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ead.faminas.edu.br 1 ead.faminas.edu.br 2 UNIDADE I – O sujeito do Direito e o sujeito da Psicologia SUMÁRIO OBJETIVOS ................................................................................................................. 3 APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 3 1. A concepção de sujeito no Direito (sujeito dos direitos e penalidades) .................. 6 1.1 Penalidades .................................................................................................. 10 2. A concepção de subjetividade na Psicologia (sujeito do desejo) .......................... 12 3. Algumas considerações a partir de um fragmento de caso .................................. 15 4. Sugestões de filmes e leitura ............................................................................... 17 RESUMO .................................................................................................................... 18 ATIVIDADES DE FIXAÇÃO ........................................................................................ 18 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 18 file://///10.32.5.24/ead$/2019-2/CONTEUDOS/2019-2%20-%20PSICOLOGIA%20-%20Ok/UNIDADE%20I/UNIDADE%20I.docx%23_Toc12995372 file://///10.32.5.24/ead$/2019-2/CONTEUDOS/2019-2%20-%20PSICOLOGIA%20-%20Ok/UNIDADE%20I/UNIDADE%20I.docx%23_Toc12995372 file://///10.31.16.21/EAD$/Ana%20Carolina/EAD%20-%202020-1/Psicologia%20Juridica/PsicologiaJuridica_Unidade1_Revisado.docx%23_Toc31821791 file://///10.31.16.21/EAD$/Ana%20Carolina/EAD%20-%202020-1/Psicologia%20Juridica/PsicologiaJuridica_Unidade1_Revisado.docx%23_Toc31821792 file://///10.31.16.21/EAD$/Ana%20Carolina/EAD%20-%202020-1/Psicologia%20Juridica/PsicologiaJuridica_Unidade1_Revisado.docx%23_Toc31821798 file://///10.31.16.21/EAD$/Ana%20Carolina/EAD%20-%202020-1/Psicologia%20Juridica/PsicologiaJuridica_Unidade1_Revisado.docx%23_Toc31821799 file://///10.31.16.21/EAD$/Ana%20Carolina/EAD%20-%202020-1/Psicologia%20Juridica/PsicologiaJuridica_Unidade1_Revisado.docx%23_Toc31821800 ead.faminas.edu.br 3 MÓDULO I Pretendemos que ao final deste livro, sendo este o primeiro capítulo, você consiga compreender a importância do diálogo entre as duas disciplinas: Psicologia e Direito. Esse diálogo apresenta pontos de vista distintos, mas com a possibilidade de agregar diferentes abordagens e tomar decisões que decorram de posturas éticas. O objetivo com esse estudo é refletirmos sobre alguns conceitos, visando fundamentar a prática profissional diante de situações complexas que exigem respostas diversificadas, alcançadas por meio de ações contextualizadas e construídas coletivamente. Nesta Unidade, a proposta é a reflexão acerca da concepção do sujeito do Direito e do sujeito da Psicologia. Ao final das Unidades, vislumbra-se que seja possível aos alunos conhecerem e descreverem relações entre processos psíquicos e contextos jurídicos, desenvolverem técnicas de raciocínio e de argumentação nos processos de responsabilização jurídica, assim como articularem o conhecimento teórico com a resolução de problemas. OBJETIVOS Apresentar a concepção de sujeito no Direito e na Psicologia. Apontar elementos que contribuam para a reflexão das potencialidades e dos desafios no encontro desses dois campos de saber. Problematizar essa diferença de concepção e suas consequências, a partir do fragmento de um caso de um adolescente autor de ato infracional em cumprimento de medida socioeducativa. Você pode estar pensando: Psicologia Jurídica? Sendo aluno do curso de Direito, em que essa disciplina poderá agregar em meu processo de formação? UNIDADE I – O SUJEITO DO DIREITO E O SUJEITO DA PSICOLOGIA APRESENTAÇÃO ead.faminas.edu.br 4 Antes de iniciarmos, uma curiosidade: Que em setembro de 1993, Pierre Legendre, juntamente com o inglês Peter Goodrich promoveram um seminário em Nova Iorque sobre Direito e Psicanálise. Segundo Garcia (2004), esse foi o marco inaugural do encontro desses dois campos. Que em 1996 ocorreu no Rio de Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, junto ao curso de Especialização em Psicologia Jurídica, um ciclo de conferências internacionais intitulado: “Sujeito do Direito, Sujeito do Desejo”? Que em agosto de 2017 foi realizado