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A GRAÇA É MAIOR Kyle Idleman EDITORA VIDA Rua Conde de Sarzedas, 246 – Liberdade CEP 01512‑070 – São Paulo, SP Tel.: 0 xx 11 2618 7000 atendimento@editoravida.com.br www.editoravida.com.br Editor responsável: Gisele Romão da Cruz Tradução: Jurandy Bravo Revisão de tradução: Sônia Freire Lula Almeida Revisão de provas: Josemar de Souza Pinto Projeto gráfico: Claudia Fatel Lino Diagramação: Carolina do Prado Capa: Arte Peniel (adaptado) ©2017, Kyle Idleman Título do original Grace is Greater Copyright da edição brasileira © 2018, Editora Vida. Edição publicada com permissão de Baker Books, uma divisão de Baker Publishing Group (Grand Rapids, Michigan, 49516, EUA) ■ Todos os direitos desta tradução em língua portuguesa reservados por Editora Vida. PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE. Todos os grifos são do autor. ■ Scripture quotations taken from Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, NVI ®. Copyright © 1993, 2000, 2011 Biblica Inc. Used by permission. All rights reserved worldwide. Edição publicada por Editora Vida, salvo indicação em contrário. Todas as citações bíblicas e de terceiros foram adaptadas segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde janeiro de 2009. 1. edição: mar. 2018 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Idleman, Kyle A graça é maior : o plano de Deus para superar seu passado, redimir sua dor e reescrever sua história / Kyle Idleman ; [tradução Jurandy Bravo]. -- São Paulo : Editora Vida, 2018. Título original: Grace is Greater : God's Plan to Overcome Your Past, Redeem Your Pain, and Rewrite Your Story 17-11228 CDD-234 ISBN: 978-85-383-0370-1 (Teologia) 2. Vida cristã I. Título. Título. Índice para catálogo sistemático: 1. Graça : Teologia 234 SUMÁRIO Prólogo Introdução: A graça é maior PARTE 1 – A graça é maior… que os seus erros 1. Mais pronta a perdoar que a sua culpa 2. Mais maravilhosa que a sua prostração 3. Mais redentora que os seus arrependimentos PARTE 2 – A graça é maior… que as suas feridas 4. Mais eficaz para curar que as suas feridas 5. Mais libertadora que a sua amargura 6. Mais predominante que a sua vingança 7. Mais reconciliadora que o seu ressentimento PARTE 3 – A graça é maior… que as suas circunstâncias 8. Mais pacífica que as suas desilusões 9. Mais poderosa que a sua fraqueza 10. Mais esperançosa que o seu desespero PRÓLOGO Cinco anos atrás, viajei pelo país afora falando em diferentes igrejas e conferências sobre seguir Jesus. Tinha escrito um livro chamado Not a Fan [Não sou fã] que desafiava quem se denominava cristão a não ser um fã de Jesus, mas, sim, seu seguidor. Ao nos convidar a segui-lo, Jesus nos chamava para negarmos a nós mesmos e tomar uma cruz. Nossa tendência, ainda mais no mundo ocidental, é tentar segui-lo sem precisar negar a nós mesmos. Queremos aceitar seu convite, mas estamos obcecados com a ideia de permanecer confortáveis, o que significa tentarmos seguir Jesus sem carregar uma cruz. Em outras palavras, queremos segui-lo de perto o suficiente para obter os benefícios, mas não tanto a ponto de que isso exija algo da nossa parte. Quando Jesus fazia um convite, ele constrangia as pessoas. Tanto que não raras vezes grandes multidões lhe davam as costas e voltavam para casa. Quando eu pregava essa mensagem, em geral me empolgava bastante. Queria que os cristãos se sentissem culpados e incomodados com a ideia de que estava tudo bem segui-lo com base em suas próprias condições, em vez de nas condições que Jesus estabelecia. Uma noite fui pregar na Universidade do Alabama em Birmingham, Alabama, em uma conferência para homens. Tenho a tendência de pegar mais pesado ainda quando falo a um auditório de milhares de homens. Encerrada minha fala, desci do palco me sentindo muito bem por ter dado uma surra em tantos homens ao mesmo tempo. Continuei por ali mais algum tempo, autografei alguns livros e cumprimentei alguns dos presentes. Um deles me entregou um pedaço de papel em que havia uma referência bíblica rabiscada: Hebreus 12.15 Não lhe perguntei o que dizia. Sei que soa um pouco patético, mas, se alguém faz menção a uma referência bíblica, o mais provável é que eu aja como se soubesse o que ela diz, mesmo sem ter a menor ideia. Você poderia inventá-la e possivelmente eu balançaria a cabeça como se não apenas estivesse familiarizado com o texto bíblico, mas comprometido em memorizá-lo desde criança. De qualquer forma, agradeci, enfiei o pedaço de papel no bolso e me esqueci do ocorrido. Com a maior parte das coisas que tem o azar de ir parar dentro do meu bolso acontece uma de duas coisas. Ou ela acaba dentro do lixo, no meio de um monte de palitos de dentes quebrados e invólucros de chiclete, ou — o mais provável — permanece no bolso do meu jeans até passar por ciclos suficientes na lavanderia para acabar desfeita, presa ao filtro da secadora. No entanto, voltando para casa aquela noite, parei em um drive-through pensando em fazer uma “boquinha”. Quando apalpei o bolso à procura de moedas, tirei do interior o pedaço de papel. Procurei Hebreus 12.15 no celular enquanto esperava minha comida. Estava familiarizado com o versículo, mas lê-lo dessa vez foi diferente. Já aconteceu de você encontrar um versículo nas Escrituras e ter a sensação de estar ouvindo Deus lendo para você? Foi assim. Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus.( Almeida Revista e Corrigida) Desde aquela noite no drive-through, Deus me conduziu em uma jornada para escrever este livro. Ainda gosto de desafiar as pessoas com o que significa seguir Jesus completamente, mas, no fundo da minha mente, ouço o tempo todo o Espírito Santo sussurrar: “Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus”. A palavra traduzida por “privar-se” também poderia ser traduzida por “deixar de receber” ou “deixar de obter” ou “deixar de experimentar”. Minha oração em seu favor, enquanto você lê este livro, é para que receba, obtenha e experimente a graça de Deus na sua vida. INTRODUÇÃO A graça é maior No início de todo ano, é bem provável que deparemos com um ou dois artigos que atualizam os leitores quanto às novas palavras acrescentadas ao dicionário. Sempre acho fascinante ver uma palavra que não existia, ou pelo menos não formalmente reconhecida um ano antes, abrir caminho até nosso vocabulário oficial. Mas atenção: não uso com frequência essas palavras porque o emprego proposital de termos com que as pessoas não estão familiarizadas me parece um tanto pueril, talvez até sinal de certa imbecilidade. Este ano, no entanto, ao ver as novas palavras que foram reconhecidas, resolvi me divertir tentando adivinhar o sentido de cada uma delas antes de ler a definição. O desafio foi maior do que previ. Deixe-me apresentar três das minhas novas favoritas. Tente lhes adivinhar o significado: • Fonésia • Desconfectar • Blamestorming Já tem suas definições? Aqui estão as verdadeiras. 1. Fonésia. Achei que a palavra tinha grande probabilidade de ser um substantivo de algum modo relacionado com “fone” e “amnésia”. O meu palpite de definição: “Fenômeno que consiste em esquecer onde você deixou o celular minutos antes de utilizá-lo”. Eis a verdadeira definição: “Ato de dar um telefonema e esquecer-se de para quem ligou no exato momento em que a pessoa atende”. 2. Desconfectar. Vou dar uma dica: palavra muito útil para ser usada na época do Halloween. Um exemplo da palavra inserida em uma frase: “O menino perguntou à mãe se podia comer o pedaço de doce, uma vez que já o desconfectara”. Aqui está a definição: “Tentativa de esterilizar uma guloseima que caiu no chão soprando sobre ela”. 3. Blamestorming. Esta palavra seria útil em um ambiente corporativo. É evidente o jogo que existe entre ela e brainstorming. A definição: “Participar de reunião e discutir quem é o responsável pelos problemas da empresa, em vez de procurar solucioná-los”.São termos novos com significados novos. São interessantes e chamam a atenção pelo seguinte motivo: apesar da novidade que representam, definem algo familiar. Graça não é uma palavra nova para nós. Estamos familiarizados com ela — e isso pode ser um problema. Quando se usa um termo em circulação há muito tempo e sobre o qual se fala com frequência, as pessoas tendem a bocejar. A palavra “graça” é tão comum que não transmite a sensação de algo muito impressionante. Lembro-me do comercial de um cereal em flocos da Kellogg’s veiculado quando eu era criança. Ao que tudo indicava, o pessoal da Kellogg’s pesquisara e descobrira que muitos de seus consumidores em potencial tinham crescido comendo os cereais em flocos da marca, mas que não haviam comprado nem uma caixa nos anos mais recentes. Assim, bolaram uma campanha cujo slogan dizia mais ou menos o seguinte: “Cereais em flocos Kellogg’s — prove-os de novo pela primeira vez”. Queriam reapresentar seu produto às pessoas; por isso, convidaram-nas para experimentar o cereal em flocos como se nunca o tivessem feito. Sei que muitos de vocês ouviram inúmeros sermões sobre graça. Podem até ter lido vários livros sobre o assunto. Mas minha oração é que vejam essa palavra de novo pela primeira vez. Raiz de amargura Hebreus 12.15 diz: “Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus”. O mandamento é acompanhado de uma advertência do que acontece quando alguém se priva da graça: […] e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem (Hebreus 12.15, Almeida Revista e Corrigida). Quando nos privamos da graça, uma raiz de amargura começa a se desenvolver. Na cultura hebraica, qualquer planta venenosa seria chamada de “amarga”. O autor de Hebreus usa “raiz de amargura” como metáfora para deixar claro que, quando nos privamos da graça, as coisas ficam perigosas. A religião sem a graça é venenosa. Um relacionamento sem a graça é venenoso. Uma igreja sem a graça é venenosa. Um coração sem a graça é venenoso. A raiz de amargura pode ser pequena e demorar para crescer, mas um dia seu