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Organizadores Rosângela Maria Herzer dos Santos Denise Bittencourt Friedrich Ricardo Hermany Betieli da Rosa Sauzem Machado Autores Aline Burin Cella Amanda Demiquei Pohl Ana Luiza Hernandez André Emílio Pereira Linck Carhla de Oliveira Alves Cássio Alberto Arend Claudia Perrone Cynthia Gruendling Juruena Dalva Simone Mesquita Selau Denise Friedrich Elia Denise Hammes Gisela Borghetti Velho Josiane Caleffi Estivalet Juliana Beatriz de Paula Juliana Scholante Iserhard Lucas Dadda de Lemos Patrícia De Carli Patrícia Thomas Reusch Patrick Birkan Beria Rafael madeira da Veiga Ricardo Hermany Rosana Helena Maas Tais Ramos COLETÂNEA DOS SABERES: O DIREITO SOB A PERSPECTIVA DA ADVOCACIA Porto Alegre OABRS 2019 Copyright © 2019 by Ordem dos Advogados do Brasil Todos os direitos reservados UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL REITORA Carmen Lúcia de Lima Helfer Vice-Reitor Rafael Frederico Henn PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO Andréia Rosane de Moura Valim COORDENADORA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU Denise Bittencourt Friedrich Capa Carlos Pivetta Bibliotecária responsável: Jovita Cristina G. dos Santos (CRB 10/1517) Rua Manoelito de Ornellas,55 – Praia de Belas CEP: 90110-230 Porto Alegre/RS Telefone: (51) 3287-1838 biblioteca@oabrs.org.br O conteúdo é de exclusiva responsabilidade de seus Autores. C658 Coletânea dos Saberes: O direito sob a perspectiva da Advocacia / Rosângela Maria Herzer dos Santos [et al.] (Organizadores). – Porto Alegre: OABRS. 2019. 242p. ISBN: 978-85-62896-18-7 1. Direito do Trabalho. 2. Direito Previdenciária. 3. Direito Processual Civil. I. Machado, Betieli da Rosa Sauzem. II. Título. CDU 340 mailto:biblioteca@oabrs.org.br ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021 Presidente: Felipe Santa Cruz Vice-Presidente: Luiz Viana Queiroz Secretário-Geral: José Alberto Simonetti Secretário-Geral Adjunto: Ary Raghiant Neto Diretor Tesoureiro: José Augusto Araújo de Noronha ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA Diretor-Geral: Ronnie Preuss Duarte ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL Presidente: Ricardo Ferreira Breier Vice-Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Secretária-Geral: Regina Adylles Endler Guimarães Secretária-Geral Adjunta: Fabiana Azevedo da Cunha Barth Tesoureiro: André Luis Sonntag ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA Diretora-Geral: Rosângela Maria Herzer dos Santos Vice-Diretor: Darci Guimarães Ribeiro Diretora Administrativa-Financeira: Graziela Cardoso Vanin Diretora de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Maria Cláudia Felten Diretor de Cursos Especiais: Ricardo Hermany Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa Diretora de Atividades Culturais: Cristiane da Costa Nery Diretor da Revista Eletrônica da ESA: Alexandre Torres Petry CONSELHO PEDAGÓGICO Alexandre Lima Wunderlich Paulo Antonio Caliendo Velloso da Silveira Jaqueline Mielke Silva Vera Maria Jacob de Fradera CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS Presidente: Pedro Zanette Alfonsin Vice-Presidente: Mariana Melara Reis Secretária-Geral: Neusa Maria Rolim Bastos Secretária-Geral Adjunta: Claridê Chitolina Taffarel Tesoureiro: Gustavo Juchem TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA Presidente: Cesar Souza Vice-Presidente: Gabriel Lopes Moreira CORREGEDORIA Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles Corregedores Adjuntos Maria Ercília Hostyn Gralha, Josana Rosolen Rivoli, Regina Pereira Soares OABPrev Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Diretora Administrativa: Claudia Regina de Souza Bueno Diretor Financeiro: Ricardo Ehrensperger Ramos Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves COOABCred-RS Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel Vice-Presidente: Márcia Heinen 6 PREFÁCIO - ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DA OAB/RS A obra foi desenvolvida por alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Direito Latu Sensu da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, em parceria com a Escola Superior da Advocacia do Estado do Rio Grande do Sul. Desse modo, o livro conta com seis capítulos, nos quais é realizada a abordagem de temáticas atuais envolvendo várias questões na área do Direito do Trabalho, Previdenciário, Processual Civil, Imobiliário, Urbanístico, Notorial e Registral, além de temas envolvendo o Direito Eleitoral e Penal. Na primeira parte são abordados temas relacionados ao Direito do Trabalho, que se subdivide em três capitulos. Desta forma, Patrick Birkan Beria e Patricia Thomas Reusch analisam se a execução provisória prevista no novo código de processo civil pode ser aproveitada no processo trabalhista. Sendo assim, em um primeiro momento as autoras apresentam um breve panorama histórico do regime jurídico aplicável à execução provisória. Posteriormente, definem o conteúdo do instituto e a sua relação com a tutela jurisdicional. Após, analisam o recurso aos mecanismos de integração normativa trabalhista no contexto das teorias da lacuna e da constitucionalização do processo. A seguir Rafael Madeira da Veiga e Cynthia Gruendling Juruena abordam a pertinência e a viabilidade da qualidade de segurado especial para catadores de materiais recicláveis. Primeiramente, realiza-se uma análise da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 309/2013, originalmente formulada pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR, após a conceituação do Segurado Especial e, por fim, um estudo comparativo da categoria já existente e da proposta de incorporação de um nova categoria “catadores de materiais”, usando como hipóteses científicas as características normativas dessa categoria de contribuinte. E Juliana Scholante Iserhard e Patricia Thomas Reusch analisam o dumping social e a indenização por dano moral coletivo como salvaguarda dos direitos constitucionais na seara trabalhista. Desse modo, a pesquisa observa primeiramente a formação e evolução do Direito do Trabalho no Brasil, bem como sua influência na sociedade atual. Também verificam os princípios Constitucionais balizadores do Direito do Trabalho que conferem proteção ao trabalhador. Prosseguindo a reflexão, no sentido de explicitar o dumping social, para então adentrar no dano moral coletivo e sua configuração, apontando também as partes legitimas para propor a Ação Civil Pública, destacando jurisprudências com o intuito de 7 demonstrar os entendimentos dos nossos tribunais atualmente. Na sequência, o segunda parte da obra passa a abordar temas relacionados ao Direito Previdenciário, se subdividindo em dois capitulos. Assim, Lucas Dadda de Lemos e Tais Ramos se dedicam a verificar a inconstitucionalidade da desaposentação e a possibilidade de reaposentação na seara previdenciária brasileira. Logo, os autores se propõe a analisar a (im)possibilidade de ocorrer a reaposentação, após a decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2016, acerca da inconstitucionalidade da desaposentação. Posteriormente, é analisada a aposentadoria especial no ambiente hospitalar por Dalva Simone Mesquita Selau e Tais Ramos, através da verificação das particularidades da aposentadoria dos trabalhadores que exercem suas atividades no referido ambiente, ou seja, os que estejam exposto aos agentes biológicos, considerando, ainda, os requisitos da habitualidade e permanência e a eficácia dos EPIS. Posteriormente, é realizada a análise jurisprudencial acerca da aposentadoria especial no ambiente hospitalar. A terceira parte da obra é dedicada a abordagemde temas que envolvem o Direito Processual Civil, a qual se subdivide em três analises. Dessa maneira, Claudia Perrone e Aline Burin Cella abordam a flexibilização procedimental como expressão da colaboração no CPC/2015. Assim, no primeiro momento são apresentados os elementos que caracterizam a colaboração como um modelo processual, bem como os elementos inerentes a sua consideração como um princípio; no segundo momento destacam-se as três espécies de flexibilizações procedimentais (legal, judicial e voluntária). Patrícia De Carli e Josiane Caleffi Estivalet observam a autocomposição de conflitos como ferramenta de redução da judicialização da saúde, ou seja, as autoras se debruçam em analisar a possibilidade de utilização de ferramentas autocompositivas em matérias que envolvam a administração pública e a sua prestação de serviços na área dos direitos indisponíveis, como é o caso da saúde. Já quanto ao tema que versa sobre a judicialização da saúde e a aplicação da tutela provisória de urgência, as autoras Rosana Helena Maas e Ana Luiza Hernandez realizam apontamentos relativos a judicialização e as novas confrontações das tutelas provisórias frente ao Código de Processo Civil de 2015. O quarto extrato é dedicado a abordagem de temas relacionados ao Direito imobiliário, urbanístico, notorial e registral, o qual se subdivide em dois temas. Logo, Amanda Demiquei Pohl e Ricardo Hermany realizam um