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SINOPSE DO CASE: DIREITOS DE VIZINHANÇA1 Mayara Joyce Carvalho Barboza2 Viviane Brito3 1. DESCRIÇÃO DO CASO Os síndicos (Maria, João, Pedro e Lara) de quatro condomínios localizados na Av. Beira Mar, na Cidade de São Luís (MA), local situado em zona mista – onde existem diversos condomínios, casas, hotéis e bares. Encontram-se juntamente aos condôminos de seus respectivos prédios, extremamente incomodados com os ruídos advindos dos hotéis e bares próximos a região, onde constantemente são realizados shows e festas de grande porte, perturbando a paz e o sossego dos moradores. Diante dos protestos dos condôminos em relação a situação em questão, os síndicos dos quatro condomínios se reuniram para discutir o assunto. As sugestões expostas por cada representante foram respectivamente: Maria – Notificar os proprietários dos estabelecimentos; João – Ingressar com medida judicial, com base no direito de vizinhança; Pedro – Levar o caso ao Ministérios Público e Lara – Solicitar o auxílio dos órgãos públicos. Defronte às características do caso e a pluralidade de sugestões para a resolução do conflito, é cabível analisar todas as vertentes da situação a fim de observar quais as possíveis medidas judiciais ou extrajudiciais a serem tomadas, e quais os seus fundamentos legais. 2. Argumentos capazes de fundamentar as medidas a serem tomadas. Inicialmente, é válido pontuar que o cerne do presente case, se desenvolve em torno da análise do direito de propriedade e das relações de vizinhança. Apesar de o Código Civil se limitar a mencionar os poderes conferidos ao proprietário, o conceito de propriedade pode ser deduzido como sendo “o poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na 1 Case apresentado à disciplina Direitos Reais na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB. 2 Aluna do quarto período, do curso de Direito noturno, da UNDB. 3 Professora Mestre, orientadora lei, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha” (GONÇALVES, 2017, p. 242) No que tange a legislação, o Código Civil começa a tratar a propriedade de forma mais precisa e particular no seu art. 1.228, onde interessa ao case mais especificamente o §1° do referido artigo, no qual é disciplinado que: §1° - O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade como estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (CÓDIGO CIVIL de 2002, art. 1.228, §1°) Observando o disposto no parágrafo, é possível abstrair que o direito de propriedade está vinculado a finalidades econômicas e sociais. Sendo possível com essa alegação, reconhecer que o direito de propriedade apesar de já ter sido considerado absoluto, encontra-se hoje relativizado, podendo ser restringido e limitado por diversos motivos, a maioria deles baseados em princípios constitucionais. Neste diapasão, leciona a Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, em seu livro “Direitos reais”, ao discorrer que: Assim, apesar de o direito de propriedade se constituir em direito real, oponível erga omnes, atualmente o direito brasileiro criou o instituto da função social da propriedade, que condiciona o exercício daquele ao cumprimento da função social, pois não será admitida a sub-utilização dos bens, desvinculada de qualquer compromisso social e econômico. (ESCOLA DE MAGISTRATURA DO RIO DE JANEIRO, 2013, p. 75) Portanto, sabendo que o direito de propriedade deve cumprir certas finalidades, fica cristalino que o mesmo sofre diversas restrições no campo do uso e da utilidade, sendo uma dessas limitações, atinentes as relações de vizinhança. No tocante ao direito de vizinhança, vale destacar que o instituto tem o fito de evitar conflitos de interesses entre proprietários, sendo norteado pela boa fé e pela lealdade, visando estabelecer um convívio social harmônico. (ESCOLA DE MAGISTRATURA DO RIO DE JANEIRO, 2013, p. 82) O direito ora exposto, encontra fundamentação no fato de ser possível a relativização da propriedade caso não atinja sua função social, sendo possível interferir na utilização de terceiros caso exista abuso do direito de propriedade. No tocante a positivação, o instituto do direito de vizinhança se encontra no Código Civil, presente do art. 1.277 até o 1.313, dentre os quais iremos atermos aos dispositivos que deliberam