em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, o I Congresso Internacional de Direito e Psicanálise, com o tema “A Criminologia em Questão”. (Para saber mais acesse: http://www.fafich.ufmg.br/psilacs/wp-content/uploads/2018/10/ebook-1- PSICAN%C3%81LISE-E-CRIMINOLOGIA-HIST%C3%93RIA- INTERFACES-E-ATUALIDADES.pdf ) Há pelo menos 27 anos já se discute esse importante tema que estamos discutindo hoje. http://www.fafich.ufmg.br/psilacs/wp-content/uploads/2018/10/ebook-1-PSICAN%C3%81LISE-E-CRIMINOLOGIA-HIST%C3%93RIA-INTERFACES-E-ATUALIDADES.pdf http://www.fafich.ufmg.br/psilacs/wp-content/uploads/2018/10/ebook-1-PSICAN%C3%81LISE-E-CRIMINOLOGIA-HIST%C3%93RIA-INTERFACES-E-ATUALIDADES.pdf http://www.fafich.ufmg.br/psilacs/wp-content/uploads/2018/10/ebook-1-PSICAN%C3%81LISE-E-CRIMINOLOGIA-HIST%C3%93RIA-INTERFACES-E-ATUALIDADES.pdf ead.faminas.edu.br 5 Os principais autores que abordaremos neste capítulo serão: Hans Kelsen (11/10/1881 – 19/04/1973) “Kelsen destacou-se como jurista durante toda a primeira metade do século XX. Em 1917, aos 36 anos de idade, já era professor na Universidade de Viena. Em 1918 o chanceler da Áustria encarregou-o de preparar um projeto de constituição para o país” (GARCIA, 2004, p. 10). Sigmund Freud (06/05/1856 – 23/09/1939) Médico neurologista, contribuiu para várias áreas como: medicina, psicologia, literatura, filosofia, política. Seu principal feito foi ter criado uma importante teoria, a psicanálise ou teoria freudiana. Pierre Legendre (15/06/1930) É um historiador francês do direito e psicanalista. Seu trabalho é dedicado principalmente à história das instituições e conceitos jurídicos e à antropologia da civilização ocidental. ead.faminas.edu.br 6 1. A concepção de sujeito no Direito (sujeito dos direitos e penalidades) Iniciemos nossa trajetória apresentando a concepção de sujeito no Direito, assim como trazendo alguns apontamentos acerca da concepção presente na elaboração e efetivação das penalidades. De acordo com Silva (2011), o texto jurídico é um texto sem sujeito. Como assim? Na verdade, refere-se a um “sujeito epistêmico reflexivo, ‘sub-jectum’1, não é o ‘eu psicológico’ ou apreendido na experiência cotidiana, mas trata-se de uma subjetividade desencarnada e esvaziada de conteúdo existencial. Está em foco um pensamento puro, limpo e sem paixões” (OLIVEIRA, 2019, p. 10). Vemos uma concepção baseada na centralidade da racionalidade humana, em conformidade com a descoberta cartesiana, onde o racionalismo é a única fonte de conhecimento. De acordo com Ramires, Röhnel e Santos (2009) apud Barros (1998), o sujeito do Direito é suposto como aquele que tem o livre arbítrio, é consciente de seus atos, tem o controle das suas vontades e é dotado de razão. A partir dessa compreensão, o direito teria que ser normativo. Norma como sentido de um ato, através do qual uma conduta é prescrita. Sobre a vida de Kelsen, Garcia (2004) salientou que ele foi um dos juristas mais influentes e que durante a maiorparte de sua vida, fundamentou suas proposições do Direito sem apelo a uma eventual significação psicológica voltada para os comportamentos reais. Estava delineado um “campo para uma teoria do sujeito esvaziada de conteúdo psicológico” (GARCIA, 2004, p.10). Esta concepção fundamentou o modelo do Direito Natural: O tema da razão natural enseja a junção entre preceito legal e ordem moral, entre verdade da ciência e imperativos da natureza. Atrelada a esse sistema jurídico encontramos a necessidade de se pensar um sujeito de direito único, uma espécie de homem moral, isto é, um ser fictício, um homem abstrato dotado de razão e vontades livres (Garcia, 2004, p. 61). O sujeito do direito, na concepção apresentada, é também o sujeito da ciência: racional, desencarnado, abstrato. 