para designar um conjunto de ações de subalternidade da população negra 
e superioridade dos brancos. Mesmo sendo a sociedade brasileira 
miscigenada e fortemente marcada pela presença africana. 
De acordo com Kabengele Munanga, a palavra raça vem do italiano 
razza, derivado do latim arcaico que significa sorte, categoria ou espécie” 
(2003. p.1). De acordo com ele, o termo tem seus primeiros usos na 
zoologia e na botânica como conceito classificatório utilizado para animais 
e vegetais. Ou seja, é uma categoria longe de definir as sociedadespor 
meio de suas culturas. 
Esse termo, no entanto, passou a ser utilizado a partir do século XVI, 
momento da expansão europeia e conquista territorial, para dar maior 
espaço para os colonizadores e legitimar a dominação sobre as sociedades 
dominadas (MUNANGA, 2003). Isso porque se classificavam como 
superiores em relação às raças africanas, asiáticas e de demais povos 
originários encontrados na América Latina. 
Mesmo não sendo adequado, o termo raça tornou-se usual e ganhou campo 
dentro da sociedade que foi se desenvolvendo a partir dos parâmetros 
definidos pelos cientistas europeus. Foi o caso do alemão Johan Friedrich 
Blumenbach (1865) que em 1795, que classificou a humanidade em cinco 
raças: branca, negra, amarela, marrom e vermelha. 
Felizmente, uma outra gama de antropólogos e demais cientistas refutaram 
esta construção fantasiosa e reafirmaram que “raças humanas não existem 
(...) e as categorias 'raciais' humanas não são entidades biológicas, mas 
construções sociais” (PENA, 2005, p. 1). Logo, essa ação é política e 
ideologicamente construída para defender a ideia de superioridade de uma 
parte dos homens, no caso brancos, para com as demais culturas mundiais. 
https://ea.fflch.usp.br/autor/kabengele-munanga
Caracterizar as pessoas por tipo de cabelo ou cor da pele acaba sendo o 
padrão a partir da sociedade eurocêntrica. Ou seja, o europeu, 
naturalmente branco se entende diante daquilo que é diferente dele. 
 
Figura: Raça Superior? 
 
Fonte: Wikipédia 
 
Exemplo maior dessa posição política foi a tentativa dos cientistas alemães 
nazistas em criar a raça alemã superior, nobres. Homens brancos, loiros, 
com biotipo forte e “perfeitos”. Em nome dessa perfeição, deficientes 
físicos, negros e judeus foram exterminados aos milhões durante a Segunda 
Guerra Mundial. 
A tentativa de perfeição e superioridade tornou a população negra 
escravizada e seus descendentes estigmatizados como inferior. No Brasil, o 
quadro ficou ainda mais grave em virtude dos mais de trezentos anos de 
escravidão dos africanos e afrodescendentes (RIBEIRO, 2022). 
Até aqui, o conceito desenvolvido de raça não se apresenta como racismo. 
O sufixo “ismo” confere um outro significado à palavra raça. Passa a 
significar doutrina, sistema, teoria, tendência, ideologia. Mas esses 
conceitos não surgem do nada. Há um conjunto de fatores que sustentam 
essa construção. Dentre eles está o processo histórico. 
https://en.wikipedia.org/wiki/Portal:History_of_science/Picture/7
Para nos guiar, é importante pensar quando é então que raça, um conceito 
das ciências biológicas, se constituiu como base ideológica para sustentar e 
orientar as relações sociais por critérios biotípicos, originando as 
desigualdades entre a sociedade? É o que você vai ver nas páginas a seguir. 
 
 
Unidade 2 - Presença Negra no Brasil: Escravidão, Desigualdade e 
Preconceito 
 
 
Para este momento do curso o objetivo é que você se questione sobre a 
seguinte problematização: Como a raça se torna racismo no Brasil? Quais 
foram os trajetos percorridos para que no Brasil o preconceito racial tenha 
que ser combatido por meio de legislação e políticas públicas? Afinal, onde o 
Brasil errou? 
A resposta é encontrada quando olhamos para o desenvolvimento histórico 
e social brasileiro. O que se encontra é a fundação da nação alicerçada na 
exploração de determinados setores, como o indígena que foi aprisionado 
ou exterminado literalmente em grande parte do território nacional 
(GOULART, 1975). Soma-se, após 1532, a chegada do negro no Brasil 
trazido compulsoriamente pelos portugueses. Assim, de acordo com Goulart 
(1975) a nação brasileira tem seus alicerces num dos mais cruéis regimes 
de exploração humana, a escravidão de africanos, africanas e seus 
descendentes. Chegaram gradativamente e estiveram sempre vinculados às 
atividades econômicas. 
Entre 1576 e 1600, foram trazidos para o Brasil aproximadamente 40.000 
africanos escravizados. Posteriormente, entre 1601 e 1725, esse número foi 
para cerca de 150.000, sendo que a maior parte foi escravizada para o 
trabalho em grandes lavouras (SCHWARTZ, 1988). A grande maioria ficou 
localizada no Nordeste brasileiro e foram responsáveis pela produção e 
exportação da cana-de-açúcar. Fosse na lavoura ou na casa grande, os 
escravos eram a mão-de-obra de trabalho exclusiva. 
 
 
 
 
 
 
Figura: Estrutura do Navio Negreiro 
 
Fonte: Behance 
 
Você pode ver na imagem como era a estrutura do navio negreiro. O 
recorte mostra o interior daquele que foi o instrumento fundamental de 
tráfego legal e ilegal de tribos e famílias inteiras. 
No final do século XVII e ao longo do século XVIII, houve um acelerado 
processo importação de escravos fazendo funcionar a todo o vapor o tráfico 
de escravos (FLORENTINO, 2015). 
A violência sofrida pelos negros começava já no momento do transporte. 
Homens, mulheres e crianças eram separados já no embarque. Muitos 
preferiam se jogar no mar a viver sem liberdade. Outros morriam diante 
das péssimas condições de higiene, doenças e fome. 
Muitas famílias permaneceram para sempre separadas mesmo depois de 
chegarem ao Brasil. Nos navios negreiros eram transportados entre 300 e 
500 africanos em amontoados de gente sem alimentação, ar e condições de 
https://www.behance.net/gallery/82332409/Navio-Negreiro?tracking_source=search_projects%7Cnavio+negreiro
higiene (PINSKY, 2010). Isto justifica o termo navios tumbeiros já que a 
quantidade de perdas de vida era bastante alta no trajeto até o Brasil. 
Já na segunda metade do século XVII foram trazidos cerca de 360.000 
africanos como escravizados. A crescente participação dos negros africanos 
na economia se ampliou com a descoberta do ouro em Minas Gerais. Assim, 
um robusto contingente populacional de africanos se formou no Brasil, 
chegando a ser a maioria da população (PINSKY, 2010). 
Os dados dão conta de que em torno de sessenta anos um milhão de negros 
aprisionados foram trazidos para o Brasil. Importante ressaltar que o número 
é muito maior uma vez que boa parte morria nos porões dos navios negreiros 
e sob o tráfego ilegal não existia controle algum (MARCÍLIO, 1999). 
Já no século XIX, com a chegada da família real em 1808 e mais tarde até o 
ano de 1850, com a abolição definitiva do tráfico transatlântico de 
escravizados, foram trazidos aproximadamente 1,5 milhão de africanos 
(PINSKY, 2010). Há historiadores que afirmam que o Brasil foi o país que 
mais recebeu africanos durante o período de expansão colonial europeia. 
 
 
Unidade 3 - Já Podemos Falar em Racismo Estrutural? 
 
 
O racismo estrutural se construiu a partir dessa fundamentação histórica e 
das relações culturais, sociais, políticas e econômicas decorrentes desse 
jogo de forças. Em cada uma dessas fases, a população negra e seus 
descendentes ficaram sob o domínio do senhor de escravo, eram tratados 
como objetos e, portanto, sem cobertura jurídica que amparasse as 
demandas negras pelas violências sofridas em seu cotidiano dentro e fora 
dos limites da casa grande. 
Os escravos compunham a riqueza material de cada proprietário português ou 
inglês. Aqueles que conseguiam alforria tentavam o comércio como mascate 
ou tornavam-se escravos de ganho nas ruas das cidades (PINSKY, 2010). A 
desigualdade social e racial era sentida nas ruas, na pele e na jurisdição. 
As alforrias eram compradas e as leis foram gradativamente libertando os 
escravos das amarras da escravidão. No entanto, não houve por parte do 
Estado brasileiro mecanismos de ruptura com essa base que alicerçava o 
preconceito e o racismo. Não houve na mesma medida a inserção dessa 
população nas políticas públicas da sociedade em construção, fosse no 
século XIX ou no desenvolvimento do século XX. 
São nesses pontos que você vai perceber que a definição de racismo é “uma 
forma de discriminação que leva em conta a raça como fundamentode 
práticas que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a 
depender do grupo racial ao qual pertenciam” (ALMEIDA, 2017). Os negros, 
mulatos, pardos, cafuzos, mestiços e todas as outras denominações 
possíveis, viveram em condições constantes de desvantagens ao longo da 
história brasileira. 
No Brasil, segundo Silvio Almeida (2017, s/p), o que temos é “a concepção 
estrutural do racismo como uma decorrência da própria estrutura social, ou 
seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, 
econômicas, jurídicas e até familiares”. O racismo tornou-se a regra da 
sociedade e passou a ser naturalizado. 
A estrutura do Direito e do Estado não apresentava saídas ao racismo 
estrutural, pelo contrário. A exemplo, quando a Lei Áurea extinguiu 
definitivamente a escravidão, os negros não foram colocados como 
trabalhadores para a sociedade capitalista nascente. Pelo contrário, se 
dirigiram para as áreas periféricas ou para os morros do Rio de Janeiro. 
Enquanto isso, uma leva de europeus era importada para trabalhar na 
lavoura e nas indústrias nascentes nas regiões entre São Paulo, Minas Gerais 
e Paraná. Para esses houve a promessa de terras e salário (FERNANDES, 
1978). Assim, a herança de desigualdade institucionalizada tanto quanto a 
cor da pele passou a ser o elemento de partida para o racismo. 
 