sobre o uso anormal da propriedade. O art. 1.277 refere-se ao direito do possuidor ou proprietário de fazer cessar as interferências que sejam, prejudiciais (de forma ilegal, abusiva e lesivas) à segurança, ao sossego e à saúde daqueles que habitam o local, provocados pela utilização da propriedade vizinha. Ou seja, o uso da propriedade de forma que venha a prejudicar conscientemente ou não, a direitos de terceiros que habitam o local, é considerado uso anormal da propriedade, uso nocivo, sendo esse uso limitado com base no direito de vizinhança. Em suma, e ainda de acordo com a Escola de Magistratura do Rio de Janeiro: (...) tudo que possa afetar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos representa uso nocivo da propriedade. A lei brasileira pune, não só o uso nocivo, mas o também o uso anormal, o uso irregular da propriedade. O próprio uso normal, mas que cause malefícios, implica em descumprimento da lei. (ESCOLA DE MAGISTRATURA DO RIO DE JANEIRO, 2013, p. 82) Como pode ser observado no caso, os bares e os hotéis próximos aos condomínios de Maria, João, Pedro e Lara, desempenham o gozo de seus estabelecimentos de forma prejudicial aos condôminos dos prédios, sendo as festas e shows de grande porte usos de propriedade manifestamente abusivos, ultrapassando o considerado razoável. Logo, lesando o direito ao sossego dos demais habitantes da região. Outro fato que deve ser considerado no caso em questão, diz respeito ao parágrafo único do art. 1.277, o qual informa que as interferências decorrentes do direito de vizinhança “devem considerar a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.” (CÓDIGO CIVIL de 2002, art. 1.277, parágrafo único). Considerando que o conflito se desenvolve em zona mista (residencial, comercial e industrial), há de se destacar que nesta zona ocorre maior tolerância aos ruídos emitidos por estabelecimentos do comércio e da indústria, os quais comumente produzem barulhos excessivos. No entanto, o fato de se tratar de uma zona mista não dá aos estabelecimentos o direito de extrapolar os níveis toleráveis de ruídos. Uma vez que a poluição sonora se apresenta como um dos maiores problemas dos grandes centros urbanos, são essências as leis municiais, estaduais e federais que visam estabelecer limites a fim de evitar ao máximo esse tipo de poluição. Além dos programas estaduais de educação e controle da poluição sonora, é observado como base para os níveis toleráveis de ruído, o Programa Nacional de Educação e Controle da Poluição Sonora, o qual utiliza como base os níveis aceitáveis apresentados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT nº 10.151, no que tange a “Avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade” que tem como nível de critério de avaliação NCA para ambientes externos – (Área mista, com vocação comercial e administrativa – 60 dB diurno e 55 dB noturno. Tendo que ser observados além desses limites, a ponderação e a proporcionalidade, procurando atenuar os conflitos de interesses entre os vizinhos Segundo o autor Carlos Roberto Gonçalves (2017) além dos limitesde ruídos, ainda existem critérios para aferir a normalidade ou anormalidade da utilização do imóvel, como por exemplo: a) Verificar a extensão do dano ou do incômodo causado – Com efeito, a vida em sociedade impõe às pessoas a obrigação de suportar certos incômodos, desde que não ultrapassem os limites do razoável e do tolerável. b) Examinar a zona onde ocorre o conflito, bem como os usos e costumes locais – Assim, “tratando-se de zona mista – residencial, comercial e industrial – é intuitivo que as residências têm que suportar o rumor da indústria e do comércio, nas horas normais dessas atividades, mas esses ruídos não poderão exceder o limite razoável da tolerância, nem se estender aos dias e horas reservados ao repouso humano”(GONÇALVES, 2017. p.391) Depois de alegados argumentos que demonstram a possibilidade de aplicação do direito de vizinhança, cabe tratar sobre os meios possíveis para resolução do litígio apresentado no caso ora exposto. É imperiosa a necessidade de estabelecimento inicial de um discurso conciliador com os proprietários dos respectivos estabelecimentos comerciais. Como Maria sugeriu, através de notificação prévia aos mesmos tendo em vista não apenas os princípios de urbanidade