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31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/15 A produção antecipada de provas como um procedimento especial e a sua necessária sistematização A PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS COMO UM PROCEDIMENTO ESPECIAL E A SUA NECESSÁRIA SISTEMATIZAÇÃO The early production of evidence as a special procedure and its necessary systematization Revista de Processo | vol. 339/2023 | p. 165 - 201 | Maio / 2023 DTR\2023\3916 José Henrique Mouta Araújo Pós-Doutor em Direito (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa). Doutor e Mestre em Direito (UFPA). Professor do Cesupa/PA e IDP/DF. Membro da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Associação Norte- Nordeste de Professores de Processo – ANNEP, do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO, da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO e da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil – ABPC. Procurador do Estado do Pará. Advogado. www.henriquemouta.com.br henriquemouta@uol.com.br Vinicius Silva Lemos Pós-Doutorando em Processo Civil pela UERJ. Doutor em Processo Civil pela UNICAP. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF. Professor Adjunto da UFAC – Universidade Federal do Acre. Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da ANNEP, CEAPRO, ABDPC, ABDPRO e IBDP. Advogado. vinicius.lemos@ufac.br Área do Direito: Civil; Processual Resumo: Este artigo versa sobre a ação da produção antecipada de provas, com uma análise desde a sua positivação no CPC/2015 até as suas peculiaridades, com o recorte sobre a ausência de completude de um procedimento específico e especial sobre a ação, com o estudo sobre o melhor procedimento para contemplar todas as inovações legais construídas para o instituto em questão. Palavras-chave: Produção antecipada – Provas – Sistematização – Procedimento Abstract: This article deals with the action of the anticipated production of evidence, with an analysis from its positivization in CPC/2015 to its peculiarities, with the focus on the lack of completeness of a specific and special procedure on the action, with the study about the best procedure to contemplate all the legal innovations built for the institute in question. Keywords: Early production – Evidence – Systematization – Procedure Para citar este artigo: ARAÚJO, José Henrique Mouta; LEMOS, Vinicius Silva. A produção antecipada de provas como um procedimento especial e a sua necessária sistematização. Revista de Processo. vol. 339. ano 48. p. 165- 201. São Paulo: Ed. RT, maio 2023. Disponível em: inserir link consultado. Acesso em: DD.MM.AAAA. Sumário: 1. Introdução - 2. A produção antecipada de prova no CPC/2015 - 3. A produção antecipada de prova como procedimento especial a ser sistematizado - 4. Aspectos conclusivos - 5. Referências bibliográficas 1. Introdução O instituto da produção antecipada de provas dialoga com o próprio direito fundamental à produção da prova, contudo com a diferenciação e inovação do momento de sua produção, alterando a normalidade do processo de conhecimento para um momento antecipado, com novas incidências. Os arts. 381 e seguintes do CPC (LGL\2015\1656) são uma grande novidade do direito à prova e a própria relação das partes com os fatos probantes e a produção da prova antes sequer da existência de um processo e, de certo modo, trouxe pontos de dúvida e inovação sobre a própria ação, tais como ausência de defesa e recurso, decisão meramente homologatória e extintiva, não prevenção do juízo, não valoração da prova, entre outros detalhes. A partir disso, é importante entender o instituto proposto pelo ordenamento processual, suas peculiaridades e o procedimento processo. Entretanto, numa análise apurada e detalhada, o próprio ordenamento deixa lacunas sobre a procedimentalidade, as decisões, manifestações dos interessados, intervenção de terceiros, defesas e outros pontos. Desse modo, o recorte deste estudo perpassa por sistematizar o procedimento da ação de produção antecipada de provas, numa investigação da sua natureza jurídica e hipóteses, além de delinear, por causa dessas idiossincrasias, um procedimento próprio e específico para a ação de produção antecipada de prova, preenchendo as lacunas e dúvidas da norma processual. A metodologia utilizada na pesquisa é a dedutiva, com base em pesquisa bibliográfica sobre o tema proposto e a busca pelas informações gerais dos conceitos atinentes à temática, com a obtenção de informações e explanações 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 2/15 utilizadas para chegar às conclusões específicas sobre o tema e o problema proposto, deduzindo a resposta diante das hipóteses realizadas, numa construção da solução ao problema proposto. 