1Sub-jectum: jogado para baixo. Há diferença da concepção de sujeito no Direito e na Psicologia? O que fundamenta a concepção nesses dois campos de saber? O que isso influencia no exercício profissional? ead.faminas.edu.br 7 Para saber mais leia: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/nume ro_19/O_desejo_de_certeza_Decartes.pdf Segundo Garcia (2004), Kelsen manteve seu conceito de norma básica como fundamento até 1962, aos 80 anos de idade, quando declarou que havia um engano em sua tese, pois, a norma básica não passava de uma ficção, uma ficção jurídica. Uma ficção contraria a realidade, bem como se auto-contraria. Nessa perspectiva de ficção jurídica, uma norma é significado de um ato de vontade, não mais com a neutralidade que até então se pensava. É importante caminharmos um pouco mais e sermos cuidadosos para não corrermos o risco de, com a precipitação, tirarmos conclusões equivocadas. A normatização do direito é fundamental para a constituição do sujeito, oferecendo o aparato simbólico que pode viabilizar essa constituição. O sujeito não nasce pronto, ele vai se constituindo ao longo da vida. E esse nascimento vai além do campo biológico. “Não é suficiente para o indivíduo nascer in útero, a partir dos trabalhos da reprodução biológica; é necessário também, para obter a posição de sujeito, nascer da nominação jurídica que confere a instituição” (OST, 1999 apud PINTO, 2019, p. 994). Nascer em um determinado contexto familiar, social, histórico, cultural e econômico influencia nesse processo de assunção à vida. Trata-se de um sujeito que se constitui no interior mesmo da história, e que é a cada instante fundado e refundado pela história. Em relação à nominação jurídica, ser registrado como filho de..., por exemplo, pode apontar um lugar destinado para este bebê naquela família, lugar de herança simbólica que pode contribuir para a construção subjetiva. “[...] da palavra jurídica advém a roupagem que cobrirá o corpo biológico bruto. A palavra o institui” (PINTO, 2019, p. 994). Dizendo com outras palavras, Pinto (2019) também cita Pierre Legendre (1983) “[...] (i)nstituir o ser humano, é, no sentido primeiro da palavra, fazê-lo ficar de pé, ao inscrevê-lo em uma comunidade de sentido que o ligue aos seus semelhantes; é isto o http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_19/O_desejo_de_certeza_Decartes.pdf http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_19/O_desejo_de_certeza_Decartes.pdf ead.faminas.edu.br 8 que permite que ele ocupe seu lugar no gênero humano” (LEGENDRE, 1983 apud PINTO, 2019, p. 994). Vimos, então, que não seria possível o processo de constituição do sujeito sem o lugar e os recursos simbólicos que a cultura nos oferece, considerando que é no “mundo” da linguagem que essa constituição ocorre. Após apresentarmos a concepção de sujeito no Direito é importante discorrermos também acerca da expressão “sujeito de direitos” para mencionar uma mudança jurídica na maneira de se conceber ou se reconhecer que alguém tem direitos resguardados. Como, por exemplo, a concepção que as crianças e os adolescentes adquiriram com a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É importante ressaltar que há na Constituição e no ECA uma mudança, não apenas na denominação jurídica de “menores” para “crianças e adolescentes”, mas especialmente uma mudança de paradigma, a partir do reconhecimento de que as crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos, e não objetos carentes da intervenção estatal (OLIVEIRA, 2019, p.15). Foi um grande passo, na Doutrina da Proteção Integral, reconhecer que as crianças e os adolescentes são sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento e, sendo assim, precisam, com absoluta prioridade, terem seus direitos assegurados. Como está no ECA: Destaca-se a importância do papel do Estado, da família e da sociedade para assegurar os direitos desses sujeitos. “Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, Lei 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente). Fonte: https://www.tocalivros.com/audiolivro/eca-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-decreto-do-congresso- nacional-com-s-dulcinio-santiago-audio-editora https://www.tocalivros.com/audiolivro/eca-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-decreto-do-congresso-nacional-com-s-dulcinio-santiago-audio-editora https://www.tocalivros.com/audiolivro/eca-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-decreto-do-congresso-nacional-com-s-dulcinio-santiago-audio-editora ead.faminas.edu.br 9 Qual a principal inovação do Estatuto? [...] trata dos direitos de todos os jovens e crianças brasileiros, considerando-os “sujeitos de direitos”. [...] E, sendo sujeito de direitos, o Estado e a sociedade têm responsabilidades, obrigações e deveres com relação a esta pessoa frágil, em crescimento (ALTOÉ, 