e colaboração, tão importantes para o convívio social entre vizinhança, mas de um ponto de vista estratégico, a tentativa de diálogo conciliador é mais célere e consensual, sendo possível evitar os custos e a morosidade implícita aos meios judiciais. De toda forma, se as tratativas iniciais de conciliação de interesses entre os condôminos e os proprietários dos estabelecimentos comerciais não obtiverem resultado prático, se faz imperioso observar a sugestão de Lara e acionar as autoridades municipais cabíveis, seja através de boletim de ocorrência e imposição de multa aos sujeitos infratores, ou mesmo denúncia ao ministério público, como propôs Pedro, para que seja instaurada uma Ação Civil Pública em face da abrangência dos danos causados. A Lei nº 6938/81, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, preceitua em seu artigo 3º inciso III alínea “a” um conceito amplo de poluição na medida em que o define como degradação da qualidade ambiental, por atividades que prejudiquem direta ou indiretamente a saúde, bem-estar e segurança da população. Já a alínea “e” aponta a hipótese de degradação ambiental que mais se coaduna com a de poluição sonora, segundo a qual ocorre o lançamento de “matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos”. É o que ocorre no caso em questão, onde o incômodo causado pelos bares e hotéis das redondezas que produzem barulhos exacerbados regularmente e, inclusive, organizam festas de grande porte, acaba por ultrapassar o limite do razoável, mesmo para uma zona mista, constrangendo e incomodando não apenas os prédios limítrofes, mas toda a vizinhança. Portanto, a abrangência do dano causado e a extensão dos indivíduos afetados, legitima a atuação do Ministério Público na defesa do direito individual homogêneo à um meio ambiente equilibrado, por meio de Ação Civil Pública. Ressalta-se que, diante do não atendimento da notificação prévia, e concomitantemente ao acionamento das autoridades legais ou do Ministério Público, aos condôminos não resta outro meio para o respeito de seus direitos do que acionar a via judicial, como solução apresentada por João. Uma vez que a composição amigável do litígio não logrou êxito, o ajuizamento da ação cabível, importará em custas e obrigatoriedade de manifestação da parte contrária, sob pena de revelia se não for contraposta contestação. Desta forma, espera-se que a ação judicial possibilite, dentre outras medidas: novas tentativas de conciliação, cessação dos ruídos antecipadamente mediante tutela antecipada, imposição de multa diária para caso de descumprimento e confirmação do direito assim como a obrigação de não fazer, em face dos réus, no âmbito da sentença judicial. Por fim, para ratificar o direito de vizinhança decorrente do caso apresentado, encontra-se enunciado n. 319, da IV Jornada de Direito Civil, de 2006, onde é firmado o entendimento de que “A condução e a solução das causas envolvendo conflitos de vizinhança devem guardar estreita sintonia com os princípios constitucionais da intimidade, da inviolabilidade da vida privada e da proteção ao meio ambiente”. REFERENCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10151: Acústica - Avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade - Procedimento. Rio de Janeiro, p. 3. 2000. BRASIL. Decreto Nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Politica Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm> Acesso em: 27 de set. 2018 ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Curso de Direitos Reais. Rio de Janeiro: EMERJ, 2013. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Volume 5. JR, Aguiar. Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, 2007. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios- 1/publicacoes-1/jornadas-cej/IV%20Jornada%20volume%20I.pdf> Acesso em: 27 de set. 2018 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Código Civil comentado / coordenadora Regina Beatriz Tavares da Silva. — 8. ed. de acordo com a Emenda Constitucional n. 66/2010 e as Leis n. 12.344/2010, n. 12.375/2010, n. 12.376/2010, n. 12.398/2011, n. 12.399/2011, n. 12.424/2011, n. 12.441/2011 e n. 12.470/2011 – São Paulo: Saraiva, 2012. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%206.938-1981?OpenDocument
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