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CADERNO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – GEOVANE PEIXOTO – FBDG 2021.2 AULA 01 – INTRODUÇÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS O semestre será dividido em quatro partes relacionadas aos direitos fundamentais – individuais (vida, liberdade...); sociais; nacionalidade e direitos políticos; e ações constitucionais (aquelas voltadas para a garantia dos direitos fundamentais) O que são direitos fundamentais? Segundo Virgílio Afonso da Silva, direitos fundamentais são todos aqueles definidos pela Constituição Federal (1988). Entretanto, a própria Constituição Federal no art. 5, § 2, contradiz a máxima anteriormente apresentada: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. OBS: Por exemplo, o direito do acesso à internet tem sido debatido como um direito fundamental, tendo em vista que, principalmente em contexto pandêmico, apresenta suma importância para a concretização do direito à educação, previsto constitucionalmente. José Afonso da Silva sintetizou a concepção de que direitos fundamentais são aqueles que asseguram às pessoas a dignidade humana (Art 1, § 3) postulados em uma constituição. Percebe-se, a partir dessa perspectiva, que há um valor fundamental a ser assegurado, ou seja, a materialização de um dos valores primordiais da República Federativa do Brasil (do Estado Democrático de Direito brasileiro): a dignidade humana. Art. 60 § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais. Nesse cenário, percebe-se que não há um único significado para o termo “direitos fundamentais”, mas perspectivas que se apoiam somente na Constituição apresentam uma visão extremamente limitada. Referências: - Curso de Direito Constitucional – Dirley da Cunha Júnior/ Juspodium - Curso de Direito Constitucional – Bernardo Gonçalves Fernandes/ Juspodium - Curso de Direito Constitucional – Gilmar Mendes e Paulo Branco/ Saraiva - Direito Constitucional Brasileiro – Virgílio Afonso da Silva/ EDUSP - Direito Constitucional e Teoria da Constituição – J. J. Gomes Canotilho/ Almedina (POR) AULA 03 – A RELAÇÃO ENTE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS José Afonso da Silva sintetizou a concepção de que direitos fundamentais são aqueles que asseguram às pessoas a dignidade humana (Art 1, inciso 3) postulados em uma constituição. Percebe-se, a partir dessa perspectiva, que há um valor fundamental a ser assegurado, ou seja, a materialização de um dos valores primordiais da República Federativa do Brasil (do Estado Democrático de Direito brasileiro): a dignidade humana. Direitos humanos são bens essenciais que visam a efetivar a dignidade humana, positivados em tratados internacionais. A diferença existente entre o conceito de direitos fundamentais e direitos humanos encontra-se verificada na fonte normativa – constituição e tratados internacionais, respectivamente. A maneira que cada Estado adota tratados internacionais pode variar devido à autonomia estatal. Um tratado internacional é construído a partir, inicialmente, de uma negociação entre os Estados e cada representante estatal, caso concorde, assina o tratado. No caso brasileiro, esse representante, previsto constitucionalmente, corresponde ao presidente da república. Após a assinatura do presidente brasileiro, este envia para a aprovação no Congresso Nacional (sistema de freios e contrapesos) e, em caso afirmativo (validação), é ratificado pelo presidente por decreto e, por conseguinte, ocorre a inserção no ordenamento jurídico. Em virtude da similaridade conceitual, os tratados de direitos humanos poderiam ser incorporados como normas de direitos fundamentais. O STF, no entanto, discordou, relembrando que, de acordo com o Art. 105, III-a, é de competência do STJ julgar, em sede de recurso especial, a lei e os tratados internacionais. Como o Art. 105 considera os tratados internacionais passíveis de julgamento pelo STJ, que é a corte da Legalidade, o STF (Corte de Constitucionalidade) invalidou o entendimento anterior, visto que o Art. 105 dava aos tratados qualidade de lei e não equiparação ao texto constitucional, como Direitos Fundamentais. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Brasil assinou em 1979 e ratificou em 1992 o Pacto de San Jose da Costa Rica (Tratado Interamericano de Direitos Humanos) - responsável por determinar a proibição da prisão por dívida civil, salvo por inadimplemento de prestação de pensão alimentícia. O STF, no entanto, foi na contramão e afirmou que os pactos internacionais são normas infraconstitucionais. Essa não aceitação, no primeiro momento, do status de norma constitucional dos tratados internacionais ocorreu pelo fato do STF enxergar a constituição como uma constituição formal, ou seja, para que uma norma seja constitucional essa necessita de um procedimento formal, devendo passar pelas fases da constituição dessas normas. Em 2004, a EC 45/2004 foi editada, alterando regras concernentes ao Poder Judiciário e o artigo 5 sofre duas alterações. Art 5, § 3º: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo: DLG nº 186, de 2008, DEC 6.949, de 2009, DLG 261, de 2015, DEC 9.522, de 2018) OBS: O § 2º do Art. 5 privilegia o caráter material, enquanto o § 3º privilegia o aspecto formal (competência e procedimento). Depois, surgiu um novo debate: o que acontecerá com as normas anteriores a 2004? Súmula vinculante 25 – Depositário infiel É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. Publicação - DJe nº 238/2009, p. 1, em 22/12/2009 O STF volta a ratificar a constituição brasileira como uma constituição formal. Todavia, as emendas são como efeitos daqui pra frente, deixando de lado aqueles tratados antes dessa emenda. É ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito. Com essa súmula (25), o STF cria uma nova categoria: normas supralegais - conduzindo a debates até hoje no que tange a essa fundamentação criada pelo STF. Hoje, os tratados internacionais no Brasil são vistos como normas infraconstitucionais, exceto em matéria de direitos humanos. Processos julgados anteriormente à EC 45/2004: os tratados internacionais têm status de supralegalidade, ou seja, acima das leis e abaixo da CF – permitindo o bloqueio de efeito das leis, mas jamais da CF/88; Processos julgados após a EC/2004: os tratados internacionais têm status constitucionais, pois são aprovados como emendas constitucionais – há uma equiparação, nesse caso, os direitos humanos aos direitos fundamentais; Levando em consideração a atual posição do STF, qual é a posição dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos? A lógica da existência de uma perspectiva universal acerca dos direitos humanos é historicamente pautada em uma visão cultural vinculada a pressupostos do ocidente europeu. Muitas vezes, esse termo “universal” se distancia bastante da prática, inclusive no próprio âmbito de umdeterminado Estado, como o ilustrado no Brasil no que tange ao conhecimento precário e ao distanciamento da cultura indígena. Deve-se, portanto, de acordo com a doutrina vinculada a concepções de David Sánchez Rubio, buscar uma efetivação prática do princípio da universalidade, acompanhada de construções teóricas e práticas no plano jurídico a partir de um diálogo intercultural – há uma valorização da construção acima da imposição, passando por análises pautadas em bases jurídicas, políticas e sociais dos direitos humanos e fundamentais. REFERÊNCIAS: Direitos humanos e o direito constitucional internacional/ Flávia Piovesan (capítulo IV) Encantos e desencantos dos Direitos Humanos - de emancipações, libertações e dominações/ David Sánchez Rubio AULA 04 – GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O tcheco Karel Vasak, baseando-se nos três pilares da Revolução Francesa, sintetizou a teoria geracional dos direitos fundamentais – evidenciando a existência de três gerações: a da liberdade, a da igualdade e a da fraternidade. Essa divisão sofreu duras críticas devido ao emprego do termo “gerações”, pois, de acordo com alguns estudiosos, essa perspectiva corrobora