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Mulheres Fiéis e seu Deus Maravilhoso Traduzido do original em inglês Faithful Women & eir Extraordinary God por Noël Piper Copyright © 2005 by Nöel Piper Publicado por Crossway Books, Um ministério de publicações de Good News Publishers Wheaton, Illinois 60187, U.S.A Esta edição foi publicada através de um acordo com Good News Publishers ■ Copyright © 2010 Editora Fiel ■ Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte. ■ Presidente: Rick Denham Presidente Emérito: James Richard Denham Jr. Editor: Tiago J. Santos Filho Tradução: Laura Makal Lopes Revisão: Gwen Kirk; Marilene Paschoal Diagramação: Spress Capa: Edvânio Silva Ebook: Alex Sandro de Souza e Yuri Freire ISBN: 978-85-8132-082-3 Caixa Postal, 1601 CEP 12230-971 São José dos Campos-SP PABX.: (12) 3919-9999 www.editora�el.com.br http://www.editorafiel.com.br/ Índice Agradecimentos Semelhanças Introdução Sarah Edwards Fiel em meio ao mundano Lilias Trotter Fiel na fraqueza Gladys Aylward Fiel na humildade Esther Ahn Kim Fiel no sofrimento Hellen Roseveare Fiel na perda Dedicatória Às Mulheres da Bethlehem Baptist Church Vocês me abençoaram, no passado, pedindo histórias. Agora sou abençoada, quando vejo vocês seguindo os passos de santas mulheres como Sarah, Lilias, Gladys, Esther e Helen. Sendo fortalecidos com todo o poder, segundo a força da sua glória em toda a perseverança e longanimidade; com alegria, dando graças ao Pai, que vos fez idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz. Colossenses 1.11-12 P Agradecimentos RIMEIRO, À MINHA FAMÍLIA. Ao Johnny, por me manter focalizada no verdadeiro Centro; à Talitha, por brincar e estudar sozinha, enquanto eu trabalhava; ao Abraham e Molly, e ao Benjamin e Melissa por todas aquelas “visitas inesperadas” que Talitha fez às suas casas. À Heather e Elizabeth Haas e outros, por sua hospitalidade demonstrada à Talitha enquanto eu escrevia. À Helen Roseveare por permitir-me contar sua história e por tão gentilmente corrigir meus erros. À Alison Goldhor e George Ferris, por explicarem-me diversas vezes o antigo sistema monetário britânico. E ainda não consegui entender! À Carol Steinbach por ler e reler esta obra, e por suas excelentes sugestões, das quais me utilizei em sua maioria. E aquelas que não usei, provavelmente deveria tê-las utilizado. À minha equipe de editoração – especialmente Lucille Travis e Lois Swenson – pelas avaliações construtivas, capítulo por capítulo. Aos amigos da Crossway Books. À Lane e Ebeth Dennis, Marvin Padgett e Geoff Dennis por toda ajuda e encorajamento; e à Lila Bishop e Annette LaPlaca por seu olhar detalhista. À equipe que nos apoiou em oração, nos proveu refeições e cuidados, bem como outras dádivas de amor. A todos aqueles que me incentivaram, perguntando: “Como está indo o livro?” E, acima de tudo, dou “sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (Efésios 5.20). M Semelhanças INTRODUÇÃO ULHERES SIMPLES E SEU DEUS MARAVILHOSO. Este é o título que eu queria dar a este livro. Porém, um marido, queixando-se, disse: “Eu jamais daria à minha esposa um livro com esse título! Ela poderia pensar que acho que ela é apenas uma pessoa comum”. É bom que um marido sinta isso, mas acho tranqüilizador saber que Deus faz sua obra por meio daquilo que é simples. Ao usar o título Mulheres Simples, eu tinha em mente aquilo que Jim Elliot disse: “Missionários são seres humanos comuns, fazendo o que lhes foi ordenado. São apenas ninguém tentando exaltar Alguém”.1 Nem todas as mulheres neste livro são missionárias, mas penso que cada uma delas lhe teria dito: “Sou apenas uma pessoa comum”. Você poderia perguntar: Por que eu me incomodaria em ler estas histórias? Só há uma razão: Estas mulheres comuns tinham um Deus maravilhoso que as capacitava a fazerem coisas extraordinárias. E hoje, Ele é o mesmo Deus para nós. “Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre” (Hebreus 13.8). É por isso que descobrimos semelhanças inesperadas entre nossa vida e a vida destas cinco mulheres que viveram e trabalharam em seis nações, durante um período de tempo de mais de 250 anos. Gladys Aylward, Lilias Trotter e Esther Ahn Kim falam de sua fraqueza e incapacidade para realizarem suas tarefas dadas por Deus. Nós não sentimos o mesmo? Enquanto Sarah Edwards cumpria suas responsabilidades monótonas e enfadonhas como esposa e mãe, ela possuía pouca idéia do impacto que teria sobre as gerações, através de seu marido e seus �lhos, e outros que iam à sua casa. Hoje, não precisamos desse mesmo encorajamento para nossa vida neste mundo? Helen Roseveare lutava com o desejo de fazer um trabalho excelente, enquanto aquilo que a rodeava limitava-a ao “su�cientemente bom”. Não nos sentimos frustradas quando pensamos que nossos dons e habilidades não têm sido usados por completo? Esther Ahn Kim aprendeu a viver para Deus na prisão, e não apenas a sentar e esperar por uma vida “normal”. Às vezes, não sentimos que estamos “patinando na água” até que nossa “verdadeira” vida e ministério se iniciem? Cada uma destas mulheres, em meio a uma vida simples, viveu aquilo que podemos chamar de uma experiência de�nitiva. Agora, sob nossa perspectiva, podemos ver a vida destas mulheres preparando-as antecipadamente para aquele ponto decisivo. E tudo o que viria posteriormente seria moldado e de�nido por essa preparação. Sarah Edwards experimentou o poder aperfeiçoador de Deus quando, durante alguns dias, foi física e espiritualmente abalada pelo seu Espírito. Lilias Trotter descobriu a alegria de servir a Deus de todo o seu coração, após ter tomado a difícil decisão de deixar uma vida dedicada à arte, o que ela tanto amava. Gladys Aylward dava cada passo, minuto após minuto, seguindo a liderança de Deus, depois de ter gasto quase toda a sua força e saúde para salvar cem crianças. Esther Ahn Kim entendeu que Deus não é algemado pela crueldade das pessoas e da prisão, depois de ter se recusado, assim como os três amigos de Daniel, a curvar-se diante de um falso deus. Helen Roseveare encontrou a presença e o poder de Deus, precisamente nos momentos em que ela necessitava, durante semanas de violência sexual, terror, incerteza e dor. Com uma exceção, estas mulheres não conheciam umas às outras. Mas eu posso visualizar cada uma passando o bastão da �delidade, de sua geração à próxima. Em 1758, quando Sarah Edwards morria, na Nova Inglaterra, “ela expressou inteira resignação a Deus, e seu desejo de que Ele fosse glori�cado em todas as coisas; e que ela fosse capacitada a glori�cá-Lo até o �m”.2 Passaram-se quase cem anos e, na Inglaterra, Lilias Trotter nasceu numa família de posição social tal como os Pierreponts, a família de Sarah Edwards. Quando Lilias morreu, em 1928, na Argélia, Gladys Aylward estava em Londres, tentando persuadir seus irmãos e amigos de que alguém tinha de levar o evangelho à China. Logo, ela percebeu que Deus a estava chamando. Em 1940, enquanto Gladys atravessava as montanhas junto com cem crianças, Esther Ahn Kim já havia sido prisioneira por amor do evangelho, durante um ano, na Coréia. Esther foi libertada em 1945, o ano em que Helen Roseveare, uma estudante de medicina da Inglaterra, se tornou crente. E a vida de Helen Roseveare cruza os anos de nossa vida, e ela passa o bastão da �delidade a nós, a geração presente. Mais do que apenas cronologia liga estas mulheres. Somente Deus conhece todas as semelhanças entre suas vidas. Mas sabemos que Helen Roseveare foi tocada pelos escritos de Lilias Trotter, e por seu conhecimento pessoal de Gladys Aylward. Lilias Trotter... é alguém [que tenho] amado por muitos anos. Ganhei uma cópia de seus escritos “Alegorias da Cruz” e “Alegorias da Vida de Cristo” (em um volume) antes de ir para o campo missionário,em 1952/3, e isto era um tesouro para mim – até que os soldados rebeldes destruíssem minha coleção de livros preciosos, na revolta de 1964. Eu cito, em meu novo livro,3 uma de suas amáveis alegorias – aquela a respeito das sépalas do botão-de-ouro, dobrando-se para trás, para soltar a �or, sem força para fechar-se novamente. Gladys Aylward �cou na sede da WEC... por volta de 1950 – antes que ela voltasse a trabalhar com órfãos chineses em Taiwan. Tenho uma vívida lembrança de algumas das reuniões nas quais ela falou, naquele tempo!4 Podemos observar outras “semelhanças” – similaridade de circunstâncias, de sentimento e fé. Saúde frágil. Trabalho missionário nos subúrbios, junto aos “inaceitáveis”. Signi�cância dos contatos e das conversas “insigni�cantes”. Falta de quali�cação para ser aceita na junta missionária. Reconhecimento da morte como o caminho de entrada para Deus, no céu. Um espírito de “independência”, que é a verdadeira dependência de Deus. Que Deus nos dê olhos para enxergarmos as semelhanças entre a vida dessas mulheres e a nossa. E, ainda mais, que possamos ver claramente a Deus em nossa própria vida, em razão daquilo que vemos na vida de Sarah Edwards, Lilias Trotter, Gladys Aylward, Esther Ahn Kim e Helen Roseveare. Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o �m da sua vida, imitai a fé que tiveram. Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre. Hebreus 13.7-8 É por isso que leio biogra�as. Para lembrar as pessoas que trilharam o caminho com Deus, para meditar sobre a vida delas e imitar sua fé. Porque temos o mesmo Deus, e Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre. NOTAS DA INTRODUÇÃO: 1 Elliot, Elisabeth. Shadow of the Almighty. San Francisco: HarperSanFrancisco, 1989. p. 46. 2 Dodds, Elizabeth. Marriage to a difficult man: the uncommon union of Jonathan and Sarah Edwards. Laurel, Miss.: Audubon Press, 2003. p. 169. 3 Roseveare, Helen. Living holiness. 4 E-mail pessoal de Helen Roseveare, em fevereiro de 2005. Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade. Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição. Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos. Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que �zerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai. Colossenses 3.12-17 N Sarah Edwards FIEL EM MEIO AO MUNDANO o século XVIII, no Novo Mundo, treze pequenas colônias britânicas se amontoavam próximas à costa do Atlântico — colônias separadas, não um país. A América não era uma nação, mas um continente quase totalmente desconhecido. Além das colônias, em direção ao oeste, nenhum europeu havia ainda descoberto ou medido a terra que se estendia até o desconhecido. A Nova Inglaterra e as outras colônias eram uma frágil ponta de terra conhecida, à margem do continente. Os colonos eram cidadãos britânicos, cercados de territórios de outras nações. A Flórida e o sudoeste pertenciam à Espanha. O Território da Louisiana pertencia à França. Os franceses, em particular, eram ávidos por aliarem-se aos índios, os habitantes locais, contra os ingleses. Portanto, qualquer história iniciada em meio a esse tênue contexto político devia evocar a visão de tropas nos topos das montanhas, os sons de tiros à distância, o desconforto dos soldados se posicionando nas propriedades dos colonos, o choque e o terror das notícias sobre massacres nas colônias vizinhas. Este era o contexto da vida diária, num grau maior ou menor, nas colônias inglesas, durante todo o século XVIII. SARAH PIERREPONT Em meio a esse contexto, Sarah Pierrepont nasceu, em 9 de janeiro de 1710. Toda a sua vida seria desgastada no cenário de incerteza política e de guerra iminente. Sua família vivia no presbitério de New Haven, Connecticut, onde seu pai, James, era pastor. Ele foi um dos fundadores do Yale College e uma autoridade proeminente na igreja da Nova Inglaterra. A mãe de Sarah foi Mary Hooker, cujo bisavô, omas Hooker, foi um dos fundadores de Connecticut. omas Hooker teve um papel importante quando as Ordens Fundamentais da colônia foram escritas, provavelmente a primeira constituição escrita da história. Como �lha de uma das famílias mais distintas de Connecticut, Sarah teve a melhor educação que uma mulher daquele tempo poderia receber. Aperfeiçoou-se nas habilidades re�nadas da sociedade. As pessoas que a conheciam mencionavam sua beleza e sua maneira de fazer as pessoas se sentirem bem. Samuel Hopkins, que mais tarde a conheceu, enfatizou a “peculiaridade de sua encantadora expressão, como resultado da combinação de inteligência e bondade”.1 JONATHAN EDWARDS Diferentemente dela, Jonathan Edwards, seu futuro marido, era introvertido, tímido, inquieto e de pouco falar. Iniciou seus estudos na faculdade aos treze anos e formou-se como orador o�cial. Comia pouco, naquele tempo de mesas fartas, e não era inclinado à bebida. Era alto, desajeitado e muito esquisito. Faltava-lhe cordialidade. Ele escreveu em seu diário: “Uma virtude que necessito em mais alto grau é a gentileza. Se eu tivesse um ar mais gentil, seria muito melhor”.2 (Naquele tempo, gentileza signi�cava cordialidade, o que caracterizava um cavalheiro.) SARAH E JONATHAN Em 1723, aos dezenove anos, Jonathan se formou, em Yale, e foi pastor em Nova York, por um ano. Quando terminou seu período de pastorado naquela igreja, começou a trabalhar como professor em Yale e voltou para New Haven, onde Sarah Pierrepont morava. É possível que Jonathan já a tivesse conhecido três ou quatro anos antes, quando estudara em Yale. Naquele tempo de estudante, quando tinha mais ou menos dezesseis anos, Jonathan provavelmente viu Sarah, quando freqüentava a Primeira Igreja de New Haven, onde o pai dela pastoreou até a sua morte, em 1714, e onde seus familiares continuaram como membros.3 Em seu retorno, em 1723, Jonathan tinha vinte anos e Sarah treze, num tempo em que era comum as moças se casarem aos dezesseis anos. Ao iniciar seu trabalho como professor, no início do ano letivo, parece que Jonathan se distraiu um pouco de sua dedicação habitual aos estudos. Uma história popular nos conta que ele sonhava diante de sua gramática de grego, a qual tencionava estudar, a �m de preparar sua aula. Em vez disso, encontramos sobre a página de rosto daquela gramática, um relato de seus verdadeiros pensamentos: Dizem que em [New Haven] existe uma moça amada do Grande Ser, Aquele que criou e governa o mundo. Dizem que em certos períodos este Grande Ser vem ao encontro desta moça e, de uma maneira invisível, enche-lhe os pensamentos com extraordinário deleite; e que ela di�cilmente se interessa por qualquer outra coisa, exceto meditar nEle... [Você] não pode persuadi-la a fazer qualquer coisa errada ou pecaminosa, ainda que prometa dar-lhe o mundo inteiro, pois ela receia ofender a este Grande Ser. Ela possui muita doçura, tranqüilidade e total benevolência de pensamento; especialmente depois que este Grande Deus se manifestou a ela. Às vezes, anda de um lugar a outro, cantando com doçura; e parece estar sempre cheia de alegria e gozo... Ela ama estar sozinha, passeando pelos bosques e campos, e parece ter Alguém Invisível sempre a conversar com ela.4 Todos os biógrafos mencionam o contraste entre os dois. Porém, uma coisa que tinham em comum era o amor pela música. É possível que Sarah soubesse tocar alaúde. (No ano de seu casamento, cordas para alaúde era um dos itens da lista de comprasque Jonathan levou em uma viagem.5 Pode ter sido para um músico do casamento ou mesmo para Sarah.) Jonathan mencionava a música como o modo mais perfeito pelo qual as pessoas deviam se comunicar umas com as outras. O melhor, mais bonito e mais perfeito modo que temos de expressar um ao outro a doce concordância de pensamento é por meio da música. Quando construo em minha mente a idéia de uma sociedade no mais alto grau de felicidade, penso nessas pessoas expressando seu amor, sua alegria, a concordância, a harmonia e a beleza espiritual de suas almas, cantando um para o outro.6 Aquela imagem era apenas o primeiro passo para um salto da realidade humana para a realidade celeste, onde Jonathan viu a doce intimidade humana como uma simples canção, comparada à sinfonia de harmonias na intimidade com Deus. Enquanto Sarah crescia e Jonathan tornava-se, de certa forma, mais gentil, eles começaram a passar mais tempo juntos. Gostavam de conversar e caminhar juntos; e ele aparentemente encontrou nela uma mente que combinava com sua beleza. De fato, ela lhe apresentou um livro de Peter van Mastricht, o qual mais tarde muito in�uenciaria o pensamento de Jonathan.7 Eles �caram noivos na primavera de 1725. Jonathan era um homem cuja natureza enfrentaria incertezas, tanto em seus pensamentos quanto em sua teologia, como se tais incertezas lhe causassem grande tensão física. Além disso, os anos que teve de esperar até que Sarah tivesse idade para casar trouxeram-lhe pressão ainda maior. Aqui estão algumas palavras que ele usou para descrever a si mesmo, extraídas de seu diário, em 1725, um ano e meio antes de casarem-se: 29 de dezembro – Entediado e desanimado 9 de janeiro – Abatido 10 de janeiro – Recuperando8 Provavelmente seus sentimentos por Sarah �zeram com que Jonathan temesse pecar por pensamentos. Em seu esforço por manter-se puro, fez a seguinte resolução: “Quando sou violentamente atacado por uma tentação, ou não consigo livrar-me de pensamentos impuros, decido fazer alguma operação aritmética ou de geometria, ou algum outro estudo, que necessariamente envolva toda a minha mente e a impeça de �car vagueando”.9 COMEÇO DA VIDA CONJUGAL Jonathan Edwards e Sarah Pierrepont se casaram, �nalmente, em 28 de julho de 1727. Ela tinha dezessete anos, e ele, vinte e quatro. Jonathan vestia uma peruca e uma nova veste clerical, que ganhou de sua irmã, Mary. Sarah usava um vestido de cetim verde bordado.10 Temos apenas vislumbres do grande amor entre eles. Certa vez, Jonathan usou o exemplo do amor entre um homem e uma mulher para exempli�car o amor a Deus. “Quando temos uma idéia do amor de alguém por determinada coisa, se for o amor de um homem por uma mulher... não conhecemos completamente o amor dele; temos apenas uma idéia de suas ações que são os efeitos do amor... Temos uma leve e vaga noção de suas afeições.”11 Jonathan tornou-se pastor em Northampton, seguindo os passos de seu avô, Solomon Stoddard. Começou este ministério em fevereiro de 1757, apenas cinco meses antes de seu casamento, em New Haven. Sarah não passou desapercebida em Northampton. De acordo com os costumes da época, um biógrafo imagina a chegada de Sarah à igreja de Northampton: Qualquer pessoa bonita que chegue a um vilarejo gera curiosidade. Contudo, quando tal pessoa é também a esposa do novo pastor, causa intenso interesse. A maneira como os bancos da igreja eram dispostos naquela época, davam destaque à família do pastor como uma bandeira tremulando... Por isso, os olhos de cada pessoa da cidade estavam sobre Sarah, enquanto ela se movia em seu vestido de noiva. O costume ditava que uma noiva, em seu primeiro domingo na igreja, vestisse seu vestido de noiva e caminhasse vagarosamente, para que todos pudessem observá-lo bem. As noivas também tinham o privilégio de escolherem o texto a ser pregado no primeiro domingo após o seu casamento. Não há registro a respeito do texto que Sarah escolheu, mas seu versículo favorito era: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rm 8.35). É possível que ela tenha escolhido este versículo como texto para a pregação. Ela tomou seu lugar no assento designado a simbolizar o seu papel – um banco alto de frente para a congregação, onde todos poderiam perceber o menor sinal de expressão. Sarah havia sido preparada para esta posição de evidência a cada domingo de sua infância, na comunidade de New Haven, mas era diferente de ser, ela mesma, a esposa do pastor. Outra mulher poderia bocejar ou mover