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Supremo Tribunal Federal STF - Recurso Extraordinário_ Re 587970 SP - São Paulo _ Jurisprudência

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12 de Março de 2024
2º Grau
Supremo Tribunal Federal STF - RECURSO
EXTRAORDINÁRIO: RE 587970 SP - SÃO PAULO -
Inteiro Teor
Publicado por Supremo Tribunal Federal há 7 anos
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Inteiro Teor
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) : FELÍCIA MAZZITELLO ALBANESE
Resumo Inteiro Teor
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ADV.(A/S) : DENISE CRISTINA PEREIRA
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) : ALEXANDRE SCHUMACHER TRICHES
INTDO.(A/S) : CÁRITAS ARQUIDIOCESANA DE SÃO PAULO
(CASP)
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
INTDO.(A/S) : CENTRO DE APOIO E PASTORAL DO MIGRANTE -
CAMI
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
INTDO.(A/S) : INSTITUTO DE MIGRAÇÕES E DIREITOS HUMANOS
- IMDH
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
ASSISTÊNCIA SOCIAL – ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS –
ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE.
A assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constitui-
ção Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangei-
ros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e
legais.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal em desprover o recurso extraordiná-
rio, nos termos do voto do relator e por unanimidade, em sessão
presidida pela Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata do
julgamento e das respectivas notas taquigráficas.
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 57
RE 587970 / SP
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https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
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Brasília, 20 de abril de 2017.
MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
RECDO.(A/S) : FELÍCIA MAZZITELLO ALBANESE
ADV.(A/S) : DENISE CRISTINA PEREIRA
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) : ALEXANDRE SCHUMACHER TRICHES
INTDO.(A/S) : CÁRITAS ARQUIDIOCESANA DE SÃO PAULO
(CASP)
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
INTDO.(A/S) : CENTRO DE APOIO E PASTORAL DO MIGRANTE -
CAMI
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
INTDO.(A/S) : INSTITUTO DE MIGRAÇÕES E DIREITOS HUMANOS
- IMDH
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
R E L A T Ó R I O
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O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A Primeira Turma Re-
cursal do Juizado Especial Federal da 3ª Região condenou o Insti-
tuto Nacional do Seguro Social – INSS a conceder a estrangeira re-
sidente no Brasil há mais de 54 anos o benefício assistencial pre-
visto no artigo 203, inciso V, da Carta da Republica.
Assentou não haver, na Lei Maior, dispositivo a restringi-lo aos ci-
dadãos brasileiros. Consignou caber à legislação ordinária apenas
definir os critérios para aferição da insuficiência de recursos, não
sendo lícito limitar o benefício nos termos pretendidos pela Autar-
quia. O recurso foi parcialmente provido, para afastar a multa im-
posta ante o
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 57
RE 587970 / SP
descumprimento de ordem formalizada pelo Juízo.
No extraordinário, protocolado com alegada base na alínea a do
permissivo constitucional, o Instituto Nacional do Seguro Social
articula com a transgressão dos artigos 5º, cabeça, e 203, inciso V,
do Diploma Maior. Questiona a necessidade de garantir a isono-
mia na concessão do benefício assistencial, afirmando inexistir
idêntica situação fática entre nacionais e estrangeiros. Argumenta
que, do contrário, não haveria motivos para estender aos portu-
gueses residentes no País os mesmos direitos dos cidadãos brasi-
leiros. Sustenta a ausência de eficácia imediata do contido no ar-
tigo 203, inciso V, do Documento Básico, pois o próprio texto sub-
mete o implemento do benefício aos termos definidos em lei.
Aduz que o Supremo, no julgamento da ação direta de inconstitu-
cionalidade nº 1.232-1, refutou qualquer possibilidade de inter-
pretação extensiva da Lei nº 8.742/1993 – Lei Orgânica da Assis-
tência Social. Salienta que, apesar de este Tribunal ter assentado
caber exclusivamente ao legislador – e não ao Poder Judiciário – a
definição dos critérios para aferição de hipossuficiência, a Turma
Recursal afastou a delimitação do alcance da norma constitucio-
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https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650901/inciso-v-do-artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
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https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
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nal imposta pelos artigos 1º da Lei nº 8.742/1993 e 4º do Decreto nº
1.744/1995. Afirma não ser o nível de desenvolvimento econômico
suficiente para custear o benefício para todos os brasileiros e es-
trangeiros residentes no País.
Sob o ângulo da repercussão geral, anota que a matéria versada
no recurso ultrapassa os limites subjetivos da lide, sendo de inte-
resse de toda a sociedade brasileira, bem como da comunidade in-
ternacional, mostrando-se relevante dos pontos de vista econô-
mico, social e jurídico. Destaca a importância das questões previ-
denciárias como decorrência do tratamento constitucional dado
ao tema.
A recorrida, nas contrarrazões de folha 122 a 125, alude à falta de
prequestionamento e à necessidade de assegurar a igualdade pre-
vista no artigo 5º, cabeça, da Lei Maior. Enfatiza implicar a pre-
tensão do Instituto Nacional do Seguro Social discriminação entre
nacionais e estrangeiros, sendo conflitante com a dignidade da
pessoa humana.
O extraordinário foi admitido na origem.
2
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 57
RE 587970 / SP
Em 26 de junho de 2009, o “Plenário Virtual” reconheceu a reper-
cussão geral da questão veiculada no recurso.
O Procurador-Geral daRepública, no parecer de folha 147 a 150,
opina pelo provimento do extraordinário. Frisa que este Tribunal
possui entendimento no sentido de que o artigo 203, inciso V, da
Constituição Federal não é autoaplicável, dependendo de legisla-
ção ordinária a estabelecer os critérios e requisitos para a obten-
ção do benefício de prestação continuada. Aduz a limitação do be-
nefício, pelo artigo 1º da Lei nº 8.742/1993, aos cidadãos
brasileiros.
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11361560/artigo-1-da-lei-n-8742-de-07-de-dezembro-de-1993
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https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11696527/artigo-4-do-decreto-n-1744-de-08-de-dezembro-de-1995
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/109482/decreto-1744-95
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
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https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
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Sustenta ser o Brasil signatário da Convenção sobre Igualdade de
Tratamento de Nacionais e Não Nacionais em Matéria de Previ-
dência Social, incorporada ao ordenamento jurídico pátrio pelo
Decreto nº 66.467/1970, a qual, no artigo 10, § 2º, exclui expressa-
mente a assistência social do âmbito de incidência.
Observa haver acordo bilateral entre Brasil e Itália relativo à pre-
vidência, mas não quanto à assistência social. Ressalta ser a deter-
minação dos beneficiários da assistência social matéria de sobera-
nia, ligada ao princípio da reserva do possível. Conclui que, à mín-
gua de previsão legal, não há como estender o benefício de presta-
ção continuada aos estrangeiros, ainda que residentes no País.
É o relatório.