a tese de que o surgimento de um novo bloco aniquila o anterior. Os teóricos dos direitos humanos rebatem essas críticas, afirmando existir uma complementariedade ao invés de uma superioridade ao longo das gerações – ou seja, há uma aquisição de novos direitos, tendo em vista que direitos fundamentais não são suprimidos. Tendo em vista esse debate, há quem prefira substituir o termo “gerações” por “dimensões” – mas para parcela significativa essa discussão é irrelevante e os dois termos podem ser considerados sinônimos. Nesse sentido, a segunda dimensão adiciona novos direitos à primeira dimensão e a terceira dimensão adiciona novos direitos à segunda dimensão (geração da liberdade adição de novos direitos pela geração da igualdade adição de novos direitos pela geração da fraternidade). Art 60 (CF/88). § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Primeira dimensão (da liberdade) – dimensão dos direitos subjetivos (direitos que envolvam liberdade, privacidade, propriedade, entre outros). Há um forte vínculo com uma lógica liberal pautada na limitação da intervenção estatal (reação contra os regimes absolutistas), entrando em decadência a partir da ascensão dos estados de bem-estar-social; Segunda dimensão (da igualdade) – dimensão dos direitos sociais (educação, saúde, lazer, segurança, previdência social...) e econômicos (distribuição de renda, acesso à terra...). Caminhando em um viés pautado em uma lógica da igualdade material, há uma defesa da intervenção do Estado para manter a ordem social; Terceira dimensão (da fraternidade) – reestruturação dos direitos humanos e fundamentais visando a atender relações jurídicas mais complexas em comparação àqueles que envolveram o acesso dos indivíduos aos direitos fundamentais. Partindo desse pressuposto, percebe-se a necessidade de proteção de direitos fundamentais dentro da pós-modernidade que estão associados a direitos coletivos – daí a noção de fraternidade: a proteção daquilo que precisa ser solidariamente partilhado. A título exemplificativo os direitos ambientais podem ser citados; AULA 05 – CONTINUAÇÃO DO TEMA SOBRE DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DIMENSÕES OBSERVAÇÕES PRIMEIRA DIMENSÃO Direito-chave: Liberdade; Pautada em pressupostos liberais; Contexto-histórico: Reação liberal ao absolutismo estatal; Há uma ideia de proporcionar ao ser humano uma condição de emancipação em relação ao Estado, alcançando, assim o patamar de cidadão; Busca por identificar os direitos que garantem ao homem à condição de liberdade perante o Estado; Existência de um Estado de intervenção mínima (Estado omissivo); Defesa da igualdade formal: todos são iguais perante a lei; Contemplação dos direitos negativos, ou seja, dos direitos individuais; Os cidadãos são completamente autônomos para regular esses direitos (direito à vida, liberdade de expressão, liberdade religiosa, direito à propriedade...); Explicita a importância da divisão dos poderes para a garantia dos direitos negativos (DUHC – Art. 16) – condiciona a existência da constituição estatal a partir de uma visão sociológica SEGUNDA DIMENSÃO Direito-chave: Igualdade; Contexto-histórico: Decadência do liberalismo e consolidação do Estado de bem-estar-social; Busca por identificar os direitos que necessitam de participação estatal para serem garantidos; Existência de um Estado forte e interventor (Estado proporcional); O Estado atua nas áreas social e econômica – direito à educação, saúde, lazer, transporte, Defesa da igualdade material: busca por construir uma sociedade livre, justa e solidária (art 1, III – CF brasileira); Subordinação da lógica econômica à garantia dos direitos fundamentais; Consolidação das constituições dirigentes ou pragmáticas – ou seja, as constituições estabelecem as diretrizes norteadoras do que será necessário para que o que se encontra previsto constitucionalmente seja efetivado (ex: art. 196 da Constituição Federal – “a saúde é direito de todos e dever do Estado mediante políticas sociais e econômicas (...)”; TERCEIRA DIMENSÃO Direito-chave: fraternidade; Surge a partir do reconhecimento de relações jurídicas mais complexas, passando-se a pensar coletivamente; Existência de um Estado com duplo papel: omissivo e interventor, ou seja, um Estado que apresenta um caráter complexo; Direitos coletivos em sentido estrito: aqueles pelos quais se reconhece todos aqueles que estão envolvidos na relação jurídica (ex: a proteção de direitos dos consumidores de notebook de determinado modelo); . Direitos difusos: aqueles pelos quais não é possível se reconhecer os indivíduos envolvidos na relação jurídica (ex: direitos do consumidor, direitos ambientais); Envolve direitos que buscam regular questões concretas pautadas em pressupostos coletivos; Alguns doutrinadores apontam para a existência, ainda, de uma quarta (pautada nos direitos contidos em tratados internacionais contemporâneos) e de uma quinta dimensão dos direitos fundamentais (pautada nos novos direitos – convocados, principalmente, a partir da evolução tecnológica). Na quinta dimensão dos direitos fundamentais encontram-se o acesso a internet (ainda mais evidente no contexto pandêmico vigente), a biotecnologia, a clonagem, entre outros. O grande dilema consiste no debate envolvido o seguinte questionamento: têm surgido, de fato, novos direitos fundamentais ou apenas a reinserção dos já existentes nos novos meios ascendentes? O autor Jairo Schafer adere a uma perspectiva baseada na crença na incompletude do ordenamento jurídico, tendo em vista que admite a possibilidade de antinomias entre os direitos fundamentais. Daí, o autor aponta para uma única solução, pautada em um viés de proporcionalidade, denominada de ponderação de bens e interesses – a qual contemplará as particularidades de cada evento em questão. Partindo desse pressuposto, um princípio que, porventura, foi colocado em segundo plano perante a outro em determinada ponderação, poderá prevalecer em outra oportunidade (inclusive em um embate contra o princípio que prevaleceu na situação anteriormente mencionada). Em síntese, não há uma hierarquia entre os princípios, mas uma análise de cada caso específico. A título exemplificativo pode- se citar a decisão do STF, no início de 2021, que concedeu autonomia para estados e municípios fecharem templos religiososdurante a pandemia (embate entre o direito à vida e o direito à liberdade de culto). Essa visão de Schafer é extremamente criticada; Caso Luth: Erich Luth, diretor da imprensa da cidade de Hamburg, convocou um boicote à exibição do filme “Amada imortal” – do cineasta Veit Harlan – tendo em vista a ligação do cineasta com posturas antissemitas. Ruth foi processado com base no Código Civil e, mesmo após alegar, na defesa, direitos fundamentais previstos constitucionalmente, foi condenado. Referências: Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão O que é uma Constituição? – Ferdinand Lassale O conteúdo jurídico do princípio da igualdade – Celso Antônio Bandeira de Mello A ética protestante e o espírito do capitalismo – Max Weber Os direitos não nascem em árvores: os custos dos direitos – Flávio Galdino Direito, escassez e escolha – Gustavo Amaral Curso de direitos fundamentais – George Marmelstein AULA 06 – INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E TRANSCONSTITUCIONALISMO A interpretação possui forte ligação acerca de como pensamos o Direito; O Direito surge através de problemas que demandam soluções; O aplicador do Direito apresenta extrema responsabilidade visando a assegurar os direitos dos próximos e de si mesmo (embora esta seja mais rara devido a interferência, mesmo que inconsciente, de aspectos emocionais e subjetivos); O Direito é uma ciência de natureza prescritiva tendo em vista que prescreve como as condutas devem-ser, ou seja, prioriza o mundo do dever-ser; O Direito é dotado de coercibilidade, estando acampado dentro de um espectro que permite ao Estado utilizar seus mecanismos de violência para manter a ordem jurídica. A título exemplificativo pode-se citar a força inerente às normas