2010, p. IX). Não podemos desconsiderar ainda que a forma como compreendemos a responsabilidade da família em relação aos filhos sofreu alteração no decorrer da história. Primeiramente, os adultos da família eram responsabilizados, unicamente, pelo cuidado de seus filhos e as fragilidades e vulnerabilidades da família, muitas vezes acirradas por questões sociais, não eram acolhidas e trabalhadas. Tecemos uma crítica em relação à responsabilidade do Estado nesse contexto. Nessa época, a institucionalização das crianças era uma prática comum, sendo utilizada como a primeira medida em prol de uma suposta proteção às crianças e aos adolescentes. (Para saber mais leia: http://www.editora.puc- rio.br/media/ebook_institucionalizacao_de_criancas_no_brasil.pdf) Tal situação foi modificando-se com a mudança de concepção que reconhece os direitos das famílias também, não somente os seus deveres. Nesse sentido, quando uma família apresenta dificuldades em exercer a sua função protetiva, ela deve ser inserida em algumas políticas públicas, visando superar a dificuldade apresentada, resguardando sempre que possível o direito da convivência familiar. Esse ponto será mais abordado na Unidade 4. Após refletirmos um pouco sobre a concepção de sujeito do Direito, pensemos agora nas penalidades, tentando articular com o que vimos até aqui, no intuito de refletirmos se a concepção do sujeito, nesse caso, do sujeito que cometeu um crime, impacta na penalidade aplicada. http://www.editora.puc-rio.br/media/ebook_institucionalizacao_de_criancas_no_brasil.pdf http://www.editora.puc-rio.br/media/ebook_institucionalizacao_de_criancas_no_brasil.pdf ead.faminas.edu.br 10 1.1 Penalidades A lei penal é um código que expressa verdadesfundadas numa razão universal. Trata-se de aplicar uma norma geral e abstrata a um caso particular. O Homem Moral é o Sujeito do Direito Penal, o que é atestado pela predominância do par culpabilidade/responsabilidade. Num sistema que se quer seguro do legalismo das penas, assim como da justa proporcionalidade uma vez pronunciada a sentença, o juiz inflige ao autor livre e responsável de um ato culpável uma pena prevista e determinada pela lei (GARCIA, 2004, p. 61). A determinação legal do crime e da pena está prevista no Código Penal. De acordo com o Código Penal em seu Art. 1º - “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. É necessária, primeiramente, a formalização do aparato legal para que aí sim possamos falar em responsabilidade. “[...] responsabilizar o sujeito humano pressupõe que ele esteja referido, inserido no sistema de representações que rege nossa sociedade através das montagens institucionais” (PINTO, 2019, p. 1006). Importante apresentarmos alguns princípios da lei penal, segundo Foucault (2001): O princípio fundamental do sistema teórico da lei penal é que o crime ou a infração não deve ter mais nenhuma relação com a falta moral ou religiosa, sendo uma ruptura com a lei civil. Uma lei penal deve simplesmente representar o que é útil para a sociedade. O crime é um dano social e o criminoso é aquele que rompeu com o pacto social, tornando-se um inimigo social. Fonte: https://www.dicio.com.br/penalidade/ Penalidade Sanção imposta legalmente; a natureza dessa sanção; pena. Qualquer pena ou castigo que resulta de um crime; pena, punição. https://www.dicio.com.br/penalidade/ ead.faminas.edu.br 11 Para refletir acerca dessa pergunta, vamos discorrer a respeito de alguns tipos de punição, conforme Foucault (2001): expulsão das pessoas – deportação; exclusão no próprio local – punição pelo escândalo, vergonha e humilhação; reparação do dano social – trabalho forçado; pena de talião: mata-se quem matou, tomam-se os bens de quem roubou. De acordo com o mesmo autor, todos esses tipos de punição foram substituídos pela pena de aprisionamento, ou seja, pela prisão. Ele ainda salienta que a prisão surge no início do século XIX e, a partir desse período, a penalidade passa a ser um controle sobre os indivíduos, pois o objetivo passa a ser corrigir aprisionando. Alternativas para lidar com as infrações surgiram, a partir da mudança de concepção do sujeito que praticou o crime. Uma delas é a reabilitação ao invés da pena da prisão, apresentando a aposta na possibilidade da reabilitação. “Preferimos, em nossa atualidade, trabalhar