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
V O T O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Atendeuse
aos pressupostos de recorribilidade. A peça, subscrita por Procu-
rador Federal, foi protocolada no prazo legal. Conheço.
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A questão mostra-se das mais relevantes. Está em jogo definir se a
nacionalidade brasileira deve ser considerada requisito para a
concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso
V, da Carta da Republica.
Discussão afeta à matéria foi travada por este Tribunal quando do
julgamento do recurso extraordinário nº 567.985/MT, no qual se
examinou a constitucionalidade do critério estabelecido pela Lei
nº 8.742/1993 para aferição da condição de hipossuficiência. Vi-
sando a coerência de entendimento, lanço argumentos veiculados
no voto proferido na oportunidade.
A Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, imbuída de es-
pírito inclusivo e fraternal, fez constar o benefício assistencial
previsto no artigo 203, inciso V, da Lei Básica da República. Con-
substancia especialização dos princípios maiores da solidariedade
e da erradicação da pobreza, versados no artigo 3º, incisos I e III,
nela contido. Concretiza a assistência aos desamparados, estam-
pada no artigo 6º, cabeça, do Diploma Maior. Daí ostentar a natu-
reza de direito fundamental.
O constituinte assegurou a percepção de um salário mínimo por
mês aos portadores de deficiência – hoje designados, em lingua-
gem mais adequada, portadores de necessidades especiais – e aos
idosos, exigindolhes a comprovação de não possuírem meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la satisfeita pela família,
conforme dispuser a lei.
Considerada a integração legislativa, foi editada a Lei nº
8.742/1993, em cujo artigo 20, § 3º, delimitou-se o benefício aos
idosos e portadores de necessidades especiais cuja renda familiar,
por cabeça, não ultrapasse 1/4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 57
RE 587970 / SP
do salário mínimo.
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
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https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11356438/artigo-20-da-lei-n-8742-de-07-de-dezembro-de-1993
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11356285/paragrafo-3-artigo-20-da-lei-n-8742-de-07-de-dezembro-de-1993
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Ao remeter à disciplina legal, surge razoavelmente claro que o
constituinte não buscou dar ao legislador carta branca para densi-
ficar o conteúdo da Lei Fundamental. Pode-se indagar: se preten-
dia outra coisa, por que assim o fez? Revela-se natural e desejável
que certos conteúdos constitucionais sejam interpretados à luz da
realidade concreta da sociedade, dos avanços culturais e dos cho-
ques que inevitavelmente ocorrem no exercício dos direitos fun-
damentais previstos, apenas de modo abstrato, no Texto Maior. A
lei tem papel crucial na definição dos limites necessários. Essa é
atividade essencial à manutenção da normatividade constitucio-
nal, que, para ter efetividade, precisa estar alicerçada no espírito,
na cultura e nas vocações de um povo.
Na sequência, houve o ajuizamento da ação direta de inconstituci-
onalidade nº 1.232, relator o ministro Ilmar Galvão, em cujo
exame o Supremo assentou, com efeito vinculante, a compatibili-
dade do dispositivo legal com a Carta da Republica.
A óptica foi revista quando da apreciação do recurso extraordiná-
rio nº 567.985/MT e confirmada por ocasião da análise da recla-
mação nº 4.374/PE. Declarou-se a inconstitucionalidade parcial do
artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, sem redução de texto:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e o defici-
ente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assis-
tência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constitui-
ção da Republica, estabeleceu os critérios para que o benefício
mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de
deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionali-
dade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dis-
põe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de
prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa
a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um
quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido
pela lei teve sua
2
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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 57
RE 587970 / SP
constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem considera-
das fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucio-
nalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constituciona-
lidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos
critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstituciona-
lização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do
Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvér-
sia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar
per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalte-
rada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de mise-
rabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Pa-
ralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais
como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei
10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso a Ali-
mentacao; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97,
que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Mu-
nicípios que instituírem programas de garantia de renda mínima
associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal,
em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posiciona-
mentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Veri-
ficou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decor-
rente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e soci-
ais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patama-
res econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declara-
ção de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
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do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que
se nega provimento. (Recurso extraordinário 567.985, relator o
ministro Marco Aurélio, redator do acórdão o ministro Gilmar
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 57
RE 587970 / SP
Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 18 de abril de 2013, acórdão
veiculado no Diário da Justiça eletrônico nº 194, divulgado em 2
de outubro de 2013, publicado em 3 de outubro de 2013)
A controvérsia sobre o critério para verificação da condição
econômica do eventual beneficiário foi solucionada. O rol dos pos-
síveis beneficiados previsto pelo constituinte revela vasto espaço
para a interpretação diante da terminologia adotada.
Mesmo considerada a interpretação feita pelos outros Poderes da
República, o intérprete último da Constituição é o Supremo. Cum-
pre ao Tribunal sopesar, com base nos preceitos do Diploma
Maior, as concretizações efetuadas pelo legislador. Nessa relação
de tensão entre a normatividade constitucional, a infraconstituci-
onal e a facticidade inerente ao fenômeno jurídico, incumbe-lhe
dar prioridade à tarefa de resguardar a integridade da Lei Funda-
mental. Sem esse controle, prevaleceria a interpretação do texto
constitucional conforme à lei, a demonstrar abandono da rigidez
própria àquela.
Como, então, deve ser percebida a cláusula constitucional “a assis-
tência social será prestada a quem dela necessitar”? O objetivo do
constituinte foi único: conferir proteção àqueles incapazes de ga-
rantir a subsistência. Os preceitos envolvidos, como já asseverado,
são os relativos à dignidade humana, à solidariedade social, à er-
radicação da pobreza e à assistência aos desamparados. Esses ele-
mentos fornecem base para interpretação adequada do benefício
assistencial estampado no Documento Básico.
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11356438/artigo-20-da-lei-n-8742-de-07-de-dezembro-de-1993
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11356285/paragrafo-3-artigo-20-da-lei-n-8742-de-07-de-dezembro-de-1993
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
O conteúdo do princípio da dignidade humana é matéria que sus-
cita controvérsias doutrinárias e, até mesmo, jurisprudenciais –
refiro-me, no particular, ao voto do ministro Dias Tofolli proferido
no recurso extraordinário nº 363.889, no qual Sua Excelência con-
signou: “se para tudo há de fazer emprego desse princípio, em úl-
tima análise, ele para nada servirá”. Observou, então, que o prin-
cípio permitiria a defesa de qualquer entendimento jurídico
quando a lide reflita os denominados “desacordos morais razoá-
veis”, caracterizados pela contraposição de
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 57
RE 587970 / SP
óptica igualmente plausível por meio de argumentos de índole pú-
blica. A ubiquidade do uso da dignidade na argumentação jurí-
dica, embora seja crítica legítima, merece exceção no caso em
apreço. Explico.
Em estudo, o ministro Luís Roberto Barroso (Aqui, lá e em todo lu-
gar: a dignidade humana no direito contemporâneo e no discurso
transnacional) destaca que o substrato do conceito de dignidade
humana pode ser decomposto em três elementos, a saber:(i) valor
intrínseco, (ii) autonomia e (iii) valor comunitário.