jurídicas para garantir a um banco que os devedores quitarão as dívidas; Durante muito tempo, as faculdades realizaram intensos investimentos somente na aprendizagem de normas, negligenciando o caráter interdisciplinar da ciência jurídica. Nesse sentido, é necessário compreender o caráter interdisciplinar do Direito com outras áreas do conhecimento – Psicologia, Filosofia, Sociologia, Antropologia, entre outros – a fim de alcançar uma maior aproximação entre o intérprete à lei e, por conseguinte, possibilitar uma melhor análise do problema (enxergar com outros olhos); O intérprete não é o intérprete da norma, mas a norma é o resultado da interpretação. Nessa perspectiva, a norma é fruto da normatização, ou seja, consequência do processo de intepretação e não do objeto desta. O intérprete, nesse cenário, deve começar a compreender o problema; A diferença entre o sucesso e o insucesso encontra-se na capacidade de encontrar soluções complexas para casos complexos; Vale ressaltar que existem soluções extrajurídicas, conforme defendido por Louk Hulsman, que podem solucionar problemas como a mediação e a conciliação e que são, muitas vezes, alternativas mais plausíveis e eficazes em comparação com o litígio – reduzindo-se, dessa forma, a quantidade de ações que ingressam no poder judiciário; Cada vez mais, atualmente, a interpretação dos direitos fundamentais Situação-problema I: É possível juridicamente admitir que uma testemunha de jeová se recuse a receber uma transfusão de sangue em virtude de sua crença religiosa? Nessa problemática, há um conflito entre dois direitos fundamentais: o livre-arbítrio do cidadão vinculado à liberdade religiosa e a garantia do bem maior que é a vida. Esse dilema também coloca em questão o exercício da medicina pelo profissional, tendo em vista que este se encontra sujeito a consequências legais e deve respeitar o Código de Ética Médica. OBS: Testemunhas de Jeová não negligenciam o direito à vida, mas buscam tratamentos alternativos em relação à transfusão sanguínea através de sua interpretação da Bíblia; Debates envolvidos nessa questão: Contexto simples no qual uma testemunha de Jeová absolutamente capaz recusa um tratamento baseado em transfusão sanguínea: Não há nenhuma norma que venha a impor o paciente a aderir o tratamento aconselhado pelo médico; Contexto no qual os pais – testemunhas de Jeová – decidem sobre a situação dos filhos menores de idade incapazes: os pais decidem ou pode ocorrer uma atuação judicial com base no ECA a fim de minimizar esse poder exercido pelos pais e assegurar a vida do menor? Contexto complexo no qual a vítima se encontra em uma situação de emergência e precisa, imediatamente, de uma transfusão sanguínea: o médico, nesse caso, apresenta autonomia para iniciar autonomia? Geralmente os testemunhas de Jeová utilizam um crachá no qual expõe a sua crença religiosa, evitando, dessa forma, que terceiros venham a decidir sobre a sua vida; Situação-problema II: Um cidadão compra um terreno e constrói uma casa em uma região periférica da cidade, buscando uma vida mais calma diante das atribulações da cidade. Um tempo depois, é construída uma casa ao lado da casa do cidadão anteriormente mencionado e, nessa casa, passa a funcionar um templo religioso. Todo dia, a partir das 22h, é realizado um culto no templo religioso. O cidadão, então, ingressa com uma ação judicial requerendo que o culto não seja realizado a partir das 22h. Um advogado da igreja instaurada nesse terreno contesta a ação alegando que isto contraria os direitos fundamentais da liberdade religiosa e de culto. Analise o problema exposto, considerando que estamos em Salvador (Bahia) e apresente uma solução jurídica. Em primeira análise, é de suma importância lembrar que a Constituição Federal delega a responsabilidade aos municípios a fim de solucionar questões dessa matéria no seu artigo 182: A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. A Lei ordinária N° 5354/98 de Salvador-BA é responsável por estabelecer as normas gerais sobre controle da poluição sonora e dispõe limites máximos de intensidade da emissão de sons e ruídos resultantes de atividades urbanas e rurais na capital baiana. Nesse sentido, no período compreendido entre as 22:00 e 7:00, o limite permitido é de 60 Db (sessenta decibéis). Analisando-se o caso anteriormente exposto, infere-se que a solução mais plausível corresponde à medição da intensidade sonora proveniente do culto religioso que acontece no estabelecimento próximo da residência do cidadão. Partindo desse pressuposto, o cidadão não apresenta a capacidade de – via ação judicial – interromper os cultos que acontecem às 22h apenas pelo descontentamento e a alegação de que essa situação tem o incomodado. Dessa forma, é necessário verificar a intensidade sonora, pois somente a demonstração de uma infração no que tange os limites estabelecidos pela Lei ordinária N° 5354/98 de Salvador-BA no horário citado - isto é - um valor registrado superior a 60 Db (sessenta decibéis), dará sustento ao solicitado pelo cidadão. Ademais, caso obtenha sucesso na ação de suspender a realização de cultos às 22h, essa determinação não fere a liberdade religiosa e de culto, tendo em vista que essa pode continuar a ser exercida em outro horário ou em outro estabelecimento. Caso a intensidade sonora esteja em concordância com o exposto na lei ordinária N° 5354/98 de Salvador-BA, a ação judicial ingressada pelo cidadão não trará os resultados esperados e, por conseguinte, os cultos continuarão a ser realizados às 22h naquela localidade. OBS: Vale ressaltar que alternativas secundárias como o recurso de isolamento acústico seriam extremamente caras e antecipar o horário dos cultos não seria benéfico para os cidadãos que somente podem estar naquele estabelecimento naquele determinado horário. Entretanto,soluções extrajurídicas como mediações ou conciliações poderiam ser consideradas plausíveis e eficazes. ETAPAS DE INTERPREATAÇÃO: 1. Costumes: compreender o problema (perceber as questões a serem resolvidas); 2. Legislação: verificar a solução que se extrai das normas legislativas; 3. Jurisprudência: verificar se essa matéria foi apreciada pelo judiciário e como foi; 4. Aderir ao precedente ou fundamentar o porquê está se afastando do procedente; 5. Doutrina: dialogar com análises críticas daquilo que foi fundamentado. Entretanto, deve-se atentar acerca da distinção entre os manuais (síntese enciclopédica do assunto) e as doutrinas; Para a próxima aula apresentar um problema polêmico envolvendo o direito à vida, a legislação aplicável, jurisprudência e doutrina (atividade em grupo); Referências: Livro: Por que tenho medo dos juízes? – Eros Roberto Gral Filme: O Povo contra Larry Flint Filme: A grande luta de Ali Parte introdutória do livro: Arbitragem e processo – Carlos Alberto Carmona Livro: Acesso à justiça – Mauro Capelletti AULA 07 – DEBATES IMPORTANTES ACERCA DO DIREITO À VIDA E O DIREITO À IGUALDADE 1. Os limites da legítima defesa putativa e da legítima defesa de terceiros na política de abates de portadores de fuzis: O ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel reforçou a promessa de matar criminosos que estejam armados com fuzis. De acordo com Witzel, “o protocolo é claro: se alguém está com fuzil, tem que ser neutralizado de forma letal”; O debate central encontra-se no seguinte dilema: seria válido o homicídio de portadores de fuzis (o ferimento do direito à vida desses – Art. 5º da CF) nas comunidades pela suposição de que esses são ameaças à vida dos habitantes das comunidades e da própria sociedade – ou seja, para a legítima defesa de terceiros (Art.23 e Art. 25 do CP)?; Caso concreto: Em 2019, no Rio de Janeiro, após cinco mortes, ONG’S iniciaram a investigação de “snipers” no bairro de Manguinhos. Segundo moradores, as vítimas teriam sido atingidas por projéteis disparados do alto de uma torre da polícia; Excludente de ilicitude na jurisprudência: A legítima defesa putativa já foi utilizada na jurisprudência visando ao excludente de ilicitude. A legítima defesa putativa supõe que