furtivamente o pé, numa manhã fria de janeiro, dentro de uma igreja sem aquecimento. Ela nunca.12 Marsden diz: “No outono de 1727 [cerca de três meses após o casamento], Jonathan tinha recuperado sua conduta espiritual, principalmente sua habilidade em aprofundar a intensidade espiritual que havia perdido por três anos”.13 O que fez a diferença? Talvez ele estivesse mais apto para uma posição na igreja do que para o cenário acadêmico, em Yale, onde lecionava, antes de aceitar o cargo pastoral. Aparentemente, sua recuperação também estava relacionada ao casamento. Durante cerca de três anos antes de casar-se, além de sua rigorosa ocupação acadêmica, Jonathan se refreara sexualmente, ansiando pelo dia em que ele e Sarah seriam uma só carne. Quando iniciaram a vida juntos, ele era um novo homem. Tinha encontrado seu lar e o céu na terra. SARAH COMO ESPOSA Quando Sarah iniciou seu papel de esposa, deu a Jonathan liberdade para buscar os combates �losó�cos, cientí�cos e teológicos que �zeram dele o homem que nós honramos. Edwards era um homem a quem as pessoas reagiam. Era diferente, intenso. Sua força moral era uma ameaça às pessoas inclinadas ao rotineiro. Após adentrar seus pensamentos às verdades bíblicas e implicações teológicas ou aos assuntos eclesiásticos, ele não voltava atrás em suas descobertas. Por exemplo, ele compreendia que somente os crentes deveriam tomar a Ceia do Senhor na igreja. A igreja de Northampton não �cou feliz quando Edwards foi contra os padrões mais fracos de seu avô, que permitia que mesmo os descrentes tomassem a Ceia, desde que não tivessem participação em pecado aberto.14 Esse tipo de controvérsia signi�cava que Sarah, em segundo plano, também era afetada pela oposição que seu marido enfrentava. Edwards era um pensador que mantinha idéias em sua mente, ponderando- as, separando-as, juntando-as a outras idéias e testando-as contra outras partes da verdade de Deus. Tal homem alcança o auge quando as idéias separadas juntam-se numa verdade maior. Mas, também é o tipo de homem que pode encontrar-se em covas profundas, no caminho à verdade.15 Não é fácil viver com um homem assim. Mas Sarah encontrou meios de construir um lar feliz para ele. Ela o assegurou de seu amor constante e criou uma atmosfera e uma rotina, nas quais ele gozava de liberdade para pensar. Ela entendia que, quando ele estava absorto em um pensamento, não queria ser interrompido para jantar. Compreendia que suas sensações de alegria ou tristeza eram intensas. Edwards escreveu em seu diário: “Freqüentemente, tenho visões muito comoventes de minha própria pecaminosidade e perversidade, a ponto de me levar a um choro alto... que sempre me força a �car a sós”.16 A cidade via um homem sereno. Sarah conhecia as tempestades que existiam dentro dele. Ela conhecia o Jonathan da intimidade do lar. Samuel Hopkins escreveu: Enquanto ela tratava seu marido com acatamento e inteiro respeito, não poupava esforços para conformar-se às inclinações dele e tornar tudo em família agradável e prazeroso, fazendo disso sua maior glória e o modo como poderia melhor servir a Deus e à sua geração [e a nossa, podemos acrescentar]; e isso tornava-se o meio de promover o benefício e a felicidade de seu marido.17 Portanto, a vida no lar dos Edwards era moldada, em sua maior parte, pelo chamado de Jonathan. Uma das notas de seu diário dizia: “Penso que, ao ressuscitar de madrugada, Cristo nos recomendou levantar bem cedo pela manhã”.18 Levantar-se cedo era um hábito de Jonathan.Durante anos, a rotina da família era acordar cedo, junto com ele, ler um capítulo da Bíblia à luz de velas e orar, pedindo a bênção de Deus para aquele novo dia. Jonathan tinha o hábito de fazer algum trabalho físico durante uma parte do tempo, todos os dias, para exercitar-se – por exemplo, cortar lenha, consertar cercas ou trabalhar no jardim. Mas Sarah tinha a maior parte da responsabilidade em cuidar da propriedade. Com freqüência, Jonathan estudava treze horas por dia. Isto incluía muita preparação para os domingos, com o ensino bíblico. Mas também incluía os momentos em que Sarah ia conversar, ou quando os membros da igreja paravam para uma oração ou aconselhamento. À noite, os dois andavam à cavalo pela �oresta para exercitar-se, respirar ar puro e conversar. E, então, oravam juntos novamente. SARAH COMO MÃE Em 25 de agosto de 1728, os �lhos começaram a chegar na família– onze ao todo – com quase dois anos de intervalo entre cada um: Sarah, Jerusha, Esther, Mary, Lucy, Timothy, Suzannah, Eunice, Jonathan, Elizabeth e Pierpont.19 Este foi o começo do próximo grande papel de Sarah, o de mãe. Em 1900, A. E. Winship fez um estudo contrastando duas famílias. Uma tinha centenas de descendentes que apenas exploraram a sociedade. A outra família, descendentes de Jonathan e Sarah Edwards, foram destaque por suas contribuições à sociedade. Ele escreveu sobre o clã dos Edwards: Tudo que a família fez foi de maneira competente e nobre... E muito da capacidade, do talento, da inteligência e do caráter dos mais de 1400 membros da família Edwards é devido à senhora Edwards. Por volta do ano 1900, quando Winship fez seu estudo, o casamento de Jonathan e Sarah havia produzido: 13 presidentes de universidades 65 professores 100 advogados e um reitor de uma faculdade de Direito 30 juízes 66 médicos e um reitor de uma faculdade de Medicina 80 encarregados de ofício público, inclusive: 3 senadores nos Estados Unidos Prefeitos de 3 grandes cidades Governadores de 3 estados Um vice-presidente dos Estados Unidos Um diretor do Ministério da Fazenda dos Estados Unidos Os membros da família escreveram 135 livros... editaram 18 jornais e periódicos. Iniciaram o ministério em grandes grupos e enviaram cem missionários além-mar, como também muitos membros da família foram diretores de organizações missionárias.20 E Winship continua listando instituições, indústrias e empresas que pertenceram ou foram dirigidas pelos descendentes dos Edwards. “Di�cilmente existe uma grande indústria americana que não tenha tido um dos membros dessa família entre seus principais promotores.” Bem podemos perguntar como Elisabeth Dodds: “Que outra mãe contribuiu tão essencialmente para a liderança de uma nação?”21 Seis dos �lhos de Edwards nasceram num domingo. Naquele tempo, alguns ministros não batizavam bebês que nasciam aos domingos, porque acreditavam que os bebês nasciam no dia da semana em que foram concebidos, e esta não era uma atividade tida como apropriada para o Dia do Senhor. Mas todos os �lhos de Edwards foram batizados, a despeito da data de seu nascimento. E todos os �lhos viveram ao menos até a adolescência. Às vezes, isso gerava ressentimento em outras famílias da comunidade, visto que este fato era raro numa época em que a morte estava sempre próxima. O SERVIÇO DOMÉSTICO Em nossas casas modernas, com aquecedores centrais, é difícil imaginar as tarefas que Sarah tinha de fazer ou delegar: quebrar gelo para tirar a água do poço, trazer lenha e acender o fogo, cozinhar e preparar lanches para os viajantes que os visitavam, fazer roupas para a família (desde a tosquia das ovelhas até o tear e a costura), plantar e cultivar, fazer vassouras, lavar roupa à mão, tomar conta de bebês, tratar enfermidades, fabricar velas, alimentar as aves domésticas, supervisionar o abate de animais, ensinar aos meninos tudo que não aprendessem na escola e observar se as meninas estavam aprendendo a realizar as tarefas do lar. Isto era apenas uma pequena porção das responsabilidades de Sarah. Certa vez, quando Sarah estava fora da cidade e Jonathan �cara encarregado das tarefas da casa, escreveu, quase desesperado: “Temos vivido sem você, mas ainda não sabemos como fazer isso”.22 Muito do que sabemos a respeito das tarefas domésticas da família Edwards vem de Samuel Hopkins, que viveu com eles durante algum tempo, e escreveu: Ela possuía um jeito excelente de governar os �lhos; sabia como fazê-los respeitar e obedecer alegremente, sem palavras iradas ou gritos e, muito menos, sem bater neles… Se alguma correção era necessária, não a ministrava com cólera; quando tinha necessidade de repreender e reprovar, ela o fazia com poucas palavras, sem irritação [isto é, sem impetuosidade] nem barulho... Seu sistema de disciplina começava desde a mais tenra idade. A sua norma era resistir à primeira, assim como a toda subseqüente exibição de descontrole ou desobediência da criança... considerando sabiamente que, se a criança obedece aos pais, será capaz de obedecer a Deus.23 Seus �lhos eram onze pessoas diferentes, provando que a disciplina de Sarah não deformava suas personalidades – talvez porque um aspecto importante de sua vida disciplinada era, como Samuel Hopkins escreveu, orar “por [seus �lhos] de modo determinado e constante, e os levar em seu coração, diante de Deus... e isto mesmo antes de nascerem”.24 Dodds diz: A maneira de Sarah lidar com os �lhos fez mais do que apenas evitar que Edwards fosse importunado enquanto estudava. A família proveu a ele um fundamento sólido para a sua ética... O último domingo em que [Edwards] esteve no púlpito, como pastor da igreja de Northampton, disse estas palavras: “Toda família deve ser... uma pequena igreja, consagrada a Cristo e totalmente governada e in�uenciada por seus mandamentos. E a educação e a ordem da família estão entre os principais meios da graça. Se isto falhar, todos os outros meios provavelmente não terão efeito”.25 Ainda que o papel de Sarah tenha sido vital, não devemos imaginar que ela criou os �lhos sem a ajuda do marido. A afeição de Jonathan e Sarah um pelo outro e a rotina devocional regular da família foram alicerces �rmes para os �lhos. Jonathan teve parte integral em suas vidas. Quando já estavam crescidos, ele sempre levava um ou outro junto consigo, quando viajava. Em casa, Sarah sabia que Jonathan