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E-book_Direito Urbanístico e Planejamento Urbano

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Coordenadoras 
 Elaine Adelina Pagani 
Rosângela Maria Herzer dos Santos 
Fernanda Osório 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: 
Balanço e perspectivas – Volume VI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre, 2021 
 
 
 
 
Copyright © 2021 by Ordem dos Advogados do Brasil 
Todos os direitos reservados 
 
Coordenadoras 
 Elaine Adelina Pagani 
Rosângela Maria Herzer dos Santos 
Fernanda Osório 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos 
assinados, são de responsabilidade dos seus autores. 
 
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Sul 
Rua Washington Luiz, 1110 –Centro Histórico 
CEP 90010-460 - Porto Alegre/RS 
 
 
D635 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do 
Estatuto da Cidade: Balanço e perspectivas. / Elaine Adelina 
Pagani, Rosângela Maria Herzer dos Santos, Fernanda Osório. 
(Coordenadoras). Porto Alegre: OABRS. 2021. p. 187. V.6. 
ISBN: 978-65-88371-16-9 
1. Direito Urbano. 2. Planejamento Urbano. I Título 
CDU: 34:711 
 
 
 
 
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL 
DIRETORIA/GESTÃO 2019/2021 
 
Presidente: Felipe Santa Cruz 
Vice-Presidente: Luiz Viana Queiroz 
Secretário-Geral: José Alberto Simonetti 
Secretário-Geral Adjunto: Ary Raghiant Neto 
 Diretor Tesoureiro: José Augusto Araújo de Noronha 
 
ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA 
 
Diretor-Geral: Ronnie Preuss Duarte 
 
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL 
 
Presidente: Ricardo Ferreira Breier 
Vice-Presidente: Jorge Luiz Dias Fara 
Secretária-Geral: Regina Adylles Endler Guimarães 
Secretária-Geral Adjunta: Fabiana Azevedo da Cunha Barth 
Tesoureiro: André Luis Sonntag 
 
ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA 
 
Diretora-Geral: Rosângela Maria Herzer dos Santos 
Vice-Diretor: Darci Guimarães Ribeiro 
Diretora Administrativa-Financeira: Graziela Cardoso Vanin 
Diretora de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osório, Maria Cláudia Felten 
Diretor de Cursos Especiais: Ricardo Hermany 
Diretor de Cursos Não Presenciais: Eduardo Lemos Barbosa 
Diretora de Atividades Culturais: Cristiane da Costa Nery 
Diretor da Revista Eletrônica da ESA: Alexandre Torres Petry 
 
CONSELHO PEDAGÓGICO 
 
Alexandre Lima Wunderlich 
Paulo Antonio Caliendo Velloso da Silveira 
Jaqueline Mielke Silva 
Vera Maria Jacob de Fradera 
 
 
 
 
 
CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS 
 
Presidente: Pedro Zanette Alfonsin 
Vice-Presidente: Mariana Melara Reis 
Secretária-Geral: Neusa Maria Rolim Bastos 
Secretária-Geral Adjunta: Claridê Chitolina Taffarel 
Tesoureiro: Gustavo Juchem 
 
TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA 
 
Presidente: Cesar Souza 
Vice-Presidente: Gabriel Lopes Moreira 
 
CORREGEDORIA 
 
Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles 
Corregedores Adjuntos 
 Maria Ercília Hostyn Gralha, 
Josana Rosolen Rivoli, 
Regina Pereira Soares 
 
OABPrev 
 
Presidente: Jorge Luiz Dias Fara 
Diretora Administrativa: Claudia Regina de Souza Bueno 
Diretor Financeiro: Ricardo Ehrensperger Ramos 
Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves 
 
COOABCred-RS 
 
Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel 
Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
PALAVRA DO PRESIDENTE – Ricardo Breier ............................................................ 8 
PALAVRA DA DIRETORA – Rosângela Maria Herzer dos Santos ............................. 9 
PREFÁCIO - Daniela Campos Libório .......................................................................... 10 
APRESENTAÇÃO - Elaine Adelina Pagani .................................................................. 11 
PLANOS DIRETORES E CIDADES: UMA ABORDAGEM SOB A PERSPECTIVA 
DA CIDADE COMO UM SISTEMA COMPLEXO E AUTO-ORGANIZADO - 
Alessandro Geremia .......................................................................................................... 12 
A PAISAGEM CULTURAL: UMA REFLEXÃO PÓS-PANDEMIA A PARTIR DO 
ESTUDO DE CASO DE CIDREIRA/RS - Andréa Marta Vasconcellos Ritter .......... 25 
CAMPOS DE ATUAÇÃO PARA A ADVOCACIA URBANÍSTICA: DESAFIOS E 
POSSIBILIDADES - Andrea Teichmann Vizzoto, Elaine Adelina Pagani, Fábio Scopel 
Vanin e João Telmo de Oliveira Filho ............................................................................. 41 
OS INSTRUMENTOS DO ESTATUTO DA CIDADE E AS POSSIBILIDADES DE 
PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO - Carla Portal Vasconcellos, Milena 
Albrecht Silveira, Miléia Alves e Thaís Maria Rossetto ................................................ 53 
ESTATUTO DA CIDADE, VAZIOS URBANOS E ÁREAS OCUPADAS - Carla 
Portal Vasconcellos, Bruna Galvan, Juliane Avila Marques, Kauize de Moura 
Valandro, Lucas Fernando Zuffo Ferreira Borges, Luiz Eduardo Lupatini e Rafaela 
Zauza .................................................................................................................................. 74 
IMPACTOS CAUSADOS PELO LANÇAMENTO DE RESÍDUOS URBANOS NO 
OCEANO: ALTERNATIVAS DE PREVENÇÃO - Cristina Dal Sasso ...................... 92 
A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO FUNDAMENTAL A PROPRIEDADE 
NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS FRENTE À LIMITAÇÃO DE SUA 
FUNÇÃO SOCIAL - Diogeano Marcelo de Lima e Rafaela Patricia Inocencio da Silva
 ........................................................................................................................................... 109 
O ESTATUTO DA CIDADE E OS INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO 
PATRIMONIAL: O CASO DO ENGENHO BENINCÁ EM PASSO FUNDO – RS- 
João Telmo de Oliveira Filho e Greice Barrufaldi Rampanelli .............................. 126 
 
 
 
 
UTOPIAS, INSTRUMENTOS E TERRITÓRIO NO DIREITO URBANO — 20 
ANOS DE ESTATUTO DA CIDADE - Jorge Guilherme Francisconi ...................... 143 
ESTATUTO DA CIDADE 20 ANOS DEPOIS: ENTRE AVANÇOS E 
DESENCANTOS - Marcelo Leão .................................................................................. 169 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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PALAVRA DO PRESIDENTE 
 
Ao receber o convite para contribuir com o prefácio desta obra, um dos detalhes que 
prontamente me chamou a atenção foi a publicação do sexto volume envolvendo a temática 
do Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Pela intensidade com a qual está temática 
vem sendo debatida e gerando artigos fica demonstrada a relevância desta pauta para a 
sociedade brasileira. 
O rápido desenvolvimento tecnológico e seus impactos no modo de viver das 
pessoas, a necessidade de achar o equilíbrio entre desenvolvimento X sustentabilidade, e a 
busca por alternativas que preservem o individual e valorizem o coletivo são fontes de 
intensos questionamentos. 
É preciso estabelecer parâmetros e segurança jurídica para que as pessoas tenham as 
condições de viver e conviver dentro de regras transparentes e com aplicação a médio e 
longo prazo. Ao mesmo tempo, é necessário fazer com que haja uma aproximação de 
realidades tão distintas dentro de uma mesma localidade. Quem planeja corretamente tem 
grandes chances de obter um resultado positivo. E isso vale para nossas cidades. 
O protagonismo de advogados e advogadas em demandas do Direito Urbanístico e 
Planejamento Urbano é de extrema relevância. Com o olhar especializado e conhecedor do 
universo das leis, a contribuição da advocacia permite que tenhamos a construção de 
soluções e a resolução de impasses diante de cenários complexos e desafiados. 
Nos seis anos em que atuei como presidente da OAB/RS, fomentamos o espírito de 
participação em trabalhos conduzidos pela Escola Superior da Advocacia. Temos recebido 
significativas e emblemáticas manifestações do alcance e da relevância de artigos produzidos 
em diferentesobras publicadas nos últimos anos. 
Desta forma, é com grande satisfação que vejo a materialização do e-book digital 
“Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas – Volume VI”. 
Em nome da presidente da ESA/RS, Rosângela Herzer dos Santos, e da presidente 
da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano da OAB/RS, Elaine 
Adelina Pagani, parabenizo todos os colegas que contribuíram com seus conhecimentos para 
esta obra. 
 
Desejo a todos uma boa leitura! 
 
