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A Graca e Maior - Kyle Idleman

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A 
GRAÇA
É MAIOR
Kyle Idleman
EDITORA VIDA
Rua Conde de Sarzedas, 246 –
Liberdade
CEP 01512‑070
– São Paulo, SP
Tel.: 0 xx 11 2618 7000
atendimento@editoravida.com.br
www.editoravida.com.br
Editor responsável: Gisele
Romão da Cruz 
Tradução: Jurandy Bravo
Revisão de tradução: Sônia
Freire Lula Almeida 
Revisão de provas: Josemar de
Souza Pinto 
Projeto gráfico: Claudia Fatel
Lino 
Diagramação: Carolina do
Prado
Capa: Arte Peniel (adaptado)
©2017, Kyle Idleman
Título do original
Grace is Greater
Copyright da edição brasileira
© 2018, Editora Vida. 
Edição publicada com
permissão de Baker Books,
uma divisão de Baker
Publishing Group (Grand
Rapids, Michigan, 49516,
EUA)
■
Todos os direitos desta
tradução em língua portuguesa
reservados por Editora Vida.
PROIBIDA A REPRODUÇÃO
POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES
CITAÇÕES, COM
INDICAÇÃO DA FONTE.
Todos os grifos são do autor.
■
Scripture quotations taken from
Bíblia Sagrada, 
Nova Versão Internacional,
NVI ®. 
Copyright © 1993, 2000, 2011
Biblica Inc. 
Used by permission. 
All rights reserved worldwide. 
Edição publicada por Editora
Vida, 
salvo indicação em contrário.
Todas as citações bíblicas e de
terceiros foram adaptadas
segundo o
Acordo Ortográfico da 
Língua Portuguesa, assinado
em 1990, 
em vigor desde janeiro de 2009.
1. edição: mar. 2018
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Idleman, Kyle
A graça é maior : o plano de Deus para superar
seu passado, redimir sua dor e reescrever sua história
/ Kyle Idleman ; [tradução Jurandy Bravo]. -- São
Paulo : Editora Vida, 2018.
Título original: Grace is Greater : God's Plan to
Overcome Your Past, Redeem Your Pain, and Rewrite
Your Story
17-11228 CDD-234
ISBN: 978-85-383-0370-1
(Teologia) 2. Vida cristã I. Título. Título.
Índice para catálogo sistemático:
1. Graça : Teologia 234
SUMÁRIO
Prólogo
Introdução: A graça é maior
PARTE 1 – A graça é maior… que os seus erros
1. Mais pronta a perdoar que a sua culpa
2. Mais maravilhosa que a sua prostração
3. Mais redentora que os seus arrependimentos
PARTE 2 – A graça é maior… que as suas
feridas
4. Mais eficaz para curar que as suas feridas
5. Mais libertadora que a sua amargura
6. Mais predominante que a sua vingança
7. Mais reconciliadora que o seu ressentimento
PARTE 3 – A graça é maior… que as suas
circunstâncias
8. Mais pacífica que as suas desilusões
9. Mais poderosa que a sua fraqueza
10. Mais esperançosa que o seu desespero
PRÓLOGO
Cinco anos atrás, viajei pelo país afora falando
em diferentes igrejas e conferências sobre seguir
Jesus. Tinha escrito um livro chamado Not a Fan
[Não sou fã] que desafiava quem se denominava
cristão a não ser um fã de Jesus, mas, sim, seu
seguidor. Ao nos convidar a segui-lo, Jesus nos
chamava para negarmos a nós mesmos e tomar uma
cruz. Nossa tendência, ainda mais no mundo
ocidental, é tentar segui-lo sem precisar negar a nós
mesmos. Queremos aceitar seu convite, mas
estamos obcecados com a ideia de permanecer
confortáveis, o que significa tentarmos seguir Jesus
sem carregar uma cruz.
Em outras palavras, queremos segui-lo de perto o
suficiente para obter os benefícios, mas não tanto a
ponto de que isso exija algo da nossa parte. Quando
Jesus fazia um convite, ele constrangia as pessoas.
Tanto que não raras vezes grandes multidões lhe
davam as costas e voltavam para casa.
Quando eu pregava essa mensagem, em geral me
empolgava bastante. Queria que os cristãos se
sentissem culpados e incomodados com a ideia de
que estava tudo bem segui-lo com base em suas
próprias condições, em vez de nas condições que
Jesus estabelecia. Uma noite fui pregar na
Universidade do Alabama em Birmingham,
Alabama, em uma conferência para homens.
Tenho a tendência de pegar mais pesado ainda
quando falo a um auditório de milhares de homens.
Encerrada minha fala, desci do palco me sentindo
muito bem por ter dado uma surra em tantos
homens ao mesmo tempo. Continuei por ali mais
algum tempo, autografei alguns livros e
cumprimentei alguns dos presentes. Um deles me
entregou um pedaço de papel em que havia uma
referência bíblica rabiscada:
Hebreus 12.15
Não lhe perguntei o que dizia. Sei que soa um
pouco patético, mas, se alguém faz menção a uma
referência bíblica, o mais provável é que eu aja
como se soubesse o que ela diz, mesmo sem ter a
menor ideia. Você poderia inventá-la e
possivelmente eu balançaria a cabeça como se não
apenas estivesse familiarizado com o texto bíblico,
mas comprometido em memorizá-lo desde criança.
De qualquer forma, agradeci, enfiei o pedaço de
papel no bolso e me esqueci do ocorrido.
Com a maior parte das coisas que tem o azar de
ir parar dentro do meu bolso acontece uma de duas
coisas. Ou ela acaba dentro do lixo, no meio de um
monte de palitos de dentes quebrados e invólucros
de chiclete, ou — o mais provável — permanece no
bolso do meu jeans até passar por ciclos suficientes
na lavanderia para acabar desfeita, presa ao filtro da
secadora.
No entanto, voltando para casa aquela noite,
parei em um drive-through pensando em fazer uma
“boquinha”. Quando apalpei o bolso à procura de
moedas, tirei do interior o pedaço de papel.
Procurei Hebreus 12.15 no celular enquanto
esperava minha comida. Estava familiarizado com
o versículo, mas lê-lo dessa vez foi diferente. Já
aconteceu de você encontrar um versículo nas
Escrituras e ter a sensação de estar ouvindo Deus
lendo para você? Foi assim.
Tendo cuidado de que ninguém se prive da
graça de Deus.( Almeida Revista e Corrigida)
Desde aquela noite no drive-through, Deus me
conduziu em uma jornada para escrever este livro.
Ainda gosto de desafiar as pessoas com o que
significa seguir Jesus completamente, mas, no
fundo da minha mente, ouço o tempo todo o
Espírito Santo sussurrar: “Tendo cuidado de que
ninguém se prive da graça de Deus”.
A palavra traduzida por “privar-se” também
poderia ser traduzida por “deixar de receber” ou
“deixar de obter” ou “deixar de experimentar”.
Minha oração em seu favor, enquanto você lê este
livro, é para que receba, obtenha e experimente a
graça de Deus na sua vida.
INTRODUÇÃO
A graça é maior
No início de todo ano, é bem provável que
deparemos com um ou dois artigos que atualizam
os leitores quanto às novas palavras acrescentadas
ao dicionário. Sempre acho fascinante ver uma
palavra que não existia, ou pelo menos não
formalmente reconhecida um ano antes, abrir
caminho até nosso vocabulário oficial.
Mas atenção: não uso com frequência essas
palavras porque o emprego proposital de termos
com que as pessoas não estão familiarizadas me
parece um tanto pueril, talvez até sinal de certa
imbecilidade. Este ano, no entanto, ao ver as novas
palavras que foram reconhecidas, resolvi me
divertir tentando adivinhar o sentido de cada uma
delas antes de ler a definição. O desafio foi maior
do que previ. Deixe-me apresentar três das minhas
novas favoritas. Tente lhes adivinhar o significado:
• Fonésia
• Desconfectar
• Blamestorming
Já tem suas definições? Aqui estão as
verdadeiras.
1. Fonésia. Achei que a palavra tinha grande
probabilidade de ser um substantivo de algum
modo relacionado com “fone” e “amnésia”. O meu
palpite de definição: “Fenômeno que consiste em
esquecer onde você deixou o celular minutos antes
de utilizá-lo”. Eis a verdadeira definição: “Ato de
dar um telefonema e esquecer-se de para quem
ligou no exato momento em que a pessoa atende”.
2. Desconfectar. Vou dar uma dica: palavra
muito útil para ser usada na época do Halloween.
Um exemplo da palavra inserida em uma frase: “O
menino perguntou à mãe se podia comer o pedaço
de doce, uma vez que já o desconfectara”. Aqui
está a definição: “Tentativa de esterilizar uma
guloseima que caiu no chão soprando sobre ela”.
3. Blamestorming. Esta palavra seria útil em um
ambiente corporativo. É evidente o jogo que existe
entre ela e brainstorming. A definição: “Participar
de reunião e discutir quem é o responsável pelos
problemas da empresa, em vez de procurar
solucioná-los”.São termos novos com significados novos. São
interessantes e chamam a atenção pelo seguinte
motivo: apesar da novidade que representam,
definem algo familiar.
Graça não é uma palavra nova para nós. Estamos
familiarizados com ela — e isso pode ser um
problema. Quando se usa um termo em circulação
há muito tempo e sobre o qual se fala com
frequência, as pessoas tendem a bocejar. A palavra
“graça” é tão comum que não transmite a sensação
de algo muito impressionante.
Lembro-me do comercial de um cereal em flocos
da Kellogg’s veiculado quando eu era criança. Ao
que tudo indicava, o pessoal da Kellogg’s
pesquisara e descobrira que muitos de seus
consumidores em potencial tinham crescido
comendo os cereais em flocos da marca, mas que
não haviam comprado nem uma caixa nos anos
mais recentes.
Assim, bolaram uma campanha cujo slogan dizia
mais ou menos o seguinte: “Cereais em flocos
Kellogg’s — prove-os de novo pela primeira vez”.
Queriam reapresentar seu produto às pessoas; por
isso, convidaram-nas para experimentar o cereal em
flocos como se nunca o tivessem feito.
Sei que muitos de vocês ouviram inúmeros
sermões sobre graça. Podem até ter lido vários
livros sobre o assunto. Mas minha oração é que
vejam essa palavra de novo pela primeira vez.
Raiz de amargura
Hebreus 12.15 diz: “Tendo cuidado de que
ninguém se prive da graça de Deus”. O
mandamento é acompanhado de uma advertência
do que acontece quando alguém se priva da graça:
[…] e de que nenhuma raiz de amargura,
brotando, vos perturbe, e por ela muitos se
contaminem (Hebreus 12.15, Almeida Revista
e Corrigida).