gastaria uma hora, todos os dias, com os �lhos. Hopkins o descreve como alguém “que penetrava facilmente nos sentimentos e preocupações dos �lhos e estimulava-os com conversas alegres e animadas, acompanhadas freqüentemente de observações vivazes, acessos de riso e humor... Então, ele retornava ao escritório para trabalhar um pouco mais, antes do jantar”.26 Este era um homem diferente daquele que a congregação freqüentemente via. É possível juntar muitas informações sobre o lar dos Edwards, porque eles economizavam papel. O papel era caro e tinha de ser encomendado de Boston. Por isso, Jonathan guardava notinhas velhas, listas de compras e os rascunhos de cartas, juntando-os em pequenos blocos para usar o lado branco para escrever sermões. Uma vez que seus sermões foram guardados, as anotações dos detalhes do dia-a-dia também �caram guardadas. Por exemplo, muitas das listas de compras incluíam um lembrete para comprar chocolate.27 A AMPLA ESFERA DE INFLUÊNCIA DE SARAH Naquela época colonial, os viajantes entendiam que, se uma cidade não tinha hospedaria, ou se esta era ruim, a casa do pastor era um lugar agradável para se passar a noite. Portanto, desde seu começo em Northampton, Sarah exerceu seus dons de hospitalidade. A casa dos Edwards era bem conhecida, ocupada e elogiada. Sarah não era somente esposa, mãe e an�triã; ela, além disso, sentia-se espiritualmente responsável por aqueles que entravam em sua casa. Uma grande �la de jovens pastores apresentava-se à porta de sua casa, ao longo dos anos, na esperança de viver com eles e absorver a experiência de Jonathan. Por esse motivo, Samuel Hopkins morou comeles e teve a oportunidade de observar a família. Em dezembro de 1741, ele chegou à casa dos Edwards. Aqui está o seu relato das boas-vindas que recebeu: Quando cheguei, o senhor Edwards não estava em casa, mas fui acolhido com grande gentileza pela senhora Edwards, juntamente com a família, e recebi o encorajamento de que poderia �car ali durante o inverno... Eu era um tanto melancólico e a maior parte do tempo �cava retirado em meus aposentos. Depois de alguns dias, a senhora Edwards veio... e disse que eu me tornara membro da família por uma temporada e, por isso, estava interessada em meu bem-estar. Observara que eu parecia triste e desanimado e esperava que eu não a achasse intrometida [por causa] de seu desejo de saber e de perguntar-me por que me sentia assim... E eu lhe disse... que estava num estado desesperador, longe de Cristo... e nisto iniciamos uma conversa franca... e ela me disse que havia [orado] a meu respeito desde que eu entrara na família; que con�ava que eu receberia luz e conforto e que, sem dúvida, Deus ainda faria grandes coisas através de mim.28 Sarah tinha sete �lhos nessa época – entre um ano e meio e treze anos de idade – e, ainda assim, tomou este homem sob seus cuidados e o encorajou. Ele recordou disso por toda a sua vida. O impacto da certeza de Sarah Edwards a respeito da obra de Deus na vida de Hopkins não parou naquela conversa pessoal. Ele continuou sua caminhada a �m de tornar-se pastor em Newport, Rhode Island, uma cidade dependente da economia escrava. Ele ergueu uma voz forte contra a escravidão, embora muitos �cassem ofendidos. No entanto, um jovem se impressionou. William Ellery Channing estava desorientado e procurava um propósito para sua vida. Ele conversou longamente com Hopkins, voltou para Boston, tornou-se um pastor e, além de in�uenciar Emerson e oreau, participou de forma decisiva no movimento abolicionista.29 Certamente Hopkins admirava Sarah Edwards. Ele escreveu: “Ela cultivava como regra pessoal o falar bem de todos, tanto quanto podia fazê-lo com verdade e justiça a si mesma e aos outros...” Isto parece muito com as primeiras re�exões de Jonathan a respeito de Sarah – uma con�rmação de que o seu amor por ela não o cegava. Hopkins comentou sobre o relacionamento entre Jonathan e Sarah: Em meio a tantos trabalhos complicados... [Edwards] encontrou em casa alguém que, em todos os sentidos, era uma auxiliadora para ele, alguém que fazia de sua simples habitação um lar de ordem e limpeza, de paz e conforto, de harmonia e amor para todos os que moravam ali, e de bondade e hospitalidade ao amigo, ao visitante e ao estranho.30 Outra pessoa que observou a família Edwards foi George White�eld, quando visitou a América do Norte durante o Grande Despertamento. Em outubro de 1740, ele foi a Northampton passar um �m de semana e pregou quatro vezes. No sábado pela manhã, ele falou aos �lhos de Edwards, em sua casa. White�eld escreveu que, quando pregou no domingo pela manhã, Jonathan chorou durante quase todo o culto. A família de Edwards também teve um grande efeito sobre White�eld: Senti grande satisfação por estar na casa dos Edwards. Ele é um �lho de Abraão e tem uma �lha de Abraão como esposa. Que casal agradável! Seus �lhos não se vestiam de cetim e seda, mas de trajes simples, como os �lhos daqueles que, em todas as coisas, devem ser exemplo da simplicidade de Cristo. Ela é uma mulher adornada de um espírito manso e tranqüilo, alguém que fala de maneira franca e �rme das coisas de Deus; parece ser tão grande auxiliadora para seu marido, que isto me fez renovar aquelas orações, as quais, por muitos meses, tenho feito a Deus, para que se agrade em me enviar uma �lha de Abraão para ser minha esposa.31 No ano seguinte, White�eld casou-se com uma viúva a quem John Wesley descrevia como “uma mulher de integridade e benevolência”.32 A CRISE ESPIRITUAL DE SARAH Jonathan Edwards teve um papel chave no Grande Despertamento, o avivamento que atingiu todas as colônias. Freqüentemente, ele era chamado para pregar em outros locais e precisava viajar. Durante esse tempo, em casa, a família �cou em meio a uma tensão por causa de �nanças. Em 1741, Jonathan pediu um salário �xo à igreja, o qual possibilitasse suprir as necessidades crescentes de sua grande família. Isto fez com que a congregação inspecionasse o estilo de vida da família Edwards, a �m de detectarem possíveis sinais de extravagância. O comitê responsável pelas �nanças da igreja decidiu que Sarah teria de manter uma declaração de cada gasto, item por item. Em janeiro de 1742, durante este período de avivamento público e tensão pessoal, Sarah passou por uma crise, que mais tarde relatou a Jonathan. Ela contou sua experiência e Jonathan a transcreveu. Publicou-a em Some oughts Concerning the Present Revival of Religion (Pensamentos a Respeito do Presente Avivamento da Religião).33 Para preservar a privacidade dela, ele não revelou o nome nem o sexo do protagonista. A alma habitava nas alturas, estava perdida em Deus e parecia quase sair do corpo. A mente desfrutava de um deleite puro que a alimentava e satisfazia; tendo prazer sem o menor incômodo ou qualquer interrupção... [Havia] extraordinárias visões das coisas divinas e sentimentos religiosos, acompanhados freqüentemente de grandes efeitos no corpo. A condição humana sucumbia ao peso das descobertas divinas e o vigor do corpo desapareceu. A pessoa não tinha capacidade de permanecer de pé ou falar. Às vezes, as mãos �cavam travadas, o corpo frio, mas os sentidos ainda continuavam. A natureza física estava em grande emoção e agitação e a alma �cava tão dominada por admiração e um tipo de alegria incontrolada, que levava a pessoa a pular com toda a sua força, com regozijo e intensa exultação...34 Os pensamentos de humildade perfeita, com os quais os santos adoram a Deus no céu e se prostram diante do seu trono, venciam freqüentemente o corpo, deixando-o em grande agitação. 35 Não devemos imaginar que ela estava retraída e sozinha durante este período de duas semanas, ou que cada minuto era marcado por este êxtase. Jonathan estava ausente de casa, exceto nos dois primeiros dias. Então, ela �cou responsável pela casa – cuidar das sete crianças, dos hóspedes e freqüentar as reuniões na igreja. Talvez, naquele momento ninguém compreendesse como Deus a abalava e transformava, quando ela estava sozinha com Ele. Isto aconteceu somente um mês após Samuel Hopkins ter se mudado para a casa dos Edwards; portanto, as impressões dele sobre a família foram moldadas em meio aos dias mais transformadores da vida de Sarah. No esforço em explicar este período na vida de Sarah Edwards, muitos biógrafos abordam o assunto de modo muito diferente, deixando-nos o desa�o de tentar entender o que realmente aconteceu. Ola Winslow, um biógrafo que rejeitava a teologia de Edwards, usou o relato da experiência de Sarah para minimizar o impacto da aceitação de Edwards, no que se referia às manifestações ativas e exteriores do Espírito Santo. Winslow escreveu: “O fato de que sua esposa tinha estas extremas manifestações, sem dúvida, o inclinou a uma atitude mais acolhedora para com tais manifestações...”36 Isto parece implicar que, em circunstâncias normais, Jonathan teria falado contra manifestações incomuns, como as de Sarah; porém, desde que teve de responder pela experiência de sua esposa, foi forçado a aceitá-las. Outro perito na vida de Edwards, Perry Miller, que rejeitou a idéia de qualquer coisa sobrenatural, pôde apenas concluir que a história de Sarah deu a Jonathan uma prova para usar contra aqueles que pensavam que “entusiasmo” era coisa de Satanás. Miller pressupõe que, apesar de nós, pessoas modernas, sabermos que tais manifestações podem não ser realmente sobrenaturais, Edwards era antiquado e pensou equivocadamente que algo sobrenatural estivesse acontecendo. Portanto, Miller diria, era conveniente para Edwards ter uma experiência em mãos para usar como prova contra dúvidas.37 Elisabeth Dodds descreveSarah como alguém “visivelmente necessitada, grosseira – tagarela, dada a alucinações, profundamente desanimada”.38 Ela chama esse estado de colapso, e o atribui ao estoicismo anterior de Sarah, à sua luta com um