Ricardo Breier 
Presidente da OAB/RS 
 
 
 
 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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PALAVRA DA DIRETORA 
 
Mais uma vez, a Escola Superior de Advocacia da OAB/RS (ESA/RS), juntamente 
com a Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano (CEDUPU) da 
OAB/RS, cumprem com sua missão de abrir espaço e fomentar a difusão de conhecimento 
atualizado e contextualizado com a realidade. 
Deixo registrado minha satisfação em perceber que este assunto segue gerando 
pesquisas e análises aprofundadas, e enriquecedora produção de conteúdo de relevante 
interesse social. 
O lançamento do livro, no formato e-book, “Direito Urbanístico e Planejamento 
Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e perspectivas – Volume VI” é mais 
uma ferramenta que se soma no processo permanente de debates e caminhos na busca de 
soluções mais ajustadas para a área de estudo do Direito Urbanístico. 
 
Boa leitura! 
Rosângela Maria Herzer dos Santos 
Diretora-geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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PREFÁCIO 
 
Uma lei não é apenas uma lei. Seu universo está além de suas letras, de sua leitura 
ou compreensão imediata. Pode romper barreiras na realidade dos fatos, na relação das 
pessoas e do Estado com os cidadãos. Pode inovar verdadeiramente e buscar equilíbrio na 
sociedade. É disso que se trata quando o objeto de estudo é a lei federal nº 10.257/01, 
chamada de Estatuto da Cidade. Uma jovem de 20 anos, com vigor e expectativas de ainda 
muito vivenciar. 
Se por um lado há essa norma jurídica tão significativa, classificada como norma 
geral em direito urbanístico, prevista nos artigos 24, I e 182 da Constituição Federal, por 
outro há um modo de viver, urbano e contemporâneo, em uma sociedade consumista e 
capitalista que trata o acesso à terra como uma mercadoria como qualquer outra. Nesse 
sentido, há uma tensão permanente entre a aplicação das diretrizes e dos instrumentos 
previstos no Estatuto da Cidade e a realidade posta nas cidades brasileiras. O desequilíbrio 
é evidente. Mais que isso, é cruel, desigual e tem se agravado em uma constância 
proporcional à força advinda pelo interesse financeiro ao solo urbano. 
Um dos grandes valores do Estatuto da Cidade é justamente trazer luz ao debate sobre 
o planejamento urbano e a implementação de instrumentos específicos para lidar com a 
realidade da ocupação seja no aspecto construtivo seja quanto à importância da participação 
popular como elemento indissociável da efetivação dos planos urbanísticos elaborados. 
Diante da falta de cultura planificadora e diante do crescimento desordenado e 
espontâneo das áreas urbanas, a implementação do Estatuto da Cidade é um desafio posto. 
Nisso está a importância dessa obra produzida pela Comissão de Direito Urbanístico e 
Planejamento Urbano da OAB-RS, com suporte da ESA, que, ao homenagear os 20 anos da 
lei, provoca uma reflexão necessária à sua continuidade e aperfeiçoamento. Muito há o que 
avançar e o Estatuto da Cidade é o marco referencial para balizar o caminho para a 
construção de cidades mais justas, sustentáveis e inclusivas. 
 
Daniela Campos Libório 
Presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico do CFOAB 
 
 
 
 
 
 
 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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APRESENTAÇÃO 
 
É com imensa satisfação que a Comissão Especial de Direito Urbanístico e 
Planejamento Urbano da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul 
lança o sexto volume do periódico anual “Direito Urbanístico e Planejamento Urbano”. 
Fruto do dedicado e comprometido trabalho em equipe dos membros da Comissão, 
o conteúdo deste volume vem ao encontro do papel assumindo pela Ordem junto à cidadania, 
visando provocar a reflexão e o debate sobre o desenvolvimento urbano sustentável, 
inclusivo e a efetividade da aplicação dos instrumentos de regularização fundiária do 
Estatuto da Cidade. 
Cada um dos volumes anteriores teve por objetivo focar temas importantes, 
polêmicos e emergentes para as questões urbanas e gestão das cidades. 
E neste ano, o foco do livro é o Estatuto da Cidade, pois comemora-se vinte anos da 
sua promulgação. Importante ressaltar que, não obstante os entraves administrativos, 
judiciais e políticos encontrados para a implantação e implementação das normas do Estatuto 
da Cidade, muitos municípios brasileiros lograram êxito na condução de importantes 
avanços na direção da construção coletiva de cidades democráticas, justas, sustentáveis e 
inclusivas. Entretanto um longo caminho ainda deve ser trilhado. 
Com efeito, o volume seis traz para o debate as várias reflexões sobre a efetividade 
na aplicação do Estatuto da Cidade. Cabe também atentar para o artigo escrito em 
colaboração pelos membros da CEDUPU sobre os campos de atuação para a advocacia 
urbanística. 
Este livro foi elaborado com o apoio da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS 
para servir como referencial teórico-prático para pesquisas acadêmicas. 
Por fim, um especial agradecimento a todas as pessoas que protagonizam as 
transformações sociais nas cidades com o intuito de torná-las lugares melhores de se viver e 
conviver. 
 
Elaine Adelina Pagani 
Presidente de Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano 
da OAB/RS 
 
 
 
 
 
 
 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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PLANOS DIRETORES E CIDADES: 
UMA ABORDAGEM SOB A PERSPECTIVA DA CIDADE COMO UM 
SISTEMA COMPLEXO E AUTO-ORGANIZADO 
 
Alessandro Geremia1 
 
Resumo: O presente estudo pretende refletir sobre a pertinência do modelo de planejamento 
urbano centrado na figura do plano diretor - como preconizado pela Constituição Federal e 
pelo Estatuto da Cidade -, na busca de cidades com uma melhor qualidade e bem-estar para 
a totalidade de seus habitantes. Entende-se que as normas jurídico-urbanísticas brasileiras 
possuem valências que deveriam refletir na evolução qualitativa da situação de nossas 
cidades. Entretanto, verifica-se uma baixa efetividade dos instrumentos e mecanismos 
previstos no Estatuto da Cidade. Parte-se da premissa que a cidade é um sistema complexo 
e auto-organizado e, a partir disso, conjectura-se que, dentre outros fatores, a baixa 
efetividade da normativa urbanística se dá em função de que cidades e planos diretores 
possuem princípios distintos. Apresenta-se, ainda, algumas propostas que buscam 
alternativas para superar o problema supracitado. 
 
Palavras chaves: planos diretores – Estatuto da Cidade – cidades - sistemas complexos. 
 
INTRODUÇÃO 
 
Em 2009 a ONU anuncia formalmente que, pela primeira vez na história, a população 
urbana havia superado o número da população rural. No Brasil o fenômeno da urbanização 
se consolida a partir da segunda metade do século XX, fruto de um processo intenso de 
migração do campo para as cidades. Em 2010 o IBGE estimava que 84% da população 
brasileira vivia nas cidades. Esse processo de urbanização se deu de forma desequilibrada, 
não sendo acompanhado do incrementoapropriado de infraestrutura e de um controle sobre 
o uso e ocupação do solo de forma adequada. Esse fato gera uma série de problemas que 
ainda são verificados nas cidades brasileiras, tais como: crescimento urbano desordenado e 
incompatível com a infraestrutura local, dispersão urbana, alta taxa de ocupação do solo em 
áreas precárias, debilidade na mobilidade urbana e déficit habitacional. Nesse cenário, a 
urbanização tem um papel importante nos processos de esgotamento e fragmentação de 
 
1 Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFRGS e em Direito pela UFRGS. Especialização em Direito 
do Estado pela UFRGS e Especialização em Regulação de Serviços de Transporte Terrestre pela UFRJ. Mestre 
em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS. Doutorando em Planejamento Urbano e Regional 
– PROPUR/UFRGS. 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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ecossistemas, criando ambientes vulneráveis, reforçando dinâmicas de segregação social, 
desigualdade e dependência do automóvel2. 
Nesse contexto a Constituição Federal de 1988 dedicou um capítulo exclusivo, 
mesmo que singelo, para a política urbana, sendo a primeira vez na história brasileira que a 
questão urbana adquire status constitucional.3 O artigo 182 da nossa Lei Maior assim dispõe: 
“A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme 
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das 
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.” Prosseguindo, o 
parágrafo primeiro do artigo citado determina que o plano diretor “é o instrumento básico 
da política de desenvolvimento e de expansão urbana. 
Cabe chamar a atenção para dois pontos da redação constitucional: necessidade da 
promulgação de uma lei que venha regulamentar o disposto no seu texto e o papel central do 
plano diretor na política urbana. O diploma legal que regulamentou os arts. 182 e 183 da 
Constituição Federal foi a Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada de Estatuto da 
Cidade e que só foi publicada depois de transcorridos 13 anos da promulgação do texto 
constitucional e foi fruto de intensos debates. 
O Estatuto da Cidade foi recebido como um sopro de esperança para superar ou, pelo 
menos, mitigar problemas históricos das nossas cidades. Nesse sentido, Nelson Saule Júnior 
(2001)4 reconhece o caráter inovador da lei, inferindo que as disposições contidas no diploma 
possibilitariam o desenvolvimento de uma política urbana que contemplasse os princípios 
de reforma urbana e serviriam para efetivar a transformação das cidades brasileiras em 
cidades mais justas, humanas e democráticas. Entretanto, alguns autores5 advertiram que 
não convinha superestimar as repercussões imediatas da lei pois ainda careciam de 
regulamentação posterior,6 embora reconhecessem a aplicabilidade direta de algumas de suas 
 