2. A produção antecipada de prova no CPC/2015 O direito à prova é tão amplo que envolve também a possibilidade de produção da prova mesmo antes de uma discussão em juízo, com a antecipação da produção de uma prova sobre um fato que um indivíduo entenda como relevante, talvez contraditório e determinado, com a possibilidade de um impacto jurídico, com uma possível consequência jurídica que formará a causa de pedir de uma determinada ação. Para tanto, os arts. 381 e 382, ambos do CPC (LGL\2015\1656), determinam a possibilidade da ação probatória autônoma, com a antecipação da prova em relação a um determinado fato. Essa ação “é a demanda pela qual se afirma o direito à produção de uma determinada prova e se pede que essa prova seja produzida antes da fase instrutória do processo para o qual ela serviria1.” A antecipação inserta no nome da própria ação está em discutir-se a prova sobre determinado fato antes que ele se revele como contraditório ou que se tenha um direito afirmado em volta dele, com a mera afirmação do autor de que é um fato importante ou que pode ser importante para a causa de pedir de uma ação, seja diante dos diversos motivos possíveis, como urgência cautelar, possibilidade de mediação ou verificação pela parte sobre a existência do seu direito a ser afirmado em ação posterior que dependa da certa configuração desse fato. Não é somente antecipar a fase instrutória, mas a abertura do direito da própria produção de uma prova sobre determinado fato, como um direito à prova, independentemente até de ter um direito afirmado ou uma ação futura. 2.1. Natureza jurídica da ação de produção antecipada de prova A ação de produção antecipada de prova altera a base do próprio conceito de jurisdição, pela sua possibilidade mais ampla do que era no ordenamento revogado, quando tinha característica meramente cautelar, atrelada à produção da prova como uma urgência e a referibilidade do direito da ação posterior. O direito à prova e a alegação sobre a existência de um fato fazem nascer a possibilidade de uma ação meramente probatória, com o pedido envolto a produzir a prova sobre determinado fato. A questão material deduzida em juízo como um direito do autor está em produzir a prova sobre determinado fato, sem qualquer consequência de uma sentença posterior. Até o termo “antecipada” é, de certa maneira, equivocado, pelo fato de que a ação é probatória autônoma, sem a necessidade de referibilidade de uma ação posterior2. O direito de a parte a produzir a prova é consolidado, autonomamente; contudo, a ação de produção antecipada da prova versará, cognitivamente, em discutir se o autor, no caso, detém ou não esse direito. Obviamente que, para o exercício do direito à prova, o fato a ela relativo deve ser bem delineado, com a descrição clara do que se almeja provar, bem como a interligação do autor com os fatos, impactos jurídicos amplos e a indicação de interessados3. Ou seja, é um direito autônomo de ação, contudo, com necessidade de especificação fática clara. Esse direito consolidado para uma ação probatória leva à seguinte indagação: qual é a jurisdição realizada na produção antecipada da prova? A doutrina, de modo geral4, classifica a produção antecipadade prova como jurisdição voluntária, justamente por a parte interessada ter direito sobre a produção daquela prova; contudo, essa análise se torna lacunosa sobre a própria cognição sobre o deferimento ou não da produção antecipada da prova e a discussão contraditória necessária sobre esse direito, se houver outro interessado. A discussão sobre esse ponto, muitas vezes, parte sobre a ausência de decisão final sobre o que se provou, esquecendo, de imediato, que há uma cognição anterior, sobre o deferimento (ou procedência) do direito de produzir a prova. Nesse contexto, a ação é meramente potestativa ou há a possibilidade do outro interessado naquele fato manifestar-se sobre o deferimento ou não da produção da prova? Esse ponto é de necessário enfrentamento para a construção desta resposta. A base desse argumento pela natureza jurídica como jurisdição voluntária passa pelo direito do autor à produção da prova, a ausência de afirmação de conflito sobre a produção da prova e o fato em questão, a possibilidade do outro interessado também requerer produção de outras provas sobre o mesmo fato e a ausência de valoração do juízo sobre a prova produzida e o fato probando5. Há um direito do autor à produção da prova? Esse direito é potestativo? Se o direito do autor (ou interessado) na produção da prova é meramente potestativo, com o deferimento da produção da prova de maneira automática, a jurisdição realmente seria voluntária, sem a necessidade de ser cautelar e, assim, não haveria discussão sobre este ponto, sendo uma mera procedimentalidade jurisdicional para produzir as provas diante do aval judicante, sobre determinado fato. No entanto, há de se ressaltar 2 (dois) pontos: (i) a necessidade de que o autor fundamente a sua relação com o fato e o seu direito à prova sobre aquela fato; (ii) a citação dos demais interessados naquela prova e fato. Diante