marido difícil e muitos �lhos, às pressões �nanceiras, ao criticismo de Jonathan a respeito de seu modo de agir com certa pessoa, e ao ciúme dela por causa do sucesso de um pastor visitante enquanto Jonathan pregava longe de casa. Dodds diz que não podemos saber se tal reação foi um êxtase espiritual ou um colapso nervoso.39 A experiência de Sarah foi primeiramente psicológica? Provavelmente não. É raro que uma pessoa, sem razão aparente, tenha um colapso psicológico e logo depois volte ao normal. Portanto, Dodds, que acredita que isto foi realmente um tipo de colapso, sugere que Jonathan estava agindo como um precursor inconsciente de um psiquiatra, quando fez Sarah assentar-se e contar-lhe tudo que havia acontecido.40 Sua experiência teve uma causa espiritual? Parece que sim. Sabemos que ninguém jamais tem motivações, ações ou causas totalmente puras em suas atividades espirituais, contudo não há dúvida de que tanto Jonathan quanto Sarah reconheceram que as experiências dela vieram de Deus, e que tinham o propósito de deleitá-la e bene�ciá-la espiritualmente. Sarah fala a respeito de sua experiência como um encontro espiritual, e o faz sem ambigüidade. Portanto, o leitor deve perguntar: Os Edwards provaram ser pessoas cujo julgamento em questões espirituais é con�ável? Se a resposta for positiva, seria um erro tentar explicar o entendimento dela sobre sua própria experiência. Nem tampouco desejaríamos minimizar a con�rmação de Jonathan a respeito da natureza espiritual da experiência de Sarah, explícita em sua disposição em publicar o relato. Tensões a respeito de �nanças, a�ição por ter irritado o marido, ciúmes por causa de outro ministro – tudo isso era real na vida de Sarah. E Deus usou estas coisas para revelar-Se a Sarah, para mostrar-lhe o quanto precisava dEle e para revelar a fraqueza dela. E quando vieram sobre ela as sensações quase físicas da presença de Deus, Ele era o mais precioso e amável para ela, por causa do que Ele fez e venceu por ela. É bom lembrar a descrição feita anteriormente por Jonathan a respeito de Sarah, escrita em sua gramática de grego. Admitamos que ele era um amante inebriado. Mas ele não fez aquela descrição sem motivo. Ele escreveu a respeito de uma determinada pessoa, e podemos ver como era esta pessoa, ainda que seja através das lentes coloridas de Jonathan. ...em certos períodos este Grande Ser vem ao encontro desta moça e, de uma maneira invisível, enche-lhe os pensamentos com extraordinário deleite; e que ela di�cilmente se interessa por qualquer outra coisa, exceto meditar nEle.41 Isto é muito parecido com a maneira como Sarah descreve sua experiência. E lembre-se que aos treze anos, ela amava ...estar sozinha, passeando pelos bosques e campos, e parece ter Alguém invisível sempre a conversar com ela.42 Adolescentes solitários geralmente se tornam adultos solitários. Onde estava aquela solidão para Sarah, uma mulher que quase a cada ano dava à luz um novo bebê, com um �uxo constante de viajantes e pastores iniciantes morando em sua casa, e com uma cidade que percebia cada mínimo movimento que ela fazia? A vida de Sarah se tornou diferente depois destas semanas – diferente como se espera, depois de Deus ter visitado alguém de modo especial. Jesus disse: “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16). Jonathan disse que Sarah mostrava …grande humildade, gentileza e benevolência de espírito e de conduta; e uma grande mudança naquelas coisas que, em tempos passados, eram falhas que a pessoa cometia. Ela parecia estar repleta e transbordante de grande aumento de graça. E aqueles com quem ela mais conversava e que lhe eram mais íntimos podiam observar isso.43 Ele também assegurou a seu leitor que Sarah não se tornara excessivamente espiritual a ponto de não cumprir seus deveres terrenos: Oh, como é bom, disse certa vez esta pessoa, trabalhar para o Senhor durante o dia, e à noite deitar sob seus sorrisos! As grandes experiências e afeições religiosas desta pessoa não têm sido vivenciadas com qualquer disposição para negligenciar as ocupações necessárias do chamado secular... Mas as responsabilidades da vida secular têm sido cumpridas com grande disposição, como parte do serviço a Deus: a pessoa declara que, o serviço sendo assim realizado, descobriu ser tão bom quanto orar.44 Sua vida transformada levava as marcas de Deus, e não de um desequilíbrio psicológico. É evidente que Jonathan concordava com ela na crença de que ela havia tido um encontro com Deus: Se tais coisas são entusiasmo e frutos de uma perturbação mental, que a minha mente seja sempre mais possuidora de tão feliz perturbação! Se isto for loucura, oro a Deus para que a humanidade do mundo inteiro seja capturada por esta afável, branda, bené�ca, beatí�ca e gloriosa loucura!45 O DESERTO Após mais de vinte anos de ministério, Jonathan foi injustamente exonerado de sua igreja em Northampton. Até que ele tivesse novo cargo, permaneceram em Northampton. Não é necessário muito esforço para termos empatia com a pressão �nanceira e emocional em que Sarah vivia. Já seria um grande desa�o permanecer no lugar onde seu marido fora rejeitado. Mas, além disso, não havia sustento. E, durante um ano, Sarah viveu num cenário hostil, administrando sua ampla responsabilidade doméstica sem uma quantia �xa para o sustento. Em Stockbridge, havia uma comunidade de índios e alguns poucos brancos. Eles procuravam com urgência por um pastor, ao mesmo tempo em que Jonathan buscava de Deus o próximo passo para sua vida. Em 1750, os Edwards mudaram-se para Stockbridge, ao lado oeste de Massachusetts, nos limites do domínio britânico no continente. Em 1871, a Harpers New Monthly Magazine publicou um artigo sobre Stockbridge. Isto ocorreu cem anos após a morte de Edwards e, ainda assim, por ocasião daquele artigo ele conquistou apreço internacional, sendo ultrapassado somente por George Washington. Muitos parágrafos deste artigo descreveram o importante papel de Edwards na história da cidade de Stockbridge. E ainda que décadas tenham se passado, eles não esqueceram a controvérsia de Northampton que levou ao chamado de Jonathan para Stockbridge. A vaga ao pastorado naqueles bosques selvagens foi ocupada por alguém cujo nome não é apenas altamente honrado nesta terra, como também muito conhecido e honrado em outros países, talvez mais do que qualquer de nossos conterrâneos, com exceção de Washington. Ele é insuperável como pregador, �lósofo e uma pessoa de devotada piedade... Depois de um ministério muito bem sucedido por mais de 20 anos, surgiu uma controvérsia entre ele e sua congregação, e eles o exoneraram grosseiramente e quase em descrédito. A aceitação posterior de suas opiniões, não apenas em Northampton, como também nas igrejas da Nova Inglaterra, vindicou abundantemente sua posição naquela controvérsia lamentável... Ele não se considerava importante em sua própria avaliação para aceitar o lugar que lhe ofereciam [na distante Stockbridge]... Edwards era quase uma máquina de pensar... Não seria estranho que um homem tão pensativo fosse indiferente a diversas coisas de importância prática. Assim, somos informados que o cuidado de seus afazeres domésticos e seculares era con�ado quase inteiramente à sua esposa. Felizmente, ela, que possui um modo de pensar semelhante ao dele em muitos aspectos, e que estava preparada para ser sua companheira, também era capaz de assumir os cuidados lançados sobre ela. É dito que Edwards “não conhecia suas próprias vacas, nem sabia quantas lhe pertenciam. Entre todos os cuidados que tinha com seu gado, parece que se envolvia ocasionalmente no ato de levá-las ao pasto. Ele fazia isso espontaneamente, por causa da necessidade de exercitar-se. A respeito disso, conta-se uma história que ilustra a sua falta de conhecimentodos assuntos triviais. Certa ocasião, enquanto conduzia o gado ao pasto, um rapaz abriu a porteira para ele, fazendo-lhe reverência. Edwards reconheceu a gentileza do rapaz e perguntou-lhe de quem era �lho. “Sou �lho de Noah Clark”, foi a resposta... Ao retornar, o mesmo rapaz... abriu novamente a porteira para ele. Edwards [perguntou novamente quem ele era]... “O �lho do mesmo homem de quinze minutos atrás, senhor.”46 ÚLTIMO CAPÍTULO Esta era uma família que raramente experimentara a morte, ainda que sempre estivessem conscientes de sua proximidade. Uma mulher poderia facilmente morrer ao dar à luz. Uma criança poderia facilmente morrer de febre. Alguém poderia facilmente ser atingido por uma bala ou uma �echa na guerra. Era fácil uma fagulha da lareira espalhar um incêndio pela casa, enquanto todos estivessem dormindo. Quando Jonathan escrevia aos �lhos, sempre os alertava – não de maneira mórbida, mas como um fato – de quão próxima a morte poderia estar. Para Jonathan, a realidade da morte levava automaticamente à necessidade de vida eterna. Ele escreveu ao �lho de dez anos, Jonathan Jr., a respeito da morte de um coleguinha do menino: “Este é um chamado altissonante para que você se prepare para a morte... Nunca dê a si mesmo descanso até que haja uma boa evidência de que você é convertido e nascido de novo”.47 Uma tragédia na família foi a página de abertura do último capítulo de suas vidas. A �lha de Sarah e Jonathan, Esther, era esposa de Aaron Burr, o presidente do Colégio de Nova Jérsei, que mais tarde veio a se chamar Princeton. Em 24 de setembro de 1757, este genro morreu repentinamente, deixando Esther com duas crianças pequenas. Esta foi a primeira de cinco mortes na família, dentro de um ano. A morte de Aaron Burr deixou em aberto a presidência do Colégio de Nova Jérsei; e Edwards foi convidado a tornar-se presidente da escola. Jonathan se mostrava extremamente produtivo em seus pensamentos e escritos, durante os seis anos que passou em Stockbridge; portanto, não foi fácil deixar aquele lugar. Contudo, em