 
Unidade 4 - Um Pilar a Mais: as Ideias de Branqueamento da 
População Brasileira 
 
 
Você viu até aqui que a questão negra no Brasil foi determinante para a 
formação da sociedade brasileira nos aspectos sociais, políticos e culturais. 
Não se pode negar que os diversos momentos em que o país assumiu a 
dianteira da produção de cana-de-açúcar ou a exportação do ouro, apenas 
foi possível devido ao extenuante trabalho de negras e negros africanos e 
afro-brasileiros. A miscigenação já era um fato dado (FERNANDES, 1978). 
Além disto, o sincretismo religioso demonstrava a inserção cultural criada 
em âmbito nacional. 
As designações sociais para os negros encontraram no Brasil escravista 
terreno fértil para a construção de uma arquitetura social racializada que 
criou empecilhos ao exercício de uma cidadania plena mesmo enquanto 
liberto. As categorias sociais para o negro, o pardo e o mulato eram 
claramente definidas e, como tal, estabeleciam um lugar hierarquizado a 
cada um deles. 
Mas a profundidades das estruturas com caráter racista foram se 
aprofundando cada vez mais. No Brasil do final do século XIX e início do 
século XX, as interpretações darwinistas tiveram importante alcance entre 
os cientistas e intérpretes brasileiros. Charles Darwin entendia que as 
espécies passavam por um processo evolutivo e de aperfeiçoamento. O 
mesmo padrão foi adotado para as sociedades. Elas caminhariam um 
processo evolucionista. Homens como Nina Rodrigues e Oliveira Vianna 
defendiam a ideia de que o branqueamento era a solução para os 
problemas sociais brasileiros. 
 
 
 
 
 
Figura: “A Redenção de Cam” e o Branqueamento no Brasil 
 
Fonte: Wikipédia 
 
O quadro “A Redenção de Cam” (1895), do pintor espanhol Modesto Brocos, 
retrata a sociedade esperada pelos defensores dessa linha de pensamento. 
Na interpretação desses seguidores deveria ser incentivada a miscigenação 
entre negros e brancos para que a população fosse gradativamente se 
tornando mais branca do que mestiça e negra. 
A cena apresentada registra justamente esta “evolução”. A avó negra, a 
mãe parda, que tem um filho de homem branco, e seu descendente segue o 
fenótipo do pai, sendo também branco. Esse, por sua vez, na leitura dos 
defensores da branquitude, daria sequência a essa linhagem garantindo a 
mudança necessária para uma sociedade de melhor qualidade (MATTOS, 
2009). Essa interpretação tinha em si um posicionamento preconceituoso 
que acentuava o racismo no Brasil. 
Tal interpretação foi felizmente contraposta por outros estudiosos e 
pensadores, que entendiam que a característica maior da população 
brasileira era a troca cultural entre os três pilares da formação social e 
cultural: os indígenas, os negros e o português. O necessário não era tornar 
https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Reden%C3%A7%C3%A3o_de_Cam%23/media/Ficheiro:Reden%C3%A7%C3%A3o.jpg
a sociedade branca, mas sim, inserir os negros e descendentes nas políticas 
públicas nacionais (MATTOS, 2009). 
Outros pensadores também contribuíram para que a ideia de branqueamento 
fosse amplificada na sociedade brasileira entre o final do século XIX e início 
do século XX. É caso de Silvio Romero que defendia a ideia de que a 
mestiçagem brasileira era a solução regeneradora e não degenerativa como 
defendia seus pares europeus. Mas essa mestiçagem caminharia para “o tipo 
branco irá tomando a preponderância até mostrar-se puro e belo como no 
velho mundo” (ROMERO apud SKIDMORE, 1976, p. 53). 
Dessa forma, o Brasil do fim do século XIX era um país imerso em suas 
contradições, com o fim da mão de obra escravizada e uma tão grande 
desigualdade social e econômica e ainda em busca de não somente pensar, 
mas forjar uma identidade nacional que legitimasse a república nascente. 
Infelizmente o olhar dado à população negra não apontava para a afirmação 
de sua cultura e a construção da identidade. 
Tal ação visava assegurar que a desigualdade causada pelos mais de trezentos 
anos de escravidão pudesse começar a ser enfrentada. A questão racial era 
essencial e delimitava as fronteiras da cidadania e poder, já que esta camada 
da população ficava à margem do desenvolvimento social e político. 
 
 
 
MÓDULO II – AÇÕES POLÍTICAS E A RESISTÊNCIA NEGRA 
 
 
 
 
 
 
OBJETIVOS 
 
Ao final do módulo você será capaz de: 
 Apresentar as formas de resistência do negro durante a 
escravidão; 
 Contrapor a ideia de inferioridade histórica e política do negro 
demonstrando a luta de resistência dos escravizados nos 
movimentos sociais e políticos, em especial no século XIX; 
 Demonstrar os movimentos sociais do século XIX a partir do 
olhar da negritude. 
 
 
APRESENTAÇÃO 
Você viu até aqui que o desenvolvimento histórico e social do Brasil, contou 
com a presença negra em momentos decisivos e colocou o país entre os 
principais exportadores de monocultura entre os séculos XVII e XIX. Foi a 
mão de obra dos trabalhadores e trabalhadoras africanos e descendentes 
que ergueram a sociedade brasileira. 
Já sabe também que sofreram horrendo castigos, prisões, mortes. A 
desigualdade social sempre existiu, já que a elite branca, açucareira, 
cafeeira ou exportadora de ouro nunca propôs uma outra organização social 
e jurídica que não fosse a escravidão entre o período colonial e o império. A 
dependência da força de trabalho do negro foi peça chave para o 
enriquecimento de uma parcela privilegiada da população. 
Agora, como sequência, você verá que, mesmo diante da tentativa de calar 
a voz do escravizado, a resistência pela vida, cultura e identidade sempre 
existiu. Essa defesa foi acompanhada de exemplos de outras nações negras 
que realizaram seus processos de independência e serviram de inspiração 
para diversos movimentos de luta. 
As ações a seguir servem para demonstrar que o movimento negro esteve 
sempre antenado com às demandas de defesa e luta, mesmo em meio às 
perseguições e castigos em que viviam. 
 