2 ROMICE, Ombretta; PORTA, Sergio; FELICIOTTI, Alessandra. Masterplanning for Change: Designing 
the Resilient City. Routledge, 2020. 
3 Para um histórico do processo de inclusão do Capítulo da Política Urbana na Constituição Federal ver 
VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento no Brasil. In DEÁK, C.; SCHIFFER, 
S.R. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. 
4 SAULE JUNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade: instrumento de reforma urbana. SAULE JÚNIOR, Nelson. 
ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana. (Cadernos Pólis, 4). São 
Paulo: Pólis. P. 10-36, 2001. 
5 Por todos, SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In Dallari, Adilson Abreu 
e Ferraz, Sérgio (coordenadores). Estatuto da Cidade - Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo, 
SBDP/Malheiros, 2002. 
6 Sobre o assunto, escreve Bonizzato: “Portanto, as barreiras a serem transpostas para a consecução de muitos 
objetivos insculpidos em documentos legais infraconstitucionais desprovidos de aplicabilidade plena e 
imediata são firmes e robustas, portando-se grande desânimo aos ramos sociais interessados na 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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normas, como nos casos dos capítulos referentes ao usucapião especial de imóveis urbanos 
e ao direito de superfície (SUNDFELD, 2002). 
Edésio Fernandes (2021)7 ao analisar o itinerário histórico percorrido pelo Estatuto 
da Cidade aponta a existência de três fases distintas. Um primeiro momento, na sua 
aprovação, gerou um sentimento de otimismo em torno da lei. Depois de transcorridos alguns 
anos, passa-se para um segundo momento em que o otimismo cede lugar a uma certa 
desconfiança decorrente das críticas crescentes dos movimentos sociais urbanos. Após 10 
anos, segue-se a um momento de descrédito em função de diversas avaliações negativas dos 
novos planos diretores e de uma visão generalizada de inefetividade dos instrumentos 
previstos no diploma legal. Por fim, o autor sugere a possibilidade de estarmos presenciando 
um novo momento na percepção do Estatuto da Cidade dando-se um certo abandono da lei, 
em consequência de resistências municipais crescentes à atualização dos planos diretores e 
pela criação de leis e de outras figuras regulatórias que propõe “[...]as bases de outra cultura 
jurídico-político-urbanística que não aquela do Estatuto da Cidade”. 
Não obstante, transcorridos 20 anos da aprovação do Estatuto e já chegando a 
segunda geração de planos diretores elaborados sob as suas diretrizes, vislumbra-se que os 
problemas que deram origem aos dispositivos sobre política urbana da Constituição Federal 
continuam existindo. As mazelas citadas anteriormente (crescimento urbano desordenado, 
dispersão urbana, alta taxa de ocupação do solo em áreas precárias, precariedade na 
mobilidade urbana, déficit habitacional etc.) permanecem afligindo as cidades brasileiras. 
 
1. PROBLEMÁTICA 
Diante de todo o exposto até aqui, é forçoso concluir que o Brasil possui normas 
urbanísticas cujos atributos deveriam refletir numa evolução da situação de nossas cidades. 
Mesmo considerando, de certo modo, o período relativamente curto de sua vigência, o retrato 
de nossas cidades não condiz com o arcabouço legal vigente. Assim, a ideia deste estudo 
 
concretização ampla de direitos e garantias legalmente previstos. Se, por um lado, prevê-se uma série de 
direitos, representativos de avanços sociais e democráticos, por outro lado, impõem-se, paralelamente, 
obstáculos à sua materialização”. (BONIZZATO, Luigi. Função ambiental da cidade, Plano Diretor e validade 
das normas urbanísticas. Revista de Direito da Cidade, v. 5, n. 1, p. 86-116, 2013.) 
7 FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade, 20 anos, foi da euforia ao abandono, diz especialista. [Entrevista 
concedida a] Talden Farias e Arícia Fernandes Correia. Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2021. 
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-07/entrevista-edesio-fernandes-professor-urbanista. 
Acesso em: 13 de outubro de 2021. 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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surge a partir da seguinte indagação: qual o motivo da baixa efetividade8 das normas 
urbanísticas no contexto brasileiro, observada no fosso existente entre a idealização 
normativa e a realidade das nossas cidades? 
Nesse ponto, faz-se necessária trazer à baila a lição de Fernandes (2013, p.233),9 para 
quem “[...]’boas leis’ por si sós não mudam as realidades urbanas e sociais, por mais que 
expressem princípios de inclusão socioespacial e justiça socioambiental [...]”, tal 
observação é válidatambém para o Estatuto da Cidade, cujas disposições previram uma série 
de mecanismos e instrumentos para a materialização dos princípios inscritos na lei. Assim, 
se associando a visão do autor, faz-se a ressalva que não se desconhece que a lei – como 
norma de caráter geral e abstrata - não possui a faculdade de alterar a realidade urbana e 
social das cidades brasileiras. 
2. O PLANO DIRETOR COMO INSTRUMENTO BÁSICO DE POLÍTICA 
URBANA 
Preliminarmente, cabe uma advertência: não se ignora o fato de que para a efetiva 
implementação de mudanças estruturais nas nossas cidades, mostra-se imprescindível o 
comprometimento dos diversos atores políticos das nossas cidades, sobretudo por parte 
daqueles que detém o poder decisório. Esse enfoque já foi abordado e muito bem 
demonstrado em diversas ocasiões. Nesse sentido, para exemplificar, Maricato (2001, p.42)10 
esclarece que “[...] entre a lei e sua aplicação existe um abismo que é mediado pelas 
relações de poder na sociedade”. 
Deste modo, propõe-se uma reflexão sobre a baixa efetividade das normas 
urbanísticas por um outro ângulo, qual seja: a incompatibilidade entre o instituto do plano 
diretor em função de possuírem lógicas distintas. 
Observa-se que o Estatuto da Cidade põe em relevância o plano diretor como 
instrumento básico para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da 
expansão urbana. Por disposição legal, o plano diretor é instituído por lei municipal, sendo 
obrigatório para as cidades que se enquadram em alguns requisitos11. Além disso, integra o 
 
8 Para fins deste estudo, entende-se por efetividade, a conformidade da situação de fato à situação jurídica 
outorgada ou imposta ao sujeito para o cumprimento ou para a aplicação da norma. (JEAMMAUD, Antoine. 
En torno al problema de la efectividad del derecho. Crítica Jurídica no. 1, p. 12.) 
9 FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade, mais de 10 anos depois: razão de descrença, ou razão de 
otimismo? Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 20, n. 1, p. 212-233, 2013. 
10 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Editora Vozes, 2001, pg. 
42. 
11 Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade: 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
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processo de planejamento municipal devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias 
e o orçamento anual municipal incorporar as diretrizes e prioridades nele contidas. 
Dito isso, vislumbra-se que os planos diretores são o mais importante instrumento de 
efetivação das políticas urbanas previstas no ordenamento jurídico. Vale dizer que os planos 
são os instrumentos que traduzem as diretrizes gerais e abstratas previstas em leis para a 
realidade cotidiana das cidades brasileiras. Dessa forma a elaboração de um plano diretor 
não deveria visar apenas o atendimento a uma determinação legal, mas, sobretudo, buscar 
melhorias das condições da cidade e dos seus habitantes. Verifica-se que o percentual de 
municípios brasileiros que possuem planos diretores aprovados avançou de 15% em 1999 
para 51,5% em 201812. 
Apesar de sua importância, não se pode confundir o plano diretor com todo o 
processo de planejamento urbano. Conforme ensina Villaça (1999, p.187),13 “o planejamento 
urbano seria um processo çontínuo do qual o plano diretor constituiria um momento”. Dessa 
forma, ao assumir que o plano diretor faz parte de um processo mais abrangente, não sendo 
um fim em si, limita-se seu papel e demarca uma vinculação nítida com a gestão urbana. Os 
planos urbanísticos, juntamente com outros instrumentos de política urbana, como os 
projetos urbanos e a regulação carecem de estar harmônicos com a gestão da cidade, não 
devendo estar descolados “[...] da capacidade de organização e possibilidades reais de 
implementação e controle dessa política.” (ROLNICK, 2003, p.17)14 
Cumpre anotar que não se desconhece que os impactos dos planos urbanísticos não 
se dão de forma repentina, por vezes o período de tempo de maturação do planejamento e a 
implementação de suas medidas é longo. Além disso, o plano diretor não é uma panaceia 
para todas as questões urbanas, mas considerando que os planos têm papel de destaque e 
 