disso, há uma cognição necessária sobre a relação entre o autor e o seu direito à produção daquela prova, como todo direito potestativo. Nesse ponto, há de se entender que o juízo deve analisar essa relação e, ainda, a 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 3/15 manifestação dos demais interessados, com a possibilidade de contestação sobre tal ponto6. Os demais interessados (eventuais também envolvidos no fato a ser provado) devem ser citados7 sobre o pedido de produção da prova, o que impõe uma possível litigiosidade sobre a produção antecipada da prova, levando, dessa maneira, a ser um processo minimamente contencioso, coadunando em uma inserção a ser visto mais como um procedimento especial contencioso do que uma jurisdição voluntária, ainda que a discussão seja se o autor detém ou não direito àquela prova e não se o interessado seria obrigado a qualquer ato dentro da própria produção da prova. Se é necessária a análise do preenchimento dos fundamentos do pedido de produção antecipada da prova não fariam por si só dessa ação uma jurisdição contenciosa, a contestação de outros interessados, com possíveis alegações sobre a inviabilidade ou a ausência de direito do autor, necessariamente, criaria uma contenção e uma discussão processual. Se qualquer outro interessado na produção da prova for citado e discordar, há um contraditório e uma discussão cognitiva sobre o deferimento ou não da produção da prova, até sem ônus da sucumbência, como positivado, mas com um aspecto processual declaratório em relação ao direito de produzir a prova sobre aquele determinado fato e sobre a obrigação de produzir a prova. Pode-se entender que a posição do interessado e a sua atitude no processo sejam essenciais para visualizar se é ou não uma jurisdição voluntária ou contenciosa. Uma vez citado, qualquer dos interessados na produção antecipada da prova pode concordar com tal produção ou contestar o direito do autor em produzir essa prova. Na primeira hipótese, a jurisdição seria envolta somente sobre o enquadramento do autor e seus fundamentos sobre as possibilidades de produzir aquela prova, sem uma oposição ou impugnação em contrário. Já na segunda hipótese, com um contraditório, a cognição e, consequentemente, a jurisdição seria envolta sobre o direito do autor produzir, a sua relação com o fato e, talvez, se os demais interessados devem produzir a prova ou não, como num depoimento pessoal, perícia, entre outros. Dessa maneira, dependendo da posição processual dos demais interessados, muda-se o grau de cognição do juízo8 e os assuntos em que serão impactados. Na primeira hipótese, os demais interessados podem até concordar com o autor, com a manifestação de que têm interesse em produzir aquela prova e até pleitear por novas provas, posicionando-se como um autor para a produção de novas provas, o que também teria que passar pela manifestação do autor, contudo somente sobre essas novas provas pleiteadas. Nesse caso, não seria uma jurisdição contenciosa, mas meramente voluntária, pela análise sobre o cumprimento dos pressupostos autorizadores daquela produção, sem conflito e sem contenção entre o autor e os demais interessados. Essa abertura para ser uma jurisdição voluntária pela ausência de conflito no pleito do autor leva-nos a analisar esse fato como um argumento para que seja somente jurisdição voluntária. Se o autor somente afirma ter direito à prova sobre determinado fato, sem a existência de nenhum conflito sobre o seu direito ou a contraposição dos outros interessados, não haveria uma cognição contenciosa, uma vez que haveria a ausência de afirmação de conflito no direito do autor em produzir determinada prova, sem oposição dos demais interessados. Mas essa visão de não oposição dos demais é sempre atrelada à ação de produção antecipada da prova? Sempre o autor fundamenta o seu pedido no seu direito e não há uma contraposição negativa sobre o direito de produção da prova? O argumento de essa jurisdição ser voluntária seria de que o possível conflito se daria em momento posterior, depois de produzida a prova, sobre as consequências possíveis jurídicas sobre o fato, não sobre a prova e o fato. Contudo, há de se imaginar que os demais interessados tenham o direito de não produzir aquela prova, contrapondo- se ao direito do autor e, assim, criando uma cognição sobre tal ponto e uma jurisdição contenciosa. Se há discussão sobre a produção antecipada de prova entre as partes, há uma contenção e, consequentemente, por mais abreviado que o legislador quis fazer o procedimento probatório antecipado, se há contraditório possível e uma impugnação, a jurisdição se torna contenciosa sobre o direito de produzir a prova. Como se pode observar, não há como enquadrar, automaticamente9, a produção antecipada da prova na jurisdição voluntária. O juízo deve analisar se há o direito à produção de prova, com um contraditório sobre isso, não somente uma deliberação sobre o pedido, o fato, a prova e o deferimento. Ademais, se houver resistência e exercício de contraditório, é possível a discussão quanto à necessidade de fixação de honorários advocatícios10. Logo, a jurisdição da decisão sobre a produção antecipada de prova pode ser voluntária ou pode ser contenciosa, num híbrido entre um e outro11, dependendo do caso em concreto e a posição dos demais interessados – ou seja, uma jurisdição a ser determinada pelo agir do interessado, não pela própria concepção do direito à prova em si. O que não se pode confundir com a ausência de valoração judicante sobre o fato. 