janeiro de 1758, ele partiu para Princeton, esperando que sua família fosse ao seu encontro, na primavera. George Marsden ilustra aquele momento: Ele deixou Sarah e os �lhos em Stockbridge, como Suzannah, com dezessete anos, relatou: “Tão afetuosamente, como se não fosse mais voltar”. Quando ele estava do lado de fora da casa, virou-se e declarou: “Con�o-vos a Deus”.48 Jonathan mal tinha se mudado para a Residência Presidencial em Princeton, quando recebeu notícias de que seu pai havia morrido. Marsden relata: “Um grande estímulo em sua vida tinha, �nalmente, partido; embora a força da personalidade tivesse enfraquecido alguns anos antes”.49 Neste capítulo �nal da vida de Jonathan e Sarah, há momentos que expressam com clareza e con�rmam a obra de Deus na vida de Sarah Edwards, nas muitas funções que Ele lhe con�ou. 1. O papel de Sarah como mãe, com o desejo de criar �lhos piedosos Quando Aaron Burr morreu, temos um vislumbre de quão bem esta mãe preparou a �lha para uma tragédia inesperada. Esther escreveu à sua mãe, Sarah, duas semanas após a morte de seu marido: Deus parecia sensivelmente próximo, de maneira tão confortante e consoladora que penso jamais ter experimentado... Não duvido que tenho as suas orações e as de meu honrado pai, diariamente, por mim, mas permita-me rogar-lhe que supliquem fervorosamente ao Senhor para que eu não desanime com este golpe severo da parte dEle... Tenho receio de que me comporte de tal modo a desonrar... o cristianismo que professo.50 No momento mais obscuro de sua vida, a �lha de Sarah desejou ardentemente não desonrar a Deus. 2. O papel de Sarah como esposa de Jonathan Logo que Jonathan chegou a Princeton, foi vacinado contra rubéola. Este era ainda um procedimento experimental. Ele contraiu a doença e morreu, em 22 de março de 1758, enquanto Sarah ainda estava em Stockbridge, na atividade de fazer as malas da família para a mudança para Princeton. Menos de três meses se passaram, desde que Jonathan despedira-se dela, na frente da casa. Durante os últimos minutos de sua vida, seus pensamentos e palavras foram para sua amada esposa. Ele sussurrou a uma de suas �lhas: Parece-me ser a vontade do Senhor que eu vos deixe em breve; por isso, transmita o meu amor mais sincero à minha querida esposa, e diga-lhe que a união incomum, que tanto tempo houve entre nós, foi de tal natureza, que creio ser espiritual, e que, portanto, continuará para sempre: e espero que ela encontre suporte sob tão grande tribulação e submeta-se alegremente à vontade de Deus.51 Alguns dias depois, Sarah escreveu a Esther (cujo marido havia morrido apenas seis meses antes): Minha querida �lha, que posso dizer? O Santo e bom Deus nos cobriu com uma nuvem escura. Que aceitemos a correção e �quemos em silêncio! O Senhor o fez. Deus me fez adorar sua bondade, porque tivemos o seu pai por tanto tempo. Mas o meu Deus vive; e Ele possui meu coração. Oh! que legado meu marido, o seu pai, nos deixou! Estamos todos entregues a Deus; e aí eu estou, e gosto de estar. Com carinho, de sua mãe, Sarah Edwards52 Esther nunca chegou a ler a carta de sua mãe. Em 17 de abril de 1758, menos de duas semanas depois da morte do pai, Esther morreu de uma febre, deixando os pequenos, Sally e Aaron Jr.53 Sarah viajou a Princeton para �car com os netos durante algum tempo e, então, levá-los a Stockbridge, para junto dela. 3. O papel de Sarah como �lha de Deus Em outubro, Sarah estava viajando para Stockbridge com as crianças de Esther. Ao fazer uma parada na casa de alguns amigos, foi acometida de uma disenteria, e sua vida na terra chegou ao �m, em 2 de outubro de 1758, quando tinha quarenta e nove anos. As pessoas que estavam com ela relataram que “ela entendeu que sua morte estava próxima, quando expressou sua inteira resignação a Deus e seu desejo de que Ele fosse glori�cado até o �m; e continuou com uma disposição calma e resignada, até que morreu”.54 A morte de Sarah Edwards foi a quinta morte na família dentro de um ano, e o quarto túmulo da família Edwards acrescentado ao Cemitério de Princeton durante aquele ano fatídico, que marcou o �m das vidas terrenas de Jonathan e Sarah Edwards. Depois de mais de 250 anos, Jonathan Edwards ainda é o maior teólogo da América do Norte e provavelmente o maior �lósofo. Ele in�uenciou nosso modo de entender o mundo e de ver a Deus. É claro que isto nos deixa curiosos a respeito da esposa dele. Como Sarah poderia saber que dom estava nos concedendo, ao deixar Jonathan livre para cumprir seu chamado? Contudo, como em qualquer outra biogra�a, perderíamos tempo, se nos satis�zéssemos apenas em ler com o propósito de achar fatos interessantes. Por isso, tenho orado para que esta história nos faça olhar e voltar nossas afeições em direção à verdade bíblica, para que sejamos edi�cados e encorajados. É comum, quando lemos biogra�as, identi�carmos alguma coisa de nós mesmos na história de outra pessoa. Sarah Edwards foi esposa de um pastor que era um pensador profundo, com convicções �rmes e alicerçadas na Bíblia. Vejo nela uma mulher que amava Romanos 8.35: “Quem nos separará do amor de Cristo?” Vejo alguma coisa de mim mesma em sua vida. E quando ela se depara com di�culdades e desa�os, sinto-os de modo impactante, porque se parecem com os fardos que carrego. Posso ver como Deus agiu, ao levar os fardos dela; portanto, reconheço com mais clareza quando Ele faz isto por mim. Vejo uma mulher muito reservada e que, ainda assim, experimentou um enlevo espiritual extraordinário que mudou a sua vida. Penso que minha tendência, se eu tivesse passado por duas semanas similares às que ela passou, seria menosprezar a experiência, racionalizá-la de alguma maneira – assim como vários biógrafos tentaram fazer com Sarah. Mas vejo Sarah olhando para Deus, a �m de obter a explicação. Colossenses 3.16 diz: “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamenteem toda a sabedoria”. Sou aconselhada pela vida de Sarah. Ela aconselhou, de forma mais direta, a Samuel Hopkins, quando ele não conseguia interpretar corretamente a obra de Deus em sua vida. Esta conversa foi para mim um grande encorajamento, quando a li pela primeira vez, durante a minha experiência com vários �lhos pequenos. Todos nós temos conversas pessoais que podem ser esquecidas. Do mesmo modo, a conversa de Sarah com Samuel seria esquecida, se não fosse o diário de Hopkins. A conversa entre eles fazia parte de uma seqüência de acontecimentos que o levaram, pelo menos, até Emerson e oreau, e que certamente não terminaram aí – nós apenas não temos registros a respeito do que aconteceu depois. Freqüentemente, não sabemos como Deus entrelaça sucessivamente as linhas de nossa vida. Também �quei impactada pela santa liberdade com que Jonathan e Sarah criavam seus �lhos. Numa época em que a morte pairava tão próximo – em função de guerras, enfermidades, animais selvagens, infecções, partos e ferimentos – eu esperava que os pais mantivessem seus �lhos bem perto de si; que os tivessem sempre diante de seus olhos. Ao contrário, Jonathan e Sarah, quando viviam em Stockbridge, perigosamente próximos à lugares selvagens, permitiam que seu �lho Jonathan, de dez anos de idade, viajasse com um evangelista para o oeste distante, em missão entre os índios, nas montanhas – o �lho de dez anos de idade! Isto não signi�ca que eles eram ignorantes acerca dos perigos. Este foi o momento em que Jonathan escreveu a Jonathan Jr. a respeito da morte de um de seus amiguinhos. “Este é um chamado altissonante para que você se prepare para a morte... Nunca dê a si mesmo descanso até que haja uma boa evidência de que você é convertido e nascido de novo.”55 Não, todos eles estavam conscientes da proximidade da morte física. Mas a morte do corpo não foi o que os fez orar e clamar por seus �lhos. A iminência da morte física os fez temer não a perda da vida, mas a ausência da vida eterna. Esta é uma perspectiva que quero ter para com os que amo. Sarah Edwards era a auxiliadora, a protetora e a edi�cadora do lar para Jonathan Edwards, cuja �loso�a e paixão por Deus ainda está viva trezentos anos após a sua morte. Ela foi mãe piedosa e exemplo para onze �lhos, que se tornaram pais de cidadãos importantes dos Estados Unidos e – imensamente mais importante para ela – muitos são também cidadãos do céu. Ela foi an�triã, consoladora e encorajadora de Samuel Hopkins, e, quem sabe, de tantos outros, que em continuidade ministraram a outros... os quais ministraram a outros... Ela foi exemplo para George White�eld (e, quem sabe, para tantos outros) do que é ser uma esposa piedosa. E, no cerne de tudo, ela foi �lha de Deus e, desde os mais tenros anos, experimentou doce comunhão espiritual com Ele e, através dos anos, cresceu em graça, sendo, ao menos uma vez, visitada por Deus de um modo tão extraordinário que transformou sua vida. Assim como Sarah Edwards não tinha idéia das subseqüentes gerações que in�uenciaria por meio de sua interação com Samuel Hopkins, existem duas mulheres que provavelmente não têm qualquer noção de seu impacto causado em mim e, conseqüentemente, em meu marido, meus �lhos, meus amigos e minha igreja. Bem antes de meu marido ser chamado para o ministério de pregador, admirei o testemunho de duas mulheres, esposas de nossos pastores, uma na Califórnia, outra em Minnesota. Deus as usou como auxiliadoras na preparação para a minha futura função, que nenhum de nós esperava. Esta história de Sarah Edwards é dedicada a Delores Hoeldtke e Anne Ortlund. NOTAS DO CAPÍTULO 1 1 Citado no livro de Elisabeth D. Dodds, Marriage to a difficult man: the uncommon union of Jonathan and Sarah Edwards. Laurel, Miss.: Audubon Press, 2003. p. 15. Devo a possibilidade de escrever esta curta biogra�a a respeito de Sarah Edwards especialmente ao livro de Dodds. Conheço esta obra há muito tempo e é possível que, às vezes, possa ter incluído algum de seus pensamentos sem citar as devidas notas de rodapé. Percebo que há imperfeições na apresentação de Dodds. Portanto, recomendo que os leitores interessados em uma cronologia mais criteriosa, uma compreensão e interpretação teológica do homem que moldou a vida de Sarah e que por ela foi afetado consultem Jonathan Edwards: a life, escrito por George Marsden, e Jonathan Edwards: a new biography, escrito por Iain Murray. 