o agente atue na sincera e íntima convicção da necessidade (grifo do autor) de repelir essa agressão imaginária (legítima defesa subjetiva); No âmbito doutrinário, Gunther Jakobs já defendia a existência de um “Direito Penal do Inimigo”, ou seja, a concepção de que o Direito Penal não incide da mesma forma sobre todos os cidadãos e, considerando essa observação, em muitas ocasiões não são respeitados direitos fundamentais – como a dignidade da pessoa humana – quando se pretende punir aqueles que são considerados “inimigos” da sociedade (geralmente corroborando para o arquétipo de negro, pobre, com baixo nível de escolaridade...); O advogado e professor de Criminologia e Direito Penal da UFRJ Reinaldo Santos de Almeida diz que a ideia de Witzel – semelhante à do Projeto de Lei 352/2017 – é uma “aberração jurídica” pois o que Witzel defende corresponde apenas a uma presunção baseada em estereótipos, indicadores sociais e de pobreza, cor de pele, entre outros; Podemos concluir que o debate aqui exposto é mais ideológico do que voltado para a segurança pública e baseado em discursos de ódio contra uma parcela populacional discriminada da sociedade. Há, portanto, a transformação da segurança pública em guerra e comércio; Deve-se buscar intervenções na raiz do problema, ou seja, a realização de investimentos em educação, saúde, transporte, moradia, entre tantos outros espaços; Além disso, percebe-se uma hipocrisia em alguns discursos envolvendo segurança pública quando se analisa a questão do combate às drogas unilateral e sangrento. Essa hipocrisia torna-se evidente porque os “inimigos” usuários e/ou traficantes de drogas não se encontram somente nas áreas periféricas (“no morro”), mas também podem estar situado em bairros nobres (“na pista”). 2. A questão da eutanásia: A prática da eutanásia corresponde à morte assistida; O princípio da dignidade é esculpido na carta federal de 1988, mas precisa ser analisado detalhadamente o real significado desse princípio; A questão da eutanásia promove um debate acerca de quais seriam os limites da liberdade, a luz do direito à vida e o direito à dignidade da pessoa humana; A liberdade não apresenta um alcance pleno; Por mais que se entenda o sentido dessa “morte digna”, juridicamente é possível no Brasil? Hoje, pela forma que se encontra postado o nosso sistema legislativo, isso não é possível. Entretanto, a luz de princípios constitucionais, o debate é válido; É necessário entender as diferentes situações envolvendo a eutanásia, ou seja, analisar cada caso de acordo com as suas particularidades. Por exemplo, o caso de um adolescente em profunda depressão é distinto de uma idosa portadora de uma doença em estado terminal. No segundo caso, o prolongamento da vida significa sofrimento; Há, também, nesse debate, intensas barreiras religiosas já que muitas religiões se opõem veementemente essa prática; De acordo com Geovane Peixoto, o debate envolvendo a eutanásia é mais político visando a uma reinterpretação do direito à vida positivado constitucionalmente; 3. Direito à igualdade: Encontra-se contemplado tanto na primeira dimensão dos direitos fundamentais (igualdade formal) e na segunda dimensão dos direitos fundamentais (igualdade material); 3.1 - Igualdade formal: defesa do princípio da isonomia, ou seja, a perspectiva de que todos são iguais perante a lei. Nesse sentido, quando não houver justificativa plausível, não poderá ocorrer um tratamento diferenciado para os cidadãos com base na legislação - caput do Art. 5º da CF: Art. 5º da CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Por exemplo, dois indivíduos – Geovane e Júlia - foram vítimas de um mesmo crime e solicitaram investigação pericial. Entretanto, o juiz concede essa apenas para Júlia, sem fundamentar o porquê desse tratamento diferenciado. Isso não pode, portanto, jamais ocorrer; 3.2 - Igualdade material: há a aceitação do tratamento diferenciado. Dentro do pensamento aristotélico, deve-se buscar tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida da desigualdade. Nesse sentido, reconhece-se que as sociedades humanas são plurais e, a partir, dessa compreensão, objetiva-se o direito à igualdade visando a minimizar as desigualdades reais. A igualdade material almeja à equidade social. Nessa perspectiva, é necessário identificar o fator de desigualdade para, em seguida, elaborar e concretizar medidas que venham a minimizá-la; Segundo Sílvio Almeida, esse processo anteriormente mencionado constitui uma “discriminação positiva”, tendo em vista a busca pela equidade; (aplicação da igualdade material através da identificação do fator preponderante – altura – visando a buscar o equilíbrio) O Art. 3º da Constituição Federal estabelece a responsabilidade do Estado no que tange a redução das desigualdades: Art. 3º - CF: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. AULA 08 – DIREITOÀ LIBERDADE Liberdade enquanto valor x direito à liberdade: A liberdade enquanto valor corresponde à autonomia plena do sujeito regular as ações da sua própria vida com base nos seus próprios valores e concepções. Essa perspectiva de liberdade plena, entretanto, gera problemas sociais, tendo em vista o choque, em determinadas ocasiões, entre as liberdades dos indivíduos. Nesse sentido, passa-se a pensar um direito à liberdade, pautado na garantia da liberdade de uns a partir da limitação da liberdade de outros – o que favorece, por conseguinte, uma convivência harmônica em sociedade. Em síntese, o direito é o responsável pela limitação das liberdades, ou seja, a liberdade de um vai até onde o direito permita que ela vá – refutando-se, portanto, a máxima de que “a liberdade de um termina quando começa a do outro” (conforme previsto no Art. 5º, inciso II – CF/88). Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; Por exemplo, Geovane apresenta o direito de ouvir rock no momento em que quiser desde que obedeça ao limite de decibéis previsto legalmente, a fim de não incomodar os seus vizinhos. Assim, chega-se a conclusão de que esse direito à liberdade não apresenta caráter absoluto, estando condicionado a determinações em prol da convivência harmônica em sociedade. A liberdade de expressão: Historicamente há a busca de se limitar a liberdade de expressão como um jogo político (evidenciado nos governos totalitários). Nesse sentido, é necessário analisar a liberdade de expressão em um Estado Democrático de Direito. A liberdade expressão, partindo desse pressuposto, é uma condição fundamental a fim de materializar a diversidade no plano político (possibilidade do indivíduo votar em a ou em b). A liberdade também se encontra vinculada à responsabilidade do ato, ou seja, o indivíduo precisa se identificar que um posicionamento é de sua autoria (daí a vedação do anonimato). Nessa perspectiva, os limites à liberdade de expressão são verificados na tipificação dos crimes de injúria e difamação (estando de acordo com o axioma, em latim, nullum crimen nulla poena sine lege). Em caso de mensagens com potencial ofensivo em anonimato, pode- se solicitar, juridicamente, a quebra de todos os mecanismos de privacidade. Art. 5º IV (CF) - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; Ademais, um indivíduo, responsabilizando-se pelo ato, pode se expressar livremente desde que não viole a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, estando passível de realizar uma indenização no caso do descumprimento do exposto anteriormente (conforme previsto no Art. 5º, inciso X da CF/88): X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Há um intenso debate contemporâneo acerca do conteúdo da mensagem, ou seja, o embate entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Os discursos de ódio são aqueles que apresentam a finalidade de reproduzir preconceito da sociedade (como racismo, xenofobia, homofobia, entre outros...). Nesse âmbito, essas manifestações, dotadas de um cunho preconceituoso, visam a segregar ainda mais os grupos marginalizados na sociedade (minorias). Art. 3º (CF/1988): Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O repúdio