INTRODUÇÃO 
O Brasil foi o país que mais recebeu contingente populacional africano de 
escravizados. De acordo com Luiz Felipe de Alencastro (2000) quase cinco 
milhões de africanos chegaram ao Brasil nos trezentos anos de escravidão. 
Esse número confere um papel especial ao território. Foi aqui que os negros 
tiveram que reconstruir seus laços culturais e, mesmo, sua identidade. 
Ao mesmo tempo que estava à frente da vida econômica, sendo 
responsáveis por todas as forças de trabalho que produziram a riqueza 
nacional, os negros estavam também decididos a organizar suas lutas de 
resistência.O tratamento conferido à população negra saltava aos olhos 
uma vez que eram usurpados enquanto serem humanos. 
Teoricamente o branco colonizador, latifundiário e proprietário de escravos 
consideravam os africanos como objetos. Por tal diretriz era simplesmente 
substituível. As tentativas de contenção das reivindicações e críticas das 
extenuantes jornadas de trabalho sempre foram uma preocupação por parte 
da classe dominante. 
Por parte da multidão de escravos, a coisificação do escravo foi 
constantemente posta à prova uma vez que, como resposta aos castigos e 
maus tratos, muitos fugiam e se estabeleciam longe de seus antigos donos. 
Quilombos foram formados em todos os cantos do país e recebiam 
constantemente negros fugidos. 
Mas estas e outras formas de resistência não foram devidamente 
registradas e trabalhadas como pontos constitutivos da história brasileira. 
No decorrer do desenvolvimento histórico, por exemplo, essas lutas foram 
nada ou quase nada abordadas nos livros didáticos (MAIA, 2012). 
Em grande medida, as abordagens nos livros didáticos conferem às 
reivindicações do negro na história como rebeldia ou ações isoladas que se 
contrapunham ao poder legal. A ótica usualmente construída é a 
eurocêntrica que coloca a sua visão de mundo correta. E nela a ordenação 
das coisas se dão a partir do desejo e da realização da classe 
economicamente dominante. 
O Brasil é um país que sistematicamente busca negar a história e memória 
da escravidão. Não somente porque é incômoda, mas admiti-la é reconhecer 
que a sociedade tal como está, com sua elite política e econômica branca, é 
herdeira das riquezas e privilégios criados pela escravidão. 
Nessa interpretação, outro debate necessário se vincularia a ele, a 
reparação história (MUNANGA, 2003). Esta nova ordem das coisas pode se 
configurar como um momento de conceder o lugar necessário para todos os 
conjuntos de forças sociais e políticas que realmente sustentaram o 
desenvolvimento do Estado brasileiro. 
Por muito tempo, a partir da ideologia de uma democracia racial brasileira 
das décadas de 1930 e 1940, abordou-se a escravidão como se tivesse sido 
branda, leve e paternalista. A idealização da democracia racial, defendida 
por Gilberto Freyre, autor do livro Casa-Grande & Senzala publicado em 
1933, fez esconder a verdadeira essência da formação nacional brasileira, 
que é preconceituosa e racista. 
O livro Casa-Grande & Senzala compõe a obra de Gilberto Freyre que em 
muito contribuiu para entender o Brasil a partir da ordem paternalista. No 
livro são abordadas as características culturais e sociais da relação entre a 
casa grande, lugar de pertencimento do branco e em que o negro assume 
diferentes relações sociais. Por outro lado, está a senzala, reservada aos 
negros onde os hábitos culinários, os cantos, a vida pessoal, o descanso e a 
violência estavam postos. O livro é um clássico e como tal merece ser lido 
para melhor conhecer o pensamento social brasileiro. 
Ainda que tenha feito uma importante contribuição, não só Gilberto Freyre, 
mas também outros pensadores, negaram que a ação histórica e social 
contra os negros foi violenta e cruel. A formulação de um pensamento social 
brasileiro assentado na convivência pacífica, é desmentida pelos 
documentos históricos e pela prática cotidiana para com a população negra 
e seus descendentes. 
Exemplo desta vida nada pacífica foram as respostas aos castigos sofridos 
por parte dos senhorios com fuga, formação de quilombos e as insurreições 
(PINSKY, 2010). Muitas delas não estão nos livros didáticos. Outras são 
descritas com ênfase ao papel da repressão legal. Somente um 
aprofundamento na investigação sobre o Brasil é que vai apresentar a 
verdadeira raiz da resistência negra. 
 
 
Unidade 1 - As Ações de Resistência Negra no Início do Século XIX 
 
 
Findado o século XVIII o auge da extração do ouro e a chegada da família 
real no início do século XIX foram momentos decisivos para que uma 
estrutura interna nacional fosse gradativamente construída. Isto se revela 
diante das diferentes forças sociais e políticas em constante movimento 
pensando e agindo de acordo com seus interesses. 
A história do Brasil no século XIX, em especial, se edificou em sustentada 
com debate político acerca da melhor condução para a ordem nacional. Este 
ponto deve ser entendido como atenção aos interesses das classes 
dominantes. O plural é usado por não haver um único poder dominante. As 
características locais do país definiram também as forças políticas e as 
demandas de cada uma delas (CARVALHO, 2015). 
O recorte histórico aqui delimitado é justificado por ser neste século o 
momento em que um conjunto de ações locais foram sendo desenvolvidas 
em cada uma das áreas do território nacional. No Nordeste, no Norte e na 
região Centro-sul, movimentos importantes foram iniciados concedendo 
maior espaço para as demandas locais. 
O que há de comum, em todas estas frentes é que a defesa dos interesses 
se organizou, principalmente, pelas armas e pela repressão aos movimentos 
de contestação que fossem contra a manutenção da Coroa, da Regência ou 
do Império. Soma-se a este aspecto, a subjugação das classes populares, 
em especial da população negra. 
A realidade da maioria1 dos trabalhadores escravizados era o trabalho 
extenuante por horas a fio, sem alimentação e sujeitos a castigos. A 
 
1 Alguns escravos que conseguiam atividades como negros de ganho, ou seja, 
vendiam quitutes nas ruas ou mesmo aqueles que trabalhavam na casa grande, 
conseguiam ter uma vida com menor volume de castigos e ter contato com outras 
pessoas. Isto em grande medida permitia uma inserção social nas coisas do dia-a-
dia. Já os negros escravos da senzala estavam diretamente vinculados aos castigos 
do senhor ou dos seus capatazes. 
expectativa de vida de um homem negro por volta de 1870 era de 20 anos 
(RIBEI RO, 2014). Ainda assim, em meio a um contexto de violência, esta 
população conseguiu encontrar meios de resistência, sendo os quilombos 
espalhados por toda parte do Brasil exemplos disso. 
 
 
 
A independência do Brasil em relação a Portugal em 1822 incentivou ainda 
mais os movimentos locais a olhar para suas localidades. De acordo com 
José Murilo de Carvalho, os portugueses “deixaram uma população 
analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e 
latifundiária, um Estado absolutista” (CARVALHO, 2015). 
Por ser uma fase de transição para a formação do Estado Nacional, não 
houve, nos anos iniciais preocupação com a questão escrava. Este debate foi 
iniciado apenas na segunda metade do século liderado pelos abolicionistas. 
Até então a manutenção da escravidão foi o pilar de manutenção da ordem. 
Dessa forma uma série de movimentos políticos são deflagrados e revelam 
personagens importantes para história nacional. Muitos destes 
acontecimentos estão retratados nos livros de história e receberam o olhar 
histórico da classe dominante. Por consequência receberam uma leitura a 
partir deste lugar de dominação. 
Como forma de exemplificar um pouco da dinâmica deste período brasileiro, 
será apresentado na sequência alguns dos movimentos mais emblemáticos 
deste período. A intenção é que você consiga ter uma visão das 
reivindicações, dos personagens e de como deixaram suas marcas locais e 
nacionais. Mas principalmente evidenciar o papel do negro nestes fatos que 
ajudaram na formação do Estado brasileiro. 
Alguns desses movimentos foram compilados no livro Rebeliões da Senzala 
escrito por Clóvis Moura em 1952. O autor apresenta a luta do movimento 
negro espalhada pelo território, indo de norte a sul. Usavam diferentes tipos 
de estratégias de força frente o poder dominante. 
 
Revolução dos Alfaiates ou Revolução Baiana 
Iniciamos este percurso ainda com um pé no século XVIII. Isto porque não 
se pode deixar de falarsobre o importante movimento construído por 
negros escravos, libertos, trabalhadores de baixa renda e mulatos na 
província da Bahia em 1798. 
A capitania da Bahia era a maior cidade brasileira no século XVIII. A 
população girava em torno de 60 mil pessoas. Deste total, 48% era 
composta por negros escravos africanos e seus descendentes 
(SCHNEERBERGER, 2010). As condições básicas para a vida eram 
inexistentes. Ser branco ou negro era condição determinante para acesso a 
melhores condições de vida. 
Aos negros, mulatos e mestiços as condições eram ainda mais acentuadas 
uma vez que o trabalho pesado e a vida nas senzalas agravavam ainda 
mais a condição de pobreza e violência. Entre eles reinava a miséria, a fome 
e más condições de vida. Entre a população livre as altas cobranças de 
impostos eram pontos centrais no debate cotidiano. 
Todos estes pontos levaram à organização da Revolta2 dos Alfaiates. 
Interpretada por muitos historiadores como uma ação radical, defendiam a 
abolição da escravatura, o fim do preconceito, melhoria salarial entre 
outros pontos. 
A soma de tais conjuntos de fatores levou a uma organização que se iniciou 
em 1798 e marca a participação das camadas pobres dentro das lutas 
sociais brasileiras. Clóvis Moura afirma que a participação do negro neste 
momento histórico “tinha um grau de coerência que advinha da coincidência 
de interesses das camadas artesãs que o estruturavam e a classe escrava.” 
(MOURA, 2020, p. 67). 
A reação ao movimento foi bastante enérgica. Havia o medo de ocorrer aqui 
um movimento semelhante ao haitiano em que a abolição foi conquistada 
com violência e derrocada das classes dominantes. Foram reprimidos pelo 
exército legal, sendo as lideranças negras e mulatas mortas em praça 
pública. (PIMENTA, 2022). Já os brancos participantes do foram poupados e 
sofreram punições leves. 
 