Como “valor intrínseco”, a dignidade requer o reconhecimento de
que cada indivíduo é um fim em si mesmo, nos termos do ampla-
mente divulgado imperativo categórico kantiano: “age de modo a
utilizar a humanidade, seja em relação à tua própria pessoa ou
qualquer outra, sempre e todo o tempo como um fim, e nunca me-
ramente como um meio”. Impede-se, de um lado, a funcionaliza-
ção do indivíduo e, de outro, afirma-se o valor de cada ser hu-
mano, independentemente das escolhas, situação pessoal ou
origem.
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/
Soa inequívoco que deixar desamparado um ser humano despro-
vido dos meios materiais para garantir o próprio sustento, tendo
em vista a situação de idade avançada ou deficiência, representa
expressa desconsideração do mencionado valor.
Como “autonomia”, a dignidade protege o conjunto de decisões e
atitudes relacionado especificamente à vida de certo indivíduo. O
Supremo, ao emprestar interpretação conforme à Constituição
aos dispositivos do Código Civil que disciplinam a união estável,
para neles incluir a união homoafetiva, protegeu exatamente essa
concepção de dignidade. No julgamento da arguição de descum-
primento de preceito fundamental nº 132, relator o ministro Car-
los Ayres Britto, fiz ver:
O Estado existe para auxiliar os indivíduos na realização dos res-
pectivos projetos pessoais de vida, que traduzem o livre e pleno
desenvolvimento da personalidade. […] A dignidade da vida re-
quer a possibilidade de concretização de metas e projetos. Daí se
falar em dano existencial quando o Estado manieta o cidadão
nesse aspecto.
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 57
RE 587970 / SP
Para que determinada pessoa seja capaz de mobilizar a própria
razão em busca da construção de um ideal de vida boa – que, no
final das contas, nos motiva a existir –, é fundamental que lhe se-
jam fornecidas condições materiais mínimas. Nesse aspecto, a
previsão do artigo 203, inciso V, da Carta Federal também opera
em suporte dessa concepção de vida digna. Mas caberia ao Estado
brasileiro dar essa sustentação ao não nacional? Deve-se estender
essa proteção ao estrangeiro residente no País? Não consigo al-
cançar, nesse particular, argumentos para conclusão negativa.
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/91577/codigo-civil-lei-10406-02
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650901/inciso-v-do-artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
A ideia maior de solidariedade social foi alçada à condição de
princípio pela Lei Fundamental. Observem a ninguém ter sido
oferecida a escolha de nascer nesta quadra e nesta sociedade, mas
estamos todos unidos na construção de propósito comum. O es-
trangeiro residente no País, inserido na comunidade, participa do
esforço mútuo. Esse laço de irmandade, fruto, para alguns, do for-
tuito e, para outros, do destino, faznos, de algum modo, responsá-
veis pelo bem de todos, inclusive daqueles que adotaram o Brasil
como novo lar e fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta
terra.
Em verdade, ao lado dos povos indígenas, o País foi formado por
imigrantes, em sua maioria europeus, os quais fomentaram o de-
senvolvimento da nação e contribuíram sobremaneira para a cri-
ação e a consolidação da cultura brasileira. Incorporados foram a
língua, a culinária, as tradições, os ritmos musicais, entre outros.
Desde a criação da nação brasileira, a presença do estrangeiro no
País foi incentivada e tolerada, não sendo coerente com a história
estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade, especi-
almente quando a dignidade está em cheque em momento de fra-
gilidade do ser humano – idade avançada ou algum tipo de
deficiência.
O escritor inglês John Donne conseguiu descrever o sentimento
em linguagem poética, ao afirmar que a “morte de cada homem
diminui-me, porque sou parte da Humanidade. Portanto, nunca
procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” 1 .
1 (in Devotions Upon Emergent Occasions, disponível em:
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 57
RE 587970 / SP
Esse é o sentido de solidariedade estampado no artigo 3º, inciso I,
do Diploma Maior, objetivo fundamental da República.
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/
Mostra-se possível discordar, em tese, do arranjo sistemático an-
tes revelado, mas não se pode negar a relação entre a dignidade e
(i) a proteção jurídica do indivíduo simplesmente por ostentar a
condição humana e (ii) o reconhecimento de esfera de proteção
material do ser humano, como condição essencial à construção da
individualidade e à autodeterminação. Com fundamento nessa vi-
são, conclui-se que se deve fornecer certo grupo de prestações es-
senciais ao ser humano para simplesmente ter capacidade de so-
breviver e que o acesso a tais bens constitui direito subjetivo de
natureza pública. A isso a doutrina vem denominando mínimo
existencial.
A eliminação dessa forma aguda de pobreza surge como précon-
dição da construção de sociedade verdadeiramente democrática,
da estabilidade política, do desenvolvimento do País como um
todo. Se há algum consenso no âmbito da filosofia moral, é a res-
peito do dever do Estado de entregar conjunto de prestações bási-
cas necessárias à sobrevivência do cidadão.
Mesmo que esses elementos não convençam, o constituinte insti-
tuiu a obrigação do Estado de prover assistência aos desampara-
dos, sem distinção. Com respaldo no artigo 6º da Carta, compele-se
os Poderes Públicos a efetivar políticas para remediar, ainda que
minimamente, a situação precária daqueles que acabaram relega-
dos a essa condição.
Vale notar não existir ressalva em relação ao não nacional. Ao re-
vés, o artigo 5º, cabeça, estampa o princípio da igualdade e a ne-
cessidade de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangei-
ros residentes no País.
São esses, alfim, os parâmetros materiais dos quais se deve partir
na interpretação da regra questionada. Indague-se: o constituinte
excluiu o direito de os estrangeiros residentes no País receberem
benefícios sociais, em especial o de prestação continuada versado
no artigo 203, inciso V, da Lei Maior? À luz do texto constitucional,
tem-se que a resposta é desenganadamente negativa.
http://www.poetryfoundation.org/bio/john-donne
7
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 57
RE 587970 / SP
Não deixo de analisar o contraponto a esse raciocínio. Sabe-se que
a forma como os dispositivos constitucionais e legais são redigidos
encerra decisões do constituinte e do Poder Legislativo. Tais atos
cristalizam acordos sociais atinentes a dilemas morais ou ques-
tões práticas do cotidiano sobre os quais recaem disputas. Permi-
tir que seja reaberta a discussão a cada novo processo judicial é
arriscado sob duas perspectivas.
Primeiro, por viabilizar que o Juízo desconsidere soluções adota-
das mediante o processo político majoritário e faça prevalecer as
próprias convicções, em substituição às consignadas pela socie-
dade. Sem que haja verdadeiro fundamento constitucional rele-
vante, esse proceder acaba por retirar a legitimidade da função
jurisdicional, calcada, conforme concepção clássica, no respeito às
respostas moldadas de antemão pelo legislador.