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades: 
I – com mais de vinte mil habitantes; 
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; 
III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da 
Constituição Federal; 
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; 
V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de 
âmbito regional ou nacional. 
VI - incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de 
grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. 
12 IBGE. Perfil dos municípios brasileiros: 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. 
13 VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento no Brasil. In DEÁK, C.; SCHIFFER, 
S.R. O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. 
14 ROLNIK, Raquel. Política Urbana no Brasil: esperança em meio ao caos? Revista dos Transportes 
Públicos - ANTP, v. 25, 2003, p.17. 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
17 
 
 
 
prevalência nos diplomas legais citados, especula-se que a abordagem, a metodologia 
utilizada na elaboração de tais planos, bem como a forma e seu conteúdo não se mostram, 
de maneira geral, adequados para reverberar os ideais preconizados nas leis urbanísticas. 
As críticas aos planos diretores se avolumam e revelam problemas de diversas 
naturezas. Villaça (1999, p.190) por exemplo, cita a inconsequência e inutilidade da maioria 
dos planos desenvolvidos ao longo dos anos. Outro ponto que chama atenção negativamente 
é a estandardização, verificada quando os planos são meras cópias de modelos que não 
possuem aderência à realidade municipal (FERNANDES, 2013)15. No mesmo sentido 
crítico, Santos Junior e Montandon (2011, p.31) apontam que “Muitos planos apenas 
transcreveram os trechos do Estatuto, outros incorporaram os instrumentos sem avaliar sua 
pertinência em relação ao território e à capacidade de gestão do município, outros, ainda, 
incorporaram alguns fragmentos de conceitos e ideias do Estatuto de modo desarticulado 
com o próprio plano urbanístico”16. O forte apelo principiológico e a falta de regras e 
mecanismos que designem ações concretas de aplicabilidade imediata também são 
verificados na maioria dos planos, resultando em formosos discursos sem, entretanto, 
disponibilizar meios para a concretude da política urbana. 
Usualmente os planos diretores tradicionais são estabelecidos dentro de um princípio 
top-down17 e regula o desenvolvimento da cidade utilizando-se de mapas em duas dimensões 
e documentos de texto (PISSOURIS, 2014)18. Esses planos regulam o espaço urbano, 
tornando-se rígidos, predeterminados e não compatíveis com a incerteza e a dinâmica que 
altera a feição das cidades19. Alfasi (2018)20 ensina que desde 1900, e particularmente a 
partir de 1950, o planejamento urbano tem sido conduzido no modelo top-down, centrado 
no zoneamento e planos estatutários de uso do solo, utilizados principalmente para definir 
um quadro visionário do futuro das cidades. Entretanto, como advertem Alfasi e Portugali 
 
15 FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade, mais de 10 anos depois:razão de descrença, ou razão de 
otimismo? Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, v. 20, n. 1, p. 212-233, 2013. 
16 SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. "Síntese, desafios e recomendações". In: SANTOS 
JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T (orgs.) Os planos diretores municipais pós Estatuto da Cidade: 
balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011. 
17 PISSOURIOS, Ioannis et al. Top-down and bottom-up urban and regional planning: Towards a framework 
for the use of planning standards. European Spatial Research and Policy, v. 21, n. 1, p. 83-99, 2014. 
18 VIDMAR, Jernej; KOŽELJ, Janez. Adaptive urbanism: a parametric maps approach. Theory and Practice 
of Spatial Planning, v. 3, p. 44-52, 2015. 
19 Ibidem. 
20 ALFASI, Nurit. The coding turn in urban planning: Could it remedy the essential drawbacks of 
planning?. Planning Theory, v. 17, n. 3, p. 375-395, 2018. 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
18 
 
 
 
(2007, p. 167)21, “[...] nenhum plano é capaz de controlar totalmente uma cidade, incluindo 
aqueles criados por órgãos de planejamento estaduais e municipais e aqueles elaborados 
por grandes empresas e organizações. Portanto, os modelos atuais de planejamento não 
podem regular totalmente a forma urbana”. No mesmo sentido, Verebes (2013)22 reconhece 
a dificuldade, ou até mesmo a impossibilidade de uma previsão totalmente precisa. 
3. AS CIDADES COMO SISTEMAS COMPLEXOS 
As cidades, por sua vez, sob viés modernista, cujo auge ocorreu em meados do século 
passado, era entendida como uma máquina composta por partes separadas por função. Com 
acerto, Verebes (2013)23 leciona: “Este paradigma de cidade como uma máquina está cada 
vez mais sendo rejeitado em favor de analogias biodinâmicas”, prossegue o professor 
americano afirmando que a cidade não pode mais ser concebido como um ideal construído 
e que deve ser entendida como um sistema complexo, dinâmico e, inerentemente, difícil de 
gerenciar e controlar. Na mesma senda, Batty (2012)24 afirma que as cidades são mais bem 
compreendidas como organismos do que como máquinas. 
Assim, vale-se da conceituação de Batty e Torrens (2001)25 para quem um sistema 
complexo é uma entidade, coerente e de alguma forma reconhecível, cujos elementos, 
interações e dinâmica geram estruturas e admitem novidades que não podem ser definidas a 
priori. Para Portugali (2006)26 sistemas complexos são compostos por inúmeras partes 
relacionadas, que possuem a faculdade de constituir novas valências do desempenho do todo 
de acordo com a sua auto-organização. Além disso, anota-se que numa perspectiva sistêmica, 
quantitativamente, o todo é maior do que a soma de suas partes, ou seja, em um sistema 
complexo, as propriedades agregadas não se resumem a somas das propriedades dos 
elementos individuais. Em suma, conforme expõe Hillier (2012, p. 43)27, “[...] as cidades 
 
21 ALFASI, Nurit; PORTUGALI, Juval. Planning rules for a self-planned city. Planning theory, v. 6, n. 2, p. 
164-182, 2007. (tradução livre do autor) 
22 VEREBES, Tom (Ed.). Masterplanning the adaptive city: Computational urbanism in the twenty-first 
century. Routledge, 2013 
23 Ibidem. 
24 BATTY, M. Building a science of cities. Cities, 29(6), S9–S16. 2012. 
25 BATTY, M.; TORRENS, P. M. Modeling complexity: the limits to prediction. Cybergeo: European 
Journal of Geography, 2001. 
26 PORTUGALI, J. Complexity theory as a link between space and place. In: Environment and Planning A 
38(4), London: Pion. pp 647-64. 2006. 
27 HILLIER, J. Baroque complexity. In: DE ROO, G, HILLIER, J; e VAN WEZEMAEL, J. (eds) Complexity 
and Planning: Systems. Farnham: Ashgate, 37–73. 2012.; 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
19 
 
 
 
são sistemas complexos e não lineares de redes cujo comportamento futuro é essencialmente 
imprevisível”. 
Reconhecer a cidade como um sistema complexo, auto-organizado e adaptativo, 
implica em aceitar que as cidades evoluem principalmente de baixo para cima (bottom-up), 
como produtos das interações e decisões de milhões de indivíduos e com apenas ocasionais 
ações centralizadas de cima para baixo (top-down) (BATTY, 2012).28 Assim, a ciência da 
complexidade oferece uma nova lente para a compreensão das questões e dinâmicas urbanas. 
Observa-se que a noção de cidade está evoluindo e criando novos paradigmas. Na 
obra seminal “The New Science of Cities”, Batty (2013)29 defende uma maneira para estudar 
as cidades cuja ideia central aduz que são as relações entre lugares e espaços - e não os seus 
atributos intrínsecos 30– que definem o correto entendimento do lugar. Em outras palavras: 
para entender um lugar, deve-se entender os fluxos (pessoas, bens e informação) que passam 
por ele. Para entender os fluxos é necessário ter o conhecimento das redes, que, por sua vez, 
sugerem relações entre as pessoas e os lugares. 
4. A RELAÇÃO ENTRE PLANOS DIRETORES E CIDADES 
Diante de todo o exposto, resta claro que a natureza estática e visionária do plano 
diretor tradicional mostra-se incompatível com a complexidade e dinâmica da cidade de 
hoje. Nesse sentido, Krafta (2016)31 aduz que: 
Planos e cidades caminham em direções e sentidos distintos, por causa de 
seguirem princípios opostos: enquanto cidades são formadas e transformadas a 
partir de ações locais e decentralizadas, resultando em macroestados emergentes, 
planos usualmente são pensados a partir de estados finais desejados, demandando 
processos consistentemente coordenados para obtê-los. 
 