2 Citado no livro de Dodds, Marriage to a difficult man. p. 17. 3 Murray, Iain H. Jonathan Edwards: a new biography. Edinburgh, Scotland: Banner of Truth, 1987. p. 91. 4 Idem. p. 92. 5 Marsden, George. Jonathan Edwards: a life. New Haven, Conn.: Yale University Press, 2003. p. 110. 6 Idem. p. 106. 7 Dodds, Elisabeth. Marriage to a difficult man. p. 21. (Dodds soletrava o nome como Peter Maastricht.) 8 Idem. p. 19. 9 Idem (ênfase acrescentada). 10 Idem. p. 22. 11 Idem. 12 Idem. p. 25. 13 Marsden, George. Jonathan Edwards. p. 111. 14 Para obter mais informações a esse respeito, veja Mark Dever, “How Jonathan Edwards Got Fired and Why It’s Important for us Today”, em A God entranced vision of all things: the legacy of Jonathan Edwards, editado por John Piper e Justin Taylor. Wheaton, Ill.: Crossway Books, 2004. p. 129-144. 15 Dodds, Elisabeth. Marriage to a difficult man. p. 57. 16 Idem. p. 31. 17 Idem. p. 29-30 (ênfase acrescentada). 18 Idem. p. 28. 19 O nome de Pierpont era soletrado de modo diferente do sobrenome de Sarah, Pierrepont. O soletrar padronizado não tinha ainda se tornado uma prática comum. 20 Dodds, Elisabeth. Marriage to a difficult man. p. 31-32. 21 Idem. p. 32. 22 Citado no livro de Marsden, George. Jonathan Edwards. P. 323. 23 Citado por Dodds, Elisabeth. Em Marriage to a difficult man. p. 35-36. 24 Idem. p. 37. 25 Idem. p. 44-45. 26 Idem. p. 40. 27 Idem. p. 38. 28 Idem. p. 50. 29 Esta cadeia de in�uência é descrita por Dodds, Elisabeth. Idem. p. 50-51. 30 Idem. p. 64. 31 Winslow, Ola. Jonathan Edwards: 1703-1758: a biography. New York: Macmillan, 1940. p. 188. 32 Dodds, Elisabeth. Marriage to a difficult man. p. 74-75. 33 A seção que conta a história de Sarah Edwards é publicada como Apêndice E em idem. Edição 2003. p. 209-216. 34 Edwards, Jonathan. Some thoughts concerning the present revival in New England. In: Hickman, Edward. Ed. e works of Jonathan Edwards. 2 vol. Reimpressão de 1834. Edinburgh: Banner of Truth, 1974. p. 376. 35 Idem. p. 377. 36 Winslow, Ola. Jonathan Edwards. p. 205. 37 Miller interpretou de maneira errada a narrativa deste acontecimento. Miller, Perry. Jonathan Edwards. New York: W. Sloane Associates, 1949. p. 203-206. 38 Dodds, Elisabeth. Marriage to a difficult man. p. 81. Dodds descreve a experiência de Sarah no capítulo 8. 39 Idem. p. 90. 40 Idem. p. 88. 41 Murray, Iain. Jonathan Edwards. p. 92. 42 Idem. 43 Edwards, Jonathan. oughts on the revival. p. 378. 44 Idem. 45 Idem. 46 “A New England Village”. Harpers New Monthly Magazine. November, 1871. 47 Marsden, George. Jonathan Edwards. p. 412. 48 Idem. p. 491. 49 Idem. 50 Dodds, Elisabeth. Marriage to a difficult man. p. 160. 51 Dwight, Sereno E. “Memoirs of Jonathan Edwards”, em Edwards, Works, 1:clxxviii. 52 Idem. clxxix. 53 Aaron Burr Jr. tornou-se vice-presidente do presidente omas Jefferson. Ele caiu em desfavor político e pessoal quando desa�ou Alexander Hamilton para um duelo e o matou. 54 Dodds, Elisabeth. Marriage to a difficult man. p. 169. 55 Marsden, George. Jonathan Edwards. p. 412. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte. 2 Coríntios 12.9-10 Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos �ns da terra, nem se cansa, nem se fatiga?Não se pode esquadrinhar o seu entendimento. Faz forte ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos caem, mas os que esperam no SENHOR renovam as suas forças, sobem com asas como águias, correm e não se cansam, caminham e não se fatigam. Isaías 40.28-31 N Lilias Trotter FIEL NA FRAQUEZA o ano 354 (A.D.), se você viajasse 1.600 quilômetros direto ao sul de Londres — que, naquela época, era uma movimentada aldeia governada por Roma e chamada Londinium — você teria atravessado a terra dos francos e chegado ao Mar Mediterrâneo. Depois de cruzar o Mediterrâneo, a primeira terra que você avistaria seria aquela que agora é chamada Argélia. Naquele tempo, se chamava Numídia, uma província do Império Romano. Naquele ano, numa pequena cidade que �cava a poucos quilômetros no interior, um fazendeiro e sua esposa tiveram um bebê. O menino foi chamado Aurelius Augustinus. Nós o conhecemos como Agostinho, um dos gigantes da História da Igreja. Durante os anos em que Agostinho foi Bispo de Hipona (agora Annaba, Argélia), o Império Romano começou a cair. Agostinho morreu quando os vândalos devastadores invadiram sua terra. Depois dos vândalos veio o Império Bizantino. Então, nos anos 600 vieram os árabes do leste, trazendo o islamismo e também a língua e a cultura árabe. De 1500 até o início de 1800, o Império Otomano fortaleceu a in�uência do islamismo nesta área. No tempo em que os franceses ganharam o controle da Argélia, em 1830, a igreja cristã desapareceu. Mil e quinhentos anos após o nascimento de Agostinho, mil e duzentos anos após a grande migração árabe para o oeste, e vinte e três anos após a invasão francesa, a Argélia estava longe dos pensamentos de Alexander e Isabella Trotter, em 14 de julho de 1853, quando sua �lha Isabella Lilias nasceu. Eles não viveriam até ver a Argélia tomar seu lugar de importância na vida de Lilias. Alexander Trotter era um respeitado corretor de investimentos. Conhecido em sua família como alguém que tinha um “atraente caráter de amor, gentileza, generosidade e altruísmo”.56 Ele demonstrava respeito pelas pessoas dos mais diferentes níveis sociais, respeito que o levou a expressar sua fé cristã com “uma preocupação especial com a condição das instituições públicas”, tais como prisões, albergues e orfanatos. Ele amava novas experiências e era fascinado pelas maravilhas do mundo natural, examinando-o pessoalmente ou através de relatórios cientí�cos, os quais ele muito admirava. Lilias e seus irmãos lembravam de seus auxílios nos experimentos que realizavam em casa e também de quando os levava a demonstrações e conferências cientí�cas. Décadas mais tarde, em Argel, Lilias escreveu, com afeição, a respeito de seu pai. Após ter colocado alguma coisa que desejava conservar na mesa ao lado de sua cama, ela escreveu: Este objeto está ao meu lado..., e foi usado para ser a mesa que �cava no quarto de meu pai – a gaveta que ele chamava “meu jardim”, e a outra que �cava junto era de Alec [irmão dela]. Ele costumava esconder em nossos respectivos “jardins” alguns pequenos presentes, livros de gravuras, ou brinquedos que ele trazia quando voltava da cidade.57 Isabella Trotter, mãe de Lilias, interessava-se por tópicos das mais amplas esferas, desde jardinagem e decoração até geologia e botânica. “Sua natureza simpática fez dela uma advogada valente para os que estavam em desvantagem... sendo esta a mesma preocupação natural pelos outros que foi evidenciada por sua �lha nos anos subseqüentes.”58 Nas cartas de Isabella há descrições, brotadas de um coração voltado para a beleza que reaparece mais tarde nos escritos de Lilias. A senhora Trotter apegava-se fortemente à sua fé cristã, apesar de seus pais e o outro círculo mais amplo da família serem “liberais e tolerantes”. Ela parecia ter sido mais espontânea do que seu marido e menos inclinada ao cientí�co. Certa vez, quando Alexander e ela faziam uma viagem distante, ela escreveu aos �lhos, de modo brincalhão, a respeito de um argumento sobre o comprimento da cauda de um cometa: “Digo que parece ter dois metros de comprimento, porém o papai diz que é difícil falar, mas que tem realmente cerca de um grau e meio de comprimento, ou cerca de seis vezes o diâmetro da lua”.59 O pai de Lilias morreu quando ela estava com doze anos de idade. Sua família observou uma mudança distinta nela, à medida em que aprendia a depender do Pai celeste, agora que seu pai, Alexander, tinha falecido. Às vezes, quando eles esperavam encontrá-la brincando, achavam-na orando, em seu quarto. A personalidade, fé, interesse e qualidades pessoais de Alexander e Isabella se re�etiam com força em sua �lha Lilias, à medida que esta amadurecia. Seu pai morreu cedo demais para que pudesse ver a mulher que ela se tornaria. Mas sua mãe aprovou completamente a vida ministerial que Lilias abraçou. Isabella incentivou o extraordinário dom artístico de Lilias. As únicas relíquias da infância de Lilias são um desenho e um caderno de desenho que ela ganhou de sua mãe – talvez um símbolo daquele incentivo à visão de beleza e à habilidade artística de Lilias.60 ABRAÇANDO O MINISTÉRIO Quando Lilias tinha dezenove anos, ela e sua mãe assistiram pela primeira vez a Higher Life Conference – precursora do atual Keswick Ministries.61 Depois dessa ocasião, ela participava quase todo ano das conferências, e elas exerciam forte in�uência no aprofundamento da vida espiritual de Lilias. Nos anos subseqüentes, os amigos Keswick proveriam um suporte pessoal e signi�cativo ao ministério para o qual Deus a levaria. A cada ano, sob orientação da conferência, Lilias se envolvia nas missões locais preparadas pelos organizadores da conferência. Por exemplo, sua irmã escreve uma carta sobre ajudar a servir um jantar, tarde da noite, para os cocheiros, homens que trabalhavam arduamente na condução de carruagens: O que você acha que Lilias e eu fazíamos ontem, de dez e meia até as três horas da madrugada? Foi um bom tempo, raro de ocorrer. Foi uma noite chuvosa, mas vieram cerca de 180 homens; alguns não conseguiram chegar antes de uma hora da madrugada. Eles tiveram um excelente jantar, muitos cânticos e ouviram mensagens breves. Creio