veneno começará a causar efeito. Neste livro, analisaremos a grandiosidade da graça e o efeito que ela tem sobre a nossa vida, mas sejamos claros: há também um efeito da ausência de graça. Ao nos privarmos da graça, o veneno da amargura e da raiva acabará se tornando demasiado para permanecer enterrado na raiz. O veneno da culpa e da vergonha acabará destruindo a alma. Experimentando a graça Muitos livros teológicos ensinam a doutrina da graça e alguns têm me prestado enorme ajuda. Mas que fique claro: o livro que você tem nas mãos não é desse tipo. Você continua sendo bem-vindo para postar algo ou me enviar um e-mail chamando minha atenção para esse fato, mas não será tão divertido, pois mais que depressa concordarei com sua opinião. Estou menos interessado em e também menos qualificado, nesse caso, para o ensinar sobre a doutrina da graça. Interessa-me muito mais ajudar você a experimentar a graça. Tenho a tendência de pensar que a graça é melhor e mais plenamente compreendida não com uma explanação apenas, mas por meio da experiência. Pense nisso como no caso do amor romântico. Se quiser entender o amor romântico, você pode abrir um compêndio científico e vê-lo explicado em termos de reações neurais e químicas. Isso pode ajudar, mas, na verdade, só tem um jeito de entender o amor romântico. Ele precisa ser experimentado. Quando algo é mais bem compreendido pela experiência, também é mais bem ensinado por meio de histórias. Estas têm o poder de nos transportar para uma experiência. A Bíblia está repleta de narrativas que nos ensinam sobre a graça. Quando Jesus quis ajudar as pessoas a entenderem a graça de Deus, não deu uma explicação longa e detalhada. Em vez disso, contou a história do filho pródigo. Compare o que aprendemos sobre a graça por intermédio de Paulo e o que aprendemos sobre a graça com Jesus. Paulo usa o termo “graça” mais de cem vezes em suas cartas enquanto ajuda a igreja a entender o conceito. Por outro lado, Jesus nunca usou a palavra “graça”. Em vez disso, mostrou-nos como ela é. As duas abordagens são válidas e necessárias, e sem dúvida as explicações de Paulo eram motivadas por sua própria experiência com a graça e pelo desejo de que outros a experimentassem. Todavia, se a graça for explicada sem ser vivenciada, na verdade não produz muito efeito. Para dar novo sentido à famosa observação sarcástica de E. B. White sobre o humor: “Pode-se dissecar a graça como um sapo, mas ela morre durante o processo”. Assisti a várias aulas no seminário tomando notas detalhadas sobre o assunto da graça. Memorizei incontáveis versículos bíblicos que a descrevem. Li diversos livros acerca do assunto. Mas sabe o que mais me ensinou sobre ela? Minha própria história e as histórias de pessoas que a experimentaram. A graça de Deus é fascinante quando explicada, mas irresistível quando experimentada. Oro para que você não venha a se privar da graça, mas que lhe experimente o efeito em sua vida de maneira poderosa — e não importa o que você tenha feito, não importa o que lhe tenha sido feito, você experimentará pessoalmente a verdade de que a graça é maior. A graça é poderosa o bastante para apagar sua culpa. A graça é grande o suficiente para cobrir sua vergonha. A graça é real o suficiente para curar seus relacionamentos. A graça é forte o bastante para o sustentar quando você estiver fraco. A graça é doce o bastante para curar seu amargor. A graça satisfaz o suficiente para tratar da sua desilusão. A graça é maravilhosa o suficiente para redimir sua prostração. A graça explicada é necessária, mas experimentada é essencial. PARTE 1 A graça é maior… que os seus erros Capítulo 1 Mais pronta a perdoar que a sua culpa Meu filho sempre levou muito a sério a brincadeira de “travessuras ou gostosuras” no Halloween.[Nota 1] Ele mapeia todo o bairro, traçando cuidadosamente sua rota a fim de não deixar nenhuma casa de fora. Isso nada tem a ver com divertir-se angariando guloseimas. Trata-se de uma competição a ser vencida, de uma missão a ser cumprida. Escolhe as fantasias tendo em vista propósitos de mobilidade. No fim de cada competição, traz o saco de guloseimas para casa e o pesa. Em seguida, organiza tudo. Herdou esse ímpeto da mãe. Separa os chocolates e guarda no freezer. Organiza o que sobra por tipo e cor. Eu sabia disso tudo. O que eu não sabia é que ele também cria uma planilha para acompanhar quantos doces angariou, quantos comeu e quantos restam. Quando ele tinha 9 anos, seu saco de coleta pesou 2,6 quilos. Naquela noite de Halloween, ele foi para a cama e eu fiz o que normalmente faço — assaltei o tesouro de uma criança adormecida. Pensava que meu filho jamais perceberia se algumas unidades de balas puxa-puxas Laffy Taffy desaparecessem, de modo que peguei três delas e destruí todas as provas. No dia seguinte, quando voltei do trabalho, abri a porta da frente de casa e descobri que ele estava à minha espera. — Pai, precisamos conversar — anunciou. Mandou que me sentasse e indagou: — Tem alguma coisa que o senhor gostaria de me contar? Sentia-me um pouco nervoso e tentando imaginar se minha esposa me delatara.[Nota 2] Ele então tirou um pedaço de papel com números e símbolos que não consegui decifrar, encarou-me e revelou que sabia que eu tinha comido três pacotes de puxa-puxas. Nunca imaginei ser pego, mas acontece que ele mantinha um registro de suas guloseimas. Eu seria capaz de continuar negando para meu filho, mas as provas que ele tinha eram fortes e aquela não era minha primeira transgressão. Em vez de lhe dizer que sentia muito, aproveitei a oportunidade para destacar alguns detalhes que talvez ele tivesse deixado passar sem perceber. Por exemplo, que eu tornara sua existência possível. É evidente que alguns poucos pacotes de balas não são grande coisa, mas veja o que descobri a meu próprio respeito naquele momento: quando sou culpado de algo, mesmo que não sejagrande coisa, tenho a tendência de ficar na defensiva. Não gosto de admitir minha culpa. Defendo-me com paixão, sou irracional em minha justificativa e quase sempre minimizo a seriedade do meu ato. Se reajo assim ao ser acusado de roubar três pacotes de balas, a probabilidade é grande de que não reaja com grande honestidade ou humildade quando o assunto é o pecado na minha vida. Tudo em mim quer negar, comparar, minimizar e justificar. Mas, enquanto tratar do meu pecado com esse espírito, não serei capaz de experimentar o poder e a grandiosidade da graça de Deus. A terrível verdade Há uma correlação direta entre nossa capacidade de apreciar a graça e até que ponto reconhecemos a necessidade que temos dela. Quanto mais reconheço como é horroroso o meu pecado, mais consigo apreciar a beleza da graça de Deus. A Bíblia ergue um espelho à nossa frente e nos confronta com a realidade do nosso pecado. Quanto mais reconheço como é horroroso o meu pecado, mais consigo apreciar a beleza da graça de Deus. Sim, todos pecaram […] e não puderam alcançar o glorioso ideal de Deus. (Romanos 3.23, Bíblia Viva) Esse “todos” inclui quem? Ora, “todos” inclui você e eu. Todos pecamos. Tenho certeza de que você já ouviu isso antes. Duvido que a informação seja nova. Minha pergunta é: como você reage a essa informação? Durante muito tempo, li versículos como esse e pensei: Bem, é isso mesmo. Quer dizer, tecnicamente falando, tenho pecado. Mas não pecado , pecado. Em geral isso é enunciado da seguinte forma: “Não sou tão mau assim”. A minha esposa e eu jantávamos em um restaurante quando uma mulher, provavelmente perto dos 60 anos, chegou e se apresentou. Começou a contar a história de como se tornara cristã havia pouco tempo. Só que não disse “cristã”, mas “seguidora de Jesus”. Apontou para o marido sentado a uma mesa do outro lado do restaurante. Acho que sentia a necessidade de esclarecer por que ele não viera nos cumprimentar. Explicou que o marido não se aborrecera com a decisão dela, mas parecia incomodado e não a compreendia. Sorri e acenei para ele, que também acenou, mas não sorriu. Seu aceno era como o que se dirige a outro motorista em um cruzamento para lhe indicar que siga em frente quando na verdade acredita que esse direito não pertence a ele, mas a você. Desse tipo. Fui até ele e me apresentei, e batemos papo por um ou dois minutos. No dia seguinte, dei continuidade ao contato enviando um e-mail a ambos dizendo que fora bom conhecê-los e pedindo que me falassem, caso qualquer um dos dois tivesse alguma dúvida com que pudesse ajudá-los. Não recebi notícias deles durante cerca de dois meses. Até que, um dia, sentado junto à minha mesa de trabalho, recebi um e-mail do marido. Relatava-me as mudanças que percebera na esposa. Ela estava mais gentil e paciente. Parecia mais alegre. Contudo, em vez de se empolgar com essas mudanças, ele se mostrava cético. Eis um trecho de seu e-mail. “Ela parece muito mais feliz agora, mas acho que só está tentando fazer que eu beba suco em pó”. Eu sabia não se tratar de um e-mail retórico. Ele tentava se aproximar, mas relutava em confessá-lo. Respondi convidando-o a vir à igreja com a esposa para me fazer uma visita de alguns minutos após o culto. Acomodamo-nos em uma sala pequena e comecei a lhe contar as boas-novas do evangelho. Parti de Romanos 3.23 e expliquei que todos pecaram e não podem alcançar o ideal de Deus. No mesmo instante, ele assumiu uma atitude defensiva e disse: — Não sou tão mau assim. A maioria das pessoas me consideraria um homem bom. — Achou injusto ser chamado de pecador e julgado segundo o “ideal de Deus”. — Até que ponto é justo estabelecer um padrão que ninguém consegue alcançar e depois dizer que são todos pecadores? — continuou. — É como fixar um alvo fora de alcance e culpar o atirador por não ser capaz de atingi-lo. Iniciei tentando dar uma explicação teológica de por que éramos pecadores. Começaria com Adão e Eva no jardim do Éden e falaria de como o pecado entrou no mundo. Acho que ele ficaria impressionado com alguns dos termos que pretendia usar