Quando nos privamos da graça, uma raiz de
amargura começa a se desenvolver. Na cultura
hebraica, qualquer planta venenosa seria chamada
de “amarga”. O autor de Hebreus usa “raiz de
amargura” como metáfora para deixar claro que,
quando nos privamos da graça, as coisas ficam
perigosas. A religião sem a graça é venenosa. Um
relacionamento sem a graça é venenoso. Uma
igreja sem a graça é venenosa. Um coração sem a
graça é venenoso. A raiz de amargura pode ser
pequena e demorar para crescer, mas um dia seu
veneno começará a causar efeito.
Neste livro, analisaremos a grandiosidade da
graça e o efeito que ela tem sobre a nossa vida, mas
sejamos claros: há também um efeito da ausência
de graça. Ao nos privarmos da graça, o veneno da
amargura e da raiva acabará se tornando demasiado
para permanecer enterrado na raiz. O veneno da
culpa e da vergonha acabará destruindo a alma.
Experimentando a graça
Muitos livros teológicos ensinam a doutrina da
graça e alguns têm me prestado enorme ajuda. Mas
que fique claro: o livro que você tem nas mãos não
é desse tipo. Você continua sendo bem-vindo para
postar algo ou me enviar um e-mail chamando
minha atenção para esse fato, mas não será tão
divertido, pois mais que depressa concordarei com
sua opinião. Estou menos interessado em e também
menos qualificado, nesse caso, para o ensinar sobre
a doutrina da graça. Interessa-me muito mais ajudar
você a experimentar a graça.
Tenho a tendência de pensar que a graça é
melhor e mais plenamente compreendida não com
uma explanação apenas, mas por meio da
experiência.
Pense nisso como no caso do amor romântico. Se
quiser entender o amor romântico, você pode abrir
um compêndio científico e vê-lo explicado em
termos de reações neurais e químicas. Isso pode
ajudar, mas, na verdade, só tem um jeito de
entender o amor romântico. Ele precisa ser
experimentado.
Quando algo é mais bem compreendido pela
experiência, também é mais bem ensinado por meio
de histórias. Estas têm o poder de nos transportar
para uma experiência. A Bíblia está repleta de
narrativas que nos ensinam sobre a graça. Quando
Jesus quis ajudar as pessoas a entenderem a graça
de Deus, não deu uma explicação longa e
detalhada. Em vez disso, contou a história do filho
pródigo.
Compare o que aprendemos sobre a graça por
intermédio de Paulo e o que aprendemos sobre a
graça com Jesus. Paulo usa o termo “graça” mais
de cem vezes em suas cartas enquanto ajuda a
igreja a entender o conceito. Por outro lado, Jesus
nunca usou a palavra “graça”. Em vez disso,
mostrou-nos como ela é.
As duas abordagens são válidas e necessárias, e
sem dúvida as explicações de Paulo eram
motivadas por sua própria experiência com a graça
e pelo desejo de que outros a experimentassem.
Todavia, se a graça for explicada sem ser
vivenciada, na verdade não produz muito efeito.
Para dar novo sentido à famosa observação
sarcástica de E. B. White sobre o humor: “Pode-se
dissecar a graça como um sapo, mas ela morre
durante o processo”.
Assisti a várias aulas no seminário tomando
notas detalhadas sobre o assunto da graça.
Memorizei incontáveis versículos bíblicos que a
descrevem. Li diversos livros acerca do assunto.
Mas sabe o que mais me ensinou sobre ela? Minha
própria história e as histórias de pessoas que a
experimentaram.
A graça de Deus é fascinante quando explicada,
mas irresistível quando experimentada.
Oro para que você não venha a se privar da
graça, mas que lhe experimente o efeito em sua
vida de maneira poderosa — e não importa o que
você tenha feito, não importa o que lhe tenha sido
feito, você experimentará pessoalmente a verdade
de que a graça é maior.
A graça é poderosa o bastante para apagar sua
culpa.
A graça é grande o suficiente para cobrir sua
vergonha.
A graça é real o suficiente para curar seus
relacionamentos.
A graça é forte o bastante para o sustentar
quando você estiver fraco.
A graça é doce o bastante para curar seu
amargor.
A graça satisfaz o suficiente para tratar da sua
desilusão.
A graça é maravilhosa o suficiente para redimir
sua prostração.
A graça explicada é necessária, mas
experimentada é essencial.
PARTE 1
A graça é maior… 
que os seus erros
Capítulo 1
Mais pronta a perdoar que a sua
culpa
Meu filho sempre levou muito a sério a
brincadeira de “travessuras ou gostosuras” no
Halloween.[Nota 1] Ele mapeia todo o bairro,
traçando cuidadosamente sua rota a fim de não
deixar nenhuma casa de fora. Isso nada tem a ver
com divertir-se angariando guloseimas. Trata-se de
uma competição a ser vencida, de uma missão a ser
cumprida. Escolhe as fantasias tendo em vista
propósitos de mobilidade. No fim de cada
competição, traz o saco de guloseimas para casa e o
pesa. Em seguida, organiza tudo. Herdou esse
ímpeto da mãe. Separa os chocolates e guarda no
freezer. Organiza o que sobra por tipo e cor.
Eu sabia disso tudo. O que eu não sabia é que ele
também cria uma planilha para acompanhar
quantos doces angariou, quantos comeu e quantos
restam.
Quando ele tinha 9 anos, seu saco de coleta
pesou 2,6 quilos. Naquela noite de Halloween, ele
foi para a cama e eu fiz o que normalmente faço —
assaltei o tesouro de uma criança adormecida.
Pensava que meu filho jamais perceberia se
algumas unidades de balas puxa-puxas Laffy Taffy
desaparecessem, de modo que peguei três delas e
destruí todas as provas. No dia seguinte, quando
voltei do trabalho, abri a porta da frente de casa e
descobri que ele estava à minha espera.
— Pai, precisamos conversar — anunciou.
Mandou que me sentasse e indagou: — Tem
alguma coisa que o senhor gostaria de me contar?
Sentia-me um pouco nervoso e tentando
imaginar se minha esposa me delatara.[Nota 2] Ele
então tirou um pedaço de papel com números e
símbolos que não consegui decifrar, encarou-me e
revelou que sabia que eu tinha comido três pacotes
de puxa-puxas.
Nunca imaginei ser pego, mas acontece que ele
mantinha um registro de suas guloseimas. Eu seria
capaz de continuar negando para meu filho, mas as
provas que ele tinha eram fortes e aquela não era
minha primeira transgressão. Em vez de lhe dizer
que sentia muito, aproveitei a oportunidade para
destacar alguns detalhes que talvez ele tivesse
deixado passar sem perceber.
Por exemplo, que eu tornara sua existência
possível.
É evidente que alguns poucos pacotes de balas
não são grande coisa, mas veja o que descobri a
meu próprio respeito naquele momento: quando
sou culpado de algo, mesmo que não sejagrande
coisa, tenho a tendência de ficar na defensiva. Não
gosto de admitir minha culpa. Defendo-me com
paixão, sou irracional em minha justificativa e
quase sempre minimizo a seriedade do meu ato.
Se reajo assim ao ser acusado de roubar três
pacotes de balas, a probabilidade é grande de que
não reaja com grande honestidade ou humildade
quando o assunto é o pecado na minha vida. Tudo
em mim quer negar, comparar, minimizar e
justificar. Mas, enquanto tratar do meu pecado com
esse espírito, não serei capaz de experimentar o
poder e a grandiosidade da graça de Deus.
A terrível verdade Há uma correlação direta
entre nossa capacidade de apreciar a graça e até que
ponto reconhecemos a necessidade que temos dela.
Quanto mais reconheço como é horroroso o meu
pecado, mais consigo apreciar a beleza da graça de
Deus. A Bíblia ergue um espelho à nossa frente e
nos confronta com a realidade do nosso pecado.
Quanto mais
reconheço como é
horroroso o meu
pecado, mais
consigo apreciar a
beleza da graça de
Deus.
Sim, todos pecaram […] e não puderam
alcançar o glorioso ideal de Deus. (Romanos
3.23, Bíblia Viva)
Esse “todos” inclui quem? Ora,
“todos” inclui você e eu. Todos
pecamos. Tenho certeza de que
você já ouviu isso antes. Duvido
que a informação seja nova.
Minha pergunta é: como você
reage a essa informação? Durante
muito tempo, li versículos como esse e pensei:
Bem, é isso mesmo. Quer dizer, tecnicamente
falando, tenho pecado. Mas não pecado , pecado.
Em geral isso é enunciado da seguinte forma:
“Não sou tão mau assim”.
A minha esposa e eu jantávamos em um
restaurante quando uma mulher, provavelmente
perto dos 60 anos, chegou e se apresentou.
Começou a contar a história de como se tornara
cristã havia pouco tempo. Só que não disse “cristã”,
mas “seguidora de Jesus”. Apontou para o marido
sentado a uma mesa do outro lado do restaurante.
Acho que sentia a necessidade de esclarecer por
que ele não viera nos cumprimentar.
Explicou que o marido não se aborrecera com a
decisão dela, mas parecia incomodado e não a
compreendia. Sorri e acenei para ele, que também
acenou, mas não sorriu. Seu aceno era como o que
se dirige a outro motorista em um cruzamento para
lhe indicar que siga em frente quando na verdade
acredita que esse direito não pertence a ele, mas a
você. Desse tipo. Fui até ele e me apresentei, e
batemos papo por um ou dois minutos.
No dia seguinte, dei continuidade ao contato
enviando um e-mail a ambos dizendo que fora bom
conhecê-los e pedindo que me falassem, caso
qualquer um dos dois tivesse alguma dúvida com
que pudesse ajudá-los. Não recebi notícias deles
durante cerca de dois meses. Até que, um dia,
sentado junto à minha mesa de trabalho, recebi um
e-mail do marido.
Relatava-me as mudanças que percebera na
esposa. Ela estava mais gentil e paciente. Parecia
mais alegre. Contudo, em vez de se empolgar com
essas mudanças, ele se mostrava cético.
Eis um trecho de seu e-mail. “Ela parece muito
mais feliz agora, mas acho que só está tentando
fazer que eu beba suco em pó”.
Eu sabia não se tratar de um e-mail retórico. Ele
tentava se aproximar, mas relutava em confessá-lo.
Respondi convidando-o a vir à igreja com a esposa
para me fazer uma visita de alguns minutos após o
culto.
Acomodamo-nos em uma sala pequena e
comecei a lhe contar as boas-novas do evangelho.
Parti de Romanos 3.23 e expliquei que todos
pecaram e não podem alcançar o ideal de Deus.
No mesmo instante, ele assumiu uma atitude
defensiva e disse: — Não sou tão mau assim. A
maioria das pessoas me consideraria um homem
bom. — Achou injusto ser chamado de pecador e
julgado segundo o “ideal de Deus”. — Até que
ponto é justo estabelecer um padrão que ninguém
consegue alcançar e depois dizer que são todos
pecadores? — continuou. — É como fixar um alvo
fora de alcance e culpar o atirador por não ser
capaz de atingi-lo.