Segundo, por trazer grandemargem de insegurança ao sistema.
Com efeito, as regras têm o objetivo de reduzir a incerteza na apli-
cação do Direito, permitindo que as pessoas pautem as condutas
pela previsão abstrata, além de assegurar que a solução jurídica
seja observada de modo isonômico.
Diferentemente da ponderação de princípios, que envolve o con-
flito entre dois valores materiais, a “derrota” de regras (ou ponde-
ração de regras, para os que assim preferem) exige do intérprete
que sopese não só o próprio valor veiculado pelo preceito como
também os da segurança jurídica e da isonomia.
É possível assentar a prevalência da leitura constitucional impug-
nada pelo recorrente. A óptica veiculada na regra infralegal, ao si-
lenciar quanto aos estrangeiros residentes no País, não se sobre-
põe à revelada na Carta Federal.
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
O texto fundamental estabelece: “a assistência social será pres-
tada a quem dela necessitar”, sem restringir os beneficiários so-
mente aos brasileiros natos ou naturalizados. Mostra-se de cla-
reza ímpar. Quando a vontade do constituinte foi de limitar even-
tual direito ou prerrogativa a brasileiro ou cidadão, não deixou
margem para questionamentos, como, por exemplo, o disposto
nos artigos 5º, inciso LXXIII, 12, § 3º, 61, 73, § 1º,
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 57
RE 587970 / SP
74, § 2º, e 87, da Lei Maior.
Ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício,
fê-lo, tão somente, quanto à forma de comprovação da renda e
das condições específicas de idoso ou portador de necessidades
especiais hipossuficiente. Não houve delegação relativamente à
definição dos beneficiários, pois já havia sido estabelecida.
No confronto de visões, deve prevalecer aquela que melhor con-
cretiza o princípio constitucional da dignidade humana – cuja ob-
servância surge prioritária no ordenamento jurídico.
Pode-se dizer que, ao reconhecer o direito de estrangeiro resi-
dente no País de receber o benefício, o Judiciário confronta a dig-
nidade da postulante com a dos cidadãos brasileiros, natos ou na-
turalizados, também carentes de prestações públicas. É o conhe-
cido argumento da reserva do possível. A crítica é improcedente.
O benefício de assistência social tem natureza estrita: não basta a
hipossuficiência; impõe-se, igualmente, a demonstração da inca-
pacidade de buscar a solução para tal situação em decorrência de
especiais circunstâncias individuais. Essas pessoas, obviamente,
não podem ser colocadas em patamar de igualdade com os de-
mais membros da sociedade. Gozam de prioridade na ação do Es-
tado, determinada pelo próprio texto constitucional.
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10630501/artigo-74-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10630409/paragrafo-2-artigo-74-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10627296/artigo-87-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
O artigo 203 da Carta Federal conferiu à coletividade a tarefa de
amparar os idosos e portadores de necessidades especiais, assegu-
randolhes a dignidade. No que concerne aos portadores de neces-
sidades especiais, são muitos os dispositivos que atribuem ao Es-
tado e à sociedade deveres de proteção – artigos 7º, inciso XXXI,
23, inciso II, 24, inciso XIV, 37, inciso VIII, 40, § 4º, inciso I, 201, §
1º, 203, incisos IV e V, 208, inciso III, 227, § 1º, inciso II, e § 2º, e
244.
O orçamento, embora peça essencial nas sociedades contemporâ-
neas, não possui valor absoluto. A natureza multifária do orça-
mento abre espaço à atividade assistencial, que se mostra de im-
portância superlativa no texto da Constituição de 1988. Não foram
apresentadas provas técnicas da indisponibilidade financeira e do
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 57
RE 587970 / SP
suposto impacto para os cofres públicos nem, tampouco, de pre-
juízo para os brasileiros natos e naturalizados, isso sem conside-
rar, presumindo-se, que não são muitos os estrangeiros enquadrá-
veis na norma constitucional.
Descabe o argumento de pertinência do princípio da reciproci-
dade, ou seja, arguir que o benefício somente poderia ser conce-
dido a estrangeiro originário de País com o qual o Brasil firmou
acordo internacional e que preveja a cobertura da assistência so-
cial a brasileiro que esteja em seu território. Apesar de a recipro-
cidade permear a Carta, não é regra absoluta quanto ao trata-
mento dos não nacionais.
Basta constatar o fato de o Sistema Único de Saúde – SUS ser re-
gido pelo princípio da universalidade e tutelar a saúde, direito
fundamental do ser humano. Nessa óptica, ao adentrar em territó-
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/
rio brasileiro, o estrangeiro tem direito a atendimento médico
pelo SUS caso precise de assistência de urgência. Não há necessi-
dade de reciprocidade para garantir tal suporte.
Como já consignado, somente o estrangeiro com residência fixa
no País pode ser auxiliado com o benefício assistencial, porquanto
inserido na sociedade, contribuindo para a construção de melhor
situação social e econômica da coletividade. Considere-se que so-
mente o estrangeiro em situação regular no País, residente, idoso,
portador de necessidades especiais, hipossuficiente em si mesmo
e presente a família, pode se dizer beneficiário da assistência em
exame.
Nessa linha de ideias, os estrangeiros em situação diversa não al-
cançam a assistência, tendo em vista o não atendimento às leis
brasileiras, fato que, por si só, demonstra a ausência de noção de
coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do Estado.
Ante o quadro, desprovejo o recurso extraordinário interposto
pelo Instituto Nacional do Seguro e Social. Fixo a seguinte tese:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistên-
cia social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal,
uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais.”
É como voto.
10
Supremo Tribunal Federal
AditamentoaoRelatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650901/inciso-v-do-artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
RECDO.(A/S) : FELÍCIA MAZZITELLO ALBANESE
ADV.(A/S) : DENISE CRISTINA PEREIRA
INTDO.(A/S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO
PREVIDENCIÁRIO - IBDP
ADV.(A/S) : ALEXANDRE SCHUMACHER TRICHES
INTDO.(A/S) : CÁRITAS ARQUIDIOCESANA DE SÃO PAULO
(CASP)
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
INTDO.(A/S) : CENTRO DE APOIO E PASTORAL DO MIGRANTE -
CAMI
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
INTDO.(A/S) : INSTITUTO DE MIGRAÇÕESE DIREITOS HUMANOS
- IMDH
PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Presidente,
devo fazer um aditamento ao relatório, porque, quando examinei
o processo, havia o pronunciamento do Ministério Público no sen-
tido do provimento do recurso, que é do Instituto. Na assentada
de ontem, constatamos, presenciamos, testemunhamos evolução
na óptica, preconizando o Procurador-Geral da República, retifi-
cando o parecer, o desprovimento do recurso.