para expor de que maneira nos rebelamos contra Deus. No entanto, antes que tivesse a oportunidade de discorrer sobre imputação ou pecado herdado, a esposa me interrompeu e perguntou se podia dizer uma coisa. Não esperou a minha permissão. Voltou-se para o marido e indagou: — Você acha tudo bem se embebedar e gritar com sua esposa? Acha tudo bem mentir sobre os números atingidos nas suas vendas? Acha tudo bem dizer a seu neto que irá vê-lo jogar e depois não aparecer? — E ainda lhe dirigiu outras três ou quatro perguntas mais pessoais claramente acusadoras. As respostas dele eram óbvias. Ela então completou: — Você diz que não é justo ser medido pelo padrão de Deus, mas não atinge nem os seus próprios padrões. Eu nunca pensara no assunto desse modo. Podemos ficar na defensiva quando um pregador Enquanto pensarmos Não sou tão mau assim, a graça não parecerá tão boa assim. nos chama de pecadores — mas nos esquecermos, em relação ao padrão de Deus, de que não conseguimos atingir nem o nosso próprio padrão. Damos duro convencendo-nos e aos outros que não somos tão maus, mas a verdade é que somos piores do que jamais imaginamos. Quanto mais você adia o reconhecimento disso, mais demora para começar a experimentar a graça de Deus. Se não percebermos a realidade e profundidade do nosso pecado, não desfrutaremos da graça de Deus. Enquanto pensarmos Não sou tão mau assim, a graça não parecerá tão boa assim. Costumamos chegar à conclusão de que não somos tão maus por dois caminhos diferentes. 1. Comparando-nos com outros. Não que afirmemos ser perfeitos, mas, quando nos comparamos com outros, o que fizemos não parece muito relevante. E claro, ao julgarmos a nós mesmos, em geral somos bastante condescendentes. Comparados com o que muita gente anda fazendo, os nossos pecados correspondem a pouco mais que atravessar a rua fora da faixa de pedestre ou enrolar no trabalho. Fazemos pouco caso do nosso pecado e da nossa necessidade de graça comparando-nos com outras pessoas, mas sabe o que você está fazendo quando se compara com os outros e se sente superior a eles? Isso mesmo: pecando. E é provável que, de onde Deus se assenta, seu orgulho e sua arrogância sejam mais horrendos que os pecados das pessoas às quais você acaba de se comparar. 2. Pesamos o que é mau em relação ao que é bom. No ano passado, li uma entrevista no New York Times com o ex-prefeito da cidade de Nova York, Michael Bloomberg. Ele tinha 72 anos na época. Estava sendo entrevistado pouco antes da quinquagésima reunião da sua turma de faculdade. Bloomberg falou sobre até que ponto constatar quantos de seus colegas de classe já tinham falecido o fazia conectar-se com a realidade. No entanto, o jornalista Jeremy Peters observou que Bloomberg não parecia muito preocupado com o que o esperava no outro lado. Ele escreveu: Mas, se [Bloomberg] sente que talvez não lhe reste tanto tempo como gostaria, praticamente não tem dúvidas em relação ao que o aguardaria no dia do juízo. Apontando para seu trabalho com o controle de armas, da obesidade e do tabagismo, com um sorriso largo ele afirma: “Só digo uma coisa: se existe um Deus, quando eu chegar ao céu não vou parar de dar entrevistas. Vou direto para lá. Fiz por merecer meu lugar no céu. Mas ainda não está nem perto da hora”.[Nota 3] Desse ponto de vista, a graça não é necessária nem desejada. Bloomberg coloca o bem que fez em um prato da balança e resolve que não necessitará de nenhuma ajuda. Todos podemos encontrar maneiras de chegar à conclusão de que “Não sou tão mau assim”, mas, ao fazê-lo, deixamos de usufruir do grande dom da graça divina. Enquanto não reconhecermos nossa necessidade de graça, não nos preocuparemos em recebê-la. Por padrão, nosso comportamento consiste em encobrirmos o pecado ou, pelo menos, minimizá-lo. Mas, ao encobrir nosso pecado, estamos encobrindo a graça. Ao minimizar o pecado, diminuímos a alegria que acompanhao perdão. Jesus não tentou fazer as pessoas se sentirem melhores acerca de si mesmas diminuindo a seriedade do pecado delas e transmitindo-lhes a falsa segurança de que não eram tão más. Ele explicou que quem é muito perdoado, muito ama (v. Lucas 7.47). Com isso, estabeleceu um paralelo entre nosso amor por Deus e o grau de perdão que recebemos. O maior pecador que conheço Li uma citação no Twitter outro dia de um pastor chamado Jean Larroux. Protestei silenciosamente assim que a li, mas, por irônico que pareça, é provável que meu protesto só tenha servido para provar a verdade do que ele dizia. Eis a citação: “Se o maior pecador que você conhece não for você, então você não se conhece muito bem”. A minha reação imediata e instintiva foi: Ora, veja bem, sou um pecador. Na verdade, um grande pecador. Mas não o maior pecador que conheço. No entanto, quanto mais penso naquela citação, e quanto mais sou sincero comigo mesmo e com minhas motivações, mais dificuldade tenho em negá-la. Alguma coisa na citação me parecia familiar. Não conseguia identificar muito bem o que era até reler a conhecida passagem das Escrituras em que Paulo se apresenta a Timóteo como o principal pecador: Esta afirmação é fiel e digna de toda aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior (1Timóteo 1.15). Lembro-me de ter feito um trabalho sobre essa passagem na época do seminário. O foco do trabalho era o passado de Paulo, antes de ele se tornar cristão. Defendi a tese de que Paulo se descrevia como o pior dos pecadores porque fora um perseguidor dos cristãos e fizera tudo que podia para destruir a igreja e a causa de Cristo. Quando meu professor me devolveu o trabalho, não havia uma nota no alto da página. Em seu lugar, ele anotara com caneta vermelha: “Reescreva”. Não entendi muito bem qual era o problema. Ele não fizera nenhuma observação na margem para me ajudar a compreender por que precisava refazer o trabalho inteiro. Depois da aula, subi até sua sala, na esperança de obter um pequeno feedback. O professor então pegou sua caneta vermelha e circulou uma palavra de 1Timóteo 1.15. Esta afirmação é fiel e digna de toda aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior. Aguardei um instante, na expectativa de obter algum esclarecimento, mas o professor já se voltara para atender o próximo aluno. Fiquei ali parado, olhando fixo para aquela única palavra, “sou”. De repente, entendi o que deixara passar. O verbo “ser” está no presente. E isso mudava tudo. Paulo não disse “Fui o pior dos pecadores”. Ele disse “Sou o pior dos pecadores”. Se você me conectasse a um detector de mentiras e me perguntasse “Você se acha o pior pecador?”, é provável que eu dissesse sim porque sou tão pecador que tentaria parecer mais espiritual parecendo tão humilde quanto possível.[Nota 4] Mas tenho certeza de que o polígrafo revelaria a verdade. Para ser franco, no fundo — provavelmente nem tão fundo assim —, não me considero o pior dos pecadores. Mas uma coisa digo a você: quanto mais aprendo sobre a justiça de Deus e quanto mais examino minha própria vida e minhas motivações, mais perto chego da inescapável conclusão de que sou o pior pecador que conheço. A doença do pecado Romanos 3.23 diz que todos pecamos. Romanos 6.23 afirma que o salário do pecado é a morte. Podemos minimizar nossos atos, mas a Bíblia diz que fomos considerados culpados e sentenciados à morte. Enquanto escrevo este capítulo, estou de quarentena no quarto de hóspedes. Supõe-se que eu esteja doente há alguns dias, e que preciso descansar e melhorar. Na mesa de cabeceira, ao meu lado, estão alguns remédios que a minha esposa trouxe poucas horas atrás. Mas ela sabe que não vou tomá-los. Veja bem, apesar das evidências em contrário, não me convenci de que esteja mesmo doente. A minha esposa diria a você que tenho problemas para reconhecer quando não me sinto bem. Recuso-me, pelo máximo de tempo possível, a admitir que estou doente… Só um minuto, lá vem ela verificar como estou. Muito bem, voltei. Veja o que acaba de acontecer. Ela entrou e me disse para tomar o remédio que tinha trazido antes. Perguntei-lhe: — Por que tomaria remédio se não estou doente? Ela se aproximou, colocou a mão na minha testa e respondeu: — Você está um pouco quente, na minha opinião. Acho que está com febre. Pus eu mesmo a mão na minha testa e lhe assegurei que estava ótimo. Ela sugeriu que a deixasse medir minha temperatura. Contei uma piada sobre o fato de que a medição não seria exata, porque, quando ela entra no quarto, a minha temperatura sobe vários graus. Ela virou os olhos e, ao sair do quarto, comentou: — Bem, só quero que se lembre que não vou lhe dar nem um beijo enquanto não melhorar. Tomei o remédio. Recuso-me a admitir que estou doente porque, se estiver, significa que tenho de fazer algumas coisas de maneira diferente. Se admitir para mim mesmo que estou doente, tenho de tomar remédio e ficar deitado na cama, e não gosto de tomar remédio nem de ficar na cama. De modo que minha estratégia é negar a realidade da minha condição tanto quanto possível. Acontece que fingir que não estou doente não é um modo muito eficaz de melhorar. Quanto antes admitir que estou doente, mais cedo tomarei o remédio e me sentirei melhor. Quanto antes começar a me sentir melhor, mais cedo beijarei a minha mulher. Mas, quanto mais insistir em não reconhecer minha doença e a não tomar remédio, mais tempo levarei para me sentir bem. Por volta de 1.600 anos atrás, Agostinho escreveu em suas Confissões: “Meu pecado era ainda mais incurável porque não me considerava um pecador”.