A Cabanagem no Pará 
A Cabanagem, foi um movimento político e social que aconteceu entre 1835 
e 1840, teve como protagonistas os cabanos. Estes eram formados pelas 
classes pobres, mestiças, negras, mulatas e libertas que diante das 
péssimas condições de vida expressaram suas insatisfações com um 
movimento organizado em torno de ideias progressistas (SANTOS, 2004). 
Iniciada com a participação de setores de classe média e proprietária a 
Cabanagem inovou dentre os demais movimentos daquele período histórico 
por ter entre seus membros decisórios a população pobre. Foi ela 
 
2 É importante considerar que as ações de resistência fossem por parte dos negros 
ou pelos indígenas escravizados foram traduzidas por longo período histórico como 
rebeldes, descontentes, revoltosos. Tais adjetivos marcaram a interpretação na 
História conferindo a eles um lugar de desordem frente à construção nacional. 
responsável pela tomada do poder na província em uma fase em que as 
condições políticas e objetivas lhes eram favoráveis. 
Como objetivos tinham a liberdade nos mais diferentes sentidos: econômica, 
social e jurídica. Defendiam ainda a luta pela distribuição de terras como 
caminho para o fim da desigualdade social (SANTOS, 2004). A luta cabana 
significou a possibilidade de liberdade em diversos sentidos: jurídica, saindo 
da condição de escravos, liberdade econômica podendo ter a perspectiva de 
produzir mesmo que em pequena escala, liberdade cultural. 
A marca dos cabanos ficou viva entre a população local. Seja na população 
interiorana ou urbana a presença dos cabanos é relembrada por meio de 
poemas, monumentos e mesmo na educação. Neste último, durante 
meados da década de 1990, foi organizada a Escola Cabana, movimento 
pedagógico que colocava como principal pilar o aluno enquanto sujeito 
histórico. Da mesma forma, a formação continuada e um currículo renovado 
eram pilares deste projeto educacional. 
 
Figura: Memorial da Cabanagem, Oscar Niemeyer, 1985. 
 
 
 
 
A Revolução Farroupilha no Sul do País 
De acordo com Clóvis Moura (2020) os estados do Sul do país receberam 
um grande contingente de negros africanos apesar destes não 
representarem a maioria da população como em outras regiões. Ainda 
assim, foram a não de obra preferida para a lida com a pecuária e as 
demais atividades locais. 
O principal acontecimento político ocorrido na região foi a Revolução 
Farroupilha. Os líderes deste movimento eram saídos de classes abastadas 
que se contrapunham aos aumentos de taxas sobre seus produtos, 
principalmente o charque. Em razão disso organizaram investidas contra as 
forças legais a fim de pedir a baixa dos impostos e a liberdade de 
comercializar com os países fronteiriços. 
Na região, mais do que em qualquer outra, segundo Moura (2020), a os 
escravos recebiam alforria para compor as frentes de combate ao lado das 
lideranças brancas como Bento Gonçalves e Garibaldi. Além disto, a 
abolição dos escravos foi um ponto central durante a existência do 
movimento. Mesmo após a rendição forçada pelas tropas legais, os farrapos 
defendiam a abolição dos escravos. 
É sabido que a ocorrência de diferentes movimentos com a participação 
negra existiu em todas as fases do desenvolvimento de nossa história. No 
entanto, estas listadas anteriormente, dentre tantas outras, foram atos 
concretos da participação negra na contestação da escravização e das 
péssimas condições de vida em que viviam (MOURA, 2020). Mas se situam 
dentro de iniciativas de lideranças brancas. 
Na sequência são apresentados movimentos que são de organização 
exclusivas dos negros escravizados refletindo a luta cotidiana e a 
reivindicação por melhores condições de vida. 
 
 
Unidade 2 - A Resistência Quilombola 
 
 
Ao falarmos de ações políticas e de resistência, o principal ponto a ser 
evidenciado quando falamos na presença negra é a organização dos 
quilombos. De acordo com Clóvis Moura (2021), importante historiador da 
presença negra no Brasil, os primeiros registros de quilombos datam de 
1559. Estas localidades eram caracterizadas por serem refúgios para os 
negros e negras que escapavam dos maus tratos de seus senhores. 
Como demonstrado no anúncio de jornal a seguir, a fuga era muito comum 
entre a população negra escravizada. Uma vez longe da casa-grande se 
agrupavam em espaços isolados e lá se reorganizavam social e politicamente, 
imprimindo um novo significado para sua existência. 
 
 
 
Nestes locais, de preferência ocultos e de difícil acesso, os escravos fugidos 
realizavam o sonho de viverem livres e independentes. Para além disso, era 
o espaço de rever pessoas e resgatar os laços ancestrais trazidos pela 
diáspora africana. Desta maneira, o quilombo se tornou um lugar 
efervescente e rico culturalmente. 
No Brasil os quilombos se espalharam rapidamente pelos quatro cantos do 
território, uma vez que a escravidão do negro africano foi a tônica do 
desenvolvimento econômico local, inserindo o país dentro do mercado 
internacional fosse do extrativismo mineral ou vegetal. Foi uma constante 
de resistência e organização sociocultural. 
 
Quilombo dos Palmares 
Como apontado anteriormente, uma das principais formas de resistência foi 
a formação de quilombos. Espalhado em todo o território nacional foram 
lugares de reprodução de cultura, de produtividade econômica e 
principalmente de garantia de liberdade. O principal deles foi o Quilombo 
dos Palmares localizado na Serra da Barriga, na região Nordeste, como 
apresentado na Figura. 
 
Figura: O Quilombo dos Palmares 
 
Fonte: Go Brazil 
 
Localizado entre o que hoje é o território de Alagoas e Pernambuco, reunia 
uma multiplicidade étnica. De acordo com Clóvis Moura (2020), os quilombos 
criavam sua seus próprios valores e hierarquia sem se prender ao modelo 
https://go-brazil.org/2014/11/20/black-awareness-day-in-alagoas/quilombo-dos-palmares-map/
estabelecido na vida anterior presos aos senhores de escravos. Pela figura, é 
possívelver que a estrutura era composta por vários outros quilombos de 
dimensões menores que se agrupava sobre a proteção coletiva. 
O autor afirma que cerca de 6 mil pessoas viviam na localidade. Mas outros 
historiadores chegam a falar de uma população entre 25 e 35 mil pessoas. 
A produção agrícola diversa assegurava a subsistência. Com o passar dos 
anos a necessidade de uma organização política surgiu já que a amplitude 
da força quilombola ia crescendo. 
Foi nele que o principal expoente da luta negra foi constituído. Zumbi dos 
Palmares foi um guerreiro escolhido entre seus pares e reconhecido pela 
sua liderança e méritos. O Quilombo se constituiu como uma república e, ao 
lado do líder máximo, estava um Conselho deliberativo que assessorava as 
decisões políticas (MOURA, 2020). 
Ao lado de Zumbi estava sua companheira Dandara, importante liderança 
representativa das mulheres palmarinas e que esteve ao lado de Zumbi 
mesmo nos momentos de luta armada para o enfrentamento das forças 
militares. Era ativa na vida social e política e se posicionava claramente 
diante dos demais líderes. Mesmo importante para o movimento negro a 
representatividade de Dandara foi sendo apagada diante da visão de 
mundo patriarcal. 
Seu principal líder foi Zumbi dos Palmares, homem escolhido entre seus 
pares devido os méritos por ser um forte guerreiro. Zumbi tinha ao seu lado 
um conselho de líderes que representavam os demais mocambos da área. 
Juntamente com Dandara, esteve à frente da organização social e política 
do Quilombo de Palmares. Ambos, defenderam a sociedade negra criada 
pelos escravos e lideraram homens e mulheres na resistência contra a 
violência branca (RIBEIRO, 2014). 
O Quilombo dos Palmares teve a maior extensão territorial e durabilidade. 
Assim também foi o enfrentamento diante as forças legalistas. Várias foram 
as investidas sem sucesso para a destruição daquele que entraria para a 
história brasileira como o principal exemplo de organização social e política 
dos negros dentro do modelo colonizador escravista. 
Palmares resistiu por 100 anos. Sua derrocada veio somente após lutas 
intensas e traições. Zumbi morreu em novembro de 1695 depois de 
permanecer escondido resistindo por cerca de um ano e meio aos ataques 
colonizadores. Deixou um importante legado para a história 
afrodescendente. Hoje, o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, se 
fundamenta na luta do quilombo e em todos os demais momentos de 
resistência ao longo da existência negra. 
 