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 4/15 São dois momentos processuais distintos. O que se almeja na ação de produção antecipada de prova é o deferimento do pedido para produzir uma prova e não a análise judicante sobre o fato e a prova. Mas, essa ausência de valoração não faz com que se torne uma jurisdição voluntária12, uma vez que há a necessidade de análise, cognição, decisão e jurisdição sobre o próprio direito de produzir a prova. O aspecto – possivelmente– contencioso está nessa primeira fase, não está na produção da prova e tampouco na posterior ausência de uma valoração do fato ou da relação prova e fato. A jurisdição a ser realizada é aquela que determina a produção da prova e, posteriormente, numa segunda fase, produz-se a prova e entrega às partes (autor e demais interessados) no processo aquela prova, com a extinção do processo sem qualquer mérito dessa fase. Ainda que essa jurisdição seja envolta a discutir-se no objeto do processo o direito do autor em produzir ou não a prova, sem qualquer discussão sobre obrigações do outro interessado diante da produção da prova. O aspecto contencioso não seria em torno de obrigar a outra parte a realizar algum ato, mas somente sobre o direito do autor em produzir essa prova ou não, diante do preenchimento dos pressupostos e requisitos para tanto. Mas o direito à prova e o que está englobado na jurisdição não está nessa segunda fase, está na anterior, sobre a análise judicante da procedência ou não direito de provar aquele fato antecipadamente. Essa segunda fase realmente não é contenciosa e, tampouco uma autêntica jurisdição voluntária, uma vez que produzida a prova, nem sentença será dada, somente a extinção do processo. É uma nova forma de jurisdição, com um maior encaixe pela jurisdição voluntária, contudo, nem seria totalmente essa espécie de jurisdição. 2.2. Os fundamentos da ação probatória: as possibilidades da ação de produção antecipada de provas Para que seja possível o pedido de produção antecipada de prova, o autor deve fundamentar o seu pedido em 3 (três) possíveis hipóteses, conforme o descrito no art. 381 do CPC (LGL\2015\1656): (i) haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; (ii) a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; (iii) o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. A petição inicial deve conter um desses fundamentos, sem qualquer necessidade de que seja a conjunção de todos ou de alguns. Basta que uma dessas fundamentações esteja presente para ser a base fundante da petição inicial. No tocante à primeira hipótese, sobre a possibilidade em caráter cautelar, a produção antecipada de prova serve para se produzir uma prova diante de uma urgência sobre aquela prova e determinado fato. O autor deve fundamentar num receio de que aquela prova seja impossível ou muito difícil em momento posterior, sem a possibilidade de aguardar a propositura de uma ação ou o aguardo sobre a fase probatória desta eventual ação. Desse modo, a busca pela produção antecipada de provas funda-se em acautelar um direito futuro com a produção de uma prova que pode se tornar impossível ou inviável de produção posterior, caso não seja desde logo produzida. A urgência é medida que se impõe. O intuito é preservar a prova, com a alegação de que o tempo pode fazer com que a prova se torne impossível, dado o seu possível perecimento. Os exemplos seriam a necessidade de uma perícia de um documento ou coisa perecível, a iminência da morte de uma testemunha, a modificação do status quo para uma inspeção judicial, entre outras possibilidades. A alegação é a necessidade de manter essa prova viável para a ação futura. Já na segunda hipótese, o fundamento está na possibilidade de produção de determinada prova para que se torne viável uma autocomposição ou outro meio adequado para solucionar o conflito que não seja, necessariamente, o Judiciário. Muitas vezes, os indivíduos em um conflito ainda têm dúvidas sobre determinado fato e, diante disso, não detêm interesse na realização de um acordo ou autocomposição, dada a sua percepção de que o fato teria ocorrido de uma maneira que lhe daria um direito ou que não daria um direito para a outra parte. A produção antecipada da prova numa hipótese como essa permite que se elucide se determinado fato para as partes e, diante