estudo comparativo entre os institutos da usucapião especial de imóvel urbano e o projeto more legal IV. Portanto, a partir https://ead.unisc.br/ead/user/view.php?id=5593&course=768 8 do Projeto More Legal busca-se demonstrar seus efeitos práticos, aliando a isso ass inúmeras situações de moradias irregulares ou clandestinas existentes no país. Giselle Borghetti Velho e Elia Denise Hammes destacam a temática relativa ao contrato de arrendamento rural e as suas implicações jurídicas na fixação do preço em produto, oriundo do contrato particular, destacando que tal fixação de preço é contrária à previsão legal, visto que a legislação não admite essa possibilidade de pagamento do contrato. Além disso, na quinta etapa são analisados temas relacionados ao Direito eleitoral, o qual se subdivide em dois. Destarte, André Emílio Pereira Linck e Cássio Alberto Arend centram-se na temática relacionada a Justiça Eleitoral moderna, destacando a necessidade da jurisdição especializada nos casos interna corporis dos partidos políticos. Desse modo, os autores ressaltam a autonomia dos partidos políticos em face à Justiça Eleitoral, especialmente no que concerne à jurisdição dos conflitos interno dos mesmos. Já Carhla de Oliveira Alves e Denise Friedrich discorrem sobre o empoderamento feminino na política brasileira, ressaltando que lugar de mulher também é na política, ou seja, as autoras se propõem a abordar os obstáculos e a importância do empoderamento feminino na política, tendo em vista que a participação da mulher brasileira nos espaços públicos, além de mudanças legais, depende também de mudanças culturais. Por fim, a última divisão centra-se na temática do Direito Penal. Nesse sentido, Juliana Beatriz de Paula e Patricia Thomas Reusch analisam o estado de coisas inconstitucionais (ECI) e a falência do sistema penitenciário brasileiro, tendo como base aArguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), nº 347, no Supremo Tribunal Federal. Portanto, as autoras buscam identificar o que é e quais são os pressupostos do referido instituto, relacionando-o ao sistema penitenciário brasileiro como uma nova ferramenta para a tutela dos direitos fundamentais dos presos que cumprem penas de prisão no país. Certa de que a presente coletânea de artigos, com temática de diversas área do direito possa contribuir com advocacia além de destacar aos ilustres autores, os quais desejamos todo o êxito que merecem, desejamos uma excelente leitura. Rosângela Maria Herzer dos Santos Diretora-Geral da Escola Superior de Advocacia – OAB/RS 9 APRESENTAÇÃO – UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL A presente obra representa a concretização de um projeto conjunto entre a Escola Superior da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul em parceira com a Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) com o objetivo de materializar e perpetuar os melhores trabalhos elaborados em nível de especialização que ambas instituições realizaram conjuntamente. Referido projeto nasceu de um desejo comum: levar educação continuada aos lugares mais remotos e distantes dos centros de produção de conhecimento a fim de qualificar aqueles que desempenham papel fundamental na concretização dos direitos e da cidadania: a advocacia! É com um sentimento de dever cumprido que apresento, na qualidade de Coordenadora de Pós-Graduação lato sensu da UNISC, uma obra com esta envergadura, fruto de um ato de coragem e nobreza que lançou os fundamentos de um longo e duradouro projeto que uniu a ESA/RS; OAB/RS e a UNISC na árdua tarefa de, através da advocacia, fazer cumprir os desideratos constitucionais, dentre os quais destaco o princípio matriz da dignidade da pessoa humana. Princípio este que se concretiza através de uma advocacia forte, qualificada, emancipada e ciente da sua importância na sociedade contemporânea que busca junto e para o cidadão o direito à saúde, à educação, à participação democrática, à correção de injustiças sociais, o direito a serviços públicos essências, etc. A imprescindibilidade da advocacia evidencia-se diante do seu aporte constitucional. Foi pensando nisso que os cursos oferecidos situaram-se na área do direito do trabalho, do direito previdenciário, do direito imobiliário, do direito eleitoral, do direito penal e processual civil. Especialmente quanto a este último, em 2015 trouxe importantes avanços para a advocacia decorrentes de uma atuação ímpar da OAB Federal, na época presidida pelo Dr. Cláudio Pacheco Prates Lamachia, que encheu os gaúchos de orgulho pela irretocável representação da categoria e da luta incansável pela cidadania. A escolha das áreas se deu por estarem atravessando mudanças profundas e importantes, bem como por serem áreas de atuação que demandam uma visão sistêmica e qualificada daqueles que nelas labutam, sob pena de perdas sociais irreparáveis. Os trabalhos que hoje são trazidos a público foram construídos sob o olhar cuidadoso de profissionais experientes, com expertise na área, razão pela qual a leitura e análise dos textos é recomendada. Além da contribuição dos professores orientadores e de todo o corpo docente, o sucesso também se deve ao olhar atendo e incansável trabalho do Dr. Ricardo 10 Ferreira Breier, presidente da OAB/RS, e da Dra. Rosângela Herzer dos Santos, Diretora da ESA/RS, grandes idealizadores e entusiastas do projeto. Espero com a primeira obra contendo a síntese dos melhores trabalhos de especialização dos cursos de Direito Eleitoral; Advocacia Trabalhista e Previdenciária; Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial; Direito Processual Civil; e Advocacia Criminal, encorajando, os já corajosos envolvidos, a enxergar este ato como o primeiro de muitas outras ações de perseverança, contrariando assim o mundo líquido, carente de valores sólidos, que despreza o exemplo de ambiciosos projetos que demandaram, e continuarão demandando, bases sólidas. Sem isso, os sonhos jamais se tornarão realidade. Certamente os obstáculos não foram poucos para os advogados alunos das especializações acima citadas. Mas, contrariando a modernidade líquida, perseveram e atingiram seus objetivos e viram seus sonhos se tornarem realidade. Sejam assim exemplos para os próximos. Denise Bittencourt Friedrich Coordenadora de pós-graduação lato sensu 11 SUMÁRIO PREFÁCIO - ESCOLA SUPEIOR DE ADVOCACIA DA OAB/RS-Rosangêla Maria Herzer dos Santos .................................................................................................................. 6 APRESENTAÇÃO - UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL - Denise Bittencourt Friedrich ............................................................................................................. 9 I NOVOS TRATAMENTOS NO ÂMBITO DO DIREITO DO TRABALHO ........... 13 EXECUÇÃO PROVISÓRIA TRABALHISTA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL- Patrick Birkan Beria e Patricia Thomas Reusch ................................................... 14 A PERTINÊNCIA E A VIABILIDADE DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL PARA CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS – Rafael Madeira da Veiga e Cynthia Gruendling Juruena ............................................................................. 29 DUMPING SOCIAL E A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO COMO SALVAGUARDA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS NA SEARA TRABALHISTA –Juliana Scholante Iserhard e Patricia Thomas Reusch ...................... 45 II ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO NO INSTITUTO DA APOSENTADORIA ................................................................................................... 62 A INCONSTITUCIONALIDADE DA DESAPOSENTAÇÃO E A POSSIBILIDADE DE REAPOSENTAÇÃO NA SEARA PREVIDENCIÁRIA BRASILEIRA –Lucas Dadda de Lemos e Tais Ramos ........................................................................................... 63 APOSENTADORIA ESPECIAL NO AMBIENTE HOSPITALAR –Mesquita Selau e Tais Ramos .......................................................................................................................... 89 III ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL ........................................................................................................................................... 114 A FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL COMO EXPRESSÃO DA COLABORAÇÃO NO CPC/2015 – Claudia Perrone e Aline Burin Cella ................... 115 A AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS COMO FERRAMENTA DE REDUÇÃO DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE – Patrícia De Carli e Josiane Caleffi Estivalet . 131 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A APLICAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA – Rosana Helena Maas e Ana Luiza Hernandez ........................................ 147 12 IV MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS DO DIREITO IMOBILIÁRIO, URBANÍSTICO, NOTORIAL E REGISTRAL ......................................................................................... 