em prol de uma reabilitação da pessoa que cometeu um crime em vez de, simplesmente, criar instituições de detenção e isolamento” (GARCIA, 2004, p. 63). Outras alternativas mais dialógicas e negociativas surgiram também. “Reparação, compensação, conciliação, mediação, pena alternativa e prestação de serviço à comunidade traduzem na prática um modelo de justiça negociada” (GARCIA, 2004, p. 65). Ainda é importante citarmos que em alguns casos começaram-se a serem aplicadas medidas de tratamento ao invés da pena. Sobre esse ponto iremos discorrer um pouco mais na Unidade 3. Contudo, por ora cabe ressaltar que segundo Garcia (2004), para a mudança mencionada, a referência se torna os casos concretos e as circunstâncias situacionais. “(...) cabendo ao juiz avaliar o indivíduo, diagnosticar o perigo que a transgressão assinala. O direito dos menores, o direito dos loucos, (...) as medidas substituem as penas (GARCIA, 2004, p. 62). Se o crime é um dano social, se quem o comete é o inimigo da sociedade, como a lei penal deve tratar o autor do crime ou deve reagir a esse crime? ead.faminas.edu.br 12 Diante do exposto, podemos concluir que a maneira como se olha para o sujeito que comete um crime ou uma infração contribui para a definição da penalidade que será aplicada. 2. A concepção de subjetividade na Psicologia (sujeito do desejo) Para saber mais acesse: http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_12/lacan_ professor_desejo.pdf O autor ainda destaca que o objeto do desejo não se encontra na realidade comum, mas na fantasia individual. Como então pensarmos na efetividade de uma sanção, por exemplo, para o sujeito do desejo? O que para ele faria sentido e seria compreendido como uma sanção que o convidaria a uma não reincidência? Os profissionais do Direito, sem o diálogo com profissionais de outras áreas, conseguem se atentar para o efeito da aplicação da lei para o sujeito? De acordo com Ramires, Röhnel e Santos (2009) apud Barros (1998), o sujeito da Psicologia, na perspectiva da Psicanálise (linha teórica que embasa a nossa escrita), é também o sujeito do inconsciente, sujeito cujo comportamento é sobre-determinado por razões e situações que muitas vezes ele desconhece, por determinações inconscientes, por conflitos, contradições, ambiguidades. Em se tratando de sujeito para a psicanálise, é preciso dar lugar para a singularidade de cada um, para o ponto disruptivo que não se encaixa no saber Desejo? Do que estamos falando? O desejo é em primeiro lugar o efeito da estrutura da linguagem. O desejo só é concebível entre os seres falantes. Podemos explicá-lo assim: na espécie humana, o filhote não pode satisfazer sozinho suas necessidades mais elementares, ele deve passar por um Outro, com letra maiúscula, capaz de satisfazê-las e, para tanto, deve falar sua linguagem, endereçar-lhe uma demanda. Tudo decorre disso. Esse apelo faz do Outro um objeto de amor. Simultaneamente, a transposição da necessidade em demanda produz uma decalagem: é aqui que se aloja o desejo. (Miller, 2013, p. 2). http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_12/lacan_professor_desejo.pdf http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_12/lacan_professor_desejo.pdf ead.faminas.edu.br 13 universal. Interessa mais ao psicanalista o sofrimento de quem lhe fala do que a demanda institucional de produção de provas, pois, muitos profissionais do campo psi são demandados pelos juristas na perspectiva da produção de provas que possam subsidiar as sentenças judiciais. Abordaremos mais sobre este tópico na Unidade 2, onde trabalharemos a Interface entre Direito e Psicologia. Vimos que a concepção do sujeito do Direito é a de um sujeito cunhado num ideal que deixa de fora justamente as questões da subjetividade valorizadas pela Psicologia. “Torna-se necessário e impositivo na contemporaneidade repensar os paradigmas e o Sujeito no Direito a partir da Psicanálise. Essa traz para o pensamento jurídico uma contribuição revolucionária com a descoberta do sujeito do inconsciente” (GARCIA, 2004, p. XIII). Importante salientar que o convite feito pelo autor pode ser compreendido como uma forma de ampliar a concepção ou o modo de olhar que é específico de um campo de saber. Não necessariamente pode resultar em abrir mão do conhecimento acumulado, mas