Supremo Tribunal Federal
AditamentoaoVoto
Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
https://www.jusbrasil.com.br/
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Presidente,
não posso deixar de registrar o contentamento de ter presenciado,
na sessão de ontem, a evolução ocorrida por parte do Ministério
Público Federal, na voz do titular, do Procurador-Geral da Repú-
blica, o doutor Rodrigo Janot Monteiro de Barros.
É como voto.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
V O T O
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Trata-se de re-
curso extraordinário com repercussão geral, no qual se discute a
amplitude do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da CF,
tal como regulamentado pela Lei 8.742/1993 e pelo Decreto
1.744/1995, normas que estabelecem a nacionalidade brasileira
como requisito para o gozo do benefício, além dos requisitos etá-
rio e socioeconômico, excluída a possibilidade de concessão a es-
trangeiros residentes no país. Assim dispõe a referida legislação:
Lei 8.742/1993 (redação da Lei 12.435/2011)
Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é
Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os míni-
mos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações
de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento
às necessidades básicas.
(…)
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um
salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com
65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650901/inciso-v-do-artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/109482/decreto-1744-95
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por
sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta
pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência
de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os fi-
lhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam
sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continu-
ada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedi-
mento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 57
RE 587970 / SP
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja
inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Decreto 6.214/2007, Regulamento do Benefício de Prestação
Continuada, com a redação do Decreto 8.805/2016
Art. 7º O Benefício de Prestação Continuada é devido ao brasi-
leiro, nato ou naturalizado, e às pessoas de nacionalidade portu-
guesa, em consonância com o disposto no Decreto 7.999, de 8 de
maio de 2013, desde que comprovem, em qualquer dos casos, resi-
dência no Brasil e atendam a todos os demais critérios estabeleci-
dos neste Regulamento.
O caso dos autos envolve cidadã italiana residente no Brasil há
mais de 50 anos, genitora de prole brasileira e que comprovada-
mente satisfaz os requisitos etários e socioeconômicos, conforme
assentado no delineamento fático constante do acórdão recorrido.
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/94480/decreto-6214-07
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/359228981/decreto-8805-16
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/917491/decreto-7999-13
https://www.jusbrasil.com.br/
Assim, o objeto do presente julgamento está em definir se é consti-
tucional a limitação do referido benefício apenas aos nacionais
brasileiros. Impõe-se o confronto entre a regulamentação apon-
tada acima e o texto constitucional, cuja literalidade segue trans-
crita abaixo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residen-
tes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igual-
dade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem
por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência
e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 57
RE 587970 / SP
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de defici-
ência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.
A assistência social é política pública de caráter não contributivo,
voltada à satisfação do mínimo existencial indispensável à fruição
dos direitos fundamentais à vida, à segurança, ao bem-estar e, em
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
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dimensão mais ampla, ao próprio princípio da dignidade da pes-
soa humana. O benefício de prestação continuada é a prestação
mínima que o Estado oferece a todos aqueles que dela necessitam,
como expressão de um compromisso da sociedade brasileira com
a tutela dos direitos fundamentais. O caput do art. 5º da CF ex-
pressamente assegura a observância dos direitos e garantias fun-
damentais aos estrangeiros residentes no Brasil, o que bem de-
monstra a sua característica de universalidade, pois destinados a
todos os seres humanos sujeitos à soberania do Estado brasileiro,
a justificar, inclusive, a extensão desses direitos a estrangeiros
não residentes, como registra a jurisprudência do Supremo Tribu-
nal Federal ( HC 74.051, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda
Turma, DJ de 20/9/1996; RE 215.267, Rel. Minª. ELLEN GRACIE, Pri-
meira Turma, DJ de 25/5/2001).
O critério que a Constituição adotou, portanto, foi o de territoriali-
dade, não o critério de nacionalidade. Na verdade, dentro dos re-
quisitos previstos na Constituição, e especificados em lei, obvia-
mente, aquele que está em território nacional e fixou residência,
seja o brasileiro nato, o brasileiro naturalizado, seja o estrangeiro
residente regularmente no País, tem direito ao benefício.
Não se trata de uma questão de nacionalidade, mas, sim, como
bem exposto pelo Relator, Ministro MARCO AURÉLIO, de uma
questão de solidariedade e apoio àqueles que aqui estão, àqueles
que aqui vieram construir sua vida, porque não é umasimples
passagem pelo País. E o caso concreto demonstra bem isso: uma
senhora de 67 anos, que está no
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 57
RE 587970 / SP
Brasil há quase sessenta anos, onde viveu e construiu sua vida e
família.
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641516/artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/14701731
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/7476607
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/
Associada a essa característica, também tem incidência no caso o
princípio da universalidade da cobertura e atendimento das polí-
ticas públicas de seguridade social (art. 194, I, CF), pelo qual fica
vedada a adoção de critérios que segreguem da cobertura assis-
tencial grupos de destinatários também sujeitos aos riscos sociais
que se visa cobrir com a política de assistência social. Assim, a li-
mitação do benefício assistencial apenas a cidadãos brasileiros
conflita diretamente com o texto constitucional, que expressa-
mente determina uma cobertura mais ampla, não suscetível de li-
mitação pelo critério da nacionalidade.
Os argumentos bem-lançados pelo INSS não devem assustar a
análise do caso – a questão do impacto migratório -, porque, mais
de perto, durante quase um ano, convivi com isso no Ministério
da Justiça. Dentre o número de estrangeiros existentes no Brasil,
residentes oficialmente, são pouco aqueles que pedem esse bene-
fício. E, mesmo que nós tenhamos um aumento desse número de
estrangeiros, há um filtro do Poder Público ao conceder a residên-
cia permanente no Brasil. Já é um primeiro filtro. E há – como foi
bem salientado pelo Defensor Público-Geral aqui presente – um
segundo filtro, no momento da concessão do benefício.
Nós não podemos, obviamente, fazer os cálculos em torno de um
milhão de pessoas e, mesmo que assim fosse, o Brasil não pode ser
esquizofrênico em relação ao tratamento de imigrantes. Por que
digo isso, dessa não possibilidade de esquizofrenia? Em setembro
do ano passado, acompanhei o Senhor Presidente da República na
abertura da sessão da ONU e assinamos com os demais países o
compromisso internacional do acolhimento aos refugiados, ou
seja, o Brasil se colocou à frente disso. O Brasil, como foi salien-
tado na ONU, e, também ontem da tribuna, na América do Sul, é o
país que mais acolheu os refugiados.
Não se pode assumir um compromisso de solidariedade internaci-
onal para, a partir do momento em que essas pessoas estrangeiras
ingressam e passam a residir no País, seja-lhes conferido um tra-
tamento diferenciado dos demais residentes, sejam brasileiros
natos,
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10655147/artigo-194-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 57
RE 587970 / SP
sejam brasileiros naturalizados, sejam estrangeiros residentes no
País.
Essa diferenciação, parece-me, não subsistir à leitura do caput do
artigo 5º, que claramente inclui, como beneficiários dos direitos e
garantias fundamentais – e aqui entram também o princípio da
dignidade da pessoa humana, da solidariedade – os estrangeiros
residentes no País.