161 ESTUDO COMPARATIVO ENTRE OS INSTITUTOS DA USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO E O PROJETO MORE LEGAL IV – Amanda Demiquei Pohl e Ricardo Hermany ............................................................................................................ 162 O CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL E AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DA FIXAÇÃO DO PREÇO EM PRODUTO – Giselle Borghetti Velho e Elia Denise Hammes ............................................................................................................................. 175 V NOVOS DESAFIOS NO DIREITO ELEITORAL .................................................. 191 JUSTIÇA ELEITORAL MODERNA: UMA ANÁLISE DA NECESSIDADE DA JURISDIÇÃO ESPECIALIZADA NOS CASOS INTERNA CORPORIS DOS PARTIDOS POLÍTICOS – André Emílio Pereira Linck e Cássio Alberto Arend ........ 192 O EMPODERAMENTO FEMININO NA POLÍTICA BRASILEIRA: LUGAR DE MULHER TAMBÉM É NA POLÍTICA – Carhla de Oliveira Alves e Denise Friedrich ........................................................................................................................................... 207 VI AS INCONSTITUCIONALIDADES PRESENTES NO DIREITO PENAL ....... 221 O ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL (ECI) E A FALÊNCIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO – Juliana Beatriz de Paula e Patricia Thomas Reusch .................................................................................................................. 222 13 I NOVOS TRATAMENTOS NO ÂMBITO DO DIREITO DO TRABALHO 14 EXECUÇÃO PROVISÓRIA TRABALHISTA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Patrick Birkan Beria1 Patricia Thomas Reusch2 RESUMO A execução provisória do processo civil permite, em determinados casos, a efetiva disponibilização do bem da vida deduzido em juízo, ao passo que o mesmo instituto, no âmbito do processo do trabalho, encontra o seu limite máximo de desenvolvimento na penhora. Atento a essa realidade, o presente artigo objetiva verificar se a técnica prevista para a execução provisória no processo civil pode também ser aproveitada no processo do trabalho, garantindo um acesso mais rápido do trabalhador ao seu crédito e dividindo entre as partes o ônus do tempo do recurso. Inicialmente, apresenta um breve panorama histórico do regime jurídico aplicável à execução provisória. Posteriormente, define o conteúdo do instituto e a sua relação com a profundidade da entrega da tutela jurisdicional. Passo contínuo, analisa o recurso aos mecanismos de integração normativa trabalhista no contexto das teorias da lacuna e da constitucionalização do processo. Ao final, conclui que a ferramenta civilista, além de superar a confusão entre executoriedade e imutabilidade, mostra-se mais alinhada aos princípios constitucionais e aos ideais contemporâneos de jurisdição do que aquela utilizada no processo do trabalho, situação que – conforme doutrina especializada – configura modalidade de omissão, o que autoriza a importação subsidiária da técnica processual civil. Palavras-chave: Efetividade. Execução provisória. Novo código de processo civil. Processo do trabalho. Subsidiariedade. INTRODUÇÃO A doutrina e a jurisprudência trabalhistas sempre se mostraram resistentes ao ingresso, em seu campo de atuação, de elementos processuais oriundos de outros ramos, utilizando o critério da omissão, disposto no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, como verdadeiro mecanismo de proteção, já que, em tese, o regramento procedimental específico atenderia de melhor maneira às demandas do direito laboral. Ocorre, contudo, que, diante do respaldo atribuído às correntes que pregam uma maior efetividade da tutela jurisdicional, todas amparadas no arcabouço principiológico do 1 Advogado, Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Especialista em Advocacia Trabalhista e Previdenciária pela Universidade de Santa Cruz do Sul. E-mail: pberia@msn.com 2 Mestra em Direito pelo Programa de Pós-graduação Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Linha de pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social. Conceito Capes 5. Pós-graduada em Direito do Trabalho, Previdenciário e Processo do Trabalho – UNISC. Graduada em Direito – UNISC. E-mail: patriciareusch@gmail.com 15 Estado Constitucional, uma onda de reformas varreu o processo comum, particularmente o processo de execução, operando profundas mudanças no formalismo previsto para a entrega do bem da vida posto em juízo e tornando referência muitas de suas disposições. O movimento despertado com as Leis 10.352/2001, 10.358/2001 e 10.444/2002, chamadas de reforma da reforma por Cândido Rangel Dinamarco, bem como com a Lei 11.232/2005, que seguiu avançando com a Lei 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), expôs as impropriedades da tutela jurisdicional executiva trabalhista para o novo século, denotando que há muito restou esquecida pelo legislador. Aliás, diga-se de passagem que, se hoje o processo do trabalho ainda se mantém razoavelmente atualizado, muito se deve aos avanços oriundosdo processo civil, os quais, por compatibilidade e por falta de previsão expressa, foram absorvidos pelo ramo laboral. Nesse contexto, enquanto a execução provisória do processo do trabalho esbarra na penhora, conforme previsto no artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, reproduzindo a lógica encontrada no Código de Processo Civil de 1939 e na redação original do Código de Processo Civil de 1973, o renovado processo civil permite, em sede de execução provisória, a efetiva entrega do bem da vida pretendido, dispensando o oferecimento de garantias em determinadas oportunidades, mormente na hipótese de crédito de origem alimentar. Logo, o instituto da execução provisória, frente ao considerável distanciamento normativo existente no tratamento do tema entre os ramos cível e trabalhista, demanda maior atenção doutrinária, situação que justificativa a realização do presente estudo, o qual objetiva verificar se a técnica prevista para a execução provisória no processo civil pode também ser estendida ao ramo trabalhista, garantindo um acesso mais rápido do trabalhador ao seu crédito e dividindo entre as partes o ônus do tempo do recurso. Atento a essa proposta, primeiramente, será feito um breve panorama histórico do regime jurídico aplicável à execução provisória, com o intuito de analisar o tratamento dispensado ao tema, no âmbito cível e trabalhista, no passar do tempo e nos diferentes contextos institucionais. Passo seguinte, será determinado o conteúdo do instituto execução provisória e a sua relação com a profundidade da entrega da tutela jurisdicional. Ao final, serão analisadas as técnicas de integração normativa processual no contexto das teorias da lacuna e da constitucionalização do processo, o que, em conjunto com as 16 informações obtidas nos tópicos anteriores, será capaz de indicar uma direção de resposta ao problema de pesquisa. 1 PANORAMA HISTÓRICO DO REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À EXECUÇÃO PROVISÓRIA NO PROCESSO CIVIL E NO PROCESSO DO TRABALHO A possibilidade de efetivação do comando sentencial em momento anterior à formação da coisa julgada encontra, em terras brasileiras, o primeiro marco normativo nas Ordenações Filipinas, haja vista a importação, por força do processo de colonização, da legislação portuguesa, segundo posição relativamente pacífica na doutrina nacional, nesse sentido, e por todos, Bueno (1999, p. 87). Previam as Ordenações Filipinas, no Livro Terceiro, Título LXXXVI, item 3, que, sobrevinda sentença, independentemente do manejo de qualquer mecanismo processual pela parte executada, a execução prosseguia, inclusive com a perfectibilização dos devidos atos expropriatórios, possibilitado-se também o levantamento de valores mediante o oferecimento de garantia fidejussória. Cessado o regime colonial e proclamado o Império no Brasil, apesar da nova organização constitucional e administrativa de inspiração declaradamente norte-americana, o direito processual civil seguiu basicamente o mesmo, de derivação europeia e regulado pelo Livro Terceiro das Ordenações Filipinas, além de diversas leis extravagantes, conforme referem Picardi e Nunes (2011, p. 93). Apenas em 1876, é que se dá a reunião da sistemática de teses legislativas processuais, todas derivadas do direito nacional, romano e consuetudinário, sob a rubrica de Consolidação das Leis do Processo Civil, cuja organização, por incumbência do Governo Imperial, coube ao Conselheiro Antônio Joaquim Ribas. A chamada Consolidação Ribas preparou o ambiente para a execução provisória ao prever, no artigo 1198, que a sentença podia ser executada quando recebida a apelação somente no efeito devolutivo, sem estabelecer um procedimento diferenciado em relação à execução definitiva. Com o advento da República, houve a extensão do Decreto 737 de 1850, disciplinador do processo comercial, para as questões cíveis, passando a execução provisória a guardar previsão