sim na abertura para dialogar com outras áreas e para uma construção coletiva, sempre que necessário. Freud com sua descoberta do inconsciente demonstra que o homem não é soberano dentro de sua própria casa, que não é dono de seus motivos mais profundos e de que pode se enganar quanto ao sentido de suas ações. O inconsciente se manifesta em todo enunciado, e a escuta clínica, em diferentes espaços institucionais, pode promover mudanças subjetivas. Os profissionais psi podem realizar seu trabalho em diferentes espaços profissionais e é inquestionável a contribuição da psicanálise para os vários campos de trabalho, justamente por ela considerar o que não é abarcado por esse ideal de sujeito do Direito. Além de considerar, é importante que o psicanalista dialogue com os demaisprofissionais a respeito disso, a partir de uma ética antenada às questões trazidas pelo sujeito, seus embaraços, bem como às soluções que ele mesmo pode construir para responsabilizar-se pelo seu lugar no laço social. Ora, somente o interessado pode reparar seu ato e ele o fará desde que uma referência ao Simbólico for viabilizada (GARCIA, 2004, p. 70). Os sujeitos que chegam à Justiça são sujeitos de direitos, mas é com outra dimensão de sujeito que o psicanalista procurará trabalhar nos casos em que o conflito está instaurado. O psicanalista estará atento à dimensão do sujeito do desejo, este que poderá modificar a trama litigiosa a partir da modificação das respostas que encontrou para suas questões cruciais. ead.faminas.edu.br 14 Sigmund Freud fundou a Psicanálise, a partir do seu posicionamento de não recuar diante dos desafios apresentados pela clínica, ou seja, sua teoria foi formulada a partir de seu trabalho clínico. As questões da subjetividade acolhidas na clínica de Freud fomentaram a teorização da Psicanálise. Isso já explicita a sua ética, se atentar para o avesso do discurso vigente, quando este objetiva silenciar o mal-estar do sujeito, tirando a sua subjetividade de cena. Mesmo inconsciente, o desejo se exprime a partir de uma representação. O desejo inconsciente está relacionado aos atos por parte do sujeito, tanto pela realização do desejo como por sua recusa. Segundo Freud (1974), o desejo só se revela no presente, está no presente e só conhece o presente, podendo ser interrogado por alguém orientado pela psicanálise. Ato e subjetividade terão, por um lado, que ser articulados sem o abandono da noção de sujeito. (GARCIA, 2004, p. 70) Para saber um pouco mais sobre o sujeito do desejo assista o vídeo “O desejo e sua formação”, onde o psicanalista Ivan Capelatto, num Café Filosófico, fala da natureza do desejo. https://www.youtube.com/watch?v=KYkEyQzfvgU Podemos citar a recorrência cada vez maior da medicalização como primeiro e, muitas vezes, o único recurso sugerido para “acalmar” um mal- estar do sujeito. Silenciar, tamponar, ao invés de acolher e convidar o sujeito a construir alternativas. Há casos em que o uso da medicação é imprescindível, no entanto, muitas vezes, sem um diagnóstico cuidadoso e, em conformidade com o imperativo do consumo em nossa sociedade capitalista, medica-se, medica-se, medica-se! https://www.youtube.com/watch?v=KYkEyQzfvgU ead.faminas.edu.br 15 3. Algumas considerações a partir de um fragmento de caso No intuito de contribuir com a reflexão e articulação da teoria com a prática profissional, apresentaremos o fragmento de um caso de um adolescente que cumpriu uma medida socioeducativa em meio aberto. Buscaremos relacionar os elementos do caso com os fundamentos teóricos apresentados. G. foi um adolescente que cometera um ato infracional análogo ao Art. 157 do Código Penal e recebeu a medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) determinada pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude. Tal medida é executada por profissionais vinculados à Prefeitura Municipal, com formação, prioritariamente, em Serviço Social e Psicologia. No primeiro contato de G. com a Psicóloga da LA, ele estava mais calado, com um posicionamento enrijecido, demonstrando que estava ali somente pela determinação judicial, sem abertura ao trabalho do acompanhamento da medida. Ao ser questionado sobre o ato infracional cometido, (procedimento adotado para possibilitar que o adolescente verbalize seu ato, podendo construir