[Nota 5] Enquanto não estivermos face a face com nosso diagnóstico terminal, haveremos de nos recusar a sarar. A Bíblia nos oferece o diagnóstico — todos sofremos de uma doença chamada pecado. É um vírus que infecta o mundo inteiro. Romanos 5.12 explica assim o problema: O pecado entrou no mundo por meio de um só homem [Adão], e o seu pecado trouxe consigo a morte. Como resultado, a morte se espalhou por toda a raça humana porque todos pecaram ( Nova Tradução na Linguagem de Hoje). Fomos todos diagnosticados com pecado, e nossa condição é terminal — o salário do pecado é a morte. Mas então Paulo nos apresenta um antídoto chamado graça. […] De fato, muitos morreram por causa do pecado de um só homem [Adão]; mas a graça de Deus é muito maior, e ele dá a salvação gratuitamente a muitos, por meio da graça de um só homem, que é Jesus Cristo. E existe uma diferença entre aquilo que Deus dá e o pecado de um só homem. Porque, no caso do pecado, a condenação veio por causa de um só pecado. Porém, no caso da salvação, Deus perdoa os que têm cometido muitos pecados, A graça sempre é maior — seja lá do que for embora não mereçam esse perdão. É verdade que, por causa de um só homem e por meio do seu pecado, a morte começou a dominar a raça humana. Mas o resultado do que foi feito por um só homem, Jesus Cristo, é muito maior! E todos aqueles que Deus aceita e que recebem como presente a sua imensa graça reinarão na nova vida, por meio de Cristo. Portanto, assim como um só pecado condenou todos os seres humanos, assim também um só ato de salvação liberta todos e lhes dá vida. (v. 15-18, Nova Tradução na Linguagem de Hoje) Paulo monta uma equação. De um lado está seu pecado, e seu pecado é pior do que consegue imaginar. Você pode minimizá- lo, racionalizá-lo e tentar desconsiderá-lo, mas continua sendo um doente terminal. Do outro lado da equação está a graça de Deus. Quando Jesus morreu na cruz, não teve o sangue infectado pelo pecado e tornou-se o antídoto que nos cura. Depois de colocar o seu pecado de um lado e a graça de Deus do outro, Paulo resolve a equação. […] a graça de Deus é muito maior […]. (v. 15, Nova Tradução na Linguagem de Hoje) Posso dizer com confiança que você não fez nada tão terrível que a graça não possa alcançar. A graça sempre é maior — seja lá do que for. Personalizando Em um fim de semana, entregueium pedaço de papel para todos os presentes na igreja com a seguinte equação: Graça > ____________________ Em seguida, pedi que preenchessem o espaço vazio com o pior pecado que já tivessem cometido. Gostaria de pedir a você que experimentasse fazer a mesma coisa. O único jeito de experimentar a graça é personalizando a necessidade que se tem dela. Pare um instante para preencher o espaço vazio da equação abaixo. Depois disso, resolva a equação circulando o sinal de “maior” ou “menor”. Graça >/< ______________________ A explicação de Paulo em Romanos 5 sobre a grandiosidade da graça de Deus ajuda muito. Mas uma explicação sobre a graça sem a experiência dela é como um doente terminal que se recusa a tomar o remédio prescrito pelo médico para salvar- lhe a vida. A grandiosidade da graça de Deus significa que não preciso ficar tentando me convencer de que “não sou tão mau assim”. A verdade é que sou pior do que jamais quis admitir, mas a graça de Deus é maior do que eu jamais poderia ter imaginado. Notas do Capítulo Nota 1 - Se já se aborreceu porque deixo meu fi lho brincar de “travessuras ou gostosuras”, por favor, lembre-se de que você está lendo a respeito da graça. [Voltar] Nota 2 - Era bem provável que ele a tivesse comprado com balas de menta recheadas de chocolate. [Voltar] Nota 3 - Peters, Jeremy W. Bloomberg Plans a $50 Million Challenge to the N.R.A., New York Times, April 15, 2014. Disponível em: <http://www.nytimes. com/2014/04/16/us/bloomberg-plans-a-50-million-challenge-to- the-nra. html>. Acesso em: 12 jun. 2017, 12:00:08. [Voltar] Nota 4 - Não me julgue; é você que anda por aí conectando as pessoas a detectores de mentiras. [Voltar] Nota 5 - Santo Agostinho. Confissões. Petrópolis, RJ: Vozes/Bragança Paulista, SP: Edusf, 2015. [Voltar] Capítulo 2 Mais maravilhosa que a sua prostração Em 2009, recebi a seguinte mensagem pelo Facebook de um homem chamado Wes, de pouco mais de 40 anos: Não sei se você tem alguma “história de Facebook” muito boa, mas acho que terá depois de ler isto. Não sei ao certo por que, mas me sinto compelido por Deus a lhe contar esta história. Ela não está muito bem organizada, então… tenha paciência comigo. Eu sempre soube que era adotado. Fui criado em um lar cristão por duas pessoas esplêndidas que não podiam ter fi lhos. Hoje estou muito bem casado e tenho meus próprios fi lhos, aos quais amo muito. Nunca tive o desejo de procurar meus pais biológicos até poucos anos atrás. Participei de um retiro cristão, e um dos palestrantes, um homem de mais idade, falou de quando engravidou a namorada e depois, em segredo, deu a criança em adoção. Explicou que convivera com a culpa constante, o que acabou levando-o a desenvolver um coração endurecido e certa amargura contra Deus. Um dia, sua fi lha entrou em contato com ele e lhe disse que o perdoava e Deus também. Isso mudou a vida daquele homem, que agora falava da liberdade e da cura que encontrara. Essa história me fez pensar na minha situação. Perguntei-me se ajudaria meus pais biológicos saber que eu estava bem. Consegui encontrar o endereço do meu pai e entrei em contato com ele. Ficou claro para mim que eu estava certo quanto à culpa e à dor que podiam acompanhar alguém depois de tomar uma decisão tão difícil. Ele nunca contara a ninguém do meu nascimento. Parecia que o melhor seria não interferir em sua vida nem complicar as coisas para ele. Mas então algo aconteceu. […] Uma noite, eu estava deitado na cama com minha esposa e começou a passar um dos seus programas, pastor. Eu já estava meio dormindo, mas minha esposa continuava assistindo. De repente, surpreendi-me quando ela exclamou: — Oh, meu Deus! Ele é seu primo! Era de você que ela falava. Sabia muito mais sobre minha família biológica que eu porque foi ela que fez toda a pesquisa. Não acreditei, mas, depois de algumas pesquisas no Google, constatei que ela tinha razão. Espero que você não fique chocado, mas seu tio, David Idleman, é meu pai biológico. Escolhi entrar em contato primeiro com você porque, como pastor, achei que você estaria acostumado a dar conselhos em situações difíceis. Sei que também tenho uma irmã, mas desconheço se ela sabe sobre mim. Não quero transtornar a vida da família e criar problemas ou situações difíceis, mas é como eu disse: senti que Deus me compelia a entrar em contato com você. Quando li essa mensagem no Facebook, imediatamente um monte de coisas fez sentido para mim. Cresci mantendo uma relação muito próxima com tio Dave. Ele me ensinou a praticar slalom no esqui aquático quando eu era criança e me deu algumas lições de caratê quando eu cursava os últimos anos do ensino fundamental. No entanto, à medida que eu crescia, percebia que meu tio carregava um peso enorme aonde quer que fosse. Guardar um segredo como esse por tantos anos esgota qualquer um. Seus olhos com frequência me pareciam cansados, exaustos, como se ele estivesse sempre voltando de um longo dia de trabalho. De alguma forma, meu tio Dave se privou da graça quando sua namorada engravidou. Não deveria. Cresceu no ambiente da igreja, e o pai da namorada era pastor. Não deveria ter se privado da graça, mas de alguma forma ela não lhe fora transmitida. Carregar durante décadas a culpa e a vergonha de um segredo cobra um alto preço do coração de um homem. Quando o segredo sobre o filho do meu tio Dave veio à tona, foi esmagador para mim. Ele convivera com o peso dessa história por décadas, e com o medo de as pessoas descobrirem. O que meu pai, seu irmão, diria? Como seus pais, meus avós, reagiriam? Será que se sentiriam traídos por não terem conhecido o neto? E quanto à sua filha, minha prima? Ela fora criada como filha única. Sempre quisera um irmão. Mas ele nunca lhe contara nada. Nunca contara nada a ninguém. E o que dizer de Wes? Tio Dave devia pensar que o filho tinha raiva dele. Podia ter se sentido abandonado e rejeitado a vida inteira. Mas agora não havia como esconder mais nada. Às vezes, nosso pecado permanece oculto porque recusamo-nos a aceitar os fatos ou porque nosso orgulho nos impede de enxergá-lo. Mas, muitas vezes, tentamos guardar segredo do nosso pecado pelo simples fato de não conseguir lidar com o que fizemos. Assim, fazemos de tudo para não pensar nos erros que cometemos ou nos pecados que praticamos, e tentamos manter distância de Deus. Como ele poderia nos perdoar quando não somos Por mais que você fuja e se esconda, a capazes de perdoar a nós mesmos? Antes que Adão e Eva pecassem no jardim do Éden, a Bíblia diz que eles viviam nus e sem sentir nenhuma vergonha. Mas, a partir do momento em que o pecado entrou em cena, eles se envergonharam e fizeram de tudo para se esconder de Deus. Às vezes, quando nosso pecado secreto é exposto e não podemos mais escondê-lo, somos nós que vamos para o esconderijo. Tanto quanto possível, fazemos de tudo para evitar as pessoas que conhecemos. A vergonha se torna uma companheira constante sussurrando sem parar: “Você não é digno de perdão. Não merece uma segunda chance”. Mas eis uma característica surpreendente da graça — ela graça é incansável. Ela o perseguirá. corre atrás de você. Por mais que você fuja e se esconda, a graça é incansável. Ela o perseguirá. É o que vem acontecendo com alguns de vocês neste exato momento, sem que tenham consciência disso. A cada palavra que leem, a graça ganha terreno. Como pastor, amo testemunhar o momento em que a graça finalmente põe a mão na bagunça aprontada por alguém. A expressão que uso para descrever esse instante é “bela colisão”. São duas palavras que não parecem combinar. Colisão traz à mente palavras como “quebrado”, “batido” e “destroçado” — não o tipo de coisa que combina com belo. Mas os Evangelhos estão cheios de belas colisões. Quando uma vida quebrada, batida e destroçada colide com Jesus, é uma coisa maravilhosa. Curso intensivo com a graça Em João 4, há uma encruzilhada na qual uma bela colisão logo acontecerá. Jesus está viajando, a caminho de mais uma cidade. Em João 4.4, ficamossabendo que “era-lhe necessário passar por Samaria”. Parece um jeito estranho de dizer isso. Na época, Jesus se desviaria de seu caminho para não passar por Samaria. Normalmente eles a contornariam e tentariam ficar longe de qualquer samaritano. Havia muito preconceito e ódio entre judeus e samaritanos. Eles se esforçavam muito tentando não ter nada a ver uns com os outros, a ponto de um judeu do primeiro século que lesse isso viesse a entender que João estava dizendo que Jesus tinha de passar por Samaria por não ter outra opção. Talvez uma estrada tivesse sido fechada ou o trânsito estivesse congestionado pelo fato de muita gente contornar Samaria, razão pela qual ele tinha de passar por ela. Imagine se você perguntasse a um marido: “O que você fez no encontro que teve na noite passada?”