a discursos de ódio torna-se mais evidente no já referido Art. 5º, em seu inciso XLII: XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; Para a próxima aula: Produção de um texto crítico com base no documentário “O riso dos outros”, contendo os elementos já estudados (problema, legislação, jurisprudência e doutrina). Para a realização do trabalho é de suma importância a leitura dos dois textos bases também presentes no Ágata – VALOR 7.0 AULA 10 – A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO, A LIBERDADE RELIGIOSA E O DIREITO À PROPRIEDADE Liberdade de informação: Art. 220 da CF/88: A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Problemática central: Será que esse direito à informação é um direito absoluto ou limitado em prol de se assegurar outros direitos como a imagem e a honra dos cidadãos? A ética da pós-verdade tem favorecido a possibilidade de gerar a desinformação a partir da utilização de elementos falsos – convencionalmente denominados de “fake news”. Atualmente, devido ao desenvolvimento dos meios tecnológicos, o debate acerca da obtenção da informação deu espaço, paulatinamente, ao debate acerca da qualidade e relevância do conteúdo em circulação. É fundamental o entendimento da questão da responsabilidade por trás da liberdade de informação, tendo em vista a necessidade de se garantir a veracidade das mensagens transmitidas em prol da consolidação de um Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 protege a fonte responsável pela geração da informação. OBS: O Caso Watergate foi um dos maiores escândalos da história da política dos Estados Unidos. Ele estourou quando cinco homens foram presos tentando invadir a sede do Partido Democrata com o intuito de plantar escutas telefônicas, em junho de 1972. O caso levou dois jornalistas do The Washington Post — Carl Bernstein e Bob Woodward — a investigarem mais detalhes a seu respeito. Há uma intensa discussão – inclusive já foi matéria do STF – acerca da constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil - que buscam proteger o indivíduo diante da exposição de informações a seu respeito. Art. 20 do CC: Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. (Vide ADIN 4815). Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. Art. 21 do CC: A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815) Entretanto, o interesse em se refletir sobre essa questão apresenta um contorno muito mais econômico à mera preocupação com a imagem dos cidadãos. Nessa perspectiva, infere-se a busca pela obtenção do lucro a partir da informação (venda de biografia de artistas famosos, quebra da privacidade alheia a partir dos reality shows, entre outros..). Os Habeas corpus preventivos na CPI da pandemia ilustram essa busca de se proteger os cidadãos contra a liberdade de informação: O Habeas corpus preventivo garante proteção ao depoente, visto que esse pode se recusar a responder perguntas que, porventura, podem vir a incriminá-lo. Liberdade religiosa: A laicidade estatal corresponde à ausência de religião oficial, isto é, a vedação da relação entre o Estado e a religião (diferentemente do já perceptível na própria história brasileira – vide a ConstituiçãoImperial de 1824 que estabelecia o Catolicismo como a religião oficial do império). O deputado Jorge Amado, em 1946, membro do Partido Comunista Brasileiro, foi o responsável pela garantia da liberdade religiosa no Brasil. A separação entre Estado e Igreja é fruto de um processo que marcou o rompimento do Antigo Regime e, consequentemente, o rompimento com o extenso período histórico de estragos gerados pela autoridade excessiva das instituições religiosas. Além da liberdade de crença, há a liberdade de professar essa crença bem como a liberdade da realização dos ritos religiosos. Partindo desse pressuposto, o indivíduo pode se posicionar de acordo com as suas próprias crenças - ateu, agnóstico, cético, etc... Por trás da liberdade religiosa, é evidente, ainda, a existência de manifestações racistas em relação a elementos culturais, entre esses a religião, sobretudo no que tange às religiões de matrizes africanas. Depoimento de Hédio Silva Jr no STF em 2017: Declaração do racismo religioso por trás da defesa de se preservar a vida das galinhas sacrificadas nos rituais do candomblé – visto que o abate de animais (muitas vezes até mais violentos) coordenados por outras religiões – como a islâmica – não apresenta tanta repercussão negativa. Ademais, o uso de bebidas alcoólicas como o vinho nas missas católicas, inclusive na frente de crianças, vista com extrema tranquilidade, também consistiu em um ponto criticado veementemente pelo advogado das religiões afro-brasileiras no STF. Apesar da laicidade estatal, é nítida a forte influência exercida pela religião católica em países como o Brasil. Nesse sentido, Deus se encontra na cédula do real e, também, na nossa constituição. Ademais, parcela significativa das nossas datas de feriado (Páscoa, Natal...) são datas comemorativas da Igreja Católica Apostólica Romana e no STF há a presença de um crucifixo. Hoje em dia, se tem discutido, também, uma islamofobia, ou seja, uma aversão aos mulçumanos em virtude da divulgação dos ataques terroristas coordenados por uma parcela minoritária que interpreta e prega erroneamente as bases da religião fundada por Maomé. É perceptível uma hipocrisia por parte de alguns indivíduos pois ao mesmo tempo em que apoiaram o jornal francês Charlie Hebdo (que sofreu um atentado terrorista em 2015 após as constantes sátiras que publicavam envolvendo o Islamismo), repudiavam a representação transexual de Jesus Cristo que um indivíduo havia realizado no Brasil. Em síntese, se consolida uma mentalidade fútil, em um contingente expressivo de indivíduos, de que “brincar com a religião do outro é permitido, com a minha, não!”. Direito à propriedade: Os seres humanos, em determinado momento da história, desenvolveram tecnologia suficiente para plantar e para colher. Abdicando do estilo de vida nômade e se tornando sedentários, os homens passam a querer defender as suas propriedades em prol da garantia da sobrevivência do seu seio familiar e, nesse sentido, necessitam de um aparato para defender aquilo que é seu. Dessa forma, passa-se a pensar uma noção de direito à propriedade, conforme já trabalho na disciplina Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Assim, a propriedade encontra-se vinculada à noção de liberdade: liberdade de usar, gozar, dispor e, quando necessário, reivindicar após uma invasão de terceiros. Conforme evidente no Segundo Tratado sobre o Governo de John Locke, o direito de propriedade é adquirido a partir da dominação e do uso como o indivíduo bem entender. O direito à propriedade torna-se um direito fundamental, sendo defendido por alguns doutrinadores como o primeiro direito fundamental assegurado aos brasileiros desde a Constituição de 1824. A constituição em vigência vai muito além, tendo em vista que passa a considerar, para além dos objetos materiais, os objetos imateriais (direitos autorais, direitos de imagem, direito da propriedade intelectual, entre outros). A título exemplificativo pode-se citar o contrato assinado pelos atletas no que tange o direito de imagem em prol da transmissão de eventos esportivos. A nossa constituição inova ao garantir o direito à propriedade no Art. 5 e no Art. 22 e estabelece que todos têm direito à propriedade. Entretanto, o inciso XXIII do primeiro artigo referido (Art. 5) estabelece a obrigatoriedade da propriedade atender a sua função social. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; São múltiplas as formas de intervenção do Estado na propriedade desde que legalmente prevista, isso se justifica em razão da conexão desse direito à propriedade com o direito à liberdade – que não consiste em um direito absoluto. Evita-se, desse modo, a arbitrariedade dos gestores públicos em nome da função social da propriedade. Em caso da não existência de base legal, o cidadão pode reivindicar a propriedade. Art. 5 da CF/88: XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; As hipóteses da intervenção estatal na propriedade a luz da função social constituem objetos de estudo da disciplina Direito Administrativo III. OBS: A propriedade é distinta da posse. Por exemplo, Geovane está fazendo o uso do microfone para explicar o assunto. A posse do microfone no momento é de Geovane, mas a propriedade é da Faculdade Baiana de Direito e Gestão (FBDG). Atividade para a próxima aula: Valor 4.0 – Apresentação de grupo para os dias 20 (4 grupos) e 27/10 (4 grupos) Escolher uma obra cinematográfica para explorar a temática da obra para discutir direitos fundamentais (Ex: as garantias penais e processuais em “Batman: os cavaleiros das trevas”). Em síntese, buscar relacionar a temática do filme com os direitos fundamentais (vida, liberdade, propriedade, entre outros). O trabalho deve conter: Legalidade, jurisprudência e doutrina. Não é necessário trabalho escrito mas pode servir como um roteiro (nome dos integrantes, filme escolhido, questões discutidas, roteiro da apresentação). Duração máxima: 50 minutos. Referência: Direito Constitucional Econômico – André Ramos Tavares AULA 11 – A DIMENSÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E ECONÔMICAS Os direitos individuais, pertencentes à primeira geração dos direitos fundamentais, também são conhecidos como direitos negativos devido à possibilidade dos cidadãos se defenderem para a garantia de tais direitos (como, por exemplo, a liberdade de expressão). Os direitos sociais, inseridos na segunda geração dos direitos fundamentais, também são denominados direitos positivos em virtude da sua natureza prestacional, ou seja, estabelece o direito de um e o dever de outro. Existe, portanto, o titular do direito de um lado e, do outro lado, o detentor de uma obrigação. A título ilustrativo, pode-se citar o Art. 196 da CF/88, o qual evidencia o direito de saúde à todos e o dever do Estado de prestar serviços em prol da garantia desse direito fundamental. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse sentido, a concretização desses direitos sociais depende de ações positivas do Estado denominadas políticas públicas. Atualmente se encontra em pauta o Auxílio Brasil – ação positiva do Estado voltada para a garantia da alimentação à parcela populacional vulnerável.O Art. 6 da CF/88, em seu caput, detalha quais são os direitos sociais. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. O Art. 7, IV discorre sobre o salário mínimo – direito fundamental para a garantia de outros direitos e que apresenta cunho tanto social quanto econômico (daí ser mais plausível a nomenclatura política pública por apresentar um caráter mais amplo). Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; Muitos direitos sociais se encontram vinculados a direitos econômicos (vide a pauta do Auxílio Brasil) – estando essa afirmação mais evidenciada no caput do Art. 170 da CF/88: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: O ideal de justiça social a ser atingido através de investimentos econômicos é reforçado pelo Art. 193 da CF/88: Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem- estar e a justiça social. Parágrafo único. O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020) Assim, no caso daqueles que não conseguem efetivar os direitos sociais através do trabalho, o Estado apresenta o dever de atuar em prol da garantia desses benefícios. Nessa seara, políticas públicas são ações estatais ou praticadas em nome do Estado (como ONG’S) que têm como finalidade a concretização de direitos sociais e econômicos. A política pública, primeiramente, é pensada e, em seguida, entabulada (fase do estabelecimento de informações como: o que é, quais os objetivos, como será...). Ademais, há a fase de implementação e, por último, a materialização da política pública por meio da execução. Por último, embora seja bastante negligenciada, pode ser mencionada a etapa de avaliação dos resultados da política pública para se analisar a eficácia da política pública. Essa eficácia pode ser linear ou circular (a partir da avaliação é possível avaliar o que presta e o que não presta, retroalimentando a política pública através dos reparos necessários para a obtenção de melhores resultados). OBS: Hoje, o Auxílio Brasil se encontra na fase de implementação devido à discussão existente acerca da origem dos fundos econômicos utilizados para a concretização dessa política pública. OBS: No Brasil é evidente uma falha, desde anos anteriores, na avaliação da política pública – tendo em vista o desinteresse dos políticos de evidenciar erros da administração pública. A estrutura adotada pela Constituição de 1988 trata-se de um constitucionalismo dirigente. As normas programáticas são responsáveis pela definição das diretrizes a serem alcançadas. Desse modo, a CF/88 define quais são os direitos, as obrigações do Estado e os objetivos a serem alcançados – sendo, assim, o papel das políticas públicas concretizar esses objetivos. A título exemplificativo no âmbito das normas programáticas pode-se citar o Art. 205 da CF/88: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O estabelecimento de uma campanha nacional de vacinação unida à responsabilidade governamental de compra de vacinas mostrou-se crucial para assegurar a proteção à vida da população brasileira no contexto da pandemia da covid-19. O dinheiro do poder público é limitado e diversas decisões judiciais, muitas vezes, não levam em consideração esse fato. Escancara-se, nesse cenário, um conflito duradouro entre responsabilidade fiscal e justiça social amplamente discutido entre os operadores do direito. Criou-se na Alemanha um argumento para juridicamente rechaçar os pedidos que eram economicamente impossíveis. Reserva do possível e o conceito abstrato de dignidade humana não devem ser pressupostos para a análise dessa dicotomia, tendo em vista que, embora o direito necessite de teorias, é crucial levar em consideração o mundo dos fatos: o esgotamento dos recursos após verificação. Durante a pandemia do covid-19, no Brasil, foi constatada a morte de pacientes aguardando leito de UTI. O aspecto emocional deve se distanciar ao máximo do exercício do Direito pelos seus operadores. REFERÊNCIAS: O conteúdo essencial dos direitos sociais – Marcos Sampaio (Ed. Saraiva) Direito, escassez e escolha – Gustavo Amaral https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/insulinas_analogas_- _narrativa.pdf AULA 12 – DIREITO DE NACIONALIDADE E DIREITOS POLÍTICOS: DIREITO DE NACIONALIDADE: 1. Nacionalidade – conceito: Trata-se do vínculo jurídico que inclui seres humanos, politicamente, como integrantes de um Estado. Nesse sentido, para constituir o povo – um dos elementos que integram o Estado – é necessário ao indivíduo apresentar um vínculo de identidade permanente com o Estado. 2. Critérios de adoção de nacionalidade no Brasil: 2.1 – Nacionalidade nata: Inerente ao nascimento, ou seja, trata-se da nacionalidade originária; 2.2 – Nacionalidade derivada ou por nacionalização: O indivíduo que inicialmente não preenchia os requisitos para a aquisição da nacionalidade, passa a preencher, podendo se naturalizar; 3. Critérios do reconhecimento de nacionalidade nata adotados no Brasil: 3.1 – Critério de territorialidade (Jus solis): Presente no Art. 12, I , a Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; Conforme exposto, é perceptível uma exceção para o pressuposto anterior que consiste no caso do nascido no Brasil com pais estrangeiros a serviço de outra nação. OBS: Pessoas a serviço de empresas privadas não se encaixam na condição de estrangeiro a serviço do país pelo fato da legislação ser bem clara ao se referir ao Estado; OBS: Na situação de um diplomata estrangeiro estar de férias no Brasil e tiver um filho, este, com base na legislação brasileira, é considerado brasileiro pois o diplomata, naquele momento, não estava exercendo a sua função; 3.2 – Critério de parentesco (Jus sanguinis): Presente no Art. 12, I, b e no Art. 12, I, c Art. 12. São brasileiros: I - natos: b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira ; Observa-se que, logo após o nascimento, o brasileiro que tiver um filho no exterior, poderá, imediatamente, registrá-lo em uma repartição brasileira. Caso esse registro não for feito imediatamente, o nascido,após completar os dezoito anos, pode optar pela nacionalidade via judicialização – a chamada ação de opção de nacionalidade cuja competência é da justiça federal (conforme o Art. 109, X da CF/88). Nesse viés, somente posteriormente a sentença transitada em julgado, será reconhecida a nacionalidade brasileira. De acordo com STF, o resultado da ação de opção de nacionalidade apresenta efeito retroativo (Ex tunc); 4. A naturalização: 4.1 – Legislação ordinária: Lei 13.445/17 – a qual explicita no seu Art. 64: Art. 64. A naturalização pode ser: I - ordinária; II - extraordinária; III - especial; ou IV - provisória. No Art. 65, é detalhada a naturalização ordinária: Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições: I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira; II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos; III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei. Há exceções para o inciso II do artigo referido anteriormente, conforme contido no Art. 66 da mesma legislação: Art. 66. O prazo de residência fixado no inciso II do caput do art. 65 será reduzido para, no mínimo, 1 (um) ano se o naturalizando preencher quaisquer das seguintes condições: II - ter filho brasileiro; III - ter cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato no momento de concessão da naturalização; V - haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil; ou VI - recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística. 4.2 - Naturalização especial: A naturalização especial é detalhada no Art. 68 da Lei 13.445/17: Art. 68. A naturalização especial poderá ser concedida ao estrangeiro que se encontre em uma das seguintes situações: I - seja cônjuge ou companheiro, há mais de 5 (cinco) anos, de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior; ou II - seja ou tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos. Com base no Art. 70, infere-se que o migrante criança ou adolescente para a aquisição da nacionalidade brasileira deve ter fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos, entretanto, o requerimento por intermédio de seu representante legal pode acontecer, por exemplo, durante a adolescência (13-17 anos). Art. 70. A naturalização provisória poderá ser concedida ao migrante criança ou adolescente que tenha fixado residência em território nacional antes de completar 10 (dez) anos de idade e deverá ser requerida por intermédio de seu representante legal. Parágrafo único. A naturalização prevista no caput será convertida em definitiva se o naturalizando expressamente assim o requerer no prazo de 2 (dois) anos após atingir a maioridade. 4.3 – Nacionalidade extraordinária (previstas na constituição): Art. 12. São brasileiros II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994) O artigo referido, no seu segundo parágrafo, impede o tratamento diferenciado entre o brasileiro nato e naturalizado, salvo nas hipóteses previstas pelo próprio texto constitucional: § 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. Essas hipóteses são: A) A extradição (somente o naturalizado pode ser extraditado) – conforme o Art. 5, LI LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; B) O Art. 12, no parágrafo 3º, apresenta quais são os cargos privativos de brasileiros natos: § 3º São privativos de brasileiro nato os cargos: I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. VII - de Ministro de Estado da Defesa. OBS: Há uma distinção entre oficiais e não oficiais (praças) – sendo, portanto, vetado ao naturalizado realizar concursos para o exercício de um ofício militar. Todavia, os brasileiros naturalizados apresentam a obrigação do alistamento militar – tradicional aqui no país após os homens completarem 18 anos. C) Outra função que não pode ser exercida por brasileiro naturalizado trata-se do membro do Conselho da República, conforme restrição imposta pelo Art. 89, VII: Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam: VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução. D) Outra restrição ao brasileiro naturalizado (porém não plena) se encontra presente no caput do Art. 222, consistindo na propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão e de sons e imagens: Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País E) O parágrafo 4º do Art. 12 expõe as causas da perda de nacionalidade brasileira: Art. 12, § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; A dupla-nacionalidade não consiste em uma regra, mas uma exceção. Ocorre a perda da nacionalidade brasileira no caso da adoção de outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento da nacionalidade originária (brasileira) pela lei estrangeira e da imposição da naturalização pela lei estrangeira para que o brasileiro possa continuar a residir lá bem como a exercer direitos civis (como trabalhar, a título exemplificativo). OBS: A jurisprudência majoritária considera que a perda da nacionalidade exterior pode proporcionar ao indivíduo reivindicar a nacionalidade brasileira originária. DIREITOS POLÍTICOS: 1. Aspectos gerais: Nos termos da Constituição Federal de 1988, os cidadãos exercem a sua cidadania de duas formas: indiretamente durante as eleições – seja na condição de candidato ou de eleitor de representantes – ou diretamente – por meio dos plebiscitos, dos referendos ou das inciativas de projeto de lei. 2. Democracia direta: De acordo com o Art. 14, I, II, III da CF/88, o povo brasileiro pode exercer diretamente a cidadania através do plebiscito, referendo ou iniciativa de projeto de lei: Plebiscito: Consulta popular a priori de caráter obrigatório na qual cidadãos ecidadãs são convocados para escolher entre opções que lhe são fornecidos. A título exemplificativo pode-se citar o plebiscito de 1993 acerca da adoção da forma (monarquia ou república) e do sistema de governo brasileiro (presidencialista ou parlamentarista) *em negrito as opções vencedoras Referendo: Consulta popular a posteriori a fim de se compreender a legitimidade de determinada legislação. O objetivo, portanto, é a confirmação da decisão política. A título exemplificativo pode-se citar o referendo acerca do Estatuto do Desarmamento ocorrido em 2005; OBS: A Constituição Cesarista – conforme já estudado em Direito Constitucional – corresponde àquela decorrente de uma outorga aliada à aprovação popular. Entretanto, essa aprovação popular é decorrente de uma coação explícita no momento da votação, o que impede a manifestação de uma escolha democrática. A título exemplificativo pode-se citar a constituição chilena. Possibilidade de iniciativa de projeto de lei: O povo pode apresentar um projeto do que se pretende que se torne lei para que venha, futuramente, a tramitar no Congresso Nacional e, caso aprovada, sancionada pelo Presidente da República. O número mínimo de assinaturas desse projeto de lei deve conter, no mínimo, 1% do colégio eleitoral brasileiro e, no mínimo, a representatividade de cinco estados (mínimo de 0,3% do colégio eleitoral de cada Estado). OBS: Ao longo de 33 anos de vigência da CF/88, somente iniciativas de projeto de lei foram convertidas em lei – o que acentua a crise global desse sistema representativo. 