do que se produzir, incentivar a realização de um acordo, autocomposição ou outra solução do conflito, dada a possibilidade do resultado da prova servir de incentivo para as partes, com a abertura para uma melhor negociação. Não há nenhuma necessidade de argumentar urgência ou perecimento da prova para o possível processo futuro, mas somente o intuito da parte em antecipar a produção dessa prova para que a negociação tenha um arcabouço mais elucidativo sobre um fato que funda um conflito, com a destinação de que as partes possam, diante da percepção sobre o resultado que sobrevier, abrir-se à possibilidade de uma autocomposição ou outro meio de solução de conflito. É uma ênfase do próprio ordenamento para o incentivo à autocomposição e um sistema multiportas de solução de conflitos. Se determinado resultado for obtido da produção da prova, um dos participantes de um conflito pode ceder para a negociação e vice-versa, com uma facilidade maior para uma autocomposição. 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 5/15 Na última hipótese, o cerne é a produção antecipada da prova pelo fundamento de que o entendimento do interessado sobre aquele fato é essencial para a sua estratégia sobre futura ação, tanto para intentar esta quanto para evitá-la. Como o fato estaria nebuloso na compreensão daquele indivíduo, a produção antecipada da prova pode elucidar um resultado para consolidar a percepção daquele indivíduo em entender que detém direito para uma ação e, com isso, ter mais base fática e convencimento sobre a sua estratégia processual para o direito de ação que entende agora como consolidado. A prova consolidaria a percepção daquele interessado em intentar a ação posterior13. De outro modo, essa hipótese pode servir para desmotivar o interessado em intentar a ação posterior, dado o resultado da prova a ser produzida. Se a prova produzida pode incentivar a consolidar o direito de ação que o interessado afirma deter, o resultado inverso pode produzir igualmente um desincentivo a esta postura, evitando que este intente uma ação que agora perceba inviável ou sem o direito que imaginava deter. Essa hipótese tem a serventia de produzir a prova para definir uma futura estratégia processual e a proposição ou não de uma ação posterior. Se o resultado da prova for de determinada maneira, reforça o direito de ação e, em sentido inverso, evita que se promova uma ação que lhe seria possivelmente improcedente. A produção antecipada da prova serviria para antecipar o estágio probatório para uma fase anterior à própria postulação, influenciando se haverá ou não uma ação posterior14. Essas hipóteses trazem para as partes a destinação da produção da prova, justamente pela sua percepção sobre o resultado dela, sem a possibilidade de se entender que a destinação seja somente para o juízo, com a ampla destinação também às partes, uma vez que estas podem optar, após a produção da prova realizada, em atuar de maneira estratégica em eventual ação posterior ou sem nem precisar de uma ação posterior. A partir da prova produzida e a sua relação com o fato, o interessado realiza a sua própria análise sobre a prova, o fato e o seu direito, seja para afirmá-lo em juízo posteriormente, seja para evitar o ajuizamento de uma ação, seja para entender como a melhor saída uma autocomposição. A prova é fundamental para a própria análise valorativa do interessado em sua produção, com a destinação da prova sendo também para as partes, não somente para o juízo, conforme já delineado no capítulo anterior. Fora as hipóteses dos incisos do art. 381 do CPC (LGL\2015\1656), há aquela do § 1º do mesmo dispositivo, com a abertura de uma quarta possibilidade de fundamento da produção antecipada de prova, com a busca pelo arrolamento de bens. O arrolamento de bens permissivo como produção antecipada de prova é somente quando a parte quer individualizar a listagem de uma universalidade, como a definição de quais os bens são partede um patrimônio, sem qualquer medida restritiva ou cautelar. Se tiver necessidade de medidas restritivas ou cautelares, seria vinculado a outro procedimento, sem ser o pedido de arrolamento uma produção antecipada de provas somente. O intuito é listar os bens, sem qualquer juízo de valor sobre aqueles bens ou, ou ainda, a constrição destes, somente com a busca pela informação da amplitude daquela universalidade que se entende como indefinida. 