Entre as tensões verificadas entre os planos e as cidades, Krafta (2016)32 leciona que 
enquanto os planos veem o futuro como algo previsível e determinado (fechado), com foco 
no controle do resultado das atividades de planejamento e o desenvolvimento urbano sendo 
objeto de um processo decisório excludente; as ciências da cidade sugerem um futuro 
 
28 BATTY, M. Building a science of cities. Cities, 29(6), S9–S16. 2012. (tradução livre do autor) 
29 BATTY, M. The new science of cities. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press. 2013. 
30 Contrapondo-se, por exemplo, com a ideia de Patrick Geddes, para quem a cidade era simplesmente “um 
lugar no espaço.” 
31 KRAFTA, Rômulo. Cidades Versus Planos Diretores. In: PANIZZI, Wrana (Org.) Outra Vez Porto Alegre: 
a cidade e seu planejamento. Porto Alegre: CirKula, 2016. 
32 Ibidem. 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
20 
 
 
 
indeterminado (aberto), com foco no controle dos processos das atividades e utilizando um 
processo decisório includente. 
Nas palavras de Verebes (2013)33, o excesso de confiança em planos inflexíveis que 
idealizam o futuro ignora a complexidade do mundo moderno e as contingências que 
moldam esse futuro, e acabam por incorporar a dinâmica do passado, as contingências do 
presente e previsões do futuro. 
5. ALGUMAS INICIATIVAS 
Para tentar contornar essa disfunção, algumas iniciativas e proposições vem sendo 
discutidas, a partir de uma nova lente de investigação e análise. Um diferencial nos dias 
atuais são as possibilidades de acesso a informações que até pouco tempo não tínhamos a 
disponibilidade. Técnicas geoespaciais e mapas de alta qualidade, análise de big data, dados 
espaciais gerados pelo próprio usuário, lançam luz sobre a problemática e abrem infinitas 
possiblidades para o planejamento e gestão urbana. Conforme explica Boeing (2019)34, 
muito dos antigos desafios de coleta, armazenamento e compartilhamento de dados espaciais 
evoluíram para processos comuns e plataformas padronizadas. Esse acesso facilitado a 
informações permite a utilização de métodos e técnicas de planejamento que incorporamcom mais facilidade e rapidez eventuais mudanças no espaço e no tempo. Vidmar & Kozelj 
(2015)35 e Schumacher (2013)36, por exemplo, sugerem a adoção dos chamados mapas 
paramétricos, que regulam interativamente a forma de desenvolvimento urbano. Ademais, 
este último autor propõe uma espécie de plano diretor sem um estado final, as 
particularidades das circunstâncias futuras permaneceriam imprevisíveis. 
 Vislumbra-se algumas propostas de mudança de paradigma, com a substituição das 
ferramentas e abordagens tradicionais (plano diretor), por uma abordagem baseada em 
códigos (form-based codes) com foco na tipologia das edificações e as suas relações com o 
 
33 VEREBES, Tom (Ed.). Masterplanning the adaptive city: Computational urbanism in the twenty-first 
century. Routledge, 2013. 
34 BOEING, Geoff. Spatial information and the legibility of urban form: Big data in urban morphology. 
International Journal of Information Management, 2019. 
35 VIDMAR, Jernej; KOŽELJ, Janez. Adaptive urbanism: a parametric maps approach. Theory and Practice 
of Spatial Planning, v. 3, p. 44-52, 2015. 
36 SCHUMACHER, P. Free Market Urbanism – Urbanism beyond Planning. In: VEREBES, T. (Ed.), 
Masterplanning the Adaptive City – Computational Urbanism in the Twenty-First Century. New York, ZDA: 
Routledge. 2013. 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
21 
 
 
 
espaço público37. A utilização de códigos abstratos como meio de regulação em substituição 
dos planos diretores e planos de uso do solo também foram considerados por Alfasi e 
Portugali (2007)38. Assim, esse código urbano ou código espacial poderia direcionar as ações 
dos vários atores engajados no planejamento e a orientação desse modelo seria para a análise 
das relações entres os elementos do ambiente construído. Verebes (2013)39 propõe a 
substituição do modelo que trata a cidade em apenas duas dimensões, para um modelo 
baseado em quatro dimensões com a incorporação da variável ‘tempo’ no planejamento. 
Moroni et al (2020)40 lembra que a estrutura urbana complexa e auto-coordenada não é 
anárquica, e requer certos tipos de regras, às quais ele denomina de “regras de estrutura” 
(em contraposição às “regras de padronização”) que fornecem uma estrutura geral para o 
desenvolvimento urbano, incorporando formas não planejadas e espontâneas e caracterizam-
se por serem simples, relacionais e negativas. A utilização de regras de estrutura de forma 
mais simplificada também foi proposta por Chen (2015)41, no âmbito das cidades chinesas. 
Frew et al (2016)42 e Pelorosso (2020)43 propõe um planejamento urbano baseado 
em desempenho, que se utilizaria de indicadores e padrões de desempenho e permitiria um 
planejamento mais flexível dentro dos limites de impacto predefinidos no sistema urbano. 
Observa-se que todas as iniciativas apresentadas visam – pelo menos no discurso – aumentar 
o potencial da cidade para se adaptar às mudanças contínuas que acabam por delimitar a sua 
forma. 
Por fim, constata-se que no contexto brasileiro, e sob o enfoque que identifica a 
cidade como um sistema complexo e auto-organizado, existe uma série de desafios a serem 
superados para possibilitar o desenvolvimento de um modelo adaptativo de planejamento e 
 
37 Ver TALEN, Emily. Form-based codes vs. conventional zoning. In: Companion to urban design. 
Routledge, 2011. p. 542-552 e CARMONA, Matthew; MARSHALL, Stephen; STEVENS, Quentin. Design 
codes: their use and potential. Progress in Planning, v. 65, n. 4, p. 209-289, 2006. 
38 ALFASI, Nurit; PORTUGALI, Juval. Planning rules for a self-planned city. Planning theory, v. 6, n. 2, p. 
164-182, 2007 
39 VEREBES, Tom (Ed.). Masterplanning the adaptive city: Computational urbanism in the twenty-first 
century. Routledge, 2013. 
40 MORONI, Stefano; RAUWS, Ward; COZZOLINO, Stefano. Forms of self-organization: Urban complexity 
and planning implications. Environment and Planning B: Urban Analytics and City Science, v. 47, n. 2, p. 
220-234, 2020. 
41 CHEN, Yi. SPR as solution of action plan in China's master plan innovation. Habitat International, v. 50, 
p. 300-309, 2015. 
42 FREW, Travis; BAKER, Douglas; DONEHUE, Paul. Performance based planning in Queensland: A case of 
unintended plan-making outcomes. Land Use Policy, v. 50, p. 239-251, 2016. 
43 PELOROSSO, Raffaele. Modeling and urban planning: A systematic review of performance-based 
approaches. Sustainable cities and society, v. 52, p. 101867, 2020. 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
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22 
 
 
 
gestão urbana que propicie condições para a auto-organização da cidade a partir da interação 
entre seus agentes e, tendo por propósito, conferir efetividade às disposições contidas nas 
normas jurídico-urbanísticas brasileiras. 
 
CONCLUSÕES 
 
Diante de todo o exposto, resta claro que temos uma legislação urbanística que 
quando analisada de forma isolada, mostra-se com valências que deveriam refletir em 
cidades com uma melhor qualidade e bem-estar para a totalidade de seus habitantes. 
Tanto a Constituição Federal como o Estatuto da Cidade estabeleceram que o plano 
diretor fosse o cerne do processo de planejamento urbano. As cidades, por seu turno, 
constituem-se como sistemas complexos, caracterizadas por uma inerente imprevisibilidade, 
o que resulta, pelo menos aparentemente, em lógica distinta dos planos diretores cuja 
racionalidade indica a possibilidade de prever as condições futuras das cidades, bem como 
de manejar os processos formativos da cidade de forma coordenada. 
Diante desse dilema, vem sendo desenvolvidos estudos que propõem alternativas 
para a compatibilização entre a dinâmica própria das cidades e os instrumentos urbanísticos 
que devem regê-la. Temos um longo caminho a percorrer, ao mesmo tempo que as cidades 
possuem problemas prementes e urgentes que influenciam diretamente no bem-estar de seus 
habitantes. Certo é que ainda estamos tateando em um campo com poucas certezas e muitas 
dúvidas, buscando alternativas que possam redundar em modelos adaptativos de 
planejamento urbano que disponham de instrumentos de suporte à gestão urbana ancorados 
na perspectiva sistêmica das cidades. 
 