A Presença Viva dos Quilombos na Sociedade Atual 
Ainda hoje há comunidades que são originárias a partir dos quilombos. 
Tanto que no último censo do IBGE de 2022 publicado recentemente, mais 
de um milhão de pessoas se autodeclararam quilombolas, ou seja, 
remanescentes de quilombos e que vivem em áreas históricas onde a marca 
da sua cultura é a ancestralidade. O Censo 2022 revelou que os estados da 
Bahia e Maranhão, concentram 50% da população quilombola. Além disso, 
30% das cidades brasileiras foram identificadas como tendo moradores que 
se caracterizam como quilombolas. 
O Vale do Ribeira na região sul do estado de São Paulo é um bom exemplo 
desta distribuição populacional. Na localidade vivem espalhados em várias 
cidades e asseguram a defesa da terra, do cultivo agroecológico e da cultura 
de seus antepassados. Para melhor organização social e principalmente 
econômica, os quilombolas se organizaram em torno de uma cooperativa 
agrícola, a Cooperquivale. 
A cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira 
(Cooperquivale) nasceu em 2012 a partir da demanda das comunidades 
Quilombolas de se organizarem para comercializar seus produtos agrícolas, 
florestais e turísticos. Foi fundada depois de um extenso processo de 
discussão entre as lideranças comunitárias e os parceiros regionais sobre o 
melhor formato, princípios e objetivos que norteariam a instituição. 
Composta por, aproximadamente, 256 cooperados exclusivamente 
quilombolas que residem nos munícipios de Eldorado/SP, Iporanga/SP, 
Itaóca/SP e Jacupiranga/SP. Contempla agricultores 16 comunidades 
Quilombolas e na sua composição possui 60% de mulheres agricultoras 
quilombolas. O cultivo de banana prata e nanica e de palmito pupunha, por 
exemplo, tem certa expressividade da participação dos homens. No 
entanto, os demais alimentos englobam maior diversidade tem o manejo 
preponderantemente das mulheres. 
 
 
 
A cooperativa trabalha principalmente com produtos oriundos da agricultura 
tradicional quilombola, que é da composição do uso da coivara ou roça de 
toco adaptada a região do Vale do Ribeira por mais de 300 anos de 
ocupação, gerando uma diversidade de itens alimentares que servem tanto 
para segurança alimentar quanto para geração de renda dos cooperados. 
Alguns dos produtos produzidos são: arroz, feijão, banana (nanica, ouro, 
zinca, prata, maça, vinagre, terra), palmito, batata doce, mandioca, cará, 
inhame, limão, laranja, abacate, abóbora, berinjela, chuchu, maná, 
verduras em geral e também produtos processados como banana chips, 
rapadura, taiada, mel e farinha. 
Para exemplificar a produção de cada área, o quilombo Poça apresenta 
menor diversidade de alimentos com foco em banana prata e banana 
nanica. Já os quilombos Nhunguara, Pilões, Galvão e São Pedro apresentam 
maior multiplicidade de alimentos para comercialização. Por meio da tabela 
a seguir é possível encontrar toda a listagem de produtos que compõem o 
Sistema Agrícola Tradicional Quilombola. 
O objetivo da cooperativa é promover a produção quilombola e sua 
comercialização nos mercados comuns e institucionais, contribuindo para 
geração de trabalho e renda nas comunidades e região. Possibilitar que a 
sociedade acesse alimentos de qualidade e saudáveis e valorize o Sistema 
Agrícola Tradicional Quilombola, com sua cultura e modos de vida. Os 
remanescentes de quilombos que ali estão são resultado da introdução do 
negro escravizado pelos bandeirantes que estavam à procura de minérios 
na atual região sul do estado de São Paulo. 
A Cooperquivale cumpre um importante papel de valorização da 
ancestralidade africana, no cultivo sustentável e na defesa da diversidade 
étnico-racial. Usam técnicas agrícolas que remontam a mais de trezentos 
anos de tradição. Usam o sistema de coivara que consiste em usar uma 
parte da terra por um ou dois anos e deixar que este espaço se recupere 
naturalmente. A continuidade da plantação é feita em outros lugares para 
que o próprio ecossistema nativo se desenvolva novamente. 
Durante a pandemia da Covid-19 os cooperados distribuíram mais de 220 
toneladas de alimentos para favelas e moradores carentes de diversos 
municípios paulistas. Já no início alcançaram cerca de 35 mil pessoas com 
seus produtos agroecológicos e ancestrais. Isto foi possível porque cultivam 
uma variada gama de produtos. 
Tais aspectos fazem da Cooperquivale também um importante articulador 
do turismo histórico no estado de São Paulo e da promoção da cultura afro-
brasileira. Soma-se a estes pontos a necessidade corrente de valorização 
da alimentação saudável que vai além do orgânica e tem origem na 
produção ancestral. 
A partir de 1988, a Constituição Federal definiu que o Estado deveria 
conceder o título definitivo da posse da terra a estas comunidades. No 
entanto, de lá para cá, foram poucos os quilombos reconhecidos e que hoje 
possuem esta garantia. Tal foi sua importância que os remanescentes de 
quilombos estão vivos defendendo a memória dos seus ancestrais. 
Atualmente, o país se encontra com um quadro crescente de terras 
quilombolas titulados e outras em processo de regulamentação. A imagem a 
seguir apresenta esse cenário que expressa o quanto os remanescentes de 
quilombos conseguiram se organizar, resistir e encontrar os canais de 
articulação para que o poder público assegurasse a existência do território e 
da memória dosancestrais africanos e demais descendentes. 
A regulamentação fundiária dessas comunidades é, portanto, uma vitória 
que pode ser inserida dentro do campo de políticas de reparação e ações 
afirmativas. Mesmo que o processo seja lento, é um ganho ter 179 terras 
tituladas e aproximadamente 1700 no trâmite para o reconhecimento de 
área remanescente de quilombo. 
 
Figura: Terras Quilombolas no Brasil (2019) 
 
Fonte: Portal Humanista 
https://www.ufrgs.br/humanista/2019/01/17/quilombo-lemos-resistencia-e-marca-na-luta-pela-preservacao-da-cultura-negra/
 
Para o momento atual, o que o levantamento do IBGE demonstra é que as 
políticas públicas para a população quilombola se revelam necessárias para 
assegurar a posse de seus territórios bem como o desenvolvimento de 
infraestrutura básica necessária nestas áreas. 
 
Guerra de Guerrilhas 
Além da fuga para os quilombos, os negros, durante o período de 
dominação, realizaram ações de combate contra as forças legais. Entra em 
questão as guerrilhas. É o caso do movimento que ocorreu em Belém do 
Pará, durante a Cabanagem, quando os negros que participaram do 
movimento de contestação à dominação portuguesa se refugiaram ao longo 
dos rios. No interior, juntamente com os indígenas, estabeleceram a guerra 
de guerrilha e resistiram às investidas das tropas legais por longo período 
(SANTOS, 2017). 
 
 
Unidade 3 - As Revoluções Negras na América Latina e os 
Desdobramentos no Brasil 
 
 
Os estudos sobre as lutas de resistência negra no território brasileiro não 
são completos se olhadas apenas dentro do país. Isso se justifica porque os 
movimentos externos na América Latina, colonizada por europeus, foram 
fundamentais para que os processos de contestação se ampliassem a partir 
do final do século XVIII. 
É o caso da Revolução do Haiti desencadeada a partir de 1790 e que teve 
alcance além de suas fronteiras. Naquele pequeno país, escravos 
conseguiram que o colonizador francês lhes concedesse a alforria (SANTOS, 
2017). A libertação ocorreu em meio a uma guerra declarada, primeiramente 
com a Inglaterra e posteriormente com a própria força francesa. 
Liderados por Toussaint de Louverture (1743-1803) e Jean-Jacques 
Dessalines (1759-1806) os negros haitianos inauguraram um momento 
único no continente e na história da escravidão negra latino-americana. 
Ambos deixaram suas marcas e impediram a recolonização do país. Mas o 
principal feito foi a proclamação da independência colocando fim ao período 
de dominação francesa em 1804 (SANTOS, 2017). 
 
Saiba Mais: 
O vídeo a seguir apresenta informações sobre esse importante movimento 
negro que marcou a história do desenvolvimento dos negros revolucionários 
na América Latina. 
 
 
 
Para que você perceba a importância da Revolução Haitiana, os ecos do 
movimento chegaram ao Brasil e contribuíram para que negros escravizados, 
libertos e indígenas se apropriassem do precedente dos ex-colonizados 
franceses. As elites ficaram alertas para a possibilidade de levantes negros e 
de camadas populares. 
Além disto, após a chegada ao poder das camadas revolucionárias, Santos 
(2017) aponta que a economia local decresceu, causando um 
empobrecimento da elite branca e da população recém-liberta. Tal fato 
serviu de parâmetro para os demais países que agiam com intensa 
repressão diante de revoltas escravas ou populares. 
Influenciados pelos acontecimentos externos e diante de um aumento 
expressivo de africanos escravizados, as insurgências estouraram em todas 
as regiões do país. Para além do discurso oriundo da ideologia da 
democracia racial, os escravizados se insurgiram de várias formas possíveis 
contra o regime de escravidão. 
Houve diversas e ainda incontáveis insurreições e revoltas de escravizados 
por todo território brasileiro. A seguir são apresentadas algumas delas: 
 