. Ele não dirá simplesmente: “Fui a uma loja de velas e fiquei cheirando todas elas”. Seria uma atitude estranha para qualquer um. Se conseguir que ele admita o que de fato aconteceu, é mais provável que o ouça responder: “Precisei ir a uma loja de velas e provar os diferentes perfumes que eles têm ali”. A expressão “precisei ir” é importante. Ele está deixando claro que agiu contra a vontade. Não teve opção. Foi forçado a agir desse modo. É assim que um leitor judeu da época leria isso. No entanto, quando você e eu lemos a história, parece claro que Jesus não foi forçado a ir a Samaria, como se pudesse ser forçado a fazer alguma coisa. Em vez disso, a impressão é que Jesus se desviou do caminho para ir a Samaria. “Era-lhe necessário” parece ser usado mais no sentido de que ele tinha um compromisso que precisava cumprir. Como se olhasse para o calendário estabelecido antes da criação do mundo e visse que devia estar em um lugar específico, em um momento específico, para se encontrar com uma pessoa específica. Estava para acontecer uma bela colisão, e Deus já a circulara em seu calendário. A graça correu atrás dessa mulher e a alcançou junto a um poço fora da cidade. Jesus necessitava ir a Samaria. Chega perto do meio-dia, a hora mais quente. Vai até o poço e se senta para descansar, enquanto os discípulos seguem até a cidade em busca de um pouco de comida. Hora e lugar são incomuns para se encontrar alguém. As pessoas iam ao poço pela manhã ou no fim da tarde, não ao meio-dia, com o sol a pino. Mas então ele vê quem estava esperando. Uma mulher chega ao poço para pegar um pouco de água. Hora incomum para a realização dessa tarefa, mas também era incomum que ela estivesse sozinha. Na época, as mulheres iam juntas ao poço, do mesmo jeito que hoje é raro vê-las sozinhas em banheiros públicos. Logo descobrimos que essa mulher tem um passado turbulento e uma reputação ruim. É difícil dizer se o motivo por estar só era evitar as pessoas ou porque as pessoas a evitavam. As duas coisas, provavelmente. Ela se cansara dos olhares críticos e dos cochichos a suas costas. Por isso fora sozinha, contando apenas com a vergonha e a rejeição como companheiras. Quando ela se aproxima, Jesus lhe pede um pouco de água. Ela fica sem saber como reagir. Surpreende-se com o fato de ele, um homem judeu, dirigir a palavra a ela, uma mulher samaritana, e o questiona por isso. […] “Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?” […] Jesus lhe respondeu: “Se você conhecesse o dom de Deus e quem está pedindo água, você lhe teria pedido e dele receberia água viva”. (v. 9,10) Agora, sim, ela fica confusa de verdade. Raciocina em termos de água física para sua sede física, de modo que chama a atenção para o fato de ele não ter nem um balde com o qual tirar água. E Jesus lhe explica que ele é a água viva, e que, se beber dessa água, ela nunca mais terá sede. A mulher continua sem decifrar a metáfora. Para ela, aquele homem não faz sentido. Por isso Jesus resolve ser um pouco mais direto com ela. Ele lhe disse: “Vá, chame o seu marido e volte”. “Não tenho marido”, respondeu ela. Disse-lhe Jesus: “Você falou corretamente, dizendo que não tem marido. O fato é que você já teve cinco; e o homem com quem agora vive não é seu marido. O que você acabou de dizer é verdade”. (v. 16-18) Que constrangedor! Acho que a essa altura ela preferiria continuar falando por metáforas. Jesus não se desvia da verdade. Descreve a realidade do que ela tem feito e a confusão em que sua vida se transformou. O poço de relacionamentos ao qual ela vive recorrendo não lhe sacia a sede, e Jesus não fingirá que tudo vai bem por dedução, quando sabe que não é o que acontece. Se estava para receber a graça de Jesus, ela precisa parar de esconder o próprio pecado. É difícil, e sei que queremos encontrar outro caminho, mas a verdade é uma só: antes de colidir com a graça de Deus, temos de colidir com a verdade do nosso pecado. Fico tentando imaginar que verdade amarga Jesus mencionaria para você e para mim. Talvez dissesse: Seu pavio curto faz que todos que o rodeiam vivam pisando em ovos, e o ressentimento contra você só faz crescer em sua família. Seu problema com a bebida já fugiu do controle. Está afetando muito mais pessoas do que só você. Seu problema com a pornografia está matando qualquer possibilidade de intimidade que tenha em seu casamento. Seus flertes o estão levando por um caminho que devastará sua família. Você está permitindo que seu coração se apaixone por uma menina que o afasta de mim. Você está optando pelo namorado com quem mora em detrimento do relacionamento comigo. Terá de ser uma coisa ou outra. Você está se afundando em dívidas para se sentir bem consigo mesmo, mas a água do poço não o satisfará. Sua arrogância e espírito legalista estão fazendo que as pessoas no seu trabalho se mantenham longe de você. Sua atitude crítica e o tom áspero estão afetando o relacionamento com os netos. Jesus diz algumas verdades duras. Faz parte da colisão com a graça que tentamos ao máximo evitar. Como qualquer um de nós agiria, a mulher junto ao poço tenta desviar a conversa de seu pecado e de sua vergonha. Disse a mulher: “Senhor, vejo que é profeta. Nossos antepassados adoraram neste monte, mas vocês, judeus, dizem que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar”. (v. 19,20) Falsas suposições Vamos apertar o botão pausa em nossa história e conversar um pouco sobre algumas suposições falsas que a mulher fez sobre Jesus. São as mesmas suposições capazes de fazer que nos privemos de sua graça na nossa vida. Suposição nº 1: Jesus não quer saber de mim. Se a sua suposição em relação a Jesus é que ele não tem qualquer interesse em você, há uma boa chance de que você nunca tenha tido muito interesse por ele. Em outras palavras, não é que você não deseje a graça. Quem não a desejaria? É que você está convencido de que a graça não o deseja. Sentir-se rejeitado pode ser um dos piores sentimentos a experimentar. Quando alguém experimenta a rejeição desde cedo e com frequência, logo aprende a construir muros para impedir as pessoas de chegarem perto. Considerando o histórico conjugal dessa mulher, é provável que ela tivesse o cuidado de evitar assumir uma posição de vulnerabilidade. Afinal de contas, não se corre o risco de rejeição se nunca damos às pessoas a oportunidade de elas nos machucarem. Mas Jesus se desviou do caminho mais provável para estar com essa mulher. A graça correu atrás dela porque é isso o que a graça faz. Depois de pregar em um dos nossos cultos de sábado à noite, desci e permaneci ali na frente enquanto adorávamos. Um homem se aproximou para conversar comigo. Percebi que ele estivera chorando e ainda estava um pouco emocionado. Disse-me seu nome, e então lhe perguntei como poderia orar em seu favor. Ele se pôs a chorar enquanto respondia: — Bem, a minha esposa me deixou. A culpa é minha. Fiz algumas coisas bem estúpidas. Não a tratei como ela merece. Ela tentou me dizer, mas simplesmente me recusei a escutar. Você poderia orar para que Deus me perdoe, e para que a minha esposa me perdoe também? Sei que estou pronto para implementar algumas mudanças, mas não tenho certezade que Deus me quer aqui depois da confusão que aprontei. Esse homem supunha que seus erros eram maiores do que a graça de Deus, e que Jesus não queria saber dele. Orei em seu favor e pedi a Deus que interviesse em seu casamento. Orei para que ele e a esposa se reaproximassem. Pedi a Deus para lutar por ele e por seu casamento. Mas, acima de tudo, orei por seu relacionamento com Jesus, para que ele soubesse que sua presença na igreja não era um acaso e que Deus não o rejeitava, mas, sim, estava pronto para ajudá-lo. Depois de orar, perguntei-lhe se costumava frequentar aquela igreja. Ele explicou, ou melhor, confessou que não ia a uma igreja desde criança. — Ah, então a sua esposa vem aqui? — perguntei. Ele explicou que tampouco ela frequentava uma igreja. Em se guida, perguntei o que o fizera entrar ali, e ele respondeu: — Não sei. Estava passando de carro e senti que tinha de entrar. Acho que entendi o que ele queria dizer. Coloquei-o em contato com um homem que lhe apresentou o evangelho, orou com ele e conseguiu algumas informações a seu respeito, de modo que pudéssemos acompanhá-lo. Na manhã de domingo, já no dia seguinte, terminei a mensagem e fiquei na frente outra vez, aguardando a conclusão do culto. Duas mulheres desceram para conversar comigo. Descobri que eram irmãs. Uma confortava a outra, que evidentemente passava por alguma dificuldade. Antes que tivesse a oportunidade de lhe perguntar o nome ou por que me procurara, ela explicou: — Não entro em uma igreja há muito tempo. Espero que não tenha problema o fato de ter vindo aqui. Na noite passada, fiquei muito irritada e minha irmã disse que eu precisava vir agora de manhã. Pediu-me que orasse pelo marido, pois tinham se separado havia pouco tempo. Perguntou se eu podia pedir a Deus que suavizasse o coração dele, pois achava que ele não se importava mais. A essa altura meu coração batia descompassado. Disse a ela: — Acho que não sei o seu nome. Como você se chama? Já aconteceu de ter a impressão de que Deus está piscando para você? Entusiasmado, contei a ela que, na noite anterior, seu marido fora