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25 
 
 
 
A PAISAGEM CULTURAL: UMA REFLEXÃO PÓS-PANDEMIA A 
PARTIR DO ESTUDO DE CASO DE CIDREIRA/RS 
 
Andréa Marta Vasconcellos Ritter1 
 
Resumo: As paisagens fazem parte do cotidiano das cidades e presentes nas relações sociais, 
ambientais, culturais, tradições, expressões, crenças, imaginativo popular e por isso, 
especial, se constituindo em patrimônio cultural. A cidade de Cidreira, Estado do Rio Grande 
do Sul, é litorânea, com atributos paisagísticos singulares, diversos que se destacam pelas 
belezas naturais, estéticas, culturais, em harmonia com o urbano. O Estatuto das Cidades e 
outros dispositivos legais visam à tutela difusa, a proteção, preservação, a manutenção da 
paisagem, enquanto bem jurídico. Este artigo aborda a Paisagem Cultural, como instrumento 
de preservação do Patrimônio Cultural e também, a necessidade pós-pandemia de 
revalorização do direito à paisagem cultural material e imaterial, o objetivo é que o Estudo 
de Caso contribua para a formação de uma política paisagística (re) valorizada e um 
verdadeiro Plano Diretor capaz de medir valores subjetivos como cultura, afetos, tradições, 
crenças, expressões, preservando porções singulares do território, onde a interação entre a 
cultura e o ambiente natural confere à paisagem uma identidade específica. A pesquisa é 
documental, de campo e de caráter qualitativo e os documentos analisados e citados são o 
fundamento e o principal eixo. A conclusão é que este momento pós-pandemia exige 
valorizar a natureza, referendar o direito subjetivo difuso à paisagem, considerar os direitos 
da comunidade de permanecer nas paisagens e vivenciar sua cultura, em relação harmônica, 
entre processo social e de natureza, estimulando a dimensão afetiva com o território, tendo 
como preliminar a dignidade da pessoa humana e a qualidade de vida da população. 
Palavras-Chave: Paisagem Cultural- Legislação Urbanística- Pós-Pandemia 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
“Que soem as caracolas e que nossa memória não se perca, como se perderam os 
nossos sambaquis e os nossos ancestrais” (Lizzi Barbosa) 
 
No Brasil desde a década de 30 a paisagem é considerada patrimônio estético, 
histórico, artístico, cultural, um bem jurídico, sujeito à tutela, preservação e proteção. 
 
1 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais ( PUC 1987 ) Advogada desde 1987 e sócia de Roque e Vasconcellos 
Advogados Associados ; Professora Universitária desde 1989; Bacharel em Relações Internacionais ( 
UNIRITTER 2016 ) , Pós Graduação em Metodologia do Ensino Superior ( UNISINOS 1991), em Direito 
Público e Privado ( UNIRITTER ) e em Estratégias e Estudos Internacionais ( UFRGS 2018 ) ; Mestre em 
Direito das Relações Internacionais ( UDE 2016 ) . Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS, 
Julgadora do Tribunal de Ética e Disciplina da OABRS 
Direito Urbanístico e Planejamento Urbano. Vinte anos do Estatuto da Cidade: Balanço e 
perspectivas - Volume VI 
26 
 
 
 
O Estatuto das Cidades, Lei n. 10257/2001 reconhece os entendimentos e atributos 
sobre a paisagem ser patrimonial e trazer no âmago sua preservação e qualidade de vida. 
As paisagens singulares são patrimônios culturais, eis que fazem parte do cotidiano 
e estão presentes nas representações sociais subjetivas como tradição, expressões, afetos, 
crenças, imaginativo popular, que formam o patrimônio imaterial e neste ponto, está a 
importância das paisagens culturais e a preservação, revalorização das paisagens naturais e 
urbanas, pois cabal na construção da identidade cultural do povo do lugar. 
O Plano Diretor e os demais dispositivos legais trazidos neste artigo objetivam o 
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, das propriedades, garantindo e 
assegurando a preservação, proteção dos recursos, tutelado meio ambiente e da paisagem 
cultural urbana, material e imaterial, tangível e intangível, objetiva e subjetiva, que tem 
imanência e se confunde com o direito subjetivo difuso das pessoas à paisagem. 
Cidreira é uma cidade com paisagens e recursos ambientais singulares e se destaca 
pela beleza do relacionamento entre a comunidade praieira, o meio e a percepção 
influenciada pelos aspectos da cultura. A paisagem é valorizada no contado direto com a 
natureza e os valores da cultura praieira que influi na condição da sociedade que habita este 
sítio localizado no Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul. 
O urbano e a “gente da praia” são agasalhados pelo universo que é dividido entre 
água, areia, campo e o céu, que traz um lindo nascer do sol sobre o mar e o poente 
acontecendo nas dunas e lagoas internas. 
No domínio do campo estão às pastagens, os animais e a floresta de preservação que 
é protegida com muita vida, nestes campos da Fortaleza há criação de ovinos, eqüinos e 
bovinos, em várias propriedades rurais que mantém a função social da terra. 
O domínio das águas é dividido entre o mar e as 05 lagoas e é o espaço sagrado dos 
pássaros, das espécies aquáticas, da vegetação ribeirinha, mas também da Iemanjá e do boto 
que encanta as moças. 
Nas areias das Dunas primárias, secundárias e terciárias está contida a grande zona 
de preservação, área de acúmulo de águas instáveis e também é o habitat do Tuco tuco e do 
Maestro da Areia, pessoa e cinematografia local. 
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Bastante a descrição destes domínios, para se inferir uma cultura, uma visão de 
mundo, tradições, lugar dos antepassados, lugar de pertencimento onde tudo inicia, o lugar 
em que essa “gente praieira“ vive e programa o futuro. 
Há um pertencer recíproco, pois o povo da praia pertence à paisagem e a paisagem 
lhes pertence e a cidade acolhida pelas paisagens é o lugar de construção de ensinamentos, 
de valores morais que vão muito além de uma polis e isso tudo forma a paisagem cultural, 
que é patrimônio imaterial. 
Os elementos naturais inseridos na malha urbana de Cidreira são marcantes, mas a 
cidade emerge e há paisagem em tensão e discursos de conflito de representação entre o 
desenvolvimento, economia, mercado, tecnologia e o uso de revalorização, (re) apropriação, 
de significados de uma realidade, da imagem dessa realidade e das referências culturais a 
partir das quais esta imagem se forma. 
O desafio é desenvolver e implementar políticas de recursos e paisagens protegidas, 
preservadas, que conciliem os valores culturais herdados, que saibam interpretar o sentido 
das mudanças e a melhoria das condições de vida das populações vistas como coautora da 
construção de um território cujo valor identitário, também terá que incluir o presente e 
projetar o futuro. 
Neste sentido e privilegiando a dignidade da pessoa humana, a qualidade de vida e o 
direito subjetivo difuso à paisagem, pois necessário estimular a participação cidadã, 
considerando a permanência das pessoas na cidade, com atenção para os contextos 
populares, tradicionais, culturais resistentes à expansão urbana, ao mercado e edificações 
globalizantes. 
 Considerando o Pós – Pandemia, mister reconhecer os elementos materiais e 
imateriais, recursos naturais e as práticas sociais, os significados existentes a partir dos 
modos de criar, fazer, viver, perceber que são dinâmicas e que devem seguir ao longo do 
tempo e assim (re)significar o Estatuto das Cidades e os demais dispositivos legais sobre o 
tema. 
O Estatuto das Cidades apresenta a experiência de Cidreira, no sentido de questionar 
e implementar os dispositivos garantidos na legislação urbanista e também reabre no pós-
pandemia a discussão sobre o meio ambiente, os recursos naturais e a interação 
pessoa/cultura. 
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O Caso de Cidreira reabre a pauta sobre a preocupação constante de proteção sobre 
a distinta paisagem local que deverá alterar o Plano Diretor de 2012 e considerar a Paisagem 
Cultural como instrumento de preservação do Patrimônio Cultural, envolvendo a dignidade 
da pessoa humana, qualidade de vida e o bem- estar da comunidade. 
 