 
https://www.youtube.com/embed/XQXnixDXvjQ?feature=oembed
 1832 - Insurreição em Campinas. 
Na ocasião, negros de 15 engenhos arquitetaram um plano para 
sufocar os brancos e conseguirem sua liberdade. Entre as lideranças 
estavam o liberto João Barbeiro e Diego Rebolo (PIROLA, 2011). 
 1835 - Quilombo de Catucá ou Malunguinho em Recife/PE. 
Liderados pelo líder conhecido por Malunguinho viviam nas matas. De 
acordo com o historiador Marcus Carvalho (1996), a região já era um 
local conhecido para onde escravizados fugiam quando conseguiam 
escapar dos navios negreiros que atracavam em Recife. A posição 
estratégica, próxima a estradas importantes, favoreceu a resistência e 
interferência na política local, desestabilizando a repressão e 
facilitando a fuga de escravizados. 
 1835 - Revolta dos Malês em Salvador/BA. 
Na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, os líderes negros 
conduziram os escravizados da religião muçulmana, em número 
aproximado de 600 homens, contra as forças legais (REIS, 2003). Seu 
objetivo era a liberdade jurídica e religiosa. 
 1838 - Insurreição de Manoel Congo em Vassouras/Paty do 
Alferes no Rio de Janeiro. 
Nesse movimento, cerca de 80 escravizados fugiram nas terras do 
Capitão-mor Manuel Francisco Xavier. Assim como os demais 
acontecimentos, os participantes foram capturados, torturados e 
mortos. 
 1842 - Revolta do Negro Cosme no Maranhão. 
É considerada a maior insurreição de escravizados e negros da história 
do Brasil Imperial e ficou conhecida como Balaiada. Contou com cerca 
de três mil homens que se juntaram a Cosme Bento das Chagas, 
conhecido como “Negro Cosme”, na luta por liberdade, direitos dos 
campesinos e vaqueiros pobres. 
Essas poucas movimentações são apenas alguns olhares sobre a 
potencialidade de crítica e organização política da negritude escravizada e 
liberta no Brasil escravista. O século XIX ainda permitiu que outros tantos 
lugares tivessem sido alcançados pelos feitos daqueles que diariamente 
lutavam por liberdade e direitos. 
Unidade 4 - Os Aspectos Jurídicos e a Luta Negra por Liberdade 
 
 
É sabido que o Direito brasileiro fosse no período colonial ou durante o 
império que o negro compunha os bens dos senhores brancos, fazendo 
parte da lista de propriedades que estes possuíam. Assim, os negros 
escravizados foram tratados como objetos vivendo boa parte da sua 
existência durante a escravidão. 
A Constituição de 1824 apresentou alguns contornos, ainda tímidos, em 
relação aos direitos para os negros. A carta abordava limites para dados 
pelos senhores aos seus escravos. Como exemplo estava a questão dos 
castigos (RIBEIRO, 1999). A partir daquela data, ficava proibido o uso de 
açoites, marcar a pele com ferro quente, a tortura ou qualquer outro meio 
cruel de violência contra o escravo. 
A mesma Constituição de 1824 limitava a participação de negros na vida 
econômica, social e política, fossem eles escravizados e libertos. Isto porque 
no artigo 94 estava expressamente escrito ou ainda pela necessidade de 
uma renda mínima. Por exemplo, para candidatar-se a deputado a renda 
mínima necessária era quatrocentos mil réis líquidos (RIBEIRO, 1999). 
A urbanidade era também medida a partir da divisão social do trabalho. 
Enquanto os embates políticos aconteciam, a massa de trabalhadores 
escravos ou assalariados transitava em maior volume pelas cidades. A 
questão social no segundo império foi, portanto, caracterizada pela 
continuidade da presença negra escravizada. Estas “mulheres e escravos 
estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça 
para se defenderem” (CARVALHO, 2015, p. 22). 
Já a Consolidação das Leis Civis, de 1858, não incluiu a questão negra em 
nenhum espaço do texto. Somente na revisão feia em 1875, após a Lei do 
Ventre Livre, de 1871, é que alguns aspectos foram sendo abordados 
(GOMES, 2006). De acordo com Gomes “parece que a elite da época, 
embora pretendesse parecer progressista, não queria expor a sua face 
verdadeira, mascarando-a, no caso do direito,por meio da ignorância à 
escravidão negra” (2006, p. 38). 
O caminhar para o final do século XIX, as alterações possíveis demandavam 
atenção e interesse do poder público para assegurar que a legislação 
proporcionasse garantias mínimas para a população negra, escravizada ou 
liberta. No entanto, o que foi sendo feito foram alterações lentas sem 
mudanças profundas no enfrentamento da inserção dessa população nas 
políticas públicas daquele momento. 
A legislação do império foi sendo pressionada pelos movimentos internos e 
externos a encontrar soluções para a escravidão. Os ingleses, principalmente, 
cobravam o cumprimento dos acordos para o fim do tráfego negreiro, que 
ocorria de forma clandestina, e que a alforria fosse feita. O interesse em 
obter mercado de consumo para seus produtos requeria maior número de 
homens livres que pudessem adquirir novos bens. 
No âmbito interno, a pressão ocorria por parte dos abolicionistas e 
republicanos que estavam desenhando a entrada da nação no século XX e 
requeriam novos campos de organização social e política para o Brasil 
capitalista nascente. A escravidão não mais atendia aos interesses das 
classes economicamente dominantes e, portanto, acabaram ficando de fora 
do processo de transformação social. 
Em termos legais a escravidão contou com as seguintes leis sobre o tema: 
 1850 - Lei Eusébio de Queirós: extinguia o tráfego de escravos. 
 1871 – Lei do Ventre Livre: por meio dela ficava decretado que todos 
os filhos de escravos, nascidos a partir daquele ano, estariam livres. 
 1885 – Lei do Sexagenário: os escravos acima de 60 anos estariam 
livres, desde que cumprissem um período de trabalho para seu senhor, 
a título de indenização. 
 1888 – Lei Áurea: fim definitivo da escravidão e liberdade imediata a 
todos os escravos. 
Entre esse espaço de tempo transcorrido, a pressão do movimento 
abolicionista e da própria organização dos negros escravizados e libertos 
pressionavam o sistema para que medidas fossem tomadas. No campo 
cível, as ações mais comuns eram as ações de liberdade. Essas ações, uma 
vez iniciadas na esfera jurídica, eram capazes de, ainda que não fossem 
atendidas, desafiar os poderes senhoriais e ser um campo para a luta por 
melhores condições de trabalho e vida (MATTOS, 2009). 
Com uma logística de resistência, driblavam os caminhos minados de 
processos judiciais, questionando os descaminhos para que, por fim, 
pudessem conseguir a tão sonhada liberdade. A aproximação com os 
abolicionistas e o papel de lideranças negras, como o caso de Luiz Gama, 
foram fundamentais neste período histórico. 
 
Saiba Mais: 
Luiz Gama foi um homem negro, advogado, filho de quituteira que lutou 
pela abolição da escravatura. Conheça um pouco mais sobre a vida desse 
herói brasileiro: 
 
 
 
Percebe-se que houve tempo para pensar em políticas públicas que 
antedessem a esses homens e mulheres que foram aos poucos saindo das 
amarras dos seus donos. Ao mesmo tempo, se dirigiram para as áreas 
https://www.youtube.com/embed/oWMIsr2Tckk?feature=oembed
periféricas das cidades e foram substituídos por trabalhadores imigrantes 
europeus (CARVALHO, 2015). 
Por sua vez, os negros e negras, com uma logística de resistência, 
driblavam os caminhos minados de processos judiciais, questionando os 
descaminhos para que por fim pudessem conseguir a tão sonhada 
liberdade. É com esse espírito que a chegada do século XX abre um 
conjunto de desafios para a população liberta da escravidão, mas 
aprisionada pelo preconceito e o racismo. 
 
 
 
MÓDULO III – AS DIFERENTES FORMAS DE RACISMO E A 
LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL 
 
 
 
 
 
 
OBJETIVOS 
 
Ao final do módulo você será capaz de: 
 Apresentar a organização da comunidade negra ao longo do 
século XX; 
 Discutir as principais formas pelas quais o racismo estrutural 
está presente na vida de homens e mulheres; 
 Introduzir elementos para pensar os espaços de defesa política 
e cultural da população negra a partir do século XX. 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
O presente módulo se destina a apresentar como a questão racial se 
constituiu ao longo do século XX e como o século XXI trouxe importantes 
possibilidades de ações afirmativas. Trata-se de um momento em que as 
bases do racismo estrutural se firmaram a partir da construção de um 
paradigma da branquitude. 
Ainda assim, este percurso histórico demonstrou a capacidade de 
organização do movimento negro em diferentes frentes, mas especialmente 
no campo cultural e no aspecto político. Diferentes espaços foram ocupados 
pela população negra como é o caso do Teatro Experimental do Negro ou o 
Movimento Negro Unificado. 
No campo político a processo de Assembleia Nacional Constituinte abriu 
espaço para que as demandas do povo preto estivessem em discussão: 
acesso à saúde, educação, habitação inseridos na Constituição Federal de 
forma a assegurar a garantia de direitos para negros e negras, ainda que 
numa sociedade marcadamente racista. 
Complementa este módulo a discussão de questões do presente. 
Primeiramente abordando o papel da mulher negra na sociedade atual. 
Suas conquistas e dificuldades demonstram o longo caminho a ser seguido, 
mas já há resultados positivos, principalmente no campo da educação tanto 
básica como educação superior. 
Um ponto relevante que marca a sociedade atual são as diferentes 
maneiras de organização de precarização do trabalho que envolve a 
população negra. Esteja presente nos bicos, entre os vendedores e 
vendedoras ambulantes ou o que ocorre hoje, na uberização do trabalho. A 
partir destes pontos iniciais busca-se discutir como o racismo estrutural está 
presente nas nossas relações cotidianas. 
 