3. Democracia representativa: O voto, conforme a CF/88, é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos. Todavia, há um debate intenso travado por longas décadas acerca do ideal – voto facultativo ou voto obrigatório. De acordo como o Art. 14, II, são três as possibilidades de participação: Os maiores de 16 e menores de 18 anos, os maiores de 70 anos e os analfabetos. Art. 14, II - facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos. Conforme o parágrafo 2º do Art. 14 do referido diploma, os estrangeiros não podem se alistar como eleitores: Art. 14, § 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos. *Conscritos: São os brasileiros convocados para o serviço militar obrigatório prestado nas Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica. AULA 13 – CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE E AÇÕES DE CONSTITUCIONALIDADE CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE: O Art. 14, em seu parágrafo 3º, discorre acerca das condições de elegibilidade – não realizando a distinção entre brasileiro nato e naturalizado, salvo as condições previstas em lei. § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: I - a nacionalidade brasileira; II - o pleno exercício dos direitos políticos; III - o alistamento eleitoral; IV - o domicílio eleitoral na circunscrição; V - a filiação partidária; VI - a idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice- Prefeito e juiz de paz; d) dezoito anos para Vereador. Percebe-se, portanto, o requisito da capacidade civil (pleno exercício dos direitos políticos) para a elegibilidade, uma vez que, logicamente, o indivíduo precisa ter consciência das suas atitudes, bem como, das consequências delas provenientes. Assim como os incapazes, aqueles que são condenados por crime de responsabilidade, sofrendo a pena de impeachment, também estarão condenados à inelegibilidade por oito anos (acréscimo ao inciso III do Art. 15 da CF/88). A circunscrição eleitoral pode ser municipal (eleição de prefeito e vereador) ou estadual (eleição de governador, deputado estadual, deputado federal e senador). Ninguém pode se candidatar sem a filiação a algum partido político. Há um debate travado atualmente visto que alguns doutrinadores defendem a candidatura avulsa, tendo em vista que o papel dos partidos políticos foi se defasando ao longo do tempo no Brasil. Nesse contexto, muitos partidos são criados com o intuito de dar credibilidade e ascensão a determinados políticos, pouco importando os verdadeiros objetivos do partido. As alíneas do parágrafo 3º do Art. 14 da CF/88 apresentam um critério objetivo – a idade – para a elegibilidade de determinados cargos. A questão da elegibilidade dos militares é detalhada no oitavo parágrafo do Art. 14 da CF/88: § 8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições: I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade; II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. As questões de inelegibilidade são tratadas ao longo dos incisos do Art. 15 do já referido dispositivo legal: Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. As leis complementares – espécies normativas que serão mais abordadas em Direito Constitucional II – são responsáveis por legislar sobre outros casos de inelegibilidade, conforme o parágrafo 9º do Art. 14 da CF/88: § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. O abuso político para perpetuar familiares no poder é coibido por texto constitucional – conforme as previsões do parágrafo 7º do Art. 14 da CF/88. Nesse sentido, há uma vedação para os cônjuges e parentes de até segundo grau (pais, irmãos e avós) se candidatarem – salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. A Constituição Federal de 1988 permitiu a possibilidade de uma reeleição subsequente ao mandato para o mesmo cargo – conforme o parágrafo 5º da CF/88, incorporado pela EC 16/97. § 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997) A AIM – Ação de impugnação de mandato eleitoral – deve ser requerida por qualquer cidadão brasileiro em até 15 dias sob comprovação de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Essa ação deve tramitar em segredo de justiça, uma vez queuma denúncia, mesmo que arquivada posteriormente, provoca um dano à imagem do indivíduo (ainda mais na conjuntura brasileira vigente). § 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé. Ademais, no Art. 14 do diploma já mencionado, é discorrido sobre a alteração do processo eleitoral: Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993) AÇÕES DE CONSTITUCIONALIDADE: São ações diretamente previstas pela constituição, funcionando, destarte, como remédios constitucionais. Tratam-se de uma forma de garantir, judicialmente, a efetividade de direitos fundamentais. Habeas corpus Regulamentado pelo Código de Processo Penal – mais especificamente no Art. 647; Trata-se da ação constitucional que tem como finalidade proteger a liberdade de locomoção do indivíduo – garatindo-a toda vez que essa liberdade esteja ameaçada ou violada por marco ilegal ou abusivo de uma autoridade pública; O Habeas corpus preventivo foi evidenciado, em diversas vezes, nos depoimentos da CPI da pandemia – uma vez que vários depoentes permaneceram calados com o fito de não responder eventuais questionamentos que pudessem incriminá-los, vide as ações arbitrárias de determinadas autoridades; O Habeas corpus repressivo é aquele que é invocado após a autoridade já ter cometido a prática ilícita; Qualquer um pode ser um impetrante de Habeas corpus de qualquer forma em favor de outrem – inclusive oralmente; Art. 647 do CP: Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. Mandado de segurança: Detalhado pela Lei 12.016/2009; Não poder versar sobre questões amparadas por Habeas corpus e Habeas data (promoção da liberdade de locomoção, acesso a dados e alteração de dados); A impetração do mandado de segurança demanda o preenchimento de três condições: a existência de um direito líquido; a existência de um ato ilegal ou abusivo; atribuído a uma autoridade pública ou a uma pessoa jurídica no exercício de uma função pública; Somente se admite prova documental (não admitindo contraprova) – a chamada prova pré-constituída (e não no curso do processo); Autoridade pública = aquele que exerce uma função pública com o poder de decidir; Essa ação deve ser impetrada em até 120 dias da data que a pessoa toma ciência do ato ilegal abusivo; A responsabilidade do mandato de segurança coletivo é apresentada no Art. 5, LXX da CF/88; Art. 5, LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; Mandado de injunção Regulamentado pela Lei 13.300/2016; Importante inovação trazida pela CF/88, uma vez que o sistema jurídico sempre esteve preocupado com os atos do poder público. Nesse cenário, o mandato de injunção surge como “remédio” contra as omissões do executivo; Se faz importante a previsibilidade de mecanismos para combater as omissões – geralmente essas são provenientes da quantidade excessiva de matérias a serem tratadas pelo executivo; Os mandados de injunção são aplicados quando normas inviabilizam direitos fundamentais dos cidadãos. Assim, exige-se a regulamentação de direitos constitucionais ainda não tratados por leis ordinárias - como o direito de greve dos servidores públicos. Por exemplo, no caso direito de greve somente pode ser exercido nos termos da lei; Alguns doutrinadores consideram que o mandado de injunção trata-se de uma manifestação do ativismo judicial, ou seja, a incorporação de questões que não competiam, originalmente, ao judiciário; Habeas data Regulamentado pela Lei 9.507/1997 e, também, tratado pelo Art. 572 da CF/88; Relaciona-se à informação (dado); Aplica-se quando há a negação do cidadão de receber informações públicas sobre si (acesso à informação); Para corrigir dados incorretos sobre cidadãos em bancos de cadastros públicos (alteração de dados); Pode-se equiparar, em eventuais situações, empresas privadas a bancos de natureza pública – uma vez que essas empresas podem possuir dados das pessoas (não se delimita somente ao Estado); Ação popular Tratada pelo Art. 5, LXXIII; Regulamentado pela Lei 4.717/1965; Protege o patrimônio público; Habilita qualquer cidadão brasileiro para ingressar com uma ação com o fito de anular os atos lesivos praticados por autoridades contra o patrimônio público; Por exemplo, houve um impasse entre a demolição do Maracanã para sediar a Copa das Confederações de 2013 e o fato desse estádio ser um patrimônio histórico, entretanto, a demolição ocorreu com o intuito de cumprir as exigências da FIFA. Diferente foi evidenciado na Alemanha, no que tange ao Estádio de Berlim, para sediar a Copa do Mundo de 1974; Thiago Coelho – FBDG 2021.2 @taj_studies
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