Iniciei tentando dar uma explicação teológica de
por que éramos pecadores. Começaria com Adão e
Eva no jardim do Éden e falaria de como o pecado
entrou no mundo. Acho que ele ficaria
impressionado com alguns dos termos que
pretendia usar para expor de que maneira nos
rebelamos contra Deus.
No entanto, antes que tivesse a oportunidade de
discorrer sobre imputação ou pecado herdado, a
esposa me interrompeu e perguntou se podia dizer
uma coisa.
Não esperou a minha permissão. Voltou-se para
o marido e indagou: — Você acha tudo bem se
embebedar e gritar com sua esposa? Acha tudo bem
mentir sobre os números atingidos nas suas vendas?
Acha tudo bem dizer a seu neto que irá vê-lo jogar
e depois não aparecer? — E ainda lhe dirigiu outras
três ou quatro perguntas mais pessoais claramente
acusadoras. As respostas dele eram óbvias. Ela
então completou: — Você diz que não é justo ser
medido pelo padrão de Deus, mas não atinge nem
os seus próprios padrões.
Eu nunca pensara no assunto desse modo.
Podemos ficar na defensiva quando um pregador
Enquanto
pensarmos Não sou
tão mau assim, a
graça não parecerá
tão boa assim.
nos chama de pecadores — mas nos esquecermos,
em relação ao padrão de Deus, de que não
conseguimos atingir nem o nosso próprio padrão.
Damos duro convencendo-nos e aos outros que
não somos tão maus, mas a verdade é que somos
piores do que jamais imaginamos. Quanto mais
você adia o reconhecimento disso, mais demora
para começar a experimentar a graça de Deus.
Se não percebermos a realidade e profundidade
do nosso pecado, não desfrutaremos da graça de
Deus.
Enquanto pensarmos Não sou
tão mau assim, a graça não
parecerá tão boa assim.
Costumamos chegar à conclusão
de que não somos tão maus por
dois caminhos diferentes.
1. Comparando-nos com outros.
Não que afirmemos ser perfeitos, mas, quando
nos comparamos com outros, o que fizemos não
parece muito relevante.
E claro, ao julgarmos a nós mesmos, em geral
somos bastante condescendentes. Comparados com
o que muita gente anda fazendo, os nossos pecados
correspondem a pouco mais que atravessar a rua
fora da faixa de pedestre ou enrolar no trabalho.
Fazemos pouco caso do nosso pecado e da nossa
necessidade de graça comparando-nos com outras
pessoas, mas sabe o que você está fazendo quando
se compara com os outros e se sente superior a
eles? Isso mesmo: pecando. E é provável que, de
onde Deus se assenta, seu orgulho e sua arrogância
sejam mais horrendos que os pecados das pessoas
às quais você acaba de se comparar.
2. Pesamos o que é mau em relação ao que é
bom.
No ano passado, li uma entrevista no New York
Times com o ex-prefeito da cidade de Nova York,
Michael Bloomberg. Ele tinha 72 anos na época.
Estava sendo entrevistado pouco antes da
quinquagésima reunião da sua turma de faculdade.
Bloomberg falou sobre até que ponto constatar
quantos de seus colegas de classe já tinham
falecido o fazia conectar-se com a realidade. No
entanto, o jornalista Jeremy Peters observou que
Bloomberg não parecia muito preocupado com o
que o esperava no outro lado. Ele escreveu:
Mas, se [Bloomberg] sente que talvez não lhe
reste tanto tempo como gostaria, praticamente
não tem dúvidas em relação ao que o
aguardaria no dia do juízo. Apontando para
seu trabalho com o controle de armas, da
obesidade e do tabagismo, com um sorriso
largo ele afirma: “Só digo uma coisa: se existe
um Deus, quando eu chegar ao céu não vou
parar de dar entrevistas. Vou direto para lá.
Fiz por merecer meu lugar no céu. Mas ainda
não está nem perto da hora”.[Nota 3]
Desse ponto de vista, a graça não é necessária
nem desejada.
Bloomberg coloca o bem que fez em um prato da
balança e resolve que não necessitará de nenhuma
ajuda.
Todos podemos encontrar maneiras de chegar à
conclusão de que “Não sou tão mau assim”, mas,
ao fazê-lo, deixamos de usufruir do grande dom da
graça divina. Enquanto não reconhecermos nossa
necessidade de graça, não nos preocuparemos em
recebê-la.
Por padrão, nosso comportamento consiste em
encobrirmos o pecado ou, pelo menos, minimizá-lo.
Mas, ao encobrir nosso pecado, estamos
encobrindo a graça. Ao minimizar o pecado,
diminuímos a alegria que acompanhao perdão.
Jesus não tentou fazer as pessoas se sentirem
melhores acerca de si mesmas diminuindo a
seriedade do pecado delas e transmitindo-lhes a
falsa segurança de que não eram tão más. Ele
explicou que quem é muito perdoado, muito ama
(v. Lucas 7.47). Com isso, estabeleceu um paralelo
entre nosso amor por Deus e o grau de perdão que
recebemos.
O maior pecador que conheço
Li uma citação no Twitter outro dia de um pastor
chamado Jean Larroux. Protestei silenciosamente
assim que a li, mas, por irônico que pareça, é
provável que meu protesto só tenha servido para
provar a verdade do que ele dizia. Eis a citação: “Se
o maior pecador que você conhece não for você,
então você não se conhece muito bem”.
A minha reação imediata e instintiva foi: Ora,
veja bem, sou um pecador. Na verdade, um grande
pecador. Mas não o maior pecador que conheço.
No entanto, quanto mais penso naquela citação, e
quanto mais sou sincero comigo mesmo e com
minhas motivações, mais dificuldade tenho em
negá-la.
Alguma coisa na citação me parecia familiar.
Não conseguia identificar muito bem o que era até
reler a conhecida passagem das Escrituras em que
Paulo se apresenta a Timóteo como o principal
pecador:
Esta afirmação é fiel e digna de toda
aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para
salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior
(1Timóteo 1.15).
Lembro-me de ter feito um trabalho sobre essa
passagem na época do seminário. O foco do
trabalho era o passado de Paulo, antes de ele se
tornar cristão. Defendi a tese de que Paulo se
descrevia como o pior dos pecadores porque fora
um perseguidor dos cristãos e fizera tudo que podia
para destruir a igreja e a causa de Cristo. Quando
meu professor me devolveu o trabalho, não havia
uma nota no alto da página. Em seu lugar, ele
anotara com caneta vermelha: “Reescreva”.
Não entendi muito bem qual era o problema. Ele
não fizera nenhuma observação na margem para me
ajudar a compreender por que precisava refazer o
trabalho inteiro. Depois da aula, subi até sua sala,
na esperança de obter um pequeno feedback.
O professor então pegou sua caneta vermelha e
circulou uma palavra de 1Timóteo 1.15.
Esta afirmação é fiel e digna de toda
aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para
salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior.
Aguardei um instante, na expectativa de obter
algum esclarecimento, mas o professor já se voltara
para atender o próximo aluno. Fiquei ali parado,
olhando fixo para aquela única palavra, “sou”. De
repente, entendi o que deixara passar. O verbo
“ser”
está no presente. E isso mudava tudo. Paulo não
disse “Fui o pior dos pecadores”. Ele disse “Sou o
pior dos pecadores”.
Se você me conectasse a um detector de mentiras
e me perguntasse “Você se acha o pior pecador?”, é
provável que eu dissesse sim porque sou tão
pecador que tentaria parecer mais espiritual
parecendo tão humilde quanto possível.[Nota 4] Mas
tenho certeza de que o polígrafo revelaria a
verdade. Para ser franco, no fundo —
provavelmente nem tão fundo assim —, não me
considero o pior dos pecadores. Mas uma coisa
digo a você: quanto mais aprendo sobre a justiça de
Deus e quanto mais examino minha própria vida e
minhas motivações, mais perto chego da
inescapável conclusão de que sou o pior pecador
que conheço.
A doença do pecado
Romanos 3.23 diz que todos pecamos. Romanos
6.23 afirma que o salário do pecado é a morte.
Podemos minimizar nossos atos, mas a Bíblia diz
que fomos considerados culpados e sentenciados à
morte.
Enquanto escrevo este capítulo, estou de
quarentena no quarto de hóspedes. Supõe-se que eu
esteja doente há alguns dias, e que preciso
descansar e melhorar. Na mesa de cabeceira, ao
meu lado, estão alguns remédios que a minha
esposa trouxe poucas horas atrás. Mas ela sabe que
não vou tomá-los. Veja bem, apesar das evidências
em contrário, não me convenci de que esteja
mesmo doente. A minha esposa diria a você que
tenho problemas para reconhecer quando não me
sinto bem.
Recuso-me, pelo máximo de tempo possível, a
admitir que estou doente… Só um minuto, lá vem
ela verificar como estou.
Muito bem, voltei.
Veja o que acaba de acontecer. Ela entrou e me
disse para tomar o remédio que tinha trazido antes.
Perguntei-lhe: — Por que tomaria remédio se não
estou doente?
Ela se aproximou, colocou a mão na minha testa
e respondeu: — Você está um pouco quente, na
minha opinião. Acho que está com febre.
Pus eu mesmo a mão na minha testa e lhe
assegurei que estava ótimo. Ela sugeriu que a
deixasse medir minha temperatura.
Contei uma piada sobre o fato de que a medição
não seria exata, porque, quando ela entra no quarto,
a minha temperatura sobe vários graus. Ela virou os
olhos e, ao sair do quarto, comentou: — Bem, só
quero que se lembre que não vou lhe dar nem um
beijo enquanto não melhorar.
Tomei o remédio.
Recuso-me a admitir que estou doente porque, se
estiver, significa que tenho de fazer algumas coisas
de maneira diferente.
Se admitir para mim mesmo que estou doente,
tenho de tomar remédio e ficar deitado na cama, e
não gosto de tomar remédio nem de ficar na cama.
De modo que minha estratégia é negar a realidade
da minha condição tanto quanto possível. Acontece
que fingir que não estou doente não é um modo
muito eficaz de melhorar. Quanto antes admitir que
estou doente, mais cedo tomarei o remédio e me
sentirei melhor. Quanto antes começar a me sentir
melhor, mais cedo beijarei a minha mulher. Mas,
quanto mais insistir em não reconhecer minha
doença e a não tomar remédio, mais tempo levarei
para me sentir bem.
Por volta de 1.600 anos atrás, Agostinho
escreveu em suas Confissões: “Meu pecado era
ainda mais incurável porque não me considerava
um pecador”.[Nota 5] Enquanto não estivermos face
a face com nosso diagnóstico terminal, haveremos
de nos recusar a sarar.