nos artigos 652 e 653 do referido diploma legal, os quais, a exemplo da Consolidação Ribas, limitavam-se a autorizar o procedimento, prevendo a concessão de 17 efeito suspensivo para os embargos apresentados na execução e para as apelações interpostas em ações ordinárias. A primeira Constituição Republicana, promulgada em 1891, instituiu a dualidade da Justiça – Federal e Estadual – e das regras procedimentais, cabendo à União e aos Estados- membros a competência para legislar sobre matéria processual. Diante desse contexto, foram editados inúmeros códigos processuais estaduais, alguns dos quais previam o instituto da execução provisória, como o da Bahia, o do Rio de Janeiro, o do Paraná, o do Distrito Federal e o de São Paulo, sendo exceção o codex gaúcho, o qual não admitia a existência de apelação sem efeito suspensivo (BUENO, 1999, p. 89- 91). Reestabelecida a unidade legislativa processual da União, já sob a égide da Constituição de 1937, entrou em vigor o Código de Processo Civil de 1939, encabeçado pelo jurista Francisco Campos, cujo artigo 882 dispunha que as sentenças seriam exequíveis quando transitadas em julgado ou quando recebido o recurso somente no efeito devolutivo, admitida nesta última hipótese a execução provisória. No mesmo diploma legal, o artigo 883 elencava os princípios observáveis nessa modalidade de efetivação do pronunciamento judicial, como a impossibilidade de realização de atos que importassem alienação de domínio e, sem a devida caução, levantamento de dinheiro. O Código de Processo Civil de 1973, fruto da técnica pregada pelo Mestre Enrico Tullio Liebman, cuja elaboração restou conduzida pelo seu discípulo Alfredo Buzaid, em sua redação original do artigo 588, simplesmente reproduziu a lógica do sistema anterior, vedando a efetivação de atos de alienação em sede de execução provisória. Nessa conjectura, a execução provisória servia “como espécie de aparelhamento da execução definitiva” (COSTA, 2009, p. 61), de matriz notadamente cautelar, voltada a assegurar o resultado útil da demanda por intermédio do adiantamento de atos executivos. A Lei nº 10.444/2002, derivada da força atribuída às correntes que pregam uma maior celeridade e efetividade no sistema processual, apresentou uma grande ruptura nos contornos do instituto aqui estudado, reformulando o então artigo 588 do Código de Processo Civil. Pela nova redação, a execução provisória passou a permitir, mediante caução, não só o levantamento de valores em espécie, mas também a realização de atos de alienação de domínio, dispensando-se, no caso de crédito alimentar, quando o exequente se encontrar em 18 estado de necessidade, o oferecimento de qualquer garantia, observado o limite de sessenta salários mínimos. A Lei 11.232/2005, por sua vez, manteve basicamente a estrutura do revogado artigo 588, que já havia sido alterado pela legislação de 2002, promovendo, no fundo, alterações na localização dos dispositivos – artigo 588 passou a ser o artigo 475-O – e redacionais pontuais, a exemplo do parágrafo primeiro do artigo 475-I, o qual, mudando o enfoque da parte final do revogado artigo 587, passou a conceituar execução provisória como aquela iniciada mediante a interposição de recurso não recebido no efeito suspensivo (a redação anterior falava de recurso recebido somente no efeito devolutivo). A Lei 13.105/2015, disciplinadora do Novo Código de Processo Civil, seguiu avançando na disciplina legal do instituto, chamado agora de cumprimento provisório de sentença, aumentando as hipóteses de dispensa de caução e retirando a limitação de sessenta salários mínimos. Pela legislação processual civil em vigor, conforme consta do artigo 521, não será exigida caução para levantamento de dinheiro ou para realização de atos de alienação de domínio quando o crédito for de natureza alimentar, quando o credor demonstrar estado de necessidade, quando pender agravo contra decisão de presidenteou vice-presidente de tribunal que inadmitir recurso extraordinário ou especial e quando a sentença estiver em consonância com Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos. Dessa forma, percebe-se que, na sistemática do processo civil, a execução provisória experimentou diferentes fases de desenvolvimento, passando por momentos nitidamente cautelares, por momentos de relativização (aceitando-se a satisfação do crédito mediante caução) e por momentos, como o atual, de realização de atos satisfativos sem a prestação de garantia. No ramo laboral, inexistem etapas históricas relativas ao tratamento da execução provisória, simplesmente porque o instituto permaneceu inalterado ao longo da história, independentemente do enfoque, seja doutrinário, acadêmico ou jurisprudencial (COSTA, 2009, p. 63). Com disposições datadas de maio de 1943, observando a lógica do Código de Processo Civil de 1939, no único dispositivo dedicado ao tema, com redação dada por lei de 1968, a Consolidação das Leis do Trabalho admite a execução provisória até a penhora, na linha do disposto no seu artigo 899. 19 2 EXECUÇÃO PROVISÓRIA E A PROFUNDIDADE DA ENTREGA DA TUTELA JURISDICIONAL Dada a previsão constitucional da inafastabilidade do controle judicial – artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, incumbe ao Estado o ônus de prestar uma tutela jurisdicional adequada e efetiva (ALVARO DE OLIVEIRA; MITIDIERO, 2010, p. 28-31), isto é, que, além de observar as especificidades do direito material posto em juízo, propicie, por intermédio de medidas processuais pertinentes, a materialização da tutela do direito. Nessa linha, Marinoni (2011, p. 292-293) adverte que o direito de ação não pode ser pensado simplesmente como direito a uma sentença de mérito, concluindo que o direito à tutela jurisdicional efetiva deve ser compreendido “como o direito à preordenação das técnicas processuais necessárias e idôneas à concreta realização da tutela do direito, englobando, entre outros, os provimentos e os meios de execução adequados”. Assim, tratando-se de título com eficácia condenatória, executiva ou mandamental, a efetividade da tutela jurisdicional depende da modificação do mundo físico, através do desencadeamento de atos que visem a satisfação da obrigação constante no documento caracterizado como capaz de demandar a atuação estatal. Essa modificação do mundo físico, na hipótese de título judicial, pode ocorrer em etapa anterior ou posterior ao trânsito em julgado da sentença de mérito, já que imutabilidade e executoriedade são fenômenos que não se confundem, pois, ao passo que a imutabilidade impede a rediscussão das questões suscitadas no processo, a executoriedade diz respeito à produção imediata dos efeitos práticos que emanam da sentença. Consequentemente, “não é o trânsito em julgado que produz os efeitos da sentença e, portanto, forma o título executivo. Eles preexistem a tal momento, conforme provou Liebman, exceção feita à certeza (efeito da declaração)” (ASSIS, 2010, p. 110). Aliás, influenciado por essa forma de pensar, o artigo 475-I, §1º, do Código de Processo Civil de 1973, acrescido pela Lei 11.232/2005, dispunha que a execução pautada em sentença transitada em julgado é definitiva, já aquela baseada em sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo, provisória. Na concepção tradicional, as duas espécies de execução apresentavam diferenças na profundidade da entrega da tutela jurisdicional, dado que, enquanto a execução provisória não permitia a efetiva concretização do direito material, a execução definitiva autorizava a satisfação integral do direito (MARINONI, 2011, p. 205). 20 Contudo, essa tese resta superada pela constatação de que a provisoriedade não é atributo da execução, mas sim do título sob o qual esta se funda, uma vez que os seus atos são processados da mesma forma que os da execução definitiva (artigo 520 do Código de Processo Civil de 2015). Dentro dessa proposta, Assis (2010, p. 364) aduz que, embora de uso corrente, a palavra provisório não representa adequadamente o fenômeno, visto que provisório é o título, não a execução, a qual se processa da mesma forma que a definitiva, dividindo o ônus do tempo do recurso e desestimulando a interposição de recursos com o propósito de protelar o andamento do feito. “Se é o título que é provisório, pode existir, em tese, execução completa e incompleta fundada em título provisório” (MARINONI, 2011, p. 205), bastando, para evidenciar o equívoco da doutrina anterior, que a execução provisória de despejo (Lei 8.245/91) sempre foi uma execução completa. Ao cabo, provisoriedade só pode expressar não definitividade, ou seja, inexistência de coisa julgada no processo. Execução provisória (rectius, execução pautada em título provisório), portanto, é a atividade judicial pautada em cognição exauriente, alcançada por intermédio de decisão atacada mediante recurso recebido sem efeito suspensivo, que objetiva a satisfação – completa ou incompleta – do direito do credor antes do trânsito em julgado da decisão recorrida. 