alguma elaboração a respeito desse cometimento e responsabilizar-se por ele), G. disse que bastava que a psicóloga lesse na cópia dos autos, que estava tudo escrito lá. Diante desse posicionamento, foi lhe dito pela psicóloga que ela gostaria de ouvir a versão dele, pois nem sempre o que estava escrito era exatamente como as coisas ocorreram. Após essa intervenção, G. contou seu ato e nos atendimentos que se seguiram, pôde apresentar suas questões subjetivas, tais como: a sua dificuldade no relacionamento com o pai, a sua tristeza pelo adoecimento da mãe e os desafios vivenciados em sua dinâmica familiar, pois a família se encontrava com os vínculos familiares fragilizados. O acompanhamento da medida socioeducativa consistiu também em alguns atendimentos com o pai de G. Apresentadas as duas concepções do sujeito no Direito e na Psicologia, como podemos observar ou operacionalizar esses conceitos na prática profissional? CASO G. ead.faminas.edu.br 16 G. cometeu um ato infracional e foi julgado. Quando ele se encontrou com a psicóloga da medida de Liberdade Assistida que demonstrou interesse em conhecê-lo e abrir espaço para que ele pudesse apresentar as suas questões como sujeito, inicialmente ele nega e se apresenta como um sujeito do Direito, como se o processo jurídico pudesse dizer tudo sobre ele. Salientemos que a intervenção pela psicóloga foi feita na tentativa de fazer vacilar essa afirmação dele, tentando estabelecer um “espaço”, um “intervalo”, uma “brecha”, na concepção acerca do processo jurídico para que G., enquanto sujeito da Psicologia pudesse aparecer e se implicar (responsabilizar) pelo ato infracional praticado. A Psicologia e o Direito têm concepções de sujeito que diferem ou até mesmo, dependendo da perspectiva, se contrapõem, mas não se trata de confrontar verdades, a verdade jurídica com o que chamamos verdade do desejo. É importante a construção de uma rede de atendimento, na interface entre o Direito e a Psicologia, e outros campos do saber, cada área com as suas concepções, com o seu saber, o seu fazer, mas implicadas num trabalho conjunto. Essa será a discussão da próxima Unidade. REFLETINDO UM POUCO SOBRE O CASO G: ead.faminas.edu.br 17 4. Sugestões de filmes e leitura 4.1 SÉRIE: Unbelievable (Inacreditável) Uma jovem traumatizada relata ter sido estuprada por um homem que invadiu sua casa. Agora, ela tem de encarar um turbilhão de emoções e policiais cada vez mais céticos que a acusam de falsa denúncia de estupro. De vítima a autora podemos ver as consequências jurídicas e subjetivas para esta jovem. Três anos depois, duas investigadoras encaram casos parecidos. E então, há relação entre esses casos? Qual verdade está em jogo? Qual a concepção de sujeito orienta a intervenção dos primeiros policiais? E qual orienta a das investigadoras? Série de 8 episódios inspirada em fatos reais, disponível na NETFLIX. Vale a pena assistir!!! 4.2 Revista Direito e Práxis (versão On-line ISSN 2179-8966) A Revista Direito e Práxis é uma publicação acadêmica trimestral, vinculada à linha de pesquisa em Teoria e Filosofia do Direito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Em 2020 completa 10 anos de publicação. Classificada com o Qualis2 como A1 em Direito, a revista recebe e publica trabalhos em português, inglês e espanhol. Vários temas podem ser pesquisados nesta revista, uma atualizada fonte de referências, que muito pode auxiliar na formação acadêmica e profissional. 2 O Qualis-Periódicos é uma ferramenta usada para classificar a produção científica dos programas de pós-graduação no que se refere aos artigos publicados em periódicos científicos. A1 é o indicativo de maior qualidade <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/index> http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=2179-8966&lng=pt&nrm=iso https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/index ead.faminas.edu.br 18 Nesta Unidade, apresentamosas concepções de sujeito do Direito e da Psicologia, mais especificamente da Psicanálise. Vimos que o Direito se fundamenta numa concepção de sujeito racional, abstrato e ideal, já na Psicanálise é justamente o oposto dessa vertente, pois ela considera o sofrimento do sujeito, a sua singularidade, bem como a sua capacidade de construir saídas para o que lhe aflige. Discorremos sobre alguns tipos de penalidades, refletindo sobre eles, relacionando-os com a concepção do crime e do sujeito que o cometeu, além de mencionarmos alguns princípios da lei penal. A partir do fragmento do relato de um caso de um adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, apresentamos os desafios e as possibilidades de trabalho nesse campo de encontro entre a Psicanálise e o Direito. 