A Bíblia nos oferece o diagnóstico — todos
sofremos de uma doença chamada pecado. É um
vírus que infecta o mundo inteiro. Romanos 5.12
explica assim o problema:
O pecado entrou no mundo por meio de um só
homem [Adão], e o seu pecado trouxe consigo
a morte. Como resultado, a morte se espalhou
por toda a raça humana porque todos pecaram
( Nova Tradução na Linguagem de Hoje).
Fomos todos diagnosticados com pecado, e nossa
condição é terminal — o salário do pecado é a
morte. Mas então Paulo nos apresenta um antídoto
chamado graça.
[…] De fato, muitos morreram por causa do
pecado de um só homem [Adão]; mas a graça
de Deus é muito maior, e ele dá a salvação
gratuitamente a muitos, por meio da graça de
um só homem, que é Jesus Cristo. E existe
uma diferença entre aquilo que Deus dá e o
pecado de um só homem. Porque, no caso do
pecado, a condenação veio por causa de um só
pecado. Porém, no caso da salvação, Deus
perdoa os que têm cometido muitos pecados,
A graça sempre é
maior — seja lá do
que for
embora não mereçam esse perdão. É verdade
que, por causa de um só homem e por meio do
seu pecado, a morte começou a dominar a raça
humana. Mas o resultado do que foi feito por
um só homem, Jesus Cristo, é muito maior!
E todos aqueles que Deus aceita e que
recebem como presente a sua imensa graça
reinarão na nova vida, por meio de Cristo.
Portanto, assim como um só pecado condenou
todos os seres humanos, assim também um só
ato de salvação liberta todos e lhes dá vida. (v.
15-18, Nova Tradução na Linguagem de
Hoje)
Paulo monta uma equação. De
um lado está seu pecado, e seu
pecado é pior do que consegue
imaginar. Você pode minimizá-
lo, racionalizá-lo e tentar desconsiderá-lo, mas
continua sendo um doente terminal. Do outro lado
da equação está a graça de Deus. Quando Jesus
morreu na cruz, não teve o sangue infectado pelo
pecado e tornou-se o antídoto que nos cura. Depois
de colocar o seu pecado de um lado e a graça de
Deus do outro, Paulo resolve a equação.
[…] a graça de Deus é muito maior […]. (v.
15, Nova Tradução na Linguagem de Hoje)
Posso dizer com confiança que você não fez
nada tão terrível que a graça não possa alcançar. A
graça sempre é maior — seja lá do que for.
Personalizando Em um fim de semana, entregueium pedaço de papel para todos os presentes na
igreja com a seguinte equação: Graça >
____________________
Em seguida, pedi que preenchessem o espaço
vazio com o pior pecado que já tivessem cometido.
Gostaria de pedir a você que experimentasse
fazer a mesma coisa. O único jeito de experimentar
a graça é personalizando a necessidade que se tem
dela. Pare um instante para preencher o espaço
vazio da equação abaixo. Depois disso, resolva a
equação circulando o sinal de “maior” ou “menor”.
Graça >/< ______________________
A explicação de Paulo em Romanos 5 sobre a
grandiosidade da graça de Deus ajuda muito. Mas
uma explicação sobre a graça sem a experiência
dela é como um doente terminal que se recusa a
tomar o remédio prescrito pelo médico para salvar-
lhe a vida.
A grandiosidade da graça de Deus significa que
não preciso ficar tentando me convencer de que
“não sou tão mau assim”.
A verdade é que sou pior do que jamais quis
admitir, mas a graça de Deus é maior do que eu
jamais poderia ter imaginado.
Notas do Capítulo
Nota 1 - Se já se aborreceu porque deixo meu fi lho brincar de
“travessuras ou gostosuras”, por favor, lembre-se de que você está
lendo a respeito da graça. [Voltar]
Nota 2 - Era bem provável que ele a tivesse comprado com balas de
menta recheadas de chocolate. [Voltar]
Nota 3 - Peters, Jeremy W. Bloomberg Plans a $50 Million
Challenge to the N.R.A., New York Times, April 15, 2014.
Disponível em: <http://www.nytimes.
com/2014/04/16/us/bloomberg-plans-a-50-million-challenge-to-
the-nra. html>. Acesso em: 12 jun. 2017, 12:00:08. [Voltar]
Nota 4 - Não me julgue; é você que anda por aí conectando as
pessoas a detectores de mentiras. [Voltar]
Nota 5 - Santo Agostinho. Confissões. Petrópolis, RJ:
Vozes/Bragança Paulista, SP: Edusf, 2015. [Voltar]
Capítulo 2
Mais maravilhosa que a sua
prostração
Em 2009, recebi a seguinte mensagem pelo
Facebook de um homem chamado Wes, de pouco
mais de 40 anos:
Não sei se você tem alguma “história de
Facebook” muito boa, mas acho que terá
depois de ler isto. Não sei ao certo por que,
mas me sinto compelido por Deus a lhe contar
esta história. Ela não está muito bem
organizada, então… tenha paciência comigo.
Eu sempre soube que era adotado. Fui criado
em um lar cristão por duas pessoas
esplêndidas que não podiam ter fi lhos. Hoje
estou muito bem casado e tenho meus
próprios fi lhos, aos quais amo muito.
Nunca tive o desejo de procurar meus pais
biológicos até poucos anos atrás. Participei
de um retiro cristão, e um dos palestrantes,
um homem de mais idade, falou de quando
engravidou a namorada e depois, em segredo,
deu a criança em adoção. Explicou que
convivera com a culpa constante, o que
acabou levando-o a desenvolver um coração
endurecido e certa amargura contra Deus.
Um dia, sua fi lha entrou em contato com ele e
lhe disse que o perdoava e Deus também. Isso
mudou a vida daquele homem, que agora
falava da liberdade e da cura que encontrara.
Essa história me fez pensar na minha
situação. Perguntei-me se ajudaria meus pais
biológicos saber que eu estava bem.
Consegui encontrar o endereço do meu pai e
entrei em contato com ele. Ficou claro para
mim que eu estava certo quanto à culpa e à
dor que podiam acompanhar alguém depois
de tomar uma decisão tão difícil. Ele nunca
contara a ninguém do meu nascimento.
Parecia que o melhor seria não interferir em
sua vida nem complicar as coisas para ele.
Mas então algo aconteceu. […] Uma noite, eu
estava deitado na cama com minha esposa e
começou a passar um dos seus programas,
pastor. Eu já estava meio dormindo, mas
minha esposa continuava assistindo. De
repente, surpreendi-me quando ela exclamou:
— Oh, meu Deus! Ele é seu primo!
Era de você que ela falava. Sabia muito mais
sobre minha família biológica que eu porque
foi ela que fez toda a pesquisa.
Não acreditei, mas, depois de algumas
pesquisas no Google, constatei que ela tinha
razão.
Espero que você não fique chocado, mas seu
tio, David Idleman, é meu pai biológico.
Escolhi entrar em contato primeiro com você
porque, como pastor, achei que você estaria
acostumado a dar conselhos em situações
difíceis. Sei que também tenho uma irmã, mas
desconheço se ela sabe sobre mim. Não quero
transtornar a vida da família e criar
problemas ou situações difíceis, mas é como
eu disse: senti que Deus me compelia a entrar
em contato com você.
Quando li essa mensagem no Facebook,
imediatamente um monte de coisas fez sentido para
mim. Cresci mantendo uma relação muito próxima
com tio Dave. Ele me ensinou a praticar slalom no
esqui aquático quando eu era criança e me deu
algumas lições de caratê quando eu cursava os
últimos anos do ensino fundamental. No entanto, à
medida que eu crescia, percebia que meu tio
carregava um peso enorme aonde quer que fosse.
Guardar um segredo como esse por tantos anos
esgota qualquer um. Seus olhos com frequência me
pareciam cansados, exaustos, como se ele estivesse
sempre voltando de um longo dia de trabalho.
De alguma forma, meu tio Dave se privou da
graça quando sua namorada engravidou. Não
deveria. Cresceu no ambiente da igreja, e o pai da
namorada era pastor. Não deveria ter se privado da
graça, mas de alguma forma ela não lhe fora
transmitida.
Carregar durante décadas a culpa e a vergonha
de um segredo cobra um alto preço do coração de
um homem.
Quando o segredo sobre o filho do meu tio Dave
veio à tona, foi esmagador para mim. Ele convivera
com o peso dessa história por décadas, e com o
medo de as pessoas descobrirem.
O que meu pai, seu irmão, diria? Como seus
pais, meus avós, reagiriam? Será que se sentiriam
traídos por não terem conhecido o neto? E quanto à
sua filha, minha prima? Ela fora criada como filha
única. Sempre quisera um irmão. Mas ele nunca lhe
contara nada. Nunca contara nada a ninguém.
E o que dizer de Wes? Tio Dave devia pensar
que o filho tinha raiva dele. Podia ter se sentido
abandonado e rejeitado a vida inteira. Mas agora
não havia como esconder mais nada.
Às vezes, nosso pecado permanece oculto porque
recusamo-nos a aceitar os fatos ou porque nosso
orgulho nos impede de enxergá-lo. Mas, muitas
vezes, tentamos guardar segredo do nosso pecado
pelo simples fato de não conseguir lidar com o que
fizemos. Assim, fazemos de tudo para não pensar
nos erros que cometemos ou nos pecados que
praticamos, e tentamos manter distância de Deus.
Como ele poderia nos perdoar quando não somos
Por mais que você
fuja e se esconda, a
capazes de perdoar a nós mesmos?
Antes que Adão e Eva pecassem no jardim do
Éden, a Bíblia diz que eles viviam nus e sem sentir
nenhuma vergonha. Mas, a partir do momento em
que o pecado entrou em cena, eles se
envergonharam e fizeram de tudo para se esconder
de Deus.
Às vezes, quando nosso pecado secreto é exposto
e não podemos mais escondê-lo, somos nós que
vamos para o esconderijo. Tanto quanto possível,
fazemos de tudo para evitar as pessoas que
conhecemos. A vergonha se torna uma
companheira constante sussurrando sem parar:
“Você não é digno de perdão.
Não merece uma segunda chance”.
Mas eis uma característica
surpreendente da graça — ela
graça é incansável.
Ela o perseguirá.
corre atrás de você. Por mais que
você fuja e se esconda, a graça é
incansável. Ela o perseguirá. É o
que vem acontecendo com alguns de vocês neste
exato momento, sem que tenham consciência disso.
A cada palavra que leem, a graça ganha terreno.
Como pastor, amo testemunhar o momento em
que a graça finalmente põe a mão na bagunça
aprontada por alguém.
A expressão que uso para descrever esse instante
é “bela colisão”.
São duas palavras que não parecem combinar.
Colisão traz à mente palavras como “quebrado”,
“batido” e “destroçado” — não o tipo de coisa que
combina com belo. Mas os Evangelhos estão cheios
de belas colisões. Quando uma vida quebrada,
batida e destroçada colide com Jesus, é uma coisa
maravilhosa.