Claramente há um erro patente de terminologia no fato de o ar-
tigo 1º da Lei nº 8.742 referir, em seu caput: assistência social
como direito do cidadão. Não quis utilizar o legislador o termo ci-
dadão como sinônimo de brasileiro nato ou naturalizado no gozo
dos direitos políticos, porque, se assim fosse, os menores de 16
anos, que têm direito a esses benefícios, não poderiam receber,
porque não são cidadãos, eles não estão no gozo dos direitos polí-
ticos. Os incapazes - como também foi citado da tribuna – não po-
deriam receber. Aqui, na verdade, há a afirmação de um direito
da pessoa, não direito do cidadão, até porque essa Lei não se re-
fere à questão de direitos políticos. Não é somente nessa Lei, mas
existem fartos exemplos de legislação em que as terminologias
são utilizadas, infelizmente, de forma não técnica.
Mesmo que assim fosse, interpretada essa terminologia como res-
tritiva do alcance do benefício, a mesma não passaria pelo crivo
constitucional do artigo 5º, caput, que não admite a restrição,
como bem colocou o nosso Ministro-Relator, quando diz: as restri-
ções constitucionais são expressas, como no caso da extradição e
da contratação para o serviço público.
E devemos lembrar que o Brasil é signatário de tratados internaci-
onais, pelos quais se repudia qualquer discriminação fundada na
origem nacional e se exige a adoção de medidas que progressiva-
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11361560/artigo-1-da-lei-n-8742-de-07-de-dezembro-de-1993
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/
mente assegurem a efetividade de direitos econômicos e sociais.
Por exemplo, cite-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos
e a Convenção Americana de Direitos Humanos (grifos aditados):
Declaração Universal dos Direitos do Homem 1948
Artigo 2.
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as li-
berdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 57
RE 587970 / SP
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.
(…)
Artigo 22.
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à se-
gurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela coope-
ração internacional e de acordo com a organização e recursos de
cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispen-
sáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua
personalidade.
Convenção Americana de Direitos Humanos
Artigo 1. Obrigação de respeitar direitos. Os Estados Partes nesta
Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades
nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda
pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação al-
guma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões po-
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/
líticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social,
posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição
social.
(...)
Artigo 26. Desenvolvimento progressivo. Os Estados Partes com-
prometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno
como mediante cooperação internacional, especialmente econô-
mica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efeti-
vidade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais
e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Orga-
nização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Bu-
enos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa
ou por outros meios apropriados.
Além disso, o Brasil é signatário e incorporou no seu ordena-
mento jurídico nos termos do § 3º do artigo 5º, a Convenção de
Nova Iorque, que ingressou no Brasil com status constitucional -
diga-se de passagem,
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão- Página 24 de 57
RE 587970 / SP
por enquanto, a primeira e única convenção que se utilizou do
novo procedimento do § 3º do artigo 5º, trazido pela Emenda 45 -,
em relação às pessoas com deficiência. E a Convenção de Nova
Iorque, incorporada após a aprovação, em dois turnos, em cada
uma das Casas Legislativas, por três quintos, incorporada ao
nosso ordenamento jurídico pelo Decreto presidencial nº 6.949, de
25 de agosto de 2009, expressamente proibiria qualquer forma de
discriminação em relação às pessoas com deficiência. O artigo 18,
item 1 - insisto novamente, aqui tem status constitucional, como
se Emenda Constitucional fosse -, diz:
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1760665211/emenda-constitucional-45-04
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/818741/decreto-6949-09
https://www.jusbrasil.com.br/
"1. Os Estados Partes reconhecerão os direitos das pessoas com de-
ficiência à liberdade de movimentação, à liberdade de escolher
sua residência e à nacionalidade, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas […]"
Mas vai mais além, depois, no artigo 28, item 2, alíneas b e c, que
obriga os Estados-partes - e o Brasil é um deles:
"b) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particular-
mente mulheres, crianças e idosos com deficiência, a programas
de proteção social e de redução da pobreza;
c) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias
em situação de pobreza à assistência do Estado em relação a seus
gastos ocasionados pela deficiência [...]"
E, na sequência, também o acesso a outros programas, não só so-
ciais, mas habitacionais, aposentadoria. Ou seja, não bastasse a
sequência de artigos que a Constituição Federal, o legislador origi-
nário permitiu -como bem trouxe o Relator -, a incorporação da
Convenção de Nova Iorque, em 2009, com status constitucional,
reforçou essa impossibilidade de discriminação na assistência so-
cial tão somente pelo fato da nacionalidade.
O que importa aqui, a meu ver - e, por isso, acompanho o Minis-
tro-7
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 57
RE 587970 / SP
Relator -, é a territorialidade, o estrangeiro estar residindo no Bra-
sil, ou seja, a residência no Brasil, sem qualquer exigência - por-
que não se exige, seja na Constituição, seja na legislação - de reci-
procidade. Aqui não cabe indagar a questão da reciprocidade,
porque não é um requisito constitucional ou legal.
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
Não me parece que seja possível aplicar como parâmetro a regra
da chamada quase nacionalidade, que é a equiparação do portu-
guês ao brasileiro naturalizado, o português residente no Brasil;
isso, sim, exige reciprocidade, para que possa ter direitos políti-
cos, para que possa exercer todos os direitos que o brasileiro na-
turalizado também pode, sem ter que se naturalizar; isso, sim,
exige a reciprocidade de Portugal – que, por sinal, a Constituição
portuguesa a concede. Quando houve a necessidade de reciproci-
dade para fins específicos de equiparação à nacionalidade, o legis-
lador constituinte exigiu. Isso não se aplica, a meu ver, à questão
aqui da solidariedade na assistência social.
Excluir os estrangeiros residentes da cobertura assistencial asse-
gurada a qualquer brasileiro que dela necessita, em razão da
idade ou deficiência física, além do comprovado estado de misera-
bilidade, conflitaria seriamente com nossa tradição histórica e
constitucional, de nação formada pelo influxo de diferentes po-
vos, raças, credos e origens, constituintes de uma República fun-
dada na dignidade da pessoa humana e no pluralismo (art. 1º, III e
V, da CF) e tendo por objetivo a construção de uma sociedade li-
vre, justa solidária; com a erradicação da pobreza; e com a pro-
moção do bem de todos, sem preconceitos de origem (art. 3º, I, III
e IV, da CF).
Portanto, o dever de solidariedade social transcende o vínculo da
nacionalidade, com especial ênfase nos casos que tratam da ob-
servância de direitos fundamentais.