3 O RECURSO ÀS TÉCNICAS DE INTEGRAÇÃO NORMATIVA PROCESSUAL NO CONTEXTO DAS TEORIAS DA LACUNA E DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 769, refere que, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, desde que compatível com o regramento celetista. Pela visão clássica, o critério da omissão exerce a função instrumental de proteção contra a inserção do formalismo imperante no processo comum, espelhado pela tese de que o regramento procedimental específico atenderia de melhor maneira às necessidades do direito laboral, conforme aduz Barbosa (2010, p. 20). Não obstante, ao passo que o processo do trabalho seguiu estagnado, acumulando a poeira da história, o processo civil passou por sucessivas modificações legislativas ao longo 21 do tempo, culminando na Lei 13.105/2015, o que dotou o sistema civilista de ferramentas capazes de entregar uma tutela jurisdicional cada vez mais efetiva. Assim, hoje, em uma completa inversão da lógica anterior, é o sistema processual civil, estruturado a partir de um prisma constitucional de jurisdição, que influencia o trabalhista. Paradoxalmente, a regra do artigo 769, a qual possibilitava a atualização indireta do sistema processual trabalhista, é hoje “a responsável por seu estrangulamento” (BARBOSA, 2010, p. 20). Faz-se desnecessário, porém, para colher os frutos das acertadas reformas do processo civil, aguardar a demorada via legislativa, uma vez que, pela eficácia resultante das normas constitucionais, dada a força normativa da Constituição, o processo do trabalho não deve ser visto de maneira isolada e autônoma, mas sim na perspectiva do modelo constitucional do processo, segundo nos ensinam Alvaro de Oliveira e Mitidiero (2010, p.16). No contexto de um Estado Constitucional, a resposta oferecida pelo ordenamento jurídico e a postura do intérprete devem obrigatoriamente observar os vetores principiológicos constitucionais, como é o caso do devido processo legal, cujo conteúdo expressa a necessidade de utilização de mecanismos aptos a entregar uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Além do mais, o princípio da proteção, na dimensão da norma mais favorável, impõe ao julgador, na hipótese de existência de variadas normas e interpretações para regulação da situação afirmada em juízo, o dever de aplicar a solução mais vantajosa ao trabalhador. Dessa forma, estando a tecnologia processual a serviço da concretização de direitos fundamentais, o critério da omissão não pode ser encarado simplesmente como vácuo normativo, devendo guardar um significadomais elevado, qual seja, ausência de efetividade do dispositivo celetista originário frente ao regramento processual comum. Bobbio (1995, p.144), em seus estudos acerca da completude do ordenamento jurídico, revela o efeito da passagem do tempo sobre as previsões legais, ao estruturar o conceito de lacunas objetivas, as quais se originam do desenvolvimento das relações sociais, das novas invenções e de todas as causas que provocam um envelhecimento do texto legislativo. É comum também encontrar a classificação de lacunas em primárias e secundárias, oriunda da doutrina alemã. No primeiro caso, as lacunas existem desde a gênese do ordenamento, no segundo, as lacunas aparecem posteriormente e em razão de modificações nas situações de fato ou no sistema de valores da ordem jurídica. 22 Diniz (2000, p. 95), “ante a consideração dinâmica do direito e a concepção multifária do sistema jurídico, que abrange um subsistema de normas, de fatos e de valores”, classifica as lacunas em três espécies, são elas: normativa, quando inexiste lei a regular a situação de fato; ontológica, quando o desenvolvimento das relações sociais e o progresso técnico acarretarem a superação da norma positiva; e axiológica, quando existe o preceito jurídico, mas, se for aplicado, resulta-se uma solução injusta ou insatisfatória. Tais contribuições teóricas comprovam que não se poder reduzir o alcance da expressão omissão apenas ao nível das lacunas normativas, visto que “algumas ferramentas e institutos podem não mais demonstrar vigor e isomorfia com as demais dimensões da expressão fenomenológica do Direito”, pelo que perdem sua legitimidade jurídica e demandam, consequentemente, o preenchimento de uma lacuna, conforme aduz Chaves (2007, p. 415-416). Nesse sentido, Leite (2010, p. 99-100) argumenta que a heterointegração entre o sistema processual civil e o trabalhista pressupõe a interpretação evolutiva do artigo 769 do texto consolidado, de modo a possibilitar a aplicação subsidiária do processo civil não somente na hipótese de lacuna normativa, mas também quando a norma trabalhista apresentar manifesto envelhecimento que impeça ou dificulte a prestação jurisdicional justa e efetiva. Logo, no atual panorama da ciência processual, onde o processo passa a ser meio de concretização de direitos fundamentais, bem como diante das modernas teorias da lacuna, é defeso ao intérprete trabalhista reduzir o critério da omissão ao seu viés clássico, mediante um exercício hermenêutico divorciado dos princípios constitucionais, inviabilizando – pelo fato de a Consolidação das Leis do Trabalho possuir expressa previsão – o recurso às técnicas de integração normativa e a utilização de mecanismos originários de outros ramos processuais. Como ensina Schiavi (2014, p. 153-156), a preservação da autonomia do processo trabalho não pode servir de empecilho para o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho e ao célere recebimento do seu crédito alimentar. Não se pretende, contudo, com as ponderações aqui lançadas, franquear o ingresso desenfreado de normatizações processuais alienígenas na seara laboral, mas sim reafirmar o ideário de que são as formas processuais que estão a serviço da realização do direito material, não o contrário. 23 Para a devida utilização, as previsões oriundas de outros ramos jurídicos deverão guardar harmonia com os fins do processo do trabalho e representar, ao mesmo tempo, um incremento na direção do dever de entregar uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. 4 EXECUÇÃO PROVISÓRIA TRABALHISTA E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL A Consolidação das Leis do Trabalho, no único dispositivo dedicado ao tema da execução provisória, em perfeita identidade com os contornos cautelares do instituto vigente na ordem processual civil contemporânea a sua edição, autoriza a execução provisória até a penhora, na esteira do que consta do título 2 deste estudo. Entretanto, como já destacado, ao passo que o instituto na esfera trabalhista seguiu estagnado, a disciplina da execução provisória – no processo civil – avançou a ponto de permitir, mesmo sem a prestação de garantia, a perfectibilização de atos de alienação de domínio e a entrega de valores. Sem dúvida, o sistema adotado pelo Código de Processo Civil se mostra mais adequado aos princípios do processo do trabalho do que a própria previsão celetista originária, uma vez que divide entre as partes o ônus do tempo do recurso e, em juízo prévio de ponderação, destaca situações onde a dignidade humana do exequente prevalecerá sobre o interesse meramente econômico do executado, como é o caso da possibilidade de dispensa de caucionamento para levantamento de verbas de origem alimentar. Inclusive, chega a ser surpreendente que a execução provisória, nos moldes em que disciplinada no processo civil, não tenha sido concebida e gestada no âmbito trabalhista (DA SILVA, 2007, p. 81), caracterizando uma verdadeira incongruência do sistema o fato de o credor alimentar sujeito à jurisdição civil ter a possibilidade de obter a entrega do bem da vida em momento anterior ao credor alimentar sujeito à jurisdição trabalhista. Ciente de tais colocações, é imperioso reconhecer, baseado nas modernas teorias da lacuna e nos ditames principiológicos do Estado Constitucional, especialmente a exigência de prestação de uma tutela jurisdicional efetiva, que a previsão da parte final do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, pela evolução da técnica processual, tornou-se um empecilho para a materialização dos objetivos próprios do processo do trabalho. 