Curso intensivo com a graça
Em João 4, há uma encruzilhada na qual uma
bela colisão logo acontecerá. Jesus está viajando, a
caminho de mais uma cidade. Em João 4.4, ficamossabendo que “era-lhe necessário passar por
Samaria”. Parece um jeito estranho de dizer isso.
Na época, Jesus se desviaria de seu caminho para
não passar por Samaria. Normalmente eles a
contornariam e tentariam ficar longe de qualquer
samaritano. Havia muito preconceito e ódio entre
judeus e samaritanos. Eles se esforçavam muito
tentando não ter nada a ver uns com os outros, a
ponto de um judeu do primeiro século que lesse
isso viesse a entender que João estava dizendo que
Jesus tinha de passar por Samaria por não ter outra
opção. Talvez uma estrada tivesse sido fechada ou
o trânsito estivesse congestionado pelo fato de
muita gente contornar Samaria, razão pela qual ele
tinha de passar por ela.
Imagine se você perguntasse a um marido: “O
que você fez no encontro que teve na noite
passada?”. Ele não dirá simplesmente: “Fui a uma
loja de velas e fiquei cheirando todas elas”.
Seria uma atitude estranha para qualquer um. Se
conseguir que ele admita o que de fato aconteceu, é
mais provável que o ouça responder: “Precisei ir a
uma loja de velas e provar os diferentes perfumes
que eles têm ali”. A expressão “precisei ir” é
importante. Ele está deixando claro que agiu contra
a vontade.
Não teve opção. Foi forçado a agir desse modo.
É assim que um leitor judeu da época leria isso. No
entanto, quando você e eu lemos a história, parece
claro que Jesus não foi forçado a ir a Samaria,
como se pudesse ser forçado a fazer alguma coisa.
Em vez disso, a impressão é que Jesus se desviou
do caminho para ir a Samaria. “Era-lhe necessário”
parece ser usado mais no sentido de que ele tinha
um compromisso que precisava cumprir. Como se
olhasse para o calendário estabelecido antes da
criação do mundo e visse que devia estar em um
lugar específico, em um momento específico, para
se encontrar com uma pessoa específica. Estava
para acontecer uma bela colisão, e Deus já a
circulara em seu calendário.
A graça correu atrás dessa mulher e a alcançou
junto a um poço fora da cidade.
Jesus necessitava ir a Samaria. Chega perto do
meio-dia, a hora mais quente. Vai até o poço e se
senta para descansar, enquanto os discípulos
seguem até a cidade em busca de um pouco de
comida. Hora e lugar são incomuns para se
encontrar alguém. As pessoas iam ao poço pela
manhã ou no fim da tarde, não ao meio-dia, com o
sol a pino. Mas então ele vê quem estava
esperando. Uma mulher chega ao poço para pegar
um pouco de água. Hora incomum para a realização
dessa tarefa, mas também era incomum que ela
estivesse sozinha. Na época, as mulheres iam juntas
ao poço, do mesmo jeito que hoje é raro vê-las
sozinhas em banheiros públicos.
Logo descobrimos que essa mulher tem um
passado turbulento e uma reputação ruim. É difícil
dizer se o motivo por estar só era evitar as pessoas
ou porque as pessoas a evitavam. As duas coisas,
provavelmente. Ela se cansara dos olhares críticos e
dos cochichos a suas costas. Por isso fora sozinha,
contando apenas com a vergonha e a rejeição como
companheiras.
Quando ela se aproxima, Jesus lhe pede um
pouco de água.
Ela fica sem saber como reagir. Surpreende-se
com o fato de ele, um homem judeu, dirigir a
palavra a ela, uma mulher samaritana, e o questiona
por isso.
[…] “Como o senhor, sendo judeu, pede a
mim, uma samaritana, água para beber?” […]
Jesus lhe respondeu: “Se você conhecesse o
dom de Deus e quem está pedindo água, você
lhe teria pedido e dele receberia água viva”.
(v. 9,10)
Agora, sim, ela fica confusa de verdade.
Raciocina em termos de água física para sua sede
física, de modo que chama a atenção para o fato de
ele não ter nem um balde com o qual tirar água. E
Jesus lhe explica que ele é a água viva, e que, se
beber dessa água, ela nunca mais terá sede.
A mulher continua sem decifrar a metáfora. Para
ela, aquele homem não faz sentido. Por isso Jesus
resolve ser um pouco mais direto com ela.
Ele lhe disse: “Vá, chame o seu marido e
volte”.
“Não tenho marido”, respondeu ela.
Disse-lhe Jesus: “Você falou corretamente,
dizendo que não tem marido. O fato é que
você já teve cinco; e o homem com quem
agora vive não é seu marido. O que você
acabou de dizer é verdade”. (v. 16-18)
Que constrangedor! Acho que a essa altura ela
preferiria continuar falando por metáforas. Jesus
não se desvia da verdade.
Descreve a realidade do que ela tem feito e a
confusão em que sua vida se transformou. O poço
de relacionamentos ao qual ela vive recorrendo não
lhe sacia a sede, e Jesus não fingirá que tudo vai
bem por dedução, quando sabe que não é o que
acontece.
Se estava para receber a graça de Jesus, ela
precisa parar de esconder o próprio pecado.
É difícil, e sei que queremos encontrar outro
caminho, mas a verdade é uma só: antes de colidir
com a graça de Deus, temos de colidir com a
verdade do nosso pecado. Fico tentando imaginar
que verdade amarga Jesus mencionaria para você e
para mim. Talvez dissesse: Seu pavio curto faz que
todos que o rodeiam vivam pisando em ovos, e o
ressentimento contra você só faz crescer em sua
família.
Seu problema com a bebida já fugiu do controle.
Está afetando muito mais pessoas do que só você.
Seu problema com a pornografia está matando
qualquer possibilidade de intimidade que tenha em
seu casamento.
Seus flertes o estão levando por um caminho que
devastará sua família.
Você está permitindo que seu coração se
apaixone por uma menina que o afasta de mim.
Você está optando pelo namorado com quem
mora em detrimento do relacionamento comigo.
Terá de ser uma coisa ou outra.
Você está se afundando em dívidas para se sentir
bem consigo mesmo, mas a água do poço não o
satisfará.
Sua arrogância e espírito legalista estão fazendo
que as pessoas no seu trabalho se mantenham longe
de você.
Sua atitude crítica e o tom áspero estão afetando
o relacionamento com os netos.
Jesus diz algumas verdades duras. Faz parte da
colisão com a graça que tentamos ao máximo
evitar. Como qualquer um de nós agiria, a mulher
junto ao poço tenta desviar a conversa de seu
pecado e de sua vergonha.
Disse a mulher: “Senhor, vejo que é profeta.
Nossos antepassados adoraram neste monte,
mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o
lugar onde se deve adorar”. (v. 19,20)
Falsas suposições
Vamos apertar o botão pausa em nossa história e
conversar um pouco sobre algumas suposições
falsas que a mulher fez sobre Jesus. São as mesmas
suposições capazes de fazer que nos privemos de
sua graça na nossa vida.
Suposição nº 1: Jesus não quer saber de mim.
Se a sua suposição em relação a Jesus é que ele
não tem qualquer interesse em você, há uma boa
chance de que você nunca tenha tido muito
interesse por ele. Em outras palavras, não é que
você não deseje a graça. Quem não a desejaria? É
que você está convencido de que a graça não o
deseja.
Sentir-se rejeitado pode ser um dos piores
sentimentos a experimentar. Quando alguém
experimenta a rejeição desde cedo e com
frequência, logo aprende a construir muros para
impedir as pessoas de chegarem perto.
Considerando o histórico conjugal dessa mulher, é
provável que ela tivesse o cuidado de evitar
assumir uma posição de vulnerabilidade. Afinal de
contas, não se corre o risco de rejeição se nunca
damos às pessoas a oportunidade de elas nos
machucarem.
Mas Jesus se desviou do caminho mais provável
para estar com essa mulher. A graça correu atrás
dela porque é isso o que a graça faz.
Depois de pregar em um dos nossos cultos de
sábado à noite, desci e permaneci ali na frente
enquanto adorávamos.
Um homem se aproximou para conversar
comigo. Percebi que ele estivera chorando e ainda
estava um pouco emocionado.
Disse-me seu nome, e então lhe perguntei como
poderia orar em seu favor. Ele se pôs a chorar
enquanto respondia: — Bem, a minha esposa me
deixou. A culpa é minha.
Fiz algumas coisas bem estúpidas. Não a tratei
como ela merece.
Ela tentou me dizer, mas simplesmente me
recusei a escutar.
Você poderia orar para que Deus me perdoe, e
para que a minha esposa me perdoe também? Sei
que estou pronto para implementar algumas
mudanças, mas não tenho certezade que Deus me
quer aqui depois da confusão que aprontei.
Esse homem supunha que seus erros eram
maiores do que a graça de Deus, e que Jesus não
queria saber dele. Orei em seu favor e pedi a Deus
que interviesse em seu casamento. Orei para que
ele e a esposa se reaproximassem. Pedi a Deus para
lutar por ele e por seu casamento. Mas, acima de
tudo, orei por seu relacionamento com Jesus, para
que ele soubesse que sua presença na igreja não era
um acaso e que Deus não o rejeitava, mas, sim,
estava pronto para ajudá-lo.
Depois de orar, perguntei-lhe se costumava
frequentar aquela igreja. Ele explicou, ou melhor,
confessou que não ia a uma igreja desde criança.
— Ah, então a sua esposa vem aqui? —
perguntei.
Ele explicou que tampouco ela frequentava uma
igreja. Em se guida, perguntei o que o fizera entrar
ali, e ele respondeu: — Não sei. Estava passando de
carro e senti que tinha de entrar.
Acho que entendi o que ele queria dizer.
Coloquei-o em contato com um homem que lhe
apresentou o evangelho, orou com ele e conseguiu
algumas informações a seu respeito, de modo que
pudéssemos acompanhá-lo.
Na manhã de domingo, já no dia seguinte,
terminei a mensagem e fiquei na frente outra vez,
aguardando a conclusão do culto. Duas mulheres
desceram para conversar comigo.
Descobri que eram irmãs. Uma confortava a
outra, que evidentemente passava por alguma
dificuldade.
Antes que tivesse a oportunidade de lhe
perguntar o nome ou por que me procurara, ela
explicou: — Não entro em uma igreja há muito
tempo. Espero que não tenha problema o fato de ter
vindo aqui. Na noite passada, fiquei muito irritada e
minha irmã disse que eu precisava vir agora de
manhã.
Pediu-me que orasse pelo marido, pois tinham se
separado havia pouco tempo. Perguntou se eu podia
pedir a Deus que suavizasse o coração dele, pois
achava que ele não se importava mais.
A essa altura meu coração batia descompassado.
Disse a ela: — Acho que não sei o seu nome. Como
você se chama?
Já aconteceu de ter a impressão de que Deus está
piscando para você?