Em vista disso, não cabe indagar da existência de reciprocidade
de igual cobertura assistencial por parte do Estado de origem do
estrangeiro residente. Mesmo que se considere matéria reservada
à soberania de cada Estado, é de se reconhecer que o Estado brasi-
leiro optou, em seu próprio
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ALEXANDREDEMORAES
Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 57
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641860/artigo-1-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10731879/inciso-iii-do-artigo-1-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10731805/inciso-v-do-artigo-1-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641719/artigo-3-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10731686/inciso-i-do-artigo-3-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10731614/inciso-iii-do-artigo-3-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10731577/inciso-iv-do-artigo-3-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
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RE 587970 / SP
ordenamento interno, pela extensão da assistência social a todas
as pessoas sujeitas à sua soberania. Essa amplitude é consequên-
cia que se extrai diretamente do texto constitucional. Um ato de
direito internacional, como tratado ou garantia de reciprocidade,
não teria, em regra, a aptidão de restringir o alcance determinado
pela Constituição (exceto na hipótese de internalização de trata-
dos na forma do art. 5º, § 3º, CF). E, como visto, os tratados inter-
nacionais ratificados pelo Brasil não indicam qualquer restrição
ao alcance da assistência social, pelo contrário, reclamam a exten-
são dessa cobertura assistencial a todas as pessoas, idosos e defici-
entes físicos em especial, excluída qualquer discriminação fun-
dada na origem ou nacionalidade.
Diante do exposto, nesses termos, eu acompanho o voto do
Relator.
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Supremo Tribunal Federal
AntecipaçãoaoVoto
Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 57
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https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641393/paragrafo-3-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988
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20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhora Presidente,
eminentes Pares, saúdo o eminente Ministro Marco Aurélio, o Re-
lator deste feito, os ilustres Advogados que ocuparam a tribuna e
trouxeram ontem relevante contribuição ao tema.
Eu me permito, inicialmente, a latere, associar-me à homenagem
que faz o Ministro Marco Aurélio ao mencionar o Comandante
Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, que também recebe a nossa es-
tima e a nossa especial consideração.
No tema em pauta, o Ministro Alexandre de Moraes acompanha o
eminente Relator.Eu havia preparado, e de fato tenho, uma decla-
ração de voto, que irá diretamente para os autos, porque, em tudo
e por tudo, o que nela se contém não se contém com a sensibili-
dade e a lucidez de percepção de índole constitucional que, como
de praxe, veio vertida no voto de Sua Excelência, o eminente Mi-
nistro-Relator.
Entendo que o desate jurídico desta matéria, com toda a vênia do
que em sentido contrário se sustentou aqui, não pode se submeter
a uma latitude hermenêutica reducionista, diante do inequívoco
texto que deflui da Constituição. E, portanto, não pode a Constitui-
ção ser interpretada à luz de uma legislação infraconstitucional,
reduzindo o conceito de pessoa para um conceito relevantíssimo,
mas, todavia, mais restrito, que é o conceito de cidadania.
Portanto, cumprimento o eminente Ministro-Relator, saúdo, e não
apenas por uma solenidade de Colegiado, mas, sim, por depreen-
der a solução acutíssima e sensível que traz no desprovimento do
recurso extraordinário. Juntarei a declaração de voto.
E, também homenageando o Direito Constitucional e o Direito In-
ternacional dos Direitos Humanos e, portanto, o Brasil como terra
de acolhimento e a Constituição na sua verdadeira latitude her-
menêutica, tenho o prazer de acompanhar o eminente Relator.
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
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Supremo Tribunal Federal AntecipaçãoaoVoto
Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 57
RE 587970 / SP
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 29 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
V O T O
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor Presidente, emi-
nentes Pares, gostaria, inicialmente - e não o faço apenas por sole-
nidade colegiada -, de cumprimentar o eminente Ministro Marco
Aurélio, que apresenta um voto que contém um estudo acutíssimo
sobre um problema de larga repercussão, quer do ponto de vista
jurídico, quer do ponto de vista econômico e social. Portanto, per-
mito-me inicialmente cumprimentar Sua Excelência. Cumpri-
mento também os ilustres advogados, que traduziram da tribuna
uma contribuição relevante ao debate sobre esta matéria.
Senhor Presidente, eu vou procurar sintetizar meu ponto de vista
sobre o tema, embora sua medular importância para o direito
constitucional e o direito internacional dos direitos humanos.
Os direitos e garantias fundamentais estão previstos em diferen-
tes artigos da Constituição Federal, pois a Carta de 1988 objetivou
tornar mais efetiva a proteção aos indivíduos.
Assim, a Seguridade Social, que compreende um conjunto de
ações de iniciativa do Poder Público e da sociedade para a promo-
ção da saúde, previdência e assistência, estampada no artigo 194 e
seguintes do Texto de 1988, foi considerada direito fundamental.
Oportuno mencionar que o artigo 194, inciso I, da Constituição Fe-
deral, imputou-lhe a universalidade da cobertura e do atendi-
mento. Significa dizer que todo e qualquer risco ou situação de
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https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10655147/artigo-194-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
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vida que possa levar uma pessoa ao estado de necessidade, deve
ser amparada pela Seguridade Social. Entendo, dessa forma, que a
referida norma pretendeu alcançar a todas as pessoas, objeti-
vando inclusive dar efetividade ao princípio da dignidade da pes-
soa humana, prevista como um dos fundamentos da República no
artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Como bem salientou o Procurador-Geral da República, em
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 57
RE 587970 / SP
memoriais lançados nestes autos, o princípio da dignidade da pes-
soa humana tem como elemento a garantia do mínimo existencial
a toda e qualquer pessoa.
O artigo 203, inciso V, da CF, que trata da assistência social , é ex-
plícito ao assegurar que A assistência social será prestada a quem
dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social.
Também o Diploma Maior, no artigo 5º, consolidou o princípio da
igualdade e o fez sem distinção de qualquer nacionalidade. Dessa
forma, o Estado brasileiro estendeu aos estrangeiros residentes no
País o mesmo compromisso firmado com os brasileiros sobre a
defesa dos direitos fundamentais, garantindo a todos os indiví-
duos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade.
Contudo, ao regulamentar o artigo 203, V, da CF, a Lei 8.742/1993 -
que dispõe sobre a organização da Assistência Social -, exigiu, da-
queles que buscavam ser destinatários da assistência social, a
condição de cidadão.
Vejamos a redação do artigo 1º:
“Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado,
é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mí-
nimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10641860/artigo-1-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10731879/inciso-iii-do-artigo-1-da-constituicao-federal-de-1988
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https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650901/inciso-v-do-artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10651100/artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650901/inciso-v-do-artigo-203-da-constituicao-federal-de-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/
ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendi-
mento às necessidades básicas.”
Nesse sentido, em que pese o artigo 20 da mesma lei tenha garan-
tido o benefício de prestação continuada no valor de um salário
mínimo à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais
que comprovem não possuir meios de prover a própria manuten-
ção nem de tê-la provida por sua família, restringe a União o di-
reito ao benefício apenas aos cidadãos, excluindo os estrangeiros
residentes no país, por conta do conteúdo orientador do caput do
artigo 1º acima referido, regulamentado pelo artigo 7º, do Decreto
6.214/2007.