24 Assim, a perda superveniente de efetividade da previsão originária celetista, quando comparada ao mecanismo utilizado no processo comum, importa omissão capaz de autorizar o recurso à técnica da subsidiariedade encapsulada no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, com a consequente importação da execução provisória civilista. Nesse sentido, é o enunciado número 22 da 1ª Jornada Nacional sobre Execução na Justiça do Trabalho, editado sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, cuja redação considera omisso o texto trabalhista consolidado no tocante à possibilidade de liberação de créditos ao exequente em fase de execução provisória, entendendo plenamente aplicável o regramento processual civil, “o qual torna aquela mais eficaz, atingindo a finalidade do processo social, diminuindo os efeitos negativos da interposição de recursos meramente protelatórios pela parte contrária, satisfazendo o crédito alimentar”. Ainda, o enunciado número 69 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho na Justiça do Trabalho, também editada sob a égide do revogado diploma processual civil, dispõe que “a expressão “... até a penhora...” constante da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 899, é meramente referencial e não limita a execução provisória no âmbito do direito processual do trabalho, sendo plenamente aplicável o disposto no Código de Processo Civil”. Aliás, o tema é de tamanha relevância para o reencontro da execução trabalhista com os seus ideais que está sub judice no Tribunal Superior do Trabalho, o que obstou, de momento, qualquer manifestação da Corte, quando da edição da Instrução Normativa nº 39, sobre a incidência no Processo do Trabalho das normas dos artigos 520 a 522 e § 1º do artigo 523 do Novo Código de Processo Civil. Dentro desse contexto, a execução provisória civilista, pelo notório desenvolvimento de sua técnica, constitui, quando comparada ao mecanismo do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho, instrumento mais efetivo de tutela jurisdicional, amoldando-se perfeitamente aos fins do processo laboral, pelo que merece integrar o seu quadro normativo. 25 CONCLUSÃO A doutrina processual clássica, partindo de uma divisão matemática entreas fases de conhecimento e de execução, tratou de visualizar na execução provisória um mecanismo de aparelhamento para a futura e verdadeira execução, dotando-a de finalidade meramente cautelar. Não gera surpresa, assim, o fato de a Consolidação das Leis do Trabalho ter limitado o desenvolvimento da execução provisória à etapa de garantia do juízo, entendimento também materializado nos dispositivos processuais civis anteriores à vigência da Lei nº 10.444/2002. Contudo, a executoriedade, entendida como a capacidade de produção imediata dos efeitos decorrentes da sentença, não se confunde com a imutabilidade derivada da coisa julgada, pelo que a efetivação da decisão, com ou sem a entrega da totalidade do direito material, pode se dar em momento anterior ou posterior ao seu trânsito em julgado. Com base nessa premissa, o que diferencia a execução provisória da definitiva não é a profundidade na entrega da tutela jurisdicional, mas o título sobre o qual se fundam. Naquela o título é provisório (é uma característica dele, não da execução), nesta o título é definitivo. O sistema processual civil, através das seguidas reformas pelas quais passou, absorveu com profunda intensidade esses argumentos, a ponto de permitir a total entrega do direito material deduzido em juízo em sede de execução provisória, inclusive com dispensa do oferecimento de garantias. O processo do trabalho, por seu turno, denotando que restou há muito esquecido pelo legislador, segue reproduzindo a lógica disposta no Código de Processo Civil de 1939 e na redação original do Código de Processo Civil de 1973, inviabilizando a realização de atos satisfativos em sede de execução provisória. Desnecessário, contudo, para colheita dos frutos oriundos das acertadas reformas promovidas no sistema processual civil, aguardar a demorada via legislativa, haja vista que a leitura das técnicas de integração normativa, no contexto das teorias da lacuna e da constitucionalização do processo, indica que o critério da omissão deve ser entendido também como perda de efetividade do dispositivo originário diante das novas técnicas jurídicas. Dessa forma, é plenamente viável entender que o texto consolidado, no que diz respeito à execução provisória, é omisso, situação que autoriza, por via da consequência, 26 importar o moderno instituto previsto no artigo 520 do Código de Processo Civil, dada a sua total compatibilidade com os princípios e regras do processo do trabalho. Aliás, os princípios constitucionais que pregam uma maior efetividade e celeridade da prestação jurisdicional, bem como o princípio da proteção oriundo do direito do trabalho, exigem que o aplicador do direito construa o seu raciocínio no sentido aqui proposto. Sendo, então, a novel execução provisória civil aplicável ao processo do trabalho, inexistem óbices ao cabimento da execução provisória trabalhista satisfativa, independentemente da espécie de obrigação contida no título, e ao recebimento do crédito do reclamante em etapa anterior ao trânsito em julgado da decisão de mérito, devendo o julgador, diante do caso concreto, verificar se a hipótese demanda ou não a dispensa da caução. Elimina-se, com isso, uma insuportável contradição do sistema, pois, até então, apenas o credor alimentício sujeito ao procedimento civilista é que podia pleitear a satisfação do que lhe era devido enquanto pendente o julgamento de recurso desprovido de efeito suspensivo. Com a elevação do direito à razoável duração do processo ao plano dos direitos fundamentais, a tese aqui disposta se impõe, não podendo o ônus do tempo do recurso ser suportado apenas pelo recorrido, o qual já tem a seu favor uma decisão fundada em cognição exauriente e prolatada por julgador competente. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Cândido Mendes de. Ordenações Filipinas. 14ª edição. Rio de Janeiro: Typ. do Instituto Philomathico, 1870. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242 733>. Acesso em: 18.02.2019. ALVARO DE OLIVEIRA, C. A.; MITIDIERO, D. Curso de Processo Civil. Vol. I. Atlas: São Paulo, 2010. ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 13ª edição. São Paulo: RT, 2010. BARBOSA, Andrea Carla. A Nova Execução Trabalhista de Sentença. São Paulo: LTr, 2010. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 24.02.1891. 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Foi realizada uma análise da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 309/2013, originalmente formulada pelo Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR, a conceituação do Segurado Especial e, por fim, um estudo comparativo da categoria já existente e da proposta de incorporação da nova categoria “catadores de materiais”, usando como hipóteses científicas as características normativas dessa categoria de contribuinte. Objetivou-se, portanto, demonstrar a importância do trabalho dos catadores de materiais recicláveis, compreendendo tal atividade como geradora de fonte de renda imediata para milhares de trabalhadores e suas famílias e, também, como produtora de serviços ambientais urbanos. Palavras-chave: Segurado Especial, Seguridade Social, Previdência Social, Catadores de Materiais Recicláveis, PEC 309/2013. INTRODUÇÃO O presente trabalho objetiva analisar a categoria previdenciária “Segurado Especial”, verificando a possibilidade da inclusão do catador de material reciclável neste rol restrito de segurado, dentro de um contexto de regressão de direitos com as consolidadas e vindouras contra-Reformas da Previdência. A partir disto, eis que surgem algumas questões a serem enfrentadas e respondidas ao longo deste artigo: a) o trabalho de catação de materiais recicláveis é fruto da transformação do mundo do trabalho e consequente flexibilização deste?; e b) é possível que trabalhadores com condições de trabalho tão precarizadas conquistem direitos sob mediação do Estado no âmbito de Políticas Públicas de Trabalho e da Previdência Social? 3 Especialista em Advocacia Trabalhista e Previdenciária pela UNISC/ENA. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Integrante do Grupo de Pesquisa “Trabalho & Capital” vinculado à UFRGS/USP/CNPQ/FEMARGS. Advogado. E-mail: rafaelmadeira.adv@gmail.com. 4 Doutoranda em Direito pela PUCPR. Mestre em Direito pela UNISC. Especialista em Direito Público - Centro Universitário Leonardo da Vinci. Graduada em Direito - Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Advogada. E-mail: cjuruena@gmail.com mailto:cjuruena@gmail.com 30 Optou-se pelo método crítico-dialético para a presente investigação com a finalidade de distinguir meros fatos do cotidiano de trabalho com o que essencialmente potencializa esse trabalho, além de identificar a multiplicidade de causas determinantes para a valorização da catação de materiais recicláveis e o avanço para a proteção social dos sujeitos envolvidos. Ademais, realizou-se uma revisão bibliográfica multidisciplinar de obras dos campos das Ciências Jurídicas, das Ciências Sociais, do Serviço Social e da Educação, dentre outras. 