Entusiasmado, contei a ela que, na noite anterior,
seu marido fora à frente em prantos; que se
arrependera e pedira ajuda a Deus. Notei que ela
estava encontrando certa dificuldade para acreditar
nisso. Que colisão maravilhosa! Havia graça
voando por toda parte.
Tanto um quanto o outro supunham que Deus
desistira deles e que era tarde demais. Presumiam
que a bagunça em seu casamento era grande
demais, e que por isso Deus não queria saber deles.
No entanto, Deus deixou claro que se dispunha a
encontrá-los exatamente onde estavam.
Suposição nº 2: Jesus está mais interessado em
religião do que em mim.
Você observou o que a mulher junto ao poço faz
durante a conversa? Ela tenta distrair Jesus
conversando sobre religião.
Tenta evitar a colisão envolvendo-o em um
argumento religioso que poderia ser debatido
infinitamente. Hoje em dia a graça é sempre
negligenciada porque a igreja se deixa enredar em
argumentos religiosos e diferenças interpretativas.
Impressiona-me a facilidade que temos de nos
distrair com argumentos religiosos, ou mesmo
pseudorreligiosos. Penso que temos particular
propensão para isso quando o objeto do nosso
estudo se torna um pouco mais incômodo.
Como a mulher junto ao poço, temos a tendência
de ser religiosos quando Jesus começa a ficar um
pouco pessoal demais.
Como pregador, deparo com esse problema
tantas vezes que já desenvolvi uma espécie de
teoria a respeito. Quanto mais as pessoas ficam
obcecadas por questões que se encaixam com
perfeição sob o guarda-chuva da interpretação ou
da opinião teológica, mais provável é que estejam
tentando impedir que Jesus se torne pessoal demais
em alguma área da vida.[Nota 1]
Eu costumava me distrair muito com esse tipo de
coisa.
Alguém me mandava um e-mail enveredando
por algum detalhe interpretativo que eu parecia ter
deixado passar, eu disparava outro e-mail
defendendo minha interpretação, e ficávamos nesse
vaivém. Não faço muito isso hoje em dia. Não digo
que nunca faço. Se quiser tentar, seja bem-vindo,
mas raras vezes me exponho para brincar com isso.
Aprendi que, quando alguém se mostra
particularmente determinado a conversar sobre
religião, costuma ser pela tentativa desesperada de
impedir que Jesus se torne pessoal demais.
A mulher samaritana faz a falsa suposição de que
Jesus estará mais interessado em religião do que
nela, de modo que tenta atraí-lo para um debate
religioso.[Nota 2]
Suposição nº 3: Ele faz uma oferta boa demais
para ser verdade.
A mulher não acredita na água que lhe saciará a
sede para sempre. De novo, pense na história da
samaritana. Trata-se de alguém que já ouviu todo
tipo de homem lhe fazer todo tipo de promessa e
agora se mostra cética. E cínica. Não confia no
homem que parece prometer mais do que seria
capaz de cumprir.
A mulher faz várias suposições falsas acerca de
Jesus e do presente que ele oferece. Essas
suposições a impedem de chegar muito perto. Cada
uma delas é como um tijolo no muro que a separa
da graça. E, à medida que a conversa continua, ela
se sente mais prestes a dar um basta, de modo que
tenta pôr um fim naquele encontro.
Disse a mulher: “Eu sei que o Messias
(chamado Cristo) está para vir. Quando ele
vier, explicará tudo para nós”. (v. 25)
Preste atenção na ironia. Ela diz para Jesus: “Eu
sei que, quando vier, Jesus deixará tudo claro”.
Não tenho certeza, mas quase seria capaz de ver
que Jesus não conseguiu evitar um leve sorriso ao
lhe responder:
[…] “Eu sou o Messias! Eu, que estou falando
com você” (v. 26).
Essa é a única vez em toda a sua vida que Jesus
voluntária e abertamente se anuncia como o
Messias, o Filho de Deus, a alguém. E é para essa
mulher samaritana de má reputação, casada cinco
vezes e que nesse momento vivia com algum outro
sujeito. Quer melhor exemplo de graça?
Perseguidos pela graça
Quando é difícil encarar a verdade sobre a sua
vida, quando você aprontou tamanha confusão que
não sabe nem por onde começar a consertar as
A pior coisa que
poderia acontecer é
você passar a vida
tentando fugir de
Deus por pensar
que ele o persegue
para cobrar o que
você deve —
quando na verdade
coisas e a culpa e a vergonha são suas
companheiras constantes, é difícil imaginar que a
graça seja para você. Creia-me, eu o entendo.
Há quem pense que a pior coisa que poderia lhe
acontecer é seus pecados serem descobertos e seus
segredos, revelados. Você teme que alguém traga à
tona algo que você fez muito tempo atrás. Não quer
que ninguém saiba, mas, como Deus já sabe, faz o
possível para evitá-lo. Pensa que a pior coisa que
poderia acontecer é ser descoberto e forçado a
enfrentar a verdade.
Mas esse ainda não é o fundo
do poço. Porque a pior coisa que
poderia acontecer é você passar
pela vida e ninguém saber.
Ninguém nunca descobrir. Você
simplesmente carrega o peso da
sua culpa e da sua vergonha para
todo lado, aonde quer que vá.
ele o persegue para
dar o que você
jamais conseguiria
pagar.
A pior coisa que poderia
acontecer é você passar a vida
tentando fugir de Deus por pensar
que ele o persegue para cobrar o
que você deve — quando na verdade ele o persegue
para dar o que você jamais conseguiria pagar.
Pai e filho
Meu tio Dave e seu filho Wes começaram a
conversar de vez em quando e, depois de alguns
meses, resolveram que era hora de se encontrarem.
Meu tio vivia no Missouri e Wes, na Virgínia, de
modo que planejaram o encontro na minha casa, no
Kentucky.
Transformamos a ocasião em uma reunião de
família em miniatura, e meus avós e os agregados à
família estavam todos lá, empolgados para
conhecer Wes.
Jamais me esquecerei do momento em que fiquei
na entrada da garagem de casa vendo Wes chegar
com sua linda família e meu tio, todo nervoso,
encaminhar-se para a minivan que os trouxera.
Saímos de casa e todos enxugamos as lágrimas
enquanto assistíamos a pai e filho se abraçarem
pela primeira vez.
Eu estava distante demais para ouvir as palavras
que trocaram, mas Wes entregou um presente ao
meu tio. Pouco depois, alguém me contou que eraum relógio de pulso. O tio Dave se comoveu de
verdade com o presente, mas não entendi muito
bem o que o tornaria tão significativo para ele. Não
me entenda mal: o relógio parecia o presente de
alguém que se preocupara em agradar meu tio;
apenas não entendi por que ele causara uma reação
tão emocional.
Mais tarde, naquele mesmo dia, o meu pai trouxe
o relógio para eu ver. Era um belo exemplar, tanto
quanto pode ser um relógio, mas eu continuava sem
entender. Até que meu pai me disse que o visse
atrás. No verso da caixa havia duas palavras
gravadas. Duas palavras que têm o poder de mudar
tudo. Graça pura
Graça pura
O efeito da graça logo começou a transformar
meu tio.
O peso da vergonha e da culpa de repente caiu
em cima dele.
Seu coração duro começou a amolecer. Não
muito depois disso, ele encerrou uma conversa que
tivemos dizendo que me amava.
Nunca me dissera isso antes. Passou a atuar em
uma igreja cujo pastor se tornou um de seus bons
amigos.
Talvez o que mais me surpreenda seja o fato de
eu estar contando tudo isso. Não acho que meu tio
se sentiria à vontade sabendo que compartilhei sua
história com meus leitores. Afinal de contas, na
época em que dava duro para mantê-la em segredo,
tenho certeza de que não gostaria que eu a
compartilhasse com o mundo. Mas eu estava
errado. Era exatamente o que ele queria. Quando
lhe mandei um e-mail pedindo sua bênção para
compartilhar a história, eis sua resposta:
“Por favor, sinta-se à vontade para
compartilhar minha situação de qualquer
modo que expresse o amor, a misericórdia e a
surpreendente graça de Deus para com
qualquer um que necessite dela”.
Quando li sua resposta, lembrei-me da
transformação ocorrida no coração da mulher junto
ao poço. Antes que ela se encontrasse com Jesus,
não queria que ninguém a visse.
Não queria que ninguém soubesse, e, se isso
acontecesse, não queria saber que sabiam. Jamais
poderia se perdoar pelo que fizera ou a pessoa em
que se tornara. Mas então sua vida colidiu com a
graça e de uma hora para outra ela passou a ver as
coisas de maneira diferente.
Em seguida, a mulher deixou ali o seu pote,
voltou até a cidade e disse a todas as pessoas:
— Venham ver o homem que disse tudo o que
eu tenho feito. Será que ele é o Messias?
Muitas pessoas saíram da cidade e foram para
o lugar onde Jesus estava. (v. 28-30, Nova
Tradução na Linguagem de Hoje)
Quando a graça e a misericórdia de Deus
colidem com a nossa vergonha e culpa, é
complicado, mas maravilhoso. Jesus sabe tudo que
você já fez, mas quer se certificar de que você saiba
que a graça dele é maior.
Notas do Capítulo
Nota 1 - Quanto menos você gosta dessa teoria, mais a reforça. Só
estou falando por falar. [Voltar]
Nota 2 - Alerta antecipado: envolver o Filho de Deus em um debate
teológico não é uma estratégia eficaz. [Voltar]
Capítulo 3
Mais redentora que os seus
arrependimentos
Era noite de quinta-feira, e eu estava na cama ao
lado da minha esposa. Ela já adormecera, mas eu
continuava acordado, olhos fixos no teto, pensando
no sermão para o fi m de semana.
O foco da mensagem seria aprender a viver com
remorsos.
As garras do remorso podem fazer mais do que
desmoralizar, podem paralisar. Parece que não
conseguimos avançar em razão da obsessão por
algo que já aconteceu, algo que não pode ser
revertido ou desfeito. O remorso tende a se
concentrar em um momento específico, uma época
ou lugar em que você fez ou deixou de fazer algo, e
agora tem de conviver com as consequências.
Deitado na cama, pensando e orando acerca do
meu sermão, de repente ouvi um estrondo que
vinha da direção do banheiro.
Com um salto fiquei de pé e corri para ver o
espelho de corpo inteiro, antes pendurado na porta
do closet, estilhaçado no chão.
Ao cair, o espelho revelou algo que fi z e de que
me arrependia profundamente.
Ele expôs um buraco na porta do closet.
Como esse buraco foi parar na porta do nosso
closet? Fiquei com medo de que você me
perguntasse, mesmo desconfiando que
provavelmente era capaz de adivinhar a resposta.
Envolvi-me em uma discussão com minha esposa.
Para ser franco, nem me lembro mais de como tudo
começou.[Nota 1] Mas senti raiva, perdi a cabeça e
abri o buraco na porta do closet com um soco.