2. PAISAGEM CARTÃO–POSTAL E A INTERAÇÃO COM AS PESSOAS 
A paisagem passou a existir com o sentido e utilidade pra a realidade dos grupos e 
o conceito foi entorno da existência humana, como aduz Maximiliano (2004), como no caso 
da paisagem desértica que fez olhar para as estrelas. 
Seja natural, estética ou de uso, a paisagem foi entendida através da cultura de cada 
grupo, tendo Ratzel, em 1880, incluído primordialmente a cultura na paisagem, embora uma 
concepção limitada ao confundir com os artefatos utilizados pelos homens. 
Claval (2001) cita Shutter para o qual a marca que os homens impõem a paisagem é 
a que constitui o objeto de fundo de todas as pesquisas, porém deixava de lado as crenças e 
as tradições. 
Já Sauer (1998) aduz que a paisagem natural reflete as formas e objetos da natureza 
que existe com ou sem a interferência do homem e a paisagem cultural resulta das relações 
do homem e a natureza. 
Segue Sauer (1998) que a paisagem cultural é moldada a partir de uma paisagem 
natural por um grupo cultural e traz a equação, onde se vê que cultura corresponde aos 
agentes, a área natural ao meio e a paisagem cultural ao resultado. 
Assim, uma nova cultura pode rejuvenescer a paisagem ou formar nova paisagem. 
Os estudos de percepção da paisagem, são dispostos por Melo (2001), sendo 
fundamentos para analisar os valores, os sentimentos, com relação pás paisagens, valendo a 
percepção do indivíduo e dos grupos sociais, à compreensão do significado que a sociedade 
atribui ao espaço. 
A partir dos anos 80, se volta para a paisagem simbólica e nela estão insculpidas a 
materialidade da cultura e da natureza, também os sentimentos, valores em relação as 
paisagens se dependentes da cultura. 
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Traduz Maximiliano (2004) que a cultura é o elemento que agindo sobre o meio 
natural, resulta na paisagem cultural e Risso (2008) que a paisagem se constitui a partir das 
relações entre os seres humanos e a natureza ao longo dos tempos, pois com base na 
paisagem natural é que a cultura se desenvolve. 
A paisagem determinada em contrapartida, para Berque (1998), é esse olhar, essa 
consciência, essa experiência, essa estética, essa moral, essa política. 
O sujeito observa e no subjetivo estão os sentimentos afetivos, vivenciados, 
experiências, valores, cultura simbólica, representando a identidade territorial, consoante 
Risso (2008). 
Cabe dizer que cada pessoa que olha, sente uma paisagem carrega um significado 
diferente, um valor diferente, um sentimento de apego ou desapego, uma crença, uma 
tradição diferente. 
As paisagens se expressam por causa da capacidade do homem de criar, que resulta 
em uma valorização ou desvalorização e para Collot (1990), a paisagem se faz sentido, foi 
repentinamente analisada, vivida e desejada e é o resultado do relacionamento. 
Os atributos da paisagem como cartão-postal e os arranjos resultantes deste diálogo 
é que são objetos de preservação e tal ato é objeto de proteção do legado cultural de uma 
comunidade para as gerações futuras. 
Importante considerar a dinamicidade da paisagem, a globalização, a massificação, 
a transformação que está relacionada com o homem e com a natureza e mister disciplinar a 
produção do espaço urbano através da legislação internacional, nacional e local, que 
conterão medidas limites ao processo de uso e ocupação do espaço das cidades. 
Franco (2000) define que a conservação ambientalpode ser entendida como o 
convívio e harmonia do homem com a natureza, com o mínimo de impacto possível, sem 
esgotar os recursos naturais, permitindo a vida das gerações futuras e tal entendimento está 
inserido no conceito de desenvolvimento sustentável. 
3. INSTRUMENTOS LEGAIS 
A paisagem é algo vivo, dinâmico que se modifica no tempo, de acordo com fatores 
da natureza e da ação das pessoas que se apoiam em um contexto cultural. É construída com 
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o acréscimo de novos elementos, modificadores dos existentes e de infinitas manifestações 
culturais. 
Toda a paisagem é cultural, é uma realidade visível, visão de conjunto, percepção a 
partir do espaço existindo, a partir do sujeito que a aprende e cada pessoa vê diferente da 
outra e com isso (re)significa cotidianamente. 
A seguir, cabe trazer alguns instrumentos legais que norteiam a matéria e são de 
grande importância para o trato do tema Paisagem Cultura e Paisagem Cultural. 
- Carta de Atenas de 1931 – Considerou bem cultural a paisagem, mais seu entorno; 
- Carta de Veneza de 1964 – Dispõe sobre o conceito de ambiência; 
- Unesco de 1972 – Convenção relativa ao patrimônio mundial, cultural e natural: 
categoria cultural e material; 
- Unesco de 1992 – Paisagem é um bem valorizado inter-relações que ali coexistem; 
- Convenção Européia da Paisagem de 2000 – Florença – Mudanças naturais e 
evolução, sem perder o sentido histórico e desenvolvimento sustentável, meios produtivos e 
recursos naturais sem esgotar; 
- Decreto Lei n. 25/ 1937 – Designação de valor patrimonial para as paisagens e 
criação do Livro Tombo, Etnológico, Arquitetônico e Paisagístico; 
Cabe ressaltar que o Tombamento constituído era pelo valor cênico da paisagem e 
valoração da relação homem e o meio e assim, tombada não só a cidade, ou paisagem, mas 
também todo o seu entorno. 
Na década de 90 e ano 2000, o conceito de paisagem foi incorporado ao IPHAN, 
dentro de uma visão multidisciplinar da paisagem, elo entre os artefatos, natureza e cultura. 
- Estatuto das Cidades, Lei 10257 de 2001 – Regulamenta os artigos 182 e 183 da 
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. 
O Estatuto confere para cada cidadão o direito coletivo e difuso à cidade sustentável. 
Uma nova leitura do ambiente local, agregando conceitos Dignidade da Pessoa Humana, 
Qualidade de Vida, Bem-Estar e Bem Comum. 
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Democraticamente o instrumento traz a tomada de decisão e dá voz para à sociedade, 
comunidade e bairros. A aplicação deverá levar em conta o impacto sobre a paisagem de 
morros, dunas, vales e recursos d’agua. 
É instrumento de proteção, preservação sobre o patrimônio natural e cultural e a 
paisagem tem valor ambiental e mantém padrões estéticos inegáveis, interesses difusos com 
relação á qualidade de vida e bem-estar da população. 
A paisagem é um direito, necessariamente tutelado juridicamente, direito do morador 
cidadão, ornamentada plasticamente, agradável e porque não dizer bela (Silva, 2006). 
- Carta de Bagé de 2007 ou Carta da Paisagem Cultural; 
- Portaria n. 127/2009, instituiu a proteção patrimonial e gestão territorial: A 
Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, com participação do IPHAN, sociedade civil e 
esferas governamentais. 
Neste ponto, importante salientar que a paisagem cultural é instrumento de 
preservação do patrimônio cultural, eis que há uma nova possibilidade de reconhecimento 
de bens culturais e a Chancela como Paisagem Cultural Brasileira está voltada para lugares 
cuja especificidade é o resultado das relações entre grupos sociais e a natureza, 
possibilitando a preservação de porções singulares do território, onde a interação entre a 
cultura e o ambiente natural, confere à paisagem uma identidade específica e o instrumento 
da Chancela valoriza a relação harmônica entre os processos sociais e os processos da 
natureza, estimulando a dimensão afetiva com o território e a premissa é a qualidade de vida 
da população. 
O Selo de legitimidade e reconhecimento atribui valor de patrimônio nacional, a 
determinada paisagem e estimula manifestações culturais locais, turismo, artes, cultura da 
terra e outras atividades que preservam valores culturais e o ambiente chancelado. 
Visível a integração entre o material e o imaterial, cultura e natureza e a Chancela é 
instrumento de proteção, preservação patrimonial, de caráter agregador da paisagem e 
caminho mais abrangente para política de desenvolvimento, contudo necessário debater, 
orientar, intervir, quando há inevitável mudança social, técnica e cultural e a estratégia 
promove respeito à diversidade da paisagem em conjunto com a dinamicidade social, de 
mercado, econômica. 
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- Decreto n. 3551/2000 – Lugares passaram a integrar o patrimônio imaterial. 
Tal patrimônio é aquele bem jurídico, transmitido de geração para geração, é 
construído, recriado, gera sentimento de identidade e continuidade, sendo locais onde se 
concentram e se produzem as práticas culturais, coletivas, saberes, referidos a grupos, que 
nestes espaços, efetuam trocas materiais, imateriais e simbólicas. 
Importante considerar pessoas e seus modos de vida, o lugar e a paisagem são 
misturados entre o material e o imaterial, sendo que as práticas sociais, dão sentido ao lugar 
e o lugar é fundador de tais práticas e as relações se dão por meio de identidades, crenças, 
valores, tradições, sentimentos. 
Desafio é preservar o lugar e o “Espírito do Lugar “ e neste sentido, o Conselho 
Internacional de Monumentos e Sítios, trazido pela Declaração de Quebec de 2008. 
Nór (2013) salienta que o “Espírito do Lugar “incorpora caráter plural e polivalente, 
diferentes significados e singularidade, possível manifestação simbólica, cultural, histórica, 
compreendido como a essência dos valores imateriais, revela relações dialógicas entre 
passado e presente, por meio das permanentes confirmações de caráter vivo e permanente às 
paisagens. 
O “espírito do lugar“consiste no conjunto de bens materiais (sítios, paisagens, 
edificações, objetos) e imateriais (memórias, depoimentos orais, documentos 
escritos, rituais, festivais, ofícios, técnicas, valores, odores) físicos e espirituais, 
que dão sentido, valor, emoção e mistério ao lugar, de tal modo que o espírito 
constrói o lugar e, ao mesmo tempo, o lugar constrói e estrutura o espírito. 
(ICOMOS. Declaração de Quebec, 2008) 
 