1 O MUNDO DO TRABALHO DOS CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS O trabalho do catador de material reciclável é um fenômeno histórico próprio de sociedades industriais, com a produção de bens materiais descartados ainda no processo produtivo ou após a comercialização e consumo. O fenômeno social ganha maior visibilidade com os grandes contingentes de trabalhadores não incorporados as formas de trabalho urbanas, após o êxodo rural, ou em consequência da modificação da matriz produtiva, mais flexível e com a incorporação de alta tecnologia. O sociólogo Jessé de Souza, em sua obra “A Ralé Brasileira”, que analisa a profunda desigualdade social brasileira, nos possibilita a extração da narrativa na vida de um ex- operário e, hoje, catador: “José, apesar de muito dedicado ao trabalho, não consegue mais do que alguns bicos aqui e ali, o que garante a comida de alguns dias, mas não de todos. Principalmente para seus filhos, que estão crescendo. José, então, engole a sua vergonha e enfrenta a opção que lhe resta: catar lixo reciclável.” (2009, p. 262). A catação de materiais recicláveis sempre esteve presente na sociedade urbana, mas dificilmente é reconhecida socialmente como uma ocupação profissional, gerando ocultação da sua importância para determinados segmentos. O preconceito e desvalor direcionado aos trabalhadores que a exercem, revelam mais do que o incômodo do lixo remexido, do carrinho e da carroça com sacos de lixo, dão vazão ao racismo de classe (SOUZA, 2009, p. 263). A precariedade das relações de trabalho e a diminuição considerável do papel do Estado como regulador das relações econômicas é característica basilar da cartilha neoliberal imposta. A geração de maiores lucros passa pela intensificação da produtividade e a utilização de um grande contingente de trabalhadores informais, “decorre que os postos de trabalho não podem ser fixos, que os trabalhadores não podem ter contratos de trabalho, e que as regras do Welfare tornaram-se obstáculos à realização do valor e do lucro, pois 31 persistem em fazer dos salários – e dos salários indiretos – um adiantamento do capital e um ‘custo’ do capital.” (Oliveira, 2011, p. 137). Essa realidade é própria do universo dos catadores em que a sua relação com a indústria da reciclagem baseia-se em entrega de grandes quantidades de resíduos em troca de valores impostos pelo mercado de preços das matérias-primas. Ou seja, a comercialização do produto do trabalho dos catadores, em regra, não leva em conta o trabalho despendido, sendo apropriado e valorizado apenas pela indústria de transformação desse material em novos bens de consumo. Devemos reconhecer que a reconfiguração do mercado de trabalho no Brasil, classificada como “reestruturação produtiva”, tem sua intensificação na década de 1990, onde as exigências de uma nova forma de produção aliam-se a uma nova concepção e função a ser desempenhada pelo Estado, significando perda para a coletividade da classe trabalhadora e regressão em seus direitos até então conquistados (SILVA, 2011, p. 200). Silva (2011) aponta como aspectos gerais da economia e da organização do trabalho no início do século XXI: o desemprego maciço e prolongado e o trabalho precarizado; a expansão da informalidade e as estratégias para enfrentá-la; a grande rotatividade no emprego e a predominância das contratações com rendimentos mensais até o limite de dois salários mínimos; o ingresso precoce dos pobres, e tardio das classes médias ao mercado de trabalho; e, o agravamento da questão social e a financeirização do capital. Em 2013, estimava-se o número expressivo de mais de 387 mil catadores de materiais recicláveis no país, com uma média salarial de 1 (um) salário mínimo, tendo um corte de raça em 66% considerados negros, além disso, a idade média dos catadores é de 39,4 anos. Os dados expressos pela pesquisa do IPEA indicam que em tese mais de 1 milhão de pessoas beneficiam-se da reciclagem por morarem no mesmo domicílio de umcatador, sendo que menos de 40% dessa força de trabalho possui registro formal de trabalho. Esse contexto reflete na baixa remuneração média dos catadores, em torno de R$ 570,00, e apenas 15,4% possuem contribuição previdenciária, chegando ao percentual mais positivo na região sul, com 25,9% e o baixíssimo resultado de 6,2% na região nordeste (IPEA, 2013, p. 44-45). A ressignificação dos resíduos e sua reintrodução na cadeia produtiva tem se mostrado significativo, em especial, quando se trata da catação informal, sendo baixa a participação da reciclagem por meios oficiais. Os dados coletados em estudo demonstram uma estimativa reveladora sobre a importância desses trabalhadores informais, sendo que, do total de resíduos reciclados no país por ano, entre eles, metais, plástico, papel/papelão, vidro, a coleta 32 seletiva formal é diretamente responsável por apenas, 0,7%, 17,7%, 7,5% e 10,4%, respectivamente (GODECKE, 2014, p. 02). A partir dos dados apresentados chega-se ao seguinte universo sobre os catadores de materiais recicláveis: “em sua grande maioria, migraram do campo para cidade em busca de novas oportunidades, e, estando excluídos do mercado formal de emprego no contexto urbano, encontraram condições de geração de renda por meio de coleta, triagem e venda de materiais passíveis de serem reciclados, principalmente papel, plástico, alumínio e ferro.” (ALVES, 2016, p. 52). Frisa-se que o trabalho desenvolvido pelos catadores é caracterizado por uma contradição central, de um lado, trabalhadores em condições precaríssimas de trabalho, em condições extremamente perigosas e insalubres sob risco de acidentes e adoecimentos, de outro, empresas reconhecidas como socialmente recuperadoras do ambiente pela utilização de materiais descartados e sobrantes que servem de matéria-prima para novos produtos comercializáveis (IPEA, 2016, p. 170). O acompanhamento da “experiência de organização de processos socioprodutivos com catadores de materiais recicláveis” possibilitou verificar a alienação do catador no processo produtivo, seja como fornecedor e agregador de valor de determinadas matérias primas, seja quanto a um sujeito necessário, mas propositalmente invisível para a indústria, ou seja, “as empresas o desconhecem como partícipe do seu processo de trabalho, embora o integre ao processo geral de produção dos reciclados.” (MOTA, 2002, p. 10 apud BORTOLI, 2009, p. 111). 2 A SEGURIDADE SOCIAL E O SEGURADO ESPECIAL A partir dessa estrutura econômica, é possível iniciarmos a análise sobre a superestrutura, mais especificamente sobre as formas jurídicas alçadas como interesse geral pelo sistema jurídico brasileiro, mas que representam resposta à organização dos trabalhadores frente à vulnerabilidade das relações de trabalho e meio de preservação do modelo de desenvolvimento. O Sistema de Seguridade Social brasileiro, inspirado na Convenção nº 102/1952 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, fundado a partir da Constituição Federal de 1988, nas palavras de Santoro (2015, p. 11), “assegura de forma organizada, a proteção do indivíduo contra os chamados riscos sociais ou riscos de existência”. Atualmente, apesar das descaracterizações legais que vem sofrendo, limitações de recursos disponíveis para 33 assegurar os Direitos Sociais e toda a concepção ideológica de redução de benefícios e auxílios ao mínimo existencial, ainda assim, é um avançado sistema. Este é composto por três políticas sociais: a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde (SILVA, 2011, p. 98). Esse sistema é caracterizado por um subsistema de Previdência Social que presta benefícios e auxílios mediante contribuição; às famílias em risco social ou existencial não contribuintes são assistidas pelo subsistema de Assistência Social, de forma gratuita; e o subsistema do Sistema Único de Saúde promove atendimento universal e gratuito. Por fim, o subsistema de acolhida do desempregado é feita através do seguro-desemprego sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego (IPEA, 2007, p. 28). Nestes termos, evidencia-se que ocorreu uma combinação de paradigmas, quais sejam, “universalista (saúde e previdência rural), contributivo (previdência urbana e seguro- desemprego) e seletivo (Assistência Social)” (IPEA, 2009, p. 23). Verifica-se que a Seguridade Social no Brasil é de caráter híbrido, ou seja, o país manteve a formação original, própria dos regimes de seguro social, preservando benefícios e auxílios já existentes em função das contribuições dos trabalhadores assalariados. E agregou a perspectiva da proteção social para segmentos sociais não assalariados e sem necessariamente estarem vinculados ao mundo do trabalho. Essa ampliação foi possível pelo contexto de redemocratização da sociedade brasileira e o nível de organização dos movimentos sociais e forças progressistas que equilibraram forças com setores que privilegiam e militam pela redução da proteção social através do Estado (SILVA, 2011, p. 94). Portanto, a qualidade de segurado não mais privilegia como capaz de participar da Previdência Social apenas o trabalhador assalariado. Para assegurar a qualidade de segurado basta à capacidade contributiva. Disto decorre a importante definição da natureza jurídica da relação previdenciária compreendida como uma relação contratual, seja com a filiação automática quando no exercício de atividade remunerada, seja como contribuinte facultativo, que volitivamente realiza sua inscrição e contribuição. Sendo que essa relação contratual é permeada da ocorrência de um “ato jurídico stricto sensu, em que a vontade consciente é elemento essencial para a sua constituição, embora o resultado esteja previamente estabelecido na lei e seja inalterável pela vontade dos interessados” (DUARTE, 2005, p. 08). Assim, tanto a Lei de Custeio em seus princípios norteadores é fundada na capacidade contributiva, como a própria Lei dos Benefícios, em seu art. 1º, inscreve que “A