Não queria mesmo lhe falar sobre isso.
A coisa toda aconteceu em questão de segundos,
mas aconteceu.
Gostaria que não tivesse acontecido.
Gostaria de poder voltar atrás e ser um marido
paciente e gentil.
Gostaria de ter respondido com humildade e
autocontrole.
Mas não o fiz.
Depois que aconteceu, alimentei a esperança de
que a minha esposa se esquecesse do assunto e de
que os meus filhos não descobrissem nada. Tive
medo do que pensariam de mim as pessoas que me
ouvem pregar ou leem meus livros, se
descobrissem o que fizera. Por isso, a maneira de
eu lidar com o remorso foi encobrindo meus atos e
tentando esquecer. Assim, fui até uma loja e
comprei um espelho grande, que pendurei na porta
do closet e fingi que nada acontecera.
Não sei por que o espelho se desprendeu da porta
e quebrou em mil pedaços. Permanecera no mesmo
lugar havia mais de um ano. Imagino que o adesivo
que o segurava não fosse forte o suficiente e acabou
não aguentando. É uma possibilidade, mas
desconfio que Deus estivesse me ouvindo orar por
um sermão que desafiasse as pessoas a lidar com
seus remorsos e decidisse arrancar o espelho da
porta com um tapinha, lembrando-me de que eu
tinha os meus próprios remorsos que precisavam
ser resgatados da escuridão e expostos à luz da
graça divina que cura.
Em pé dentro do closet, olhei para o buraco na
porta e, em seguida, para o espelho quebrado no
chão. Consegui ver meu reflexo nos estilhaços.
Difícil não entender a metáfora. Gosto de pensar
em mim como um homem paciente, gentil e
humilde que não se leva a sério demais. É como me
vejo, e desejo que as pessoas tenham essa imagem
de mim — em especial minha esposa.
Curvei-me e comecei a recolher os cacos do
espelho quebrado.
Não tinha como evitar de me ver naqueles
pedacinhos — gostaria de poder voltar atrás e fazer
tudo diferente, mas serei para sempre um marido
que perdeu a cabeça e meteu um murro na porta.
O estrondo acordou a minha mulher. Ela entrou
no closet e me encontrou ajoelhado recolhendo os
cacos. Não sou de chorar, mas foi o que fiz naquele
instante, e ela sabia que não era porque tivesse um
apego especial por aquele espelho. Não sei ao certo
se em algum momento cheguei a lhe pedir perdão.
Mas estava pronto para me arrepender. Entre
lágrimas, disse tanto para ela quanto para Deus que
sentia muito pelo que fizera. Ela veio até mim, e eu
descansei a cabeça em seu colo e chorei mais. Senti
seus dedos correrem entre meus cabelos.
Compartilhar a minha tristeza e arrepender-me dos
meus atos, em vez de encobrir tudo e guardar
aqueles sentimentos só para mim, levou-me a
ocupar a posição de receber alguma graça, e
acabamos recolhendo juntos os pedaços de espelho.
Remorso versus vergonha
Quando nos privamos da graça e vivemos com
culpa, essa culpa costuma vir à tona sob forma de
remorso e vergonha.
Eles podem andar juntos, e com frequência o
fazem. Não são mutuamente excludentes. Contudo,
há uma diferença entre eles.
Em palavras bem simples, remorso é sentir-se
mal acerca de algo que você fez ou não, ao passo
que vergonha é sentir-se mal em relação a quem
você é ou como acha que é visto por Deus e pelos
outros.
No capítulo anterior, passamos algum tempo
conhecendo a mulher junto ao poço de João 4.
Estou certo de que ela tinha remorsos, mas sua
verdadeira luta era viver à sombra da vergonha que
sentia. Não que estivesse tentando superar um erro
ou uma decisão ruim; o fato é que sua vida estava
sendo definida por essas coisas. A vergonha está
mais ligada à identidade da pessoa, ao passo que o
remorso tende a ter a ver com algo específico que a
pessoa fez ou deixou de fazer.
Várias vezes no ano, visito uma prisão e conduzo
um estudo bíblico para os detentos. Em geral, fico
algum tempo depois do estudo conversando e
orando com esses homens. Aprendi que muitos
deles carregamo fardo pesado do remorso. Ele os
mantém acordados à noite. Talvez saibam que Deus
os perdoou, mas revivem o tempo todo o momento
específico em que fizeram algo que nunca se
imaginaram fazendo e são consumidos pelo que o
gesto lhes custou e às pessoas que amam. Como me
contou um detento: — Sei que fui perdoado, mas
não consigo parar de pensar em como a minha vida
seria diferente se pudesse voltar e fazer uma
escolha diferente.
Isso é remorso.
Suponho que a maioria de nós consegue pensar
em uma ou duas horas — talvez uma ou duas
décadas — de nossas vidas que daríamos
praticamente qualquer coisa para ter de volta.
Faríamos tudo diferente. Em retrospecto, somos
capazes de ver o efeito desse pecado na nossa vida
e na vida das pessoas que amamos. Pagamos uma
parte considerável dessa conta, suficiente para
percebemos que o custo é muito maior do que
jamais pensávamos ser possível. E nunca pensamos
no preço que outras pessoas teriam de pagar.
Tenho observado que, quando as pessoas me
falam de seus arrependimentos, habitualmente
começam a frase com as seguintes palavras: Se pelo
menos eu…
Há pouco tempo, deparei com um website
chamado “Secret Regrets” [Remorsos secretos] que
relaciona dezenas de milhares de postagens de
pessoas expressando remorso por algo que fizeram.
Aqui estão alguns poucos exemplos: • “Eu lamento
muito que, quando você ainda era um bebê e eu só
tinha 18 anos, meu namorado fosse violento demais
a ponto de me dedicar com medo para defender
você e a mim, e que por isso tenham levado você
embora. Isso aconteceu há vinte anos e penso em
você todos os dias.”
• “Eu me arrependo de haver reclamado por
caminharmos devagar demais e de você se apoiar
em mim para manter o equilíbrio. Sendo deficiente,
era muito mais difícil para você. Eu era apenas um
garoto, mas sinto muito, mãe.”
• “Eu me arrependo por nunca ter dito ‘eu te
amo’ para cada uma de vocês, crianças, quando
ainda estavam na fase de crescimento. E sinto
muito pelo fato de, por alguma razão, ainda não
conseguir dizer essas palavras.”
• “Eu me arrependo por ter sido uma mãe
egocêntrica, que não deixava você me ajudar
porque não queria confusão na cozinha.”
E a lista prossegue. Alguns casos são menos
específicos: • “Eu me arrependo de lhe ter dado
meu coração quando tudo que você queria era meu
corpo.”
• “Eu me arrependo por nunca ter guardado
nenhum dinheiro, porque agora nunca mais
conseguirei me aposentar.”
• “Eu me arrependo por nunca lhe ter contado
como me sentia.”
• “Eu me arrependo por nunca ter lutado por
nós.”
• “Eu me arrependo por todo o tempo que passei
reclamando e criticando.”
Se há alguma coisa em comum entre todos nós, é
que todos temos remorsos e arrependimentos.
Todos gostaríamos de voltar e fazer algumas coisas
de outra maneira.
Cerca de três anos atrás, depois de escrever perto
de 20 mil palavras de um livro no computador, por
algum motivo o documento se corrompeu. Cada
letra de cada palavra de cada página foi substituída
por um . Quando vejo esses *, o que quer que esses
** signifiquem, sinto náuseas. Tenho quase certeza
de que minha editora não aceitaria o livro se os
primeiros quatro capítulos fossem só *********.
Aquele documento representava centenas de horas
de trabalho. Entrei em pânico para recuperá-lo.
Sabia que salvara um backup fazia pouco tempo, e
tinha a esperança de conseguir recuperar a maior
parte do que escrevera. Liguei para um técnico de
TI.
Ele disse que não me preocupasse e foi me
passando o passo a passo sobre como usar um
programa do meu Macbook chamado “Time
Machine”, ou Máquina do Tempo. De alguma
forma, presumo que pela combinação de um passe
de mágica com um capacitor de fluxo, consegui
voltar no tempo com meu computador para antes de
o documento ser corrompido.
Foi como se nunca tivesse acontecido.
Não seria bom se Deus equipasse cada humano
com uma função “Máquina do Tempo”? Como
você a usaria? Talvez voltasse para antes de dizer
certas palavras para um irmão.
Talvez para antes de ter um caso. Talvez para
logo antes de tomar o primeiro drinque. Ou logo
antes de abandonar a sua família. Ou logo antes de
aceitar o convite do ex-namorado no Facebook. Ou
logo antes de concordar em ter aquele primeiro
encontro. Ou logo antes de entrar na clínica de
aborto.
Pode ser que você não esteja trancafiado atrás de
grades, mas isso não quer dizer que não seja um
prisioneiro. A maioria de nós está desesperada para
se ver livre da culpa e dos remorsos que nos
aprisionam.
Remorso, arrependimento e rejeição do ato
praticado
A Bíblia nos relata uma noite em que dois
discípulos fizeram algo que nunca imaginaram
fazer. Foi a noite da prisão de Jesus.
Ele estivera no cenáculo com os discípulos.
Judas saiu do jantar para traí-lo. Encontrou-se com
oficiais judeus para cuidar dos preparativos finais a
fim de que Jesus lhes fosse entregue.
Mas Judas não é o único discípulo a trair Jesus
aquela noite.
Jesus advertiu os demais discípulos: “[…]
‘Ainda esta noite todos vocês me abandonarão’
[…]” (Mateus 26.31). Ao ouvir isso, Pedro ficou
indignado. Objetou com paixão, mas Jesus lhe
disse: “[…] ‘Asseguro que ainda esta noite, antes
que o gale cante, três vezes você me negará’ ” (v.
34). Foi então que Pedro duplicou seu
comprometimento: “[…] ‘Mesmo que seja preciso
que eu morra contigo, nunca te negarei’ […]” (v.
35).
O sol se pôs enquanto Jesus conduz os discípulos
pelas ruas de Jerusalém. Seguem para fora da
cidade, pelo portão oriental do templo, em direção
ao monte das Oliveiras. Chegam a uma área
arborizada e cercada a que dão o nome de
Getsêmani.
Jesus instrui os discípulos a orar e depois se
afasta sozinho.
Sabe do horror que o aguarda e na quietude da
noite clama a seu Pai.
Devia orar no jardim de Getsêmani com alguma
frequência, pois Judas sabe exatamente onde
encontrá-lo.
Lidera um grupo de cerca de 600 homens jardim
adentro para prender Jesus. Judas combinou um
sinal para que estes soubessem qual deles era Jesus.
De modo que se aproxima e trai Jesus com um
beijo. Os soldados avançam para efetuar a prisão.
Os discípulos estão em menor número, são 60
soldados para cada um; não têm a menor chance.