- Plano Diretor de Cidreira – Lei n. 1948/2012 – Dispõe sobre o Desenvolvimento 
Urbano e Ambiental, observando o Estatuto das Cidades, Diretrizes Ambientais, Planos 
Nacionais e a Função Social da propriedade. 
Apesar de tal arcabouço legal, as paisagens e o espaço urbano revelam contradições 
e por toda a parte se vê profundas desigualdades que resultam na exclusão de parte da 
população aos espaços salubres e dignos da vida humana e tal identificação de exclusões e 
desigualdades, aumentou muito mais, com a pandemia da COVID-19. 
Neste contexto, necessário promover o equilíbrio do meio ambiente e a singularidade 
da paisagem, em especial, a litorânea, em comento, pois a paisagem urbana reflete o 
resultado do equacionamento possível entre os interesses dos agentes produtores do espaço 
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e as restrições ou flexibilizações norteadoras desta produção, cabendo salientar que 
lamentavelmente, leis restritivas, que promovem proteção e equilíbrio são revogadas e as 
leis permissivas da degradaçãodificilmente são modificadas. 
4. O PLANO DIRETOR DE CIDREIRA 
O Plano Diretor do Município de Cidreira, Lei n. 1948/2012, aprovada pela Câmara 
dos Vereadores e sancionada, instituindo o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e 
Ambiental PDDUA do Município de Cidreira, dispõe sobre o parcelamento do solo e 
determina outras providências. 
A implementação deste plano, traz um modelo de gestão urbana e busca garantir o 
uso social da cidade e da propriedade, tendo o Estatuto das Cidades como instrumento de 
regulação do uso do solo privado e para cumprir a função, a utilização adequada dos recursos 
naturais disponíveis, bem como a proteção, a preservação e a recuperação do meio ambiente 
e do patrimônio histórico, cultural e paisagístico (art. 6º.2 e art. 4º.4). 
Dentre as Funções sociais da cidade está o bem-estar dos habitantes, incluindo a 
proteção, preservação e recuperação dos recursos naturais ou criados (art. 4º, parágrafo 
único) e importante a gestão democrática urbana, que busca garantir este uso social da cidade 
e da propriedade, como forma de planejar, produzir, operar e governar as cidades, submetida 
ao controle social e à participação da sociedade civil. 
O Plano Diretor do município de Cidreira não traz capítulo ou clara divisão entre a 
paisagem e os recursos naturais, mas devia também tratar a paisagem urbana com maior 
propriedade, até porque está inserido em inúmeras páreas naturais e paisagens belíssimas. 
Deveria o Plano concretizar que o espaço urbano está sobre o suporte natural, que é acrescido 
pela sociedade que nele vai se reproduzindo. 
Mas, equaciona ser possível o a relação entre os interesses diversos e o papel da 
legislação enquanto mediadora destas situações, apontando para o futuro e a promoção 
humana como o fim de todo o desenvolvimento (art. 28.1 e 2). 
No entanto, a cidade real, com conflitos, contradições, interesses antagônicos diverge 
do Plano Diretor e além disso, necessário discutir os limites da legislação, os limites do 
mercado imobiliário, do desenvolvimento e da tecnologia e considerar que todo o arcabouço 
citado no capítulo anterior, ainda não é capaz de garantir e aplicar uma perfeita proteção, 
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preservação, bem-estar e a dignidade da pessoa humana, com qualidade de vida e incluir a 
paisagem como direito subjetivo difuso. 
O Plano Diretor define um modelo espacial de desenvolvimento, a partir do art. 63, 
sendo elementos estruturadores para a composição do modelo, a definição de perímetro 
urbano, zoneamento de uso, áreas especiais, malha viária e equipamentos urbanos (art. 65) 
tendo a cidade sido dividida em duas zonas urbanas: de ocupação intensiva e de ocupação 
diferenciada e uma zona não urbana (art. 66/68). Esta última é entendida pelas áreas de 
preservação permanente, as áreas de proteção ambiental e as zonas rurais contidas entre a 
área urbana e as divisas administrativas com os municípios vizinhos. 
Importante destacar que a partir do art. 70, o Plano traz um capítulo sobre as áreas 
especiais, que tem características peculiares e dentre elas estão as Zonas Especiais de 
Interesse Urbanístico, que inclui Zonas Especiais de Interesse Paisagístico – art. 77 .4 – “ 
setores urbanos destinados a áreas verdes sem o devido tratamento e em degradação urbana 
e a Zona Especial de Proteção e Preservação do Ambiente Natural (art. 79). 
De vital importância para os atributos e qualidade das paisagens as áreas especiais 
para a proteção ambiental que “valorizam o patrimônio ambiental, promovendo suas 
potencialidades e garantindo a sua perpetuação e a superação dos conflitos referentes à 
poluição, e degredação do meio ambiente, saneamento e desperdício energético (art. 79). 
Neste ponto, não trouxe o Plano o valor cênico dos vários trechos paisagísticos da 
cidade, como as dunas, inseridas no meio urbano, que é cenário a ser protegido, digno de 
identidade, valores, crenças etc. 
Se infere que o Plano traz algumas limitações de gabarito, como a altura das 
edificações, que deve ser bastante questionada, no caso da orla marítima, volta das lagoas, 
Parque das Dunas, cabendo dizer que o município de Cidreira ainda não tem “espigões “, 
prédios de gabarito alto, mas também não tem rede de esgotos, tratamento de lixo ou rede 
de águas reutilizáveis. 
Argumentos paisagísticos culturais, de cenário, de qualidade de vida, dificilmente 
são aceitos pelo mercado imobiliário que se preocupa só com interesses de mercado, 
econômicos, particulares, mas são paisagens, áreas de preservação, de proteção, algumas 
elencadas de preservação permanente e mister a participação de diversos segmentos sociais, 
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imprensa, publicidade, enfim, debater a legislação urbanística e proteger sobremaneira a 
paisagem cultural e cartão-postal (art. 127). 
Mas as áreas localizadas em torno das lagoas e na Orla marítima são as preferenciais 
e de mais lucro para o setor imobiliário e neste momento de tensão , de tornar público o 
debate é que vale o caráter inovador e democrático do Plano Diretor, explicitado na lei, mas 
que de forma dissociada estabeleça a conservação dos recursos naturais e a preservação da 
paisagem, da paisagem cultural e do patrimônio cultural e após acompanhar a aplicação e as 
adaptações do Plano , tendo a sociedade entendido seu papel neste processo. 
Óbvio que a legislação deve ser elaborada de forma democrática, mas não modificada 
com intransigências e totalitarismo, pois deve honrar a boa política para o desenvolvimento 
econômico, que contemple a dignidade da pessoa humana, o bem-estar e a qualidade de vida. 
 
5. DIREITO À PAISAGEM E VALOR MAIOR PÓS- PANDEMIA 
As cidades e as paisagens foram atacadas pela Pandemia mundial da Covid-19 e 
urgente e necessário resolver, além dos problemas de saúde, os causados pela 
vulnerabilidade e exclusão, os de alimentação e fome, a qualidade de vida e seguir garantindo 
os recursos presentes para as gerações futuras. 
O mundo pós-pandemia requer considerar direitos e saberes, modos de vida e dentre 
os direitos, (re) valorizar, construir, reafirmar, ratificar o direito subjetivo à paisagem. 
Vale a lição de Ost (1995) o ambiente é um patrimônio, herança geracional passada, 
conjunto de recursos das presentes e garantia comum das gerações g=futuras, em relação às 
quais contraímos uma dívida de transmissão. 
Então, há o dever de preservação, de reafirmação dos cenários, das paisagens, dos 
sítios para as gerações futuras e com a pandemia a natureza restituiu vigor, mas também 
necessita do homem para preservação e a crise revelou que a vida, a saúde, o cuidado, tem 
relevância e os ambientes, os recursos naturais, as paisagens, não podem ser desmerecidas, 
destruídas, pelo contrário, o afastamento social revelou o quanto necessitamos do ambiente, 
das paisagens, da cultura, dos cenários. 
Uma vida humanamente digna, exige um meio ambiente saudável que garanta o 
direito á paisagem, no entanto, cabe ao Poder Público e à sociedade dirimir os conflitos, 
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disputas, causadas pela forma que os problemas ambientais afetam os grupos humanos 
produzindo injustiça social e as paisagens são manipuladas no interesse dos mercados, das 
grandes construtoras e os seres que fazem parte daquele ecossistema sofrem, são removidos 
e morrem. 
A paisagem é degradada, destruída e há perda de sua fruição individual e coletiva, 
sendo o mercado o responsável pelo desrespeito e morte da paisagem e do direito subjetivo 
difuso. 
Nesse sentido, o Mestre Ivan Therra (2021) aduz que “ a paisagem cotidiana de 
dunas, ventos e lagoas, foi

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