Não obstante o Diploma Maior tenha condicionado a aplicabili-
dade do referido inciso à disposição de lei, é defeso ao legislador
ordinário
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 57
RE 587970 / SP
legiferar irrestritamente de modoa afrontar os limites fixados
pela própria Constituição.
Na minha compreensão, e sendo a assistência social um direito
fundamental que não exige contraprestação, todos aqueles que
preencham os requisitos previstos na legislação devem estar am-
parados pelo benefício, inclusive os estrangeiros residentes no
Brasil. Qualquer distinção em relação à nacionalidade pode tor-
nar sem efeito o princípio da universalidade desse direito.
A respeito do tema, ponderou Fábio Zambitte Ibrahim, em artigo
publicado na Revista Juris Plenum Previdenciária, v. 1, n. 3, p.
107-110, ago. 2013:
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10830007/artigo-1-do-decreto-n-6214-de-26-de-setembro-de-2007
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10828942/artigo-7-do-decreto-n-6214-de-26-de-setembro-de-2007
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/94480/decreto-6214-07
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/
“Nunca é demais lembrar que a prestação aludida é aquela vol-
tada ao mínimo vital, ou seja, suporte pecuniário necessário à
própria sobrevivência do requerente, ou, ao menos, apoio finan-
ceiro assecuratório da liberdade real. Pois não há um direito ao
desenvolvimento e plenitude da existência para aqueles que care-
cem dos meios mais elementares da vida.”
Logo, ofende o texto constitucional, especialmente os postulados
da dignidade da pessoa humana e da isonomia, a adoção de requi-
sito discriminatório da nacionalidade para a concessão do benefí-
cio de prestação continuada.
A Lei, nesse ponto, ao regulamentar o benefício previsto na Cons-
tituição, restringindo a assistência social ao cidadão e excluindo
os estrangeiros residentes no país, acaba, portanto, por violá-la.
Uma coisa é o estabelecimento de critérios que norteiam a imple-
mentação de benefício a serem observadas pelos requerentes, tais
como a deficiência, a idade e a condição de miserabilidade. Algo
diverso é a restrição de direito fundamental concedido pelo Texto
Maior, a configurar tratamento discriminatório a determinada
parcela que indubitavelmente compõe a sociedade.
Portanto, o artigo 1º da Lei 8.742/1993, se mostra em desacordo
com a Lei Fundamental, a qual considerou como regra a igual-
dade de
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 57
RE 587970 / SP
tratamento, com a finalidade de amparar a quem dela precisar.
Deixo de analisar a constitucionalidade do artigo 1º, do Decreto
1.744/95, que regulamentava o benefício assistencial, porquanto
integralmente revogado pelo Decreto 6.214/2007, o qual não con-
tém dispositivo de idêntica reprodução.
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1503907193/constituicao-federal-constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11361560/artigo-1-da-lei-n-8742-de-07-de-dezembro-de-1993
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104422/lei-da-assistencia-social-lei-8742-93
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/topicos/12160966/artigo-1-do-decreto-n-1744-de-08-de-dezembro-de-1995
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/109482/decreto-1744-95
https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/94480/decreto-6214-07
https://www.jusbrasil.com.br/
Por essas razões, Senhor Presidente, voto pelo desprovimento do
recurso extraordinário.
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROSAWEBER
Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
VOTO
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhora Presidente, eu
saúdo os advogados que ocuparam ontem a tribuna e fizeram
competentíssimas sustentações orais.
https://www.jusbrasil.com.br/
O eminente Relator, Ministro Marco Aurélio, começou o seu voto
questionando se a nacionalidade brasileira seria requisito do be-
nefício contido no artigo 203, V, da nossa Lei Fundamental. Todos
sabemos o texto, mas eu relembro:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessi-
tar, independentemente de contribuição à seguridade social, e
tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei.”
A dicção do preceito constitucional, analisado quer de uma pers-
pectiva teleológica, quer de uma perspectiva sistemática, leva a
que se responda negativamente à questão proposta pelo eminente
Relator. A nacionalidade brasileira não é requisito para a conces-
são do benefício mensal de um salário mínimo nele previsto, e a
interpretação da legislação infra há de se fazer sempre à luz do
norte constitucional.
Eu havia preparado por escrito algumas observações, mas as re-
puto totalmente despiciendas diante do belíssimo voto do Minis-
tro Marco Aurélio, que faço questão de louvar com muita ênfase,
em especial pela enorme sensibilidade de ter trazido os versos de
John Donne, depois reproduzidos por Hemingway no romance
“Por quem os sinos dobram?”. Não vamos perguntar por quem do-
bram os sinos, porque sabemos que
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROSAWEBER
Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 57
RE 587970 / SP
eles dobram por todos nós. Esse é o sentido, essa é a metáfora poé-
tica do que se discute neste processo.
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/25339266
https://www.jusbrasil.com.br/
Eu nego provimento ao recurso, Senhora Presidente, acompa-
nhando o eminente Relator.
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 57
20/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 587.970 SÃO PAULO
V O T O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Senhor Presidente, egrégio Tri-
bunal Pleno, ilustre representante do Ministério Público.
https://www.jusbrasil.com.br/
Ouvi com atenção o voto do Min. Marco Aurélio, que desde já
saúdo. Neste caso, o Plenário decide, em sede de repercussão ge-
ral, se a condição de estrangeiro residente no país é circunstância
impeditiva de obtenção do benefício assistencial de prestação
continuada (LOAS).
Desde logo, adianto que seguirei o voto do relator, no sentido de
que a CF não estabelece qualquer distinção entre cidadãos brasi-
leiros e estrangeiros residentes no país, para fins de acesso aos
programas de assistência social. Pelo contrário, interpretação sis-
temática do artigo 203, inciso V, com o artigo 5º, caput, da CF, con-
duz à conclusão de que cidadãos brasileiros e estrangeiros resi-
dentes no país gozam dos direitos fundamentais em condições de
relativa igualdade. Portanto, a norma infralegal que restringiu o
respectivo acesso apenas aos brasileiros (Decreto n. 6.214/2007)
violou a CF, a Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) e
a Lei n. 6.815/80 ( Estatuto do Estrangeiro).
A argumentação do voto é dividida em quatro partes.
Primeiro, exponho o regramento jurídico dos estrangeiros regu-
larmente residentes no país (categoria específica de estrangeiros
que dispõem de autorização para residir no Brasil, de acordo com
as especificações do visto em que se enquadram).
Segundo, apresento uma explanação sistemática dos dispositivos
constitucionais de regência, com vistas a comprovar que os es-
trangeiros regularmente residentes no país encontram-se em situ-
ação de relativa igualdade aos cidadãos brasileiros, inclusive para
fins de acesso às políticas de assistência social, nos termos dos ar-
tigos 5º e 203 da CF.
Terceiro, a partir da “doutrina dos princípios inteligíveis” (magis-
tério do Professor Cass Sunstein

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