à frente em prantos; que se arrependera e pedira ajuda a Deus. Notei que ela estava encontrando certa dificuldade para acreditar nisso. Que colisão maravilhosa! Havia graça voando por toda parte. Tanto um quanto o outro supunham que Deus desistira deles e que era tarde demais. Presumiam que a bagunça em seu casamento era grande demais, e que por isso Deus não queria saber deles. No entanto, Deus deixou claro que se dispunha a encontrá-los exatamente onde estavam. Suposição nº 2: Jesus está mais interessado em religião do que em mim. Você observou o que a mulher junto ao poço faz durante a conversa? Ela tenta distrair Jesus conversando sobre religião. Tenta evitar a colisão envolvendo-o em um argumento religioso que poderia ser debatido infinitamente. Hoje em dia a graça é sempre negligenciada porque a igreja se deixa enredar em argumentos religiosos e diferenças interpretativas. Impressiona-me a facilidade que temos de nos distrair com argumentos religiosos, ou mesmo pseudorreligiosos. Penso que temos particular propensão para isso quando o objeto do nosso estudo se torna um pouco mais incômodo. Como a mulher junto ao poço, temos a tendência de ser religiosos quando Jesus começa a ficar um pouco pessoal demais. Como pregador, deparo com esse problema tantas vezes que já desenvolvi uma espécie de teoria a respeito. Quanto mais as pessoas ficam obcecadas por questões que se encaixam com perfeição sob o guarda-chuva da interpretação ou da opinião teológica, mais provável é que estejam tentando impedir que Jesus se torne pessoal demais em alguma área da vida.[Nota 1] Eu costumava me distrair muito com esse tipo de coisa. Alguém me mandava um e-mail enveredando por algum detalhe interpretativo que eu parecia ter deixado passar, eu disparava outro e-mail defendendo minha interpretação, e ficávamos nesse vaivém. Não faço muito isso hoje em dia. Não digo que nunca faço. Se quiser tentar, seja bem-vindo, mas raras vezes me exponho para brincar com isso. Aprendi que, quando alguém se mostra particularmente determinado a conversar sobre religião, costuma ser pela tentativa desesperada de impedir que Jesus se torne pessoal demais. A mulher samaritana faz a falsa suposição de que Jesus estará mais interessado em religião do que nela, de modo que tenta atraí-lo para um debate religioso.[Nota 2] Suposição nº 3: Ele faz uma oferta boa demais para ser verdade. A mulher não acredita na água que lhe saciará a sede para sempre. De novo, pense na história da samaritana. Trata-se de alguém que já ouviu todo tipo de homem lhe fazer todo tipo de promessa e agora se mostra cética. E cínica. Não confia no homem que parece prometer mais do que seria capaz de cumprir. A mulher faz várias suposições falsas acerca de Jesus e do presente que ele oferece. Essas suposições a impedem de chegar muito perto. Cada uma delas é como um tijolo no muro que a separa da graça. E, à medida que a conversa continua, ela se sente mais prestes a dar um basta, de modo que tenta pôr um fim naquele encontro. Disse a mulher: “Eu sei que o Messias (chamado Cristo) está para vir. Quando ele vier, explicará tudo para nós”. (v. 25) Preste atenção na ironia. Ela diz para Jesus: “Eu sei que, quando vier, Jesus deixará tudo claro”. Não tenho certeza, mas quase seria capaz de ver que Jesus não conseguiu evitar um leve sorriso ao lhe responder: […] “Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você” (v. 26). Essa é a única vez em toda a sua vida que Jesus voluntária e abertamente se anuncia como o Messias, o Filho de Deus, a alguém. E é para essa mulher samaritana de má reputação, casada cinco vezes e que nesse momento vivia com algum outro sujeito. Quer melhor exemplo de graça? Perseguidos pela graça Quando é difícil encarar a verdade sobre a sua vida, quando você aprontou tamanha confusão que não sabe nem por onde começar a consertar as A pior coisa que poderia acontecer é você passar a vida tentando fugir de Deus por pensar que ele o persegue para cobrar o que você deve — quando na verdade coisas e a culpa e a vergonha são suas companheiras constantes, é difícil imaginar que a graça seja para você. Creia-me, eu o entendo. Há quem pense que a pior coisa que poderia lhe acontecer é seus pecados serem descobertos e seus segredos, revelados. Você teme que alguém traga à tona algo que você fez muito tempo atrás. Não quer que ninguém saiba, mas, como Deus já sabe, faz o possível para evitá-lo. Pensa que a pior coisa que poderia acontecer é ser descoberto e forçado a enfrentar a verdade. Mas esse ainda não é o fundo do poço. Porque a pior coisa que poderia acontecer é você passar pela vida e ninguém saber. Ninguém nunca descobrir. Você simplesmente carrega o peso da sua culpa e da sua vergonha para todo lado, aonde quer que vá. ele o persegue para dar o que você jamais conseguiria pagar. A pior coisa que poderia acontecer é você passar a vida tentando fugir de Deus por pensar que ele o persegue para cobrar o que você deve — quando na verdade ele o persegue para dar o que você jamais conseguiria pagar. Pai e filho Meu tio Dave e seu filho Wes começaram a conversar de vez em quando e, depois de alguns meses, resolveram que era hora de se encontrarem. Meu tio vivia no Missouri e Wes, na Virgínia, de modo que planejaram o encontro na minha casa, no Kentucky. Transformamos a ocasião em uma reunião de família em miniatura, e meus avós e os agregados à família estavam todos lá, empolgados para conhecer Wes. Jamais me esquecerei do momento em que fiquei na entrada da garagem de casa vendo Wes chegar com sua linda família e meu tio, todo nervoso, encaminhar-se para a minivan que os trouxera. Saímos de casa e todos enxugamos as lágrimas enquanto assistíamos a pai e filho se abraçarem pela primeira vez. Eu estava distante demais para ouvir as palavras que trocaram, mas Wes entregou um presente ao meu tio. Pouco depois, alguém me contou que eraum relógio de pulso. O tio Dave se comoveu de verdade com o presente, mas não entendi muito bem o que o tornaria tão significativo para ele. Não me entenda mal: o relógio parecia o presente de alguém que se preocupara em agradar meu tio; apenas não entendi por que ele causara uma reação tão emocional. Mais tarde, naquele mesmo dia, o meu pai trouxe o relógio para eu ver. Era um belo exemplar, tanto quanto pode ser um relógio, mas eu continuava sem entender. Até que meu pai me disse que o visse atrás. No verso da caixa havia duas palavras gravadas. Duas palavras que têm o poder de mudar tudo. Graça pura Graça pura O efeito da graça logo começou a transformar meu tio. O peso da vergonha e da culpa de repente caiu em cima dele. Seu coração duro começou a amolecer. Não muito depois disso, ele encerrou uma conversa que tivemos dizendo que me amava. Nunca me dissera isso antes. Passou a atuar em uma igreja cujo pastor se tornou um de seus bons amigos. Talvez o que mais me surpreenda seja o fato de eu estar contando tudo isso. Não acho que meu tio se sentiria à vontade sabendo que compartilhei sua história com meus leitores. Afinal de contas, na época em que dava duro para mantê-la em segredo, tenho certeza de que não gostaria que eu a compartilhasse com o mundo. Mas eu estava errado. Era exatamente o que ele queria. Quando lhe mandei um e-mail pedindo sua bênção para compartilhar a história, eis sua resposta: “Por favor, sinta-se à vontade para compartilhar minha situação de qualquer modo que expresse o amor, a misericórdia e a surpreendente graça de Deus para com qualquer um que necessite dela”. Quando li sua resposta, lembrei-me da transformação ocorrida no coração da mulher junto ao poço. Antes que ela se encontrasse com Jesus, não queria que ninguém a visse. Não queria que ninguém soubesse, e, se isso acontecesse, não queria saber que sabiam. Jamais poderia se perdoar pelo que fizera ou a pessoa em que se tornara. Mas então sua vida colidiu com a graça e de uma hora para outra ela passou a ver as coisas de maneira diferente. Em seguida, a mulher deixou ali o seu pote, voltou até a cidade e disse a todas as pessoas: — Venham ver o homem que disse tudo o que eu tenho feito. Será que ele é o Messias? Muitas pessoas saíram da cidade e foram para o lugar onde Jesus estava. (v. 28-30, Nova Tradução na Linguagem de Hoje) Quando a graça e a misericórdia de Deus colidem com a nossa vergonha e culpa, é complicado, mas maravilhoso. Jesus sabe tudo que você já fez, mas quer se certificar de que você saiba que a graça dele é maior. Notas do Capítulo Nota 1 - Quanto menos você gosta dessa teoria, mais a reforça. Só estou falando por falar. [Voltar] Nota 2 - Alerta antecipado: envolver o Filho de Deus em um debate teológico não é uma estratégia eficaz. [Voltar] Capítulo 3 Mais redentora que os seus arrependimentos Era noite de quinta-feira, e eu estava na cama ao lado da minha esposa. Ela já adormecera, mas eu continuava acordado, olhos fixos no teto, pensando no sermão para o fi m de semana. O foco da mensagem seria aprender a viver com remorsos. As garras do remorso podem fazer mais do que desmoralizar, podem paralisar. Parece que não conseguimos avançar em razão da obsessão por algo que já aconteceu, algo que não pode ser revertido ou desfeito. O remorso tende a se concentrar em um momento específico, uma época ou lugar em que você fez ou deixou de fazer algo, e agora tem de conviver com as consequências. Deitado na cama, pensando e orando acerca do meu sermão, de repente ouvi um estrondo que vinha da direção do banheiro. Com um salto fiquei de pé e corri para ver o espelho de corpo inteiro, antes pendurado na porta do closet, estilhaçado no chão. Ao cair, o espelho revelou algo que fi z e de que me arrependia profundamente. Ele expôs um buraco na porta do closet. Como esse buraco foi parar na porta do nosso closet? Fiquei com medo de que você me perguntasse, mesmo desconfiando que provavelmente era capaz de adivinhar a resposta. Envolvi-me em uma discussão com minha esposa. Para ser franco, nem me lembro mais de como tudo começou.