Mas Pedro passa a mão em uma faca de
açougueiro, provavelmente a mesma que usara
mais cedo para trinchar o cordeiro pascal, e desfere
um golpe no servo do sumo sacerdote. Tenta
arrancar-lhe a cabeça, mas só consegue decepar
uma orelha.
Imagino que Pedro tivesse alguns buracos na
porta de seu closet. Jesus interfere na mesma hora e
dá um basta ao que Pedro está fazendo. Pega a
orelha e, depois de desconfectá-la,[Nota 2] torna a
prendê-la no servo.
A partir do momento em que Jesus é preso, todos
os discípulos, menos dois, fogem. Pedro e João o
seguem a uma distância segura. Em algum
momento, os dois se separam e Pedro fica no pátio
do sumo sacerdote, aguardando para ver o que
acontecerá com Jesus. É quando uma escrava o
reconhece e lhe pergunta se é um dos discípulos.
Pedro faz o que prometera jamais fazer — nega
Jesus. Em seguida vai até uma fogueira, onde
permanece em companhia de outras pessoas que
tentam se aquecer. De novo é reconhecido e de
novo nega conhecer Jesus.
Um pouco mais tarde, Pedro é reconhecido pela
terceira vez, e pela terceira vez nega conhecer
Jesus. Na verdade, chega a jurar, sob pena de ir
para o inferno, que não conhece Jesus.
Mas suas blasfêmias são interrompidas pelo
canto de um galo.
Nesse exato momento, Jesus está sendo
conduzido pelo pátio.
Açoitaram-no a valer. Seu rosto está
ensanguentado e inchado.
Lucas 22.61 nos conta:
Então o Senhor virou-se e olhou firme para
Pedro, e ele lembrou das palavras que o
Senhor lhe tinha dito: “Hoje, antes que o galo
cante, você dirá três vezes que não me
conhece” ( Nova Tradução na Linguagem de
Hoje).
Pedro cai em si. Percebe o que fizera. Justo o que
jurara nunca fazer.
Então Pedro saiu dali e chorou amargamente. (v.
62, Nova Tradução na Linguagem de Hoje)
Enquanto Jesus passa por uma série de julgamentos
ilegais e injustos, ficamos sabendo que Judas
também se encheu de remorso. Sente-searrasado
pelo arrependimento e desesperado para remediar
as coisas. Vai até os principais sacerdotes e líderes
Infelizmente,
quando ficamos
face a face com a
religiosos e joga o dinheiro no templo. “Pequei”,
confessa-lhes, “pois traí sangue inocente […]”
(Mateus 27.4).
Tanto Pedro quanto Judas estão cheios de culpa e
remorso pelo que fizeram. Se pudessem, voltariam
atrás no tempo e desfariam os erros praticados, mas
não podem. Nem você pode.
Você fez a única coisa que prometeu a si mesmo
nunca fazer, e não há como desfazê-la. Talvez você
a tenha repetido três vezes.
Talvez já tenha perdido a conta de quantas vezes
foram. Agora tem a impressão de que poucos dias,
ou poucas horas, ou poucos minutos, talvez até
segundos, definirão o resto da sua vida.
Nosso remorso deveria levar
ao arrependimento. Essa é a
reação certa quando somos
culpa, costumamos
apelar para tudo que
estiver ao nosso
alcance a fim de
evitar o
arrependimento
confrontados com o nosso
pecado. A graça de Deus não o
abandonará nessa condição, mas é
onde ela o encontrará com mais
frequência. Infelizmente, quando
ficamos face a face com a culpa,
costumamos apelar para tudo que estiver ao nosso
alcance a fim de evitar o arrependimento.
Algumas condutas comuns pelas quais vejo as
pessoas lidarem com o remorso são:
1. Racionalização. Alguns tipos de
racionalização que costumo ouvir: “Não estou
fazendo mal a ninguém/Não consigo evitar de me
sentir assim/Deus me fez assim/ Deus quer que eu
seja feliz”. Sempre se percebe quando alguém está
racionalizando em razão da sensação de que esse
alguém está tentando se convencer de que algo é
certo quando sabe que não é.
2. Justificação. Costuma manifestar-se quando se
põe a culpa em tudo ou em todos, menos em si
mesmo. Muita gente lida com o remorso expondo
todos os motivos pelos quais o que aconteceu não é
sua culpa e, portanto, tampouco sua
responsabilidade. “Se os meus pais não fossem tão
permissivos/Se os meus pais não fossem tão
rígidos/Se a minha mulher não fosse tão crítica/Se
o meu marido não fosse tão desatento/Se o meu
chefe não fosse tão injusto/ Se a cultura não fosse
tão corrupta.”
3. Comparações. Tocamos neste assunto no
capítulo 1, mas as pessoas tentam se sentir melhor
em relação ao remorso comparando-se com outras.
Penso que essa é uma das razões pelas quais amam
tanto as revistas de fofocas e os reality shows na
TV. Nada nos faz sentir que o que fizemos não é
tão grave como ouvir sobre o que outras pessoas
têm feito. De algum modo ficamos mais aliviados
em relação a nosso remorso quando podemos dizer:
“Bom, pelo menos eu não
________________________”.
4. Distração. Essa é uma das piores. Nunca
paramos tempo suficiente para olhar para nós
mesmos no espelho. Nunca reservamos tempo para
refletir sobre as decisões que tomamos.
Preenchemos cada milímetro da vida com trabalho,
relacionamentos e entretenimento. Se em algum
momento acontecer de termos uns poucos segundos
sobrando, instintivamente pegamos o celular e
brincamos com jogos ou navegamos na Internet.
5. Escapismo. Uma forma extrema de distração.
A pessoa não consegue lidar com o remorso que
sente e, então, engole pílulas, fuma erva, se
embebeda ou pega o cartão de crédito e sai
gastando. Nós nos automedicamos tentando tratar
nossa culpa e entorpecer a dor do que fizemos, nem
que só por algum tempo.
Tanto Pedro quanto Judas reconhecem seus
erros.
Confessam onde tomaram uma decisão
equivocada. Permitem que o remorso os conduza
ao arrependimento. Mas cada um deles lida com
isso à sua maneira. Judas devolve as 30 moedas de
prata que aceitara para trair Jesus. Que bom que
tentou endireitar as coisas. Tanto quanto possível,
deveríamos assumir a responsabilidade por nossos
atos. O problema é que podemos fazer bem pouco
em relação a muitos dos nossos remorsos. Essa
tende a ser uma das razões mais significativas pela
qual encontramos tanta dificuldade para viver sem
nenhum remorso. Judas percebe que não pode
desfazer o que tinha feito. Não tem como reparar as
coisas ou devolver cada peça a seu devido lugar, e a
Bíblia nos conta que ele foi e se enforcou (Mateus
27.5).
Ele não conseguiu lidar com seus remorsos.
Estou convencido
de que muita gente
se mata aos poucos
por causa de
remorso.
Estava convencido de que eram maiores do que a
graça redentora de Deus.
Não podia viver com o peso do que fizera, por
isso se matou.
A maioria das pessoas não resolve seus remorsos
pelo suicídio, mas estou convencido de que muita
gente se mata aos poucos por causa de remorso.
Pedro, assim como Judas, se
enche de remorso, mas Pedro se
arrepende de fato, pois o remorso
deveria levar ao arrependimento,
e o arrependimento, à rejeição do
ato praticado. Não quero inferir
coisas demais aqui; no entanto, tenho para mim
como é importante que tanto Pedro quanto Judas
tenham se arrependido, mas só Pedro, pelo que
lemos, chorou. A versão da Bíblia A Mensagem em
inglês parafraseia Lucas 22.62 assim: “Ele saiu e
chorou, e chorou, e chorou”.
Talvez a razão pela qual isso chame a minha
atenção seja porque aprendi a procurar nas lágrimas
um sinal de arrependimento real. Uma das
perguntas que faço aos homens que vêm e
confessam um pecado é: “Você chorou por causa
disso?”.
Talvez a pergunta pareça estranha, mas, pela
minha experiência, às vezes as lágrimas têm um
incrível poder de cura quando o assunto são os
nossos remorsos. João Crisóstomo explica isso do
seguinte modo: “O fogo do pecado é intenso, mas
uma pequena quantidade de lágrimas consegue
debelá-lo, pois a lágrima apaga uma fornalha de
enganos e purifica nossas chagas dos pecados”.
Uma possível distinção entre a maneira pela qual
Judas e Pedro lidaram com o arrependimento se
encontra em 2Coríntios 7.10: “A tristeza segundo
Deus não produz remorso, mas sim um
arrependimento que leva à salvação, e a tristeza
segundo o mundo produz morte”.
Certa manhã bem cedo, depois que Jesus
ressuscitou dentre os mortos, Pedro saiu para
pescar com alguns outros discípulos.
Era assim que ganhava a vida antes de se tornar
um seguidor de Jesus em tempo integral. Talvez
tivesse retomado a atividade por se sentir um
fracassado depois de negar aquele por quem
deixara tudo para o seguir. Talvez tivesse se
arrependido de seu pecado e sido perdoado, mas
seria forçado a viver o resto da vida com seus
pesares — pensando no que talvez teria acontecido
e em como Deus poderia tê-lo usado se ao menos…
Do barco, Pedro avistou uma figura solitária
caminhando na praia a cerca de 100 metros de
distância. O homem gritou na direção do barco:
“Pegaram alguma coisa?”. Pedro e os outros
responderam: “Não, nada”. O homem da praia
então disse: “Lancem as redes do outro lado”. Os
pescadores concordaram e suas redes se encheram
de peixes (cf. João 21.4-6).
Pedro percebeu que era Jesus e não conseguiu
esperar até o barco retornar à praia. Mergulhou na
água e nadou até ele.
Jesus preparava o café da manhã, e eles se
reuniram em torno da fogueira. Você já notou como
um odor específico é capaz de trazer de volta uma
lembrança? O mau cheiro de um vestiário o faz
lembrar-se de futebol, o odor peculiar de uma
fábrica o faz lembrar-se de um emprego de verão,
determinado perfume consegue lembrar você do
primeiro encontro com sua esposa.
Às vezes, eu me pergunto se o cheiro do carvão
despertou na memória de Pedro a última vez em
que ficara ao redor de uma fogueira — a ocasião
em que negara Jesus.
Reunidos em volta do fogo na praia, três vezes
Jesus perguntou a Pedro: “Você me ama?”. Três
vezes Pedro confirmara seu amor. Até que Jesus
disse: “Pastoreie as minhas ovelhas” (v. 15-17).
Jesus estava dizendo a Pedro que ele não precisava
ser refém de seus remorsos. Jesus ainda tinha um
grande plano para ele. A graça tem o poder de
redimir o remorso.
Um troféu da graça de Deus
Depois que recolhemos os cacos do espelho
quebrado do chão do closet, na manhã seguinte
contei à minha esposa que tinha a sensação de que
Deus queria que eu compartilhasse com a igreja a
história em que eu dava um murro na porta e depois
a

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