4.3 Livro: HOMO SACER: o poder soberano e a vida nua O livro Homo sacer: o poder soberano e a vida nua possibilita ao leitor refletir acerca da sociedade moderna e a influência do poder soberano em relação à vida social. Disponível em: https://petdireito.ufsc.br/wp- content/uploads/2016/05/AGAMBEN-G.-Homo- Sacer-o-poder-soberano-e-a-vida-nua.pdf RESUMO http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=2179-8966&lng=pt&nrm=iso https://petdireito.ufsc.br/wp-content/uploads/2016/05/AGAMBEN-G.-Homo-Sacer-o-poder-soberano-e-a-vida-nua.pdf https://petdireito.ufsc.br/wp-content/uploads/2016/05/AGAMBEN-G.-Homo-Sacer-o-poder-soberano-e-a-vida-nua.pdf https://petdireito.ufsc.br/wp-content/uploads/2016/05/AGAMBEN-G.-Homo-Sacer-o-poder-soberano-e-a-vida-nua.pdf ead.faminas.edu.br 19 1. Considerando as discussões realizadas nesta Unidade responda as questões abaixo: a) Como o direito contribui para a constituição do sujeito da Psicologia? ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ b) Qual a diferenciação feita no texto entre sujeito do Direito e sujeito de direitos? _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ c) O que é penalidade e a quem ela se aplica? ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ATIVIDADES DE FIXAÇÃO ead.faminas.edu.br 20 1. Considerando as discussões realizadas nesta Unidade responda as questões abaixo: a) Como o direito contribui para a constituição do sujeito da Psicologia? Oferecendo o aparato simbólico (nominação jurídica, roupagem) que viabiliza a constituição do sujeito. Essa roupagem cobrirá o corpo biológico bruto. b) Qual a diferenciação feita no texto entre sujeito do Direito e sujeito de direitos? O sujeito do Direito é aquele que tem a subjetividade desencarnada e esvaziada de conteúdo existencial. É um ser racional e abstrato, um sujeito idealizado. Já a expressão “sujeito de direitos” refere-se ao reconhecimento de que se tem direitos que precisam ser resguardados. c) O que é penalidade e a quem ela se aplica? É uma sanção imposta legalmente que tem a previsão legal antes mesmo do cometimento do crime ou infração. A penalidade se aplica a um autor de um crime ou infração. ATIVIDADES DE FIXAÇÃO GABARITO ead.faminas.edu.br 21 ALTOÉ, Sônia. (org.). Sujeito do Direito, Sujeito do Desejo: Direito e Psicanálise. 3. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2010. 157 p. BARROS, Fernanda Otoni. Laudos periciais: da escrita à escritura, um percurso ético. Belo Horizonte: Mimeo, 1998. BRASIL. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 22 jan. 2020. BRASIL. Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 22 jan. 2020. FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. In S. Freud, Obras completas (Vol. IV, J. Strachey, trad.). Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1974. 736 p. (Trabalho original publicado em 1900). FOUCALT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Meio Machado e Eduardo Jardim Morais. 2. Ed. 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Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179- 89662019000200991&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 21 jan. 2020. RAMIRES, Vera Regina Röhnelt; PASSARINI, Daniele Simone; SANTOS, Larissa Goulart. O atendimento psicológico de crianças e adolescentes solicitado pelo poder judiciário. In: ROVINSKI, Sonia Liane Reichert; CRUZ, Roberto Moares (orgs.). Psicologia Jurídica: Perspectivas teóricas e processos de intervenção. São Paulo: Vetor, 2009. p. 209-220. SILVA,Cyro Marcos. Algumas questões sobre o Direito. In: BEMFICA, Aline Guimarães (org.). Psicologia Jurídica: Ética, transmissão e política. Rio de Janeiro: Imago, 2011. p. 249-264. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179-89662019000200991&lng=pt&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179-89662019000200991&lng=pt&nrm=iso
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