[Nota 1] Mas senti raiva, perdi a cabeça e abri o buraco na porta do closet com um soco. Não queria mesmo lhe falar sobre isso. A coisa toda aconteceu em questão de segundos, mas aconteceu. Gostaria que não tivesse acontecido. Gostaria de poder voltar atrás e ser um marido paciente e gentil. Gostaria de ter respondido com humildade e autocontrole. Mas não o fiz. Depois que aconteceu, alimentei a esperança de que a minha esposa se esquecesse do assunto e de que os meus filhos não descobrissem nada. Tive medo do que pensariam de mim as pessoas que me ouvem pregar ou leem meus livros, se descobrissem o que fizera. Por isso, a maneira de eu lidar com o remorso foi encobrindo meus atos e tentando esquecer. Assim, fui até uma loja e comprei um espelho grande, que pendurei na porta do closet e fingi que nada acontecera. Não sei por que o espelho se desprendeu da porta e quebrou em mil pedaços. Permanecera no mesmo lugar havia mais de um ano. Imagino que o adesivo que o segurava não fosse forte o suficiente e acabou não aguentando. É uma possibilidade, mas desconfio que Deus estivesse me ouvindo orar por um sermão que desafiasse as pessoas a lidar com seus remorsos e decidisse arrancar o espelho da porta com um tapinha, lembrando-me de que eu tinha os meus próprios remorsos que precisavam ser resgatados da escuridão e expostos à luz da graça divina que cura. Em pé dentro do closet, olhei para o buraco na porta e, em seguida, para o espelho quebrado no chão. Consegui ver meu reflexo nos estilhaços. Difícil não entender a metáfora. Gosto de pensar em mim como um homem paciente, gentil e humilde que não se leva a sério demais. É como me vejo, e desejo que as pessoas tenham essa imagem de mim — em especial minha esposa. Curvei-me e comecei a recolher os cacos do espelho quebrado. Não tinha como evitar de me ver naqueles pedacinhos — gostaria de poder voltar atrás e fazer tudo diferente, mas serei para sempre um marido que perdeu a cabeça e meteu um murro na porta. O estrondo acordou a minha mulher. Ela entrou no closet e me encontrou ajoelhado recolhendo os cacos. Não sou de chorar, mas foi o que fiz naquele instante, e ela sabia que não era porque tivesse um apego especial por aquele espelho. Não sei ao certo se em algum momento cheguei a lhe pedir perdão. Mas estava pronto para me arrepender. Entre lágrimas, disse tanto para ela quanto para Deus que sentia muito pelo que fizera. Ela veio até mim, e eu descansei a cabeça em seu colo e chorei mais. Senti seus dedos correrem entre meus cabelos. Compartilhar a minha tristeza e arrepender-me dos meus atos, em vez de encobrir tudo e guardar aqueles sentimentos só para mim, levou-me a ocupar a posição de receber alguma graça, e acabamos recolhendo juntos os pedaços de espelho. Remorso versus vergonha Quando nos privamos da graça e vivemos com culpa, essa culpa costuma vir à tona sob forma de remorso e vergonha. Eles podem andar juntos, e com frequência o fazem. Não são mutuamente excludentes. Contudo, há uma diferença entre eles. Em palavras bem simples, remorso é sentir-se mal acerca de algo que você fez ou não, ao passo que vergonha é sentir-se mal em relação a quem você é ou como acha que é visto por Deus e pelos outros. No capítulo anterior, passamos algum tempo conhecendo a mulher junto ao poço de João 4. Estou certo de que ela tinha remorsos, mas sua verdadeira luta era viver à sombra da vergonha que sentia. Não que estivesse tentando superar um erro ou uma decisão ruim; o fato é que sua vida estava sendo definida por essas coisas. A vergonha está mais ligada à identidade da pessoa, ao passo que o remorso tende a ter a ver com algo específico que a pessoa fez ou deixou de fazer. Várias vezes no ano, visito uma prisão e conduzo um estudo bíblico para os detentos. Em geral, fico algum tempo depois do estudo conversando e orando com esses homens. Aprendi que muitos deles carregamo fardo pesado do remorso. Ele os mantém acordados à noite. Talvez saibam que Deus os perdoou, mas revivem o tempo todo o momento específico em que fizeram algo que nunca se imaginaram fazendo e são consumidos pelo que o gesto lhes custou e às pessoas que amam. Como me contou um detento: — Sei que fui perdoado, mas não consigo parar de pensar em como a minha vida seria diferente se pudesse voltar e fazer uma escolha diferente. Isso é remorso. Suponho que a maioria de nós consegue pensar em uma ou duas horas — talvez uma ou duas décadas — de nossas vidas que daríamos praticamente qualquer coisa para ter de volta. Faríamos tudo diferente. Em retrospecto, somos capazes de ver o efeito desse pecado na nossa vida e na vida das pessoas que amamos. Pagamos uma parte considerável dessa conta, suficiente para percebemos que o custo é muito maior do que jamais pensávamos ser possível. E nunca pensamos no preço que outras pessoas teriam de pagar. Tenho observado que, quando as pessoas me falam de seus arrependimentos, habitualmente começam a frase com as seguintes palavras: Se pelo menos eu… Há pouco tempo, deparei com um website chamado “Secret Regrets” [Remorsos secretos] que relaciona dezenas de milhares de postagens de pessoas expressando remorso por algo que fizeram. Aqui estão alguns poucos exemplos: • “Eu lamento muito que, quando você ainda era um bebê e eu só tinha 18 anos, meu namorado fosse violento demais a ponto de me dedicar com medo para defender você e a mim, e que por isso tenham levado você embora. Isso aconteceu há vinte anos e penso em você todos os dias.” • “Eu me arrependo de haver reclamado por caminharmos devagar demais e de você se apoiar em mim para manter o equilíbrio. Sendo deficiente, era muito mais difícil para você. Eu era apenas um garoto, mas sinto muito, mãe.” • “Eu me arrependo por nunca ter dito ‘eu te amo’ para cada uma de vocês, crianças, quando ainda estavam na fase de crescimento. E sinto muito pelo fato de, por alguma razão, ainda não conseguir dizer essas palavras.” • “Eu me arrependo por ter sido uma mãe egocêntrica, que não deixava você me ajudar porque não queria confusão na cozinha.” E a lista prossegue. Alguns casos são menos específicos: • “Eu me arrependo de lhe ter dado meu coração quando tudo que você queria era meu corpo.” • “Eu me arrependo por nunca ter guardado nenhum dinheiro, porque agora nunca mais conseguirei me aposentar.” • “Eu me arrependo por nunca lhe ter contado como me sentia.” • “Eu me arrependo por nunca ter lutado por nós.” • “Eu me arrependo por todo o tempo que passei reclamando e criticando.” Se há alguma coisa em comum entre todos nós, é que todos temos remorsos e arrependimentos. Todos gostaríamos de voltar e fazer algumas coisas de outra maneira. Cerca de três anos atrás, depois de escrever perto de 20 mil palavras de um livro no computador, por algum motivo o documento se corrompeu. Cada letra de cada palavra de cada página foi substituída por um . Quando vejo esses *, o que quer que esses ** signifiquem, sinto náuseas. Tenho quase certeza de que minha editora não aceitaria o livro se os primeiros quatro capítulos fossem só *********. Aquele documento representava centenas de horas de trabalho. Entrei em pânico para recuperá-lo. Sabia que salvara um backup fazia pouco tempo, e tinha a esperança de conseguir recuperar a maior parte do que escrevera. Liguei para um técnico de TI. Ele disse que não me preocupasse e foi me passando o passo a passo sobre como usar um programa do meu Macbook chamado “Time Machine”, ou Máquina do Tempo. De alguma forma, presumo que pela combinação de um passe de mágica com um capacitor de fluxo, consegui voltar no tempo com meu computador para antes de o documento ser corrompido. Foi como se nunca tivesse acontecido. Não seria bom se Deus equipasse cada humano com uma função “Máquina do Tempo”? Como você a usaria? Talvez voltasse para antes de dizer certas palavras para um irmão. Talvez para antes de ter um caso. Talvez para logo antes de tomar o primeiro drinque. Ou logo antes de abandonar a sua família. Ou logo antes de aceitar o convite do ex-namorado no Facebook. Ou logo antes de concordar em ter aquele primeiro encontro. Ou logo antes de entrar na clínica de aborto. Pode ser que você não esteja trancafiado atrás de grades, mas isso não quer dizer que não seja um prisioneiro. A maioria de nós está desesperada para se ver livre da culpa e dos remorsos que nos aprisionam. Remorso, arrependimento e rejeição do ato praticado A Bíblia nos relata uma noite em que dois discípulos fizeram algo que nunca imaginaram fazer. Foi a noite da prisão de Jesus. Ele estivera no cenáculo com os discípulos. Judas saiu do jantar para traí-lo. Encontrou-se com oficiais judeus para cuidar dos preparativos finais a fim de que Jesus lhes fosse entregue. Mas Judas não é o único discípulo a trair Jesus aquela noite. Jesus advertiu os demais discípulos: “[…] ‘Ainda esta noite todos vocês me abandonarão’ […]” (Mateus 26.31). Ao ouvir isso, Pedro ficou indignado. Objetou com paixão, mas Jesus lhe disse: “[…] ‘Asseguro que ainda esta noite, antes que o gale cante, três vezes você me negará’ ” (v. 34). Foi então que Pedro duplicou seu comprometimento: “[…] ‘Mesmo que seja preciso que eu morra contigo, nunca te negarei’ […]” (v. 35). O sol se pôs enquanto Jesus conduz os discípulos pelas ruas de Jerusalém. Seguem para fora da cidade, pelo portão oriental do templo, em direção ao monte das Oliveiras. Chegam a uma área arborizada e cercada a que dão o nome de Getsêmani. Jesus instrui os discípulos a orar e depois se afasta sozinho. Sabe do horror que o aguarda e na quietude da noite clama a seu Pai. Devia orar no jardim de Getsêmani com alguma frequência, pois Judas sabe exatamente onde encontrá-lo. Lidera um grupo de cerca de 600 homens jardim adentro para prender Jesus. Judas combinou um sinal para que estes soubessem qual deles era Jesus. De modo que se aproxima e trai Jesus com um beijo. Os soldados avançam para efetuar a prisão. Os discípulos estão em menor número, são 60 