INTRODUÇÃO 
O Brasil tornou-se uma República Federativa há 132 anos, deixando grande 
sequelas sociais para a população pobre e, principalmente, para os 
descendentes do processo de escravização, segundo a socióloga Ângela 
Alonso. Em seu livro Flores, votos e balas, a autora afirma que a monarquia 
brasileira deixou o seguinte tripé: uma participação política extremamente 
restrita, o escravismo como desigualdade social e o catolicismo como o 
defensor das hierarquias sociais. 
O moderno passou a servir ao arcaico. Isso porque, segundo Clóvis Moura, o 
Brasil entrou na modernidade sem haver mudança. Caminhou do processo de 
transição do escravismo para uma sociedade que entraria para uma economia 
industrializada. Se antes era apenas uma economia agrária (cafeeira) o século 
XX o inseriu no processo embrionário de industrialização brasileira. 
O novo país sem a escravização deixou uma lacuna social imensa para 
população negra. Entre vários aspectos podemos detalhar os seguintes 
episódios: 
 O Brasil teve uma população que não foi incluída, que foi esquecida 
como cidadã. 
 A condição de pobreza não é uma escolha, é uma condição dada para 
essa população que não teve, por parte do Estado, nenhuma política 
de inclusão desde o fim da escravidão. 
 A sociedade brasileira entendia que a pobreza era um fato dado à essa 
população, desconsiderando o grande período de escravização, sem a 
implantação de mecanismos de inclusão. 
 A pobreza ficou enraizada de forma naturalizada no inconsciente 
coletivo, da mesma forma que a escravidão foi naturalizada na história 
do Brasil, tirando a condição de humanidade da população pobre e 
negra brasileira. 
 Essa questão estava tão internalizada no pensamento brasileiro que a 
pobreza era destinada a uma classe que estava fadada a tal situação. 
A pobreza não tinha uma intervenção do poder público ou do Estado. 
 As obrigações com a pobreza ficavam ao cunho de grupos privados e 
religiosos, de forma clientelista, que mediavam o atendimento à 
população vulnerável e pobre. 
 A pobreza era entendida e apresentada como uma fatalidade e era 
gerenciada pela igreja e pelos “homens bons” ou “damas de caridade”. 
 Esse conceito assistencialistae voluntarista se manteve até meados do 
século XVIII e aos poucos foi sendo substituído pelo que alguns 
especialistas nomearam de assistência disciplinada: as ações 
continuavam filantrópicas e a cargo de particulares e religiosos, como 
instituições filantrópicas. 
A sociedade em que se vive hoje é pautada pela Constituição Federal de 
1988 denominada “constituição cidadã”. Essa adjetivação foi atribuída 
justamente porque nela está constando elementos importantes para a 
dignidade da pessoa humana. O Artigo 5º da Constituição assegura que: 
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, 
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança 
e à propriedade. (CF/1988) 
Com base nessa ideia, sustentada pela lei máxima do país, foram 
assegurados direitos a todos aqueles que compõem a sociedade brasileira. 
Cor, classe social e religião, entre outros pontos, foram colocados a todos 
em pé de igualdade. Assim, brancos, indígenas e negros e toda a população 
mestiça tinha garantias constitucionais para proferir sua fé, não ser 
discriminado por sua cor, religião ou classe social. 
No entanto, para chegar a esse ponto crucial para o ordenamento social, 
cultural e jurídico foi percorrido um longo caminho de preconceitos e lutas 
antirracistas. Nas páginas a seguir serão apresentados alguns recortes e 
pontos que permitem entender esta trajetória de construção do racismo 
estrutural no país, mas também de luta e de defesa da identidade africana 
e afro-brasileira. 
 
 
 
Unidade 1 - As Diferentes Formas de Racismo na Sociedade Brasileira 
 
 
A Imigração 
Após o fim da escravidão a presença negra na sociedade brasileira ainda era 
uma coisa indesejada por aqueles que estavam conduzindo as mudanças 
sociais e políticas no país. A vinda dos imigrantes europeus, apresentada na 
unidade anterior, ocupou os melhores espaços no processo produtivo, bem 
como na organização das cidades. A discriminação foi sustentada em 
grande parte pela legislação. É ela, portanto, um dos pontos que 
corroboram a perspectiva do racismo estrutural presente na vida nacional. 
As regras de imigração foram abordadas no Decreto nº 528, de 28 de junho 
de 1890 que alterava o Código Penal de 1890. Ao tratar da introdução de 
imigrantes, o Decreto revela o racismo que foi institucionalizado pelo Estado 
após 1888: 
Art. 1º E' inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos 
indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem 
sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da 
Ásia, ou da Africa que sómente mediante autorização do Congresso 
Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que 
forem então estipuladas. 
(...) Art. 3º A polícia dos portos da Republica impedirá o 
desembarque de taes individuos, bem como dos mendigos e 
indigentes. 
Numa leitura comparativa, a legislação que instituía a entrada o imigrante 
no Brasil diferia da abordagem para as populações imigrantes de outras 
áreas do mundo, a exemplo do que é citado no trecho acima. Aqueles que 
chegavam da África ou da Ásia apenas poderiam ser recebidos se houvesse 
a anuência do congresso nacional. 
 
 
Figura: Programa de Residência Artística 
– Rostos Invisíveis da Imigração no Brasil 
 
Fonte: Museu da Imigração/SP 
 
Depois de séculos de entrada de negros escravizados por meio de navios 
negreiros, a partir da república, os negros que desejassem a entrada 
ficavam impedidos ou passariam por um conjunto de ações burocratizadas. 
A imigração invisível era um fato sem acolhimento do poder público. 
Felizmente, após a Constituição de 1988, a questão da imigração ganhou 
outros contornos. 
Como visto no Artigo 5º da Constituição Federal, os estrangeiros que 
viverem no país têm assegurado direitos, assim como os brasileiros. Soma-
se a este ponto a elaboração do Estatuto do Estrangeiro de 1980 pela Lei 
6.815/80. Após várias discussões e, como meio de garantia de direitos 
universais, em 2017 foi promulgada a Lei nº 13.445. Graça a ela, diversas 
discriminações, que marcaram o processo migratório na história brasileira, 
puderam ser corrigidas. 
 
A Criminalização das Religiões Afro-Brasileiras 
A entrada da população africana ao território brasileiro, trouxe não só a 
mão-de-obra necessária para o desenvolvimento econômico da colônia 
portuguesa, mas, também, um conjunto de elementos culturais, religiosos e 
sociais que compuseram a formação histórica brasileira. 
A partir da República, consagrou-se a liberdade ao culto no âmbito formal 
da Constituição de 1891. Contudo, as práticas religiosas de africanos e 
descendentes, que já eram criminalizadas e reprimidas, por meio de 
Códigos de Posturas locais, permaneceram discriminadas e perseguidas 
antes da promulgação do Código Penal de 1890. 
Os ideólogos do início do século XX, como Nina Rodrigues e outros, 
consideravam o africano como 
Inferior, menos evoluído que o pensamento branco cristão capaz de 
abstrair e crer em um sistema monoteísta, por exemplo. O sistema 
religioso africano é caracterizado como fetichista e politeísta, 
possuidor de inúmeras variantes. (CARNEIRO, 2019, online) 
De acordo com o autor, as religiões africanas, mesmo sendo estudadas pela 
academia no início do século XX e posteriormente, ficaram sempre à 
margem da sociedade e estigmatizada. A leitura ideológica construída foi a 
de que os cultos africanos se ligavam ao demônio, ao curandeirismo ou 
charlatanismo. Essa construção responde ao anseio da subalternidade a ser 
imposta para os negros. 
O sincretismo religioso foi uma alternativa para que a expressão religiosa 
pudesse existir. Os orixás e deuses negros eram representados nos santos 
católicos. As igrejas dos homens pretos, foram antes de tudo lugar de 
resistência frente às várias tentativas de calar as religiões de matriz 
africana (PRANDI, 2005). 
A perseguição às práticas relacionadas à tradição religiosa de matrizes 
africanas ocorreu de diversas formas e foram fundamentadas na 
higienização, na ciência médica (combate às doenças mentais), no combate 
ao charlatanismo, entre outras. Com o Código Penal de 1940, houve a 
descriminalização de algumas figuras delituosas como o espiritismo e a 
capoeira, mantendo os crimes de charlatanismo (artigo 283) e 
curandeirismo (artigo 284). 
É importante compreender que a mudança na codificação penal não alterou 
por si só a cultura jurídica, o que pode ser verificado na continuidade da 
perseguição às religiões no decorrer no século XX, incluindo ações estatais 
por via de polícia. Ademais, nos anos recentes houve ataques continuados a 
candomblés e terreiros. 
Líderes religiosos de outras denominações muitas vezes estimulam e 
alimentam o ódio religioso. As agressões físicas e simbólicas demonstram 
que as ações pedagógicas são cada vez mais necessárias para fazer valer os 
artigos da Constituição Federal de 1988 e assegurar o direito ao livre culto 
religioso a qualquer orientação religiosa. 
 