Previdência 34 Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.” (BRASIL, 1991). As Leis nº 8.212/1991 e nº 8.231/1991, nos artigos 11 e 9º, respectivamente, apresentam o rol de segurados obrigatórios, entre eles, o Segurado Especial. Este possui uma conceituação específica na Constituição Federal, conforme art. 195, §8º, “O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes” (BRASIL, 1988). Sendo que a contribuição para esse segurado se realiza mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção. A partir do texto constitucional percebe-se uma preocupação com o trabalhador ou grupos, inclusive constituídos pelos seus núcleos familiares, que laboram por conta e risco e em regime de economia familiar, tendo como principal objetivo a subsistência, sendo economicamente pequena a produção de excedente. Tais atividades ainda que propiciem renda para os trabalhadores e suas famílias têm como característica a instabilidade, impedindo uma constância nominal no valor do fruto do trabalho (ALVES, 2017, p. 03) Uma importante alteração da LBPS pela Lei nº 11.718/2008, com relação ao Segurado Especial, diz respeito ao emprego de pessoas estranhas ao grupo familiar, mudança possível por não haver vedação constitucional quanto ao auxílio eventual, apenas para contratações permanentes (ALVES, 2017, p. 04). Ainda existem outras modificações ocorridas, que não descaracterizam a condição de Segurado Especial, permitindo que diversifique sua atividade laboral a fim de incrementarsua renda e até mesmo aumentar sua contribuição previdenciária. Um dos elementos caracterizadores da categoria tratada é a existência de atividade voltada para a subsistência da família, sendo vedada a proteção legal para aqueles que auferem renda de outras fontes, sejam elas atividades rurais, mas voltadas para o comércio e lucro. Existem exceções que com fim de incrementar a renda desse segurado, que fica suscetível as alterações climáticas e períodos de safra. A contribuição do Segurado Especial, para o custeio da cobertura previdenciária está vinculada ao produto da comercialização do excedente da sua produção, não sendo exigida a contribuição mensal típica dos demais segurados da Previdência Social. Ademais, válido frisar, que na qualidade de trabalhadores rurais, não se exige a contribuição para a concessão 35 de benefícios, devendo, no entanto, comprovar o exercício da atividade rural, não precisando ser contínuo, obrigado a cumprir o tempo de carência, que se inicia com a comprovação referida (ALVES, 2017, p. 05 e NASCIMENTO, 2017, p. 03). Conforme informações da Previdência Social, a contribuição corresponde ao percentual de 2,3% incidente sobre o valor bruto da comercialização de sua produção rural. Este percentual é composto da seguinte maneira: 2,0% para a Seguridade Social, 0,1% para financiamento dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho (SAT), e 0,2% para o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Sempre que o segurado especial vender sua produção rural à adquirente pessoa jurídica, consumidora ou consignatária, estas ficarão sub-rogadas na obrigação de descontar do produtor e efetuar o respectivo recolhimento ao INSS. De acordo com o art. 39 da LBPS, o Segurado Especial tem direito ao benefício aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão, de pensão por morte e de salário-maternidade, todos no valor de apenas 01 (um) salário mínimo, caso não contribuam facultativamente. 3 A PROPOSTA DE SEGURADO ESPECIAL PARA CATADORES A proposta de tornar o catador em Segurado Especial foi concebida no seio do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR, numa perspectiva de possibilitar o acesso desses trabalhadores à Previdência Social através de regras mais simplificadas e modo de contribuição e valores adequados às instabilidades na geração de renda mediante a comercialização do produto coletado. Em que pese não ser uma iniciativa original, pois visa a inclusão de uma categoria profissional dentro de regras já existentes (SILVA, 2013, pág. 306), evidentemente, é uma proposta que resgata os princípios constitucionais próprios da Seguridade Social, como universalização, equidade na forma de participação no custeio e seletividade e distributividade. Nesse sentido, o projeto é adequado a realidade da posição do catador no mercado de trabalho, “que se encontram na informalidade e/ou atuam no trabalho cooperado ou associado, com limitada capacidade contributiva” (SILVA, 2013, p. 307). A proposta foi, inicialmente, apresentada ao governo federal em dois momentos: em 2006, na grande marcha à Brasília que reuniu 1.200 catadores e, em 2008, no Festival Lixo e Cidadania em Belo Horizonte, não tendo avançado pela falta de iniciativa do Poder 36 Executivo Federal (SILVA, 2013, p. 208). Em 2012, por iniciativa do Senador Rodrigo Rollemberg (PSB/DF) foi apresentado um Projeto de Lei - PL que acrescentava ao art. 12, inciso VII, da Lei nº 8.212/1991, ao art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/ 1991 e ao art. 9º, inciso VII, do Decreto nº 3. 048/1999, uma nova alínea incluindo o catador de material reciclável, sendo aprovado sem nenhuma emenda e encaminhado para a Câmara dos Deputados, onde recebeu a nomenclatura de PL nº 3.997/2012. Na Câmara dos Deputados, o Projeto relatado pela Deputada Érika Kokay (PT/DF), teve uma pequena alteração na redação da alínea “c” a ser acrescida ao art. 12 da Lei de Custeio, a fim especificar que a qualidade de Segurado Especial seria oferecida ao catador com atuação em qualquer uma das etapas da reciclagem – catação, triagem ou processamento dos materiais – sendo essa atividade sua profissão habitual ou principal fonte de renda. Por fim, em setembro de 2013, o Deputado Federal Padre João (PT/MG) propôs uma emenda constitucional para alterar o § 8º do art. 195 da Constituição Federal, para dispor sobre a contribuição para a seguridade social do catador de material reciclável que exerça suas atividades em regime de economia familiar. Essa proposição foi denominada PEC nº 309/2013 e, após um pouco mais de um ano de tramitação, aguarda desde 10 de dezembro de 2014, sua apreciação em Plenário. Tendo em vista que a Deputada Érika Kokay (PT/DF) é uma das proponentes da PEC nº 309/2013, acredita-se que o PL nº 3.997/2012 possa estar aguardando a tramitação e aprovação da proposta de emenda à constituição. Assim, as alterações nas leis federais da Previdência Social seriam obrigatórias em virtude da nova redação das regras constitucionais, impedindo qualquer alegação de inconstitucionalidade em plenário. 4 ANÁLISE DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO – PEC 309/2013 Basicamente a PEC nº 309/2013 destacam em suas justificativas três condições da realidade laboral dos catadores de materiais recicláveis que permitem a equiparação com os Segurados Especiais. A primeira delas faz referência a um tipo específico de trabalho que gera um desgaste físico intenso, que é o “trabalho braçal, exercido sob condições climáticas adversas, enfrentando forte sol ou chuva” (JOÃO, 2013). A segunda é que o trabalho desenvolvido pelo catador, em qualquer um de suas etapas, enquanto trabalho individual ou em grupo, o objetivo final é agrupar a maior quantidade com a melhor qualidade de um material específico para a sua comercialização. Por fim, a terceira condição é a importância 37 socioambiental do catador, na perspectiva da “lógica reversa” devolvendo para a indústria original, os resíduos sólidos por ela produzidos, antes denominados lixos, e agora matéria- prima para novos bens materiais. Os projetos ainda registram que os catadores são trabalhadores de baixa renda com irregularidade de rendimentos, sendo que tamanhas adversidades na busca da subsistência e tamanho desgaste físico e emocional, exigiriam a redução em cinco anos para a concessão da aposentadoria por idade, igual aos produtores rurais. Desta forma, o texto do §8º, do art. 195 da Constituição Federal, seria alterado para “o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o catador de material reciclável, (...)” (BRASIL, 1988). Já o texto do inciso II, do §7º do art. 201 da Constituição Federal, teria a seguinte redação, “sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro, o pescador artesanal e o catador de material reciclável”. A aprovação da PEC 309/2013 produziria modificações infraconstitucionais, que poderia ser operada pelo PL nº 3.997/2012, orientado pela aplicação do princípio constitucional da equidade na participação do custeio, assegurando como meio de contribuição, uma alíquota diferenciada de 2,3% sobre o resultado da comercialização mensal do material recolhido e beneficiado (KOKAY, 2012). Assim, a fim de coadunar com a alteração promovida pela PEC nº 309/2009, seria alterada a alínea “c” do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212/1991 (Custeio): “c) catador de material reciclável que faça da catação, triagem ou processamento dos materiais recicláveis sua profissão habitual ou principal fonte de renda”. E, alterando também
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