soldados para cada um; não têm a menor chance. Mas Pedro passa a mão em uma faca de açougueiro, provavelmente a mesma que usara mais cedo para trinchar o cordeiro pascal, e desfere um golpe no servo do sumo sacerdote. Tenta arrancar-lhe a cabeça, mas só consegue decepar uma orelha. Imagino que Pedro tivesse alguns buracos na porta de seu closet. Jesus interfere na mesma hora e dá um basta ao que Pedro está fazendo. Pega a orelha e, depois de desconfectá-la,[Nota 2] torna a prendê-la no servo. A partir do momento em que Jesus é preso, todos os discípulos, menos dois, fogem. Pedro e João o seguem a uma distância segura. Em algum momento, os dois se separam e Pedro fica no pátio do sumo sacerdote, aguardando para ver o que acontecerá com Jesus. É quando uma escrava o reconhece e lhe pergunta se é um dos discípulos. Pedro faz o que prometera jamais fazer — nega Jesus. Em seguida vai até uma fogueira, onde permanece em companhia de outras pessoas que tentam se aquecer. De novo é reconhecido e de novo nega conhecer Jesus. Um pouco mais tarde, Pedro é reconhecido pela terceira vez, e pela terceira vez nega conhecer Jesus. Na verdade, chega a jurar, sob pena de ir para o inferno, que não conhece Jesus. Mas suas blasfêmias são interrompidas pelo canto de um galo. Nesse exato momento, Jesus está sendo conduzido pelo pátio. Açoitaram-no a valer. Seu rosto está ensanguentado e inchado. Lucas 22.61 nos conta: Então o Senhor virou-se e olhou firme para Pedro, e ele lembrou das palavras que o Senhor lhe tinha dito: “Hoje, antes que o galo cante, você dirá três vezes que não me conhece” ( Nova Tradução na Linguagem de Hoje). Pedro cai em si. Percebe o que fizera. Justo o que jurara nunca fazer. Então Pedro saiu dali e chorou amargamente. (v. 62, Nova Tradução na Linguagem de Hoje) Enquanto Jesus passa por uma série de julgamentos ilegais e injustos, ficamos sabendo que Judas também se encheu de remorso. Sente-searrasado pelo arrependimento e desesperado para remediar as coisas. Vai até os principais sacerdotes e líderes Infelizmente, quando ficamos face a face com a religiosos e joga o dinheiro no templo. “Pequei”, confessa-lhes, “pois traí sangue inocente […]” (Mateus 27.4). Tanto Pedro quanto Judas estão cheios de culpa e remorso pelo que fizeram. Se pudessem, voltariam atrás no tempo e desfariam os erros praticados, mas não podem. Nem você pode. Você fez a única coisa que prometeu a si mesmo nunca fazer, e não há como desfazê-la. Talvez você a tenha repetido três vezes. Talvez já tenha perdido a conta de quantas vezes foram. Agora tem a impressão de que poucos dias, ou poucas horas, ou poucos minutos, talvez até segundos, definirão o resto da sua vida. Nosso remorso deveria levar ao arrependimento. Essa é a reação certa quando somos culpa, costumamos apelar para tudo que estiver ao nosso alcance a fim de evitar o arrependimento confrontados com o nosso pecado. A graça de Deus não o abandonará nessa condição, mas é onde ela o encontrará com mais frequência. Infelizmente, quando ficamos face a face com a culpa, costumamos apelar para tudo que estiver ao nosso alcance a fim de evitar o arrependimento. Algumas condutas comuns pelas quais vejo as pessoas lidarem com o remorso são: 1. Racionalização. Alguns tipos de racionalização que costumo ouvir: “Não estou fazendo mal a ninguém/Não consigo evitar de me sentir assim/Deus me fez assim/ Deus quer que eu seja feliz”. Sempre se percebe quando alguém está racionalizando em razão da sensação de que esse alguém está tentando se convencer de que algo é certo quando sabe que não é. 2. Justificação. Costuma manifestar-se quando se põe a culpa em tudo ou em todos, menos em si mesmo. Muita gente lida com o remorso expondo todos os motivos pelos quais o que aconteceu não é sua culpa e, portanto, tampouco sua responsabilidade. “Se os meus pais não fossem tão permissivos/Se os meus pais não fossem tão rígidos/Se a minha mulher não fosse tão crítica/Se o meu marido não fosse tão desatento/Se o meu chefe não fosse tão injusto/ Se a cultura não fosse tão corrupta.” 3. Comparações. Tocamos neste assunto no capítulo 1, mas as pessoas tentam se sentir melhor em relação ao remorso comparando-se com outras. Penso que essa é uma das razões pelas quais amam tanto as revistas de fofocas e os reality shows na TV. Nada nos faz sentir que o que fizemos não é tão grave como ouvir sobre o que outras pessoas têm feito. De algum modo ficamos mais aliviados em relação a nosso remorso quando podemos dizer: “Bom, pelo menos eu não ________________________”. 4. Distração. Essa é uma das piores. Nunca paramos tempo suficiente para olhar para nós mesmos no espelho. Nunca reservamos tempo para refletir sobre as decisões que tomamos. Preenchemos cada milímetro da vida com trabalho, relacionamentos e entretenimento. Se em algum momento acontecer de termos uns poucos segundos sobrando, instintivamente pegamos o celular e brincamos com jogos ou navegamos na Internet. 5. Escapismo. Uma forma extrema de distração. A pessoa não consegue lidar com o remorso que sente e, então, engole pílulas, fuma erva, se embebeda ou pega o cartão de crédito e sai gastando. Nós nos automedicamos tentando tratar nossa culpa e entorpecer a dor do que fizemos, nem que só por algum tempo. Tanto Pedro quanto Judas reconhecem seus erros. Confessam onde tomaram uma decisão equivocada. Permitem que o remorso os conduza ao arrependimento. Mas cada um deles lida com isso à sua maneira. Judas devolve as 30 moedas de prata que aceitara para trair Jesus. Que bom que tentou endireitar as coisas. Tanto quanto possível, deveríamos assumir a responsabilidade por nossos atos. O problema é que podemos fazer bem pouco em relação a muitos dos nossos remorsos. Essa tende a ser uma das razões mais significativas pela qual encontramos tanta dificuldade para viver sem nenhum remorso. Judas percebe que não pode desfazer o que tinha feito. Não tem como reparar as coisas ou devolver cada peça a seu devido lugar, e a Bíblia nos conta que ele foi e se enforcou (Mateus 27.5). Ele não conseguiu lidar com seus remorsos. Estou convencido de que muita gente se mata aos poucos por causa de remorso. Estava convencido de que eram maiores do que a graça redentora de Deus. Não podia viver com o peso do que fizera, por isso se matou. A maioria das pessoas não resolve seus remorsos pelo suicídio, mas estou convencido de que muita gente se mata aos poucos por causa de remorso. Pedro, assim como Judas, se enche de remorso, mas Pedro se arrepende de fato, pois o remorso deveria levar ao arrependimento, e o arrependimento, à rejeição do ato praticado. Não quero inferir coisas demais aqui; no entanto, tenho para mim como é importante que tanto Pedro quanto Judas tenham se arrependido, mas só Pedro, pelo que lemos, chorou. A versão da Bíblia A Mensagem em inglês parafraseia Lucas 22.62 assim: “Ele saiu e chorou, e chorou, e chorou”. Talvez a razão pela qual isso chame a minha atenção seja porque aprendi a procurar nas lágrimas um sinal de arrependimento real. Uma das perguntas que faço aos homens que vêm e confessam um pecado é: “Você chorou por causa disso?”. Talvez a pergunta pareça estranha, mas, pela minha experiência, às vezes as lágrimas têm um incrível poder de cura quando o assunto são os nossos remorsos. João Crisóstomo explica isso do seguinte modo: “O fogo do pecado é intenso, mas uma pequena quantidade de lágrimas consegue debelá-lo, pois a lágrima apaga uma fornalha de enganos e purifica nossas chagas dos pecados”. Uma possível distinção entre a maneira pela qual Judas e Pedro lidaram com o arrependimento se encontra em 2Coríntios 7.10: “A tristeza segundo Deus não produz remorso, mas sim um arrependimento que leva à salvação, e a tristeza segundo o mundo produz morte”. Certa manhã bem cedo, depois que Jesus ressuscitou dentre os mortos, Pedro saiu para pescar com alguns outros discípulos. Era assim que ganhava a vida antes de se tornar um seguidor de Jesus em tempo integral. Talvez tivesse retomado a atividade por se sentir um fracassado depois de negar aquele por quem deixara tudo para o seguir. Talvez tivesse se arrependido de seu pecado e sido perdoado, mas seria forçado a viver o resto da vida com seus pesares — pensando no que talvez teria acontecido e em como Deus poderia tê-lo usado se ao menos… Do barco, Pedro avistou uma figura solitária caminhando na praia a cerca de 100 metros de distância. O homem gritou na direção do barco: “Pegaram alguma coisa?”. Pedro e os outros responderam: “Não, nada”. O homem da praia então disse: “Lancem as redes do outro lado”. Os pescadores concordaram e suas redes se encheram de peixes (cf. João 21.4-6). Pedro percebeu que era Jesus e não conseguiu esperar até o barco retornar à praia. Mergulhou na água e nadou até ele. Jesus preparava o café da manhã, e eles se reuniram em torno da fogueira. Você já notou como um odor específico é capaz de trazer de volta uma lembrança? O mau cheiro de um vestiário o faz lembrar-se de futebol, o odor peculiar de uma fábrica o faz lembrar-se de um emprego de verão, determinado perfume consegue lembrar você do primeiro encontro com sua esposa. Às vezes, eu me pergunto se o cheiro do carvão despertou na memória de Pedro a última vez em que ficara ao redor de uma fogueira — a ocasião em que negara Jesus. Reunidos em volta do fogo na praia, três vezes Jesus perguntou a Pedro: “Você me ama?”. Três vezes Pedro confirmara seu amor. Até que Jesus disse: “Pastoreie as minhas ovelhas” (v. 15-17). Jesus estava dizendo a Pedro que ele não precisava ser refém de seus remorsos. Jesus ainda tinha um grande plano para ele. A graça tem o poder de redimir o remorso. Um troféu da graça de Deus Depois que recolhemos os cacos do espelho quebrado do chão do closet, na manhã seguinte contei à minha esposa que tinha a sensação de que Deus queria que eu compartilhasse com a igreja a história em que eu dava um murro na porta e depois a
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