A Violência Cultural 
A amplitude da perseguição aos negros, além dos aspectos religiosos e de 
imigração alcançaram também as manifestações culturais. É o caso da 
perseguição imposta desde sempre contra a capoeira, mas que foi 
institucionalizado pelo Código Penal de 1890: 
Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e 
destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar 
em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma 
lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando 
pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal: 
Pena - de prisão cellular por dous a seis mezes. 
Paragrapho unico. E' considerado circumstancia aggravante pertencer 
o capoeira a alguma banda ou malta. 
Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro. (BRASIL, 
1890) 
O simples fato decircularem livremente pelo espaço urbano fazia com que 
fossem vistos como vadios e perigosos. Da mesma forma o rap e o hip-hop, 
expressões contemporâneas da cultura negra, também foram alvos do 
preconceito enraizado na sociedade brasileira como, por exemplo, os 
Racionais MC’s. 
 
 
Unidade 2 - Feminização Negra: O Racismo Estrutural Inerente à 
Mulher Negra Brasileira 
 
 
Dentre as diversas heranças deixadas pela presença da escravidão no Brasil 
propomos alguns questionamentos: Como podemos esquecer de uma 
grande parte da população que não estava incluída no mercado de trabalho 
formal, principalmente a negra? 
Para respondermos a esse questionamento, iremos considerar que o 
sociólogo e professor Pedro Demo (1988) afirma: 
A exclusão mais comprometedora não é aquela ligada ao acesso 
precário a bens materiais, mas aquela incrustada na repressão do 
sujeito, tendo como resultado mais deletério a subalternidade. O nível 
mais profundo de pobreza política é, assim, a condição de ignorância: 
o pobre sequer consegue saber e é coibido de saber que é pobre. Por 
conta disso, atribui sua pobreza a fatores externos, eventuais ou 
fortuitos, sem perceber que pobreza é processo histórico produzido, 
mantido e cultivado […]. 
É nesse cenário que buscamos pensar como a presença da mulher negra foi 
inserida neste contexto social e econômico brasileiro? 
É necessário considerar que na mudança do processo escravocrata para o 
início da industrialização brasileira, as mulheres negras entraram no 
mercado de trabalho como empregadas domésticas. Passaram a prestar 
seus serviços de cozinheira, lavadeira, babá, dentre outras atividades 
braçais. Tais funções acabaram sendo os únicos, ou quase únicos, meios de 
apoio (subtenência) e sobrevivência para manter as suas famílias. Isso 
porque, a transição para a industrialização deixou milhares de negros 
desempregados depois do dia 14 de maio de 1888 – pós-abolição. 
O Brasil deixou e deixa marcas geracionais de desequilíbrio social e 
econômico que afetam diretamente a vida dessas mulheres negras. Essas 
desigualdades voltadas para o mercado de trabalho estão interligadas 
diretamente à estratificação social, à questão racial e de gênero. No 
entanto, para uma melhor compreensão da ideia citada acima, é necessário 
entender os termos matrizes de opressões e intencionalidade. 
São vários os fatos históricos no Brasil que condicionaram a opressão das 
mulheres negras. Dentre eles, o principal foi o processo escravocrata, que 
construiu uma submissão ideológica e a negação de suas subjetividades. 
Dessa forma, cristalizou-se um local social para a mulher negra, a 
invisibilidade. Tomamos o conceito de opressão a partir de Patrícia Hill 
Collinns (2022), socióloga, professora e pesquisadora da Universidade de 
Maryland nos Estados Unidos, que apresenta teorias contemporâneas do 
feminismo negro. 
Segundo Collins (2022), há estruturas que se interligam. A opressão se 
sustenta em estruturas raciais, ou seja, na diferença entre brancos e 
negros, na desigualdade de gênero e na diferença de classe entre ricos e 
pobres. Tais distinções, segundo a autora, não são somatórias de processos 
de poder distintos. São sim a combinação e a articulação que resultam na 
definição de um lugar determinado, bem como de uma trajetória específica 
para as mulheres negras. 
Portanto, não há uma série de opressões, mas um sistema opressor 
unificado que sobrecai na mulher negra. Somando-se a essa interpretação, 
Kimberle Crenshaw (2002) assegura que essas opressões determinam um 
lugar social e econômico para mulher a negra. 
Olhando para o Brasil, pensar o racismo estrutural inerente à mulher negra 
suscita olhar ao processo histórico, mais especificamente ao escravismo, que 
deixou um espólio que tem um reflexo incrustado na sociedade até os dias 
atuais. Dessa forma, os conceitos anteriormente apresentados possibilitam 
compreender as especificidades do contexto em que a mulher vive. 
Para entender como esses atributos inerentes ao cotidiano das mulheres 
negras refletem o racismo estrutural, apontaremos alguns dados 
estatísticos levantados pelo IBGE. 
 
a) Desigualdade de Renda 
Olhar para a sociedade brasileira é encontrar uma série de elementos 
que transparecem a desigualdade interna nas camadas populares. Se 
a segmentação é feita pelo gênero e pela cor ou “raça”, isso fica 
ainda mais evidenciado. Veja os dados a seguir relacionados ao 
salário mínimo e o alcance entre homens e mulheres: 
 
Figura: Rendimento que Mulheres Negras, Homens Negros e Mulheres 
Brancas Recebem em Relação ao Rendimento do Homem Branco 
 
Fonte: Poder 360 (IBGE, 2021) 
 
Com tais números, percebe-se que a diferença salarial entre brancos 
e negros é gritante. As mulheres brancas recebem quase que o dobro 
do que é pago para as mulheres negras. O salário das mulheres 
negras é 57% menos do que os homens brancos. Outros dados do 
IBGE revelam que quanto mais alto é o cargo dentro das empresas, 
menor é o número de negras nestas vagas. 
 
Figura: Mulheres Pretas em Cargos Gerenciais 
 
 
Nas posições gerenciais, por exemplo, o rendimento de mulheres 
negras fica quase na metade se comparado ao de homens brancos. 
Vale ressaltar que a mulher concentra não só o trabalho corporativo, 
mas também o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos. As múltiplas 
tarefas sobrecarregam seu dia a dia, levando-as a assumir diferentes 
responsabilidades sem o merecido reconhecimento. Esse é um ponto 
dentro de um conjunto de possibilidades no olhar para a mulher. 
 
b) Educação 
É dentro da sala de aula que a formação intelectual e a visão de 
mundo se amplificam. Infelizmente, a ligação das mulheres negras 
com a educação no Brasil está longe de ser a ideal. Ainda assim, 
houve um crescimento do número de mulheres pretas tanto na 
educação básica quanto no ensino superior, como pode ser verificado 
no quadro a seguir: 
 
Figura: Conclusão do Ensino Médio por Gênero e Raça 
 
Fonte: PNAD Contínua, IBGE, 2018 
 
Observa-se que a taxa de mulheres pretas ou pardas concluintes do 
ensino médio possui um percentual distinto em relação aos homens e 
mulheres brancas. Os 67,6% de mulheres que finalizaram o estudo 
nessa fase da educação é maior que os homens negros. Entretanto, 
se comparado ao total de mulheres brancas que terminam os estudos 
no ensino médio, há um registro da marca histórica do atraso deixado 
para a população negra, a desigualdade. 
Ainda de acordo com o IBGE, o atraso escolar é também um ponto 
relevante. Adolescentes com idade entre 15 e 17anos apresentam 
atraso escolar de 30,7% entre pretas ou pardas e de 19,9% entre as 
mulheres brancas (IBGE, 2017). Estes dados estão interligados com a 
colocação da mulher no mercado de trabalho. Aquelas com melhor 
qualificação ocupam cargos mais proeminentes e possuem renda 
mais elevada. 
 
 
 
 
 
 
Figura: Ingresso de Mulheres Negras no Ensino Superior 
 
 
Importante salientar que as políticas públicas de letramento racial e a 
efetivação de políticas públicas de inclusão incentivaram a auto 
declaração de negros e pardos elevando os índices de identificação 
deste percentual nos espaços públicos. O gráfico acima demonstra 
bem esse novo momento para as mulheres pretas ocupando os 
espaços públicos. 
Houve um grande crescimento da curva saltando de 274 mil mulheres 
negras para em torno de 621 mil mulheres nas universidades 
públicas entre 2014 e 2020. Tais números são bastante expressivos 
por representar o quanto o resultado de políticas afirmativas pode 
transformar as oportunidades para negros e negras. 
De acordo com publicação do Geledés, 
Neste contexto está o avanço na escolarização das meninas e 
mulheres negras. Mesmo enfrentando uma série de 
adversidades desde a educação básica, mulheres negras 
acessaram as universidades e aparecem prioritariamente nos 
cursos que envolvem o cuidado

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