que foram muito abençoados. E muitos deles não têm outras atividades sociais.62 Durante esses anos de ministério, na década de 1870, Dwight L. Moody realizou quatro grandes campanhas anuais em Londres. Como membro da equipe voluntária para campanhas, Lilias recebeu treinamento pessoal de Moody, sobre como falar com as pessoas que buscavam a Deus. Somente mais tarde Moody começou a usar O Livro sem Palavras.63 Parece que Moody apresentou a Lilias esta ferramenta evangelística. Anos mais tarde, na Argélia, Lilias utilizou O Livro sem Palavras, especialmente onde a linguagem era uma barreira.64 Contudo, em 1875, ela não tinha a noção de que este treinamento evangelístico era uma preparação para missões, porque as missões ainda não representavam nada para ela. Suas experiências serviram como degraus para o que hoje em dia poderíamos chamar “ministério interno” em Londres. Ela era ativa no Welbeck Street Institute, um tipo de abrigo que provia domicílio e alimentação para mulheres pobres e necessitadas. DUAS PAIXÕES EXTENUANTES Em 1876, quando Lilias tinha vinte e três anos, viajou pela Europa com sua mãe e sua irmã. Ao avistar os Alpes suíços, “�cou tão deslumbrada pela beleza majestosa dos Alpes que irrompeu em lágrimas”.65 Aquela viagem encheu seus olhos e sua alma sensíveis com cor e luz que sua mão habilidosa e seu pincel expressaram sobre a tela. Duas signi�cativas amizades iniciaram-se durante esta viagem. Primeiro, numa convenção na Suíça, ela conheceu Blanche Haworth, que tornou-se uma amiga íntima e, em uma década, se tornaria sua colega de missões e amiga mais próxima. Em Veneza, a senhora Trotter descobriu que John Ruskin estava hospedado no mesmo hotel. Ruskin era um “artista, crítico, �lósofo e uma �gura proeminente na InglaterraVitoriana”.66 Ele era a voz da arte no mundo da sua época. Se ele dissesse que determinada coisa era boa, aquilo era realmente bom. A senhora Trotter enviou-lhe um pacote com pinturas em guache de sua �lha Lilias, juntamente com uma nota: “A senhora Alex Trotter tem o prazer de enviar ao Professor Ruskin as pinturas em guache de sua �lha. A senhora Trotter está preparada para ouvir que ele não as aprova – ela começou a desenhar na infância e recebeu pouco ensino. No entanto, se a senhora Trotter puder ter a opinião do senhor Ruskin isso seria valioso”.67 Apesar do fato que Lilias era tão facilmente levada às lágrimas pela beleza e tivesse amado pintar, era verdade que não havia recebido nenhum treinamento formal. Sua habilidade era um dom. Sua irmã lembrava com irônica admiração: “Em desenho ela felizmente fez um breve curso em paisagismo – interno – do qual nenhum benefício conseguiu derivar”.68 Ruskin descreveu os quadros que recebeu como “uma obra meticulosa e extremamente correta”.69 Apesar de que as palavras tenham parecido equilibradas, a sua reação re�etiu mais entusiasmo. Ele mostrou aos Trotters os tesouros da arte de Veneza, deu tarefas a Lilias, e convidou-a para ser sua aluna, quando ela retornasse à Inglaterra. Ele a tomou sob seus cuidados, foi seu tutor e visualizou de antemão um grande futuro como uma artista de nível mundial. Ela e sua irmã visitaram Ruskin com freqüência em sua casa, em Lake District, onde ele auxiliava Lilias a aprimorar sua habilidade. Estas semanas imersas em cor, forma e beleza ofereceram rejuvenescimento ao espírito desta jovem mulher que gastava o resto de seu tempo nos distritos mais sombrios de Londres. Contudo, quando Lilias tinha vinte e seis anos, Ruskin �cou frustrado com ela por deixar-se distrair de sua arte. Ele não aprovou o modo como Lilias dividia o tempo, durante a semana. Ela gastava muito tempo nas ruas de Londres e não dedicava tempo su�ciente à pintura. Então, Ruskin demonstrou-lhe a glória da vida da arte que estava diante dela. Se ela se dedicasse à arte, ele disse, “seria a maior pintora da época e faria obras imortais”.70 Esta foi uma decisão angustiante. Paralelamente em sua vida existiam duas atividades totalmente apaixonantes – arte e ministério. Ela sabia que era impossível doar-se totalmente a estas duas paixões. Não é possível servir totalmente a dois diferentes senhores. Mas, Lilias entendeu que é possível uma das paixões tornar-se serva da outra. E, assim, ela teve de decidir qual paixão tornar-se-ia mestra da outra. Por muitos dias, Lilias ponderou seus desejos e orou a Deus para que tornasse claro o seu chamado. Sua amiga Blanche Pigott escreveu: “Ela me disse que sentia como se aqueles dias fossem muitos anos”. Ao escrever para mim... ela diz: “Você entenderá que não é por vaidade que lhe conto os elogios de Ruskin à minha obra. Acho que não é por vaidade, pois não tenho autoridade sobre o meu dom, assim como não a tenho sobre a cor do meu cabelo. Eu lhe contei porque preciso de oração para descobrir com clareza a vontade de Deus”. O deleite intenso que ela sentia... diante da perspectiva de uma vida devotada à arte e envolvida pela arte somente fez com que buscasse mais intensamente ser guiada pela vontade única de Deus.71 Ela amava a sua arte e sabia ser possível que Deus usasse sua in�uência naquela área para os propósitos do seu Reino. Mas, �nalmente, ela disse: “Agora, vejo, tão claro como o dia, que não posso dedicar-me à pintura do modo como ele [Ruskin] pretende e, ainda, continuar a buscar ‘em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça’”.72 Agora ela estava livre para entregar-se de todo coração ao ministério em Londres. Ela continuou amiga de Ruskin até o �m da vida dele, apesar do fato que ele nunca entendeu sua decisão. Ela ainda amava a arte – e como poderia não amar, visto que sua alma era tão ternamente vulnerável à beleza? Mas, agora, admirava sua arte como um dom e não como uma paixão. Muito tempo mais tarde, ela compreendeu ainda mais profundamente a importância de focalizar-se em Jesus, em vez de focalizar-se em todas as boas coisas que Ele nos dá. Nunca foi tão fácil viver em diversos mundos inofensivos ao mesmo tempo – arte, música, ciência social, jogos, dirigir, seguir alguma pro�ssão, e assim por diante. E, entre estas atividades, correr o risco de o “bom” ocultar o “melhor”... É fácil descobrir se nossas vidas estão focalizadas e, neste caso, no que estão focalizadas. Em que se concentram nossos pensamentos, quando nossa consciência volta pela manhã? Onde eles oscilam quando a pressão é aliviada ao longo do dia?... Tenha coragem para perguntar isso a Deus... e peça-Lhe que lhe mostre se tudo está ou não focalizado em Cristo e em sua glória... Como trazemos as coisas a um foco no mundo da ótica? Não olhando para aquilo que precisamos deixar, mas olhando àquele ponto que precisa ser focalizado. Direcione a visão de sua alma para Jesus, e olhe insistentemente para Ele; então, uma estranha obscuridade virá sobre tudo o que está à parte dEle.73 MINISTÉRIO E VIDA PESSOAL Por mais de dez anos, Lilias trabalhou junto ao Welbeck Street Institute, dando continuidade ao trabalho quando o instituto se uniu a algumas outras organizações para formar a primeira Young Women’s Christian Association (YWCA - Associação Cristã de Mulheres Jovens). Os alvos de Welbeck harmonizavam-se bem com o objetivo do novo YWCA para “unir jovens mulheres em oração e evangelismo, promover a amizade cristã e o auxílio mútuo, e promover o bem-estar social, cultural e moral de seus membros”.74 Para Lilias, o ministério signi�cava ajudar a criar e administrar lugares e programas para moças pobres trabalhadoras, a �m de que estas tivessem refeições e um lugar para dormir. Isto signi�cava dar aulas de estudo bíblico para mulheres e crianças. Ela estava envolvida em trabalho de resgate, ou seja, estar presente onde mulheres precisassem de ajuda para saírem de más situações; talvez “sentar-se à noite inteira com uma menina pobre e desequilibrada, para impedi-la de cometer suicídio”75, ou, talvez, sair pelas ruas para oferecer às prostitutas um lugar seguro. Para muitas moças que viviam abandonadas na cidade, sem habilidades ou meios de emprego, [prostituição] era um trágico recurso... Lilias atravessava destemidamente as ruas, com a �nalidade de resgatar estas andarilhas... Ela as trazia ao albergue para que tivessem uma boa noite de sono e para treiná-las em alguma habilidade que lhes desse algum emprego, e as apresentava ao Bom Pastor.76 As escolhas do ministério de Lilias tinham implicações diretas em sua vida pessoal. A Inglaterra Vitoriana possuía um senso de classe bastante de�nido. Ao escolher trabalhar entre aquelas pessoas que eram consideradas as mais desprezíveis da sociedade, ela estava se excluindo do círculo de amizades da sociedade da moda. Em primeiro lugar, as damas distintas não “trabalhavam”. E, certamente, não andavam sozinhas ou freqüentavam aquelas partes da cidade. As mães, no nível de sociedade em que Lilias nasceu, não desejariam para seus �lhos uma mulher que se comportasse de modo tão impróprio. Com efeito, Lilias havia escolhido permanecer solteira. UMA VISÃO MAIS AMPLA Em 1884 – quando Lilias tinha quase vinte e nove anos – submeteu-se a uma cirurgia super�cial. Ela estava tão exausta antes da cirurgia que sua recuperação, em casa, levou algum tempo, o que a impediu de trabalhar na YWCA, durante algumas semanas. Ela �cou com uma seqüela permanente no coração. Contudo, até mesmo um coração fraco, que tornaria outras mulheres semi-inválidas, não conseguiu mantê-la em casa. Quando retornou ao ministério, Deus estava lhe preparando uma visão mais ampla. Eu estava ocupada, trabalhando em Londres; tudo prosperava, com a bênção de Deus. Eu não tinha outro pensamento, a não ser o de passar toda a minha vida ali. Toda a questão missionária parecia-me obscura e estava totalmente além do meu horizonte. Mas, eu tinha duas amigas com as quais desfrutei de um bom relacionamento;
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