2.3. A clara destinação da prova para o processo e, também, para as partes Um dogma equivocadamente enraizado no processo civil brasileiro é a noção de que o juízo é o único destinatário da prova15. Ou seja, a demanda teria somente a iniciativa das partes – princípio dispositivo, contudo passando para um interesse público estatal em transformar as narrativas fáticas expostas e as provas produzidas em uma cognição judicial para a definição dos fatos. Com isso, o juízo seria o destinatário único da produção de provas no processo, em qualquer das fases, como se houvesse um interesse público naquela relação/conflito existente na demanda, com a necessidade de que se consiga alcançar, em viés cognitivo, a verdade dos fatos16. Diversas alterações e evoluções processuais alteram essa percepção17, sobretudo a existência de uma produção antecipada da prova. A produção antecipada da prova para as partes, diante das hipóteses acima elencadas, demonstra a gerência das partes sobre a prova produzida. O que fazer com a prova? Esse ponto, a partir da entrega do juízo da prova produzida, passa a ser uma análise e decisão da própria parte, desde a possibilidade de não utilizar judicialmente da prova, a utilização dentro de uma negociação ou até a análise estratégica da viabilidade – ou não – da proposição de uma ação, entre outras possibilidades. Se a parte pode pleitear em juízo pela produção antecipada da prova, com o intuito de decidir se, posteriormente, intentará uma demanda ou não, para subsidiar um acordo ou somente para ter informações conclusivas sobre fatos que tem dúvidas sobre a possibilidade de um direito ou demanda, significa que não há como realizar a defesa do juízo 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 6/15 como o único destinatário da prova, justamente pelo fato de que ele é um ser processualmente alheio ao conteúdo da prova nesse procedimento – produção antecipada da prova. A própria produção da prova sem a valoração fática – e das próprias provas – pelo juízo demonstra que a prova é destinada ao processo18 e todos os seus atores, inclusive o juiz, mas não para este. A prova pode ser produzida, antecipadamente, para o intuito de não ter o processo. 2.4. Espécies de prova a serem produzidas na ação de produção antecipada da prova Há limites para a produção de prova sobre os meios de prova? Ou todos os meios de prova são passíveis de produção antecipada? Essa é uma indagação pertinente19. A discussão versa sobre a possibilidade ampla, por o próprio termo ser sobre produção antecipada da prova, sem os dispositivos atinentes versarem sobre uma limitação, abrindo a possibilidade para qualquer prova20. Essa é uma análise possível, porém, que deve ser mais bem delineada, justamente pela incompatibilidade da produção antecipada de provas com alguns meios de prova. Importante enfrentar a relação da produção antecipada de prova com todos os meios de produção de prova. Sobre a prova documental, talvez a mais comum de utilização, não há sentido na produção antecipada de prova, uma vez que as partes já detêm os seus próprios documentos e, assim, não há necessidade de se produzir essa prova. Todavia, sobre os documentos, há a relação sobre documentos ou coisas que não estão em poder da parte, estando em poder de eventual outra parte em futuro litígio ou até de terceiro. Nesse caso, a produção antecipada de prova seria para produzir a exibição de documentos. Seria possível? A resposta não é fácil, justamente pelo fato de que a exibição de documento envolve um ato da outra parte e o dever, ou não, de entregar o documento ou a coisa, o que tem um grau maior e mais claro de contenção. Diante disso, o rito da produção antecipada de prova não21 é o mais adequado para a exibição de documento ou coisa dada a necessidade de discutir a obrigação existente ou não da outra parte em exibir, o que traz, por si só, um alto grau de possibilidade de ser contencioso22-23 e de maneira diversa daquela possível na produção antecipada de prova. A prova testemunhal é amplamente possível na produção antecipada de prova. Afinal, é possível e facilmente produzível a oitiva de uma testemunha numa ação probatória anterior à eventual outra ação. O motivo pode ser para qualquer um dos três incisos elencados no art. 381 do CPC (LGL\2015\1656). A produção da prova testemunhal pode ser com a finalidade da comprovação de um fato que servirá de base para um processo contencioso futuramente ou somente como justificação, para servir como documentação, sem uma natureza por si só contenciosa. No primeiro caso, a oitiva da testemunha seria para elucidar um determinado fato que envolve um direito material. O fato probando já seria envolto, ainda que futuramente, de uma consequência jurídica para uma relação material, o que envolveria a intimação da testemunha (ou várias) para o seu depoimento e, ainda, dos interessados em produzir aquela prova para a participação no processo, além da manifestação, como vimos. No segundo caso, na justificação, o intuito da parte é justificar um fato probando para fins pessoais, sem ter a relação específica com um fato contencioso específico. O art. 381, § 5º, do CPC (LGL\2015\1656) dispõe que também servirá a produção antecipada da prova a quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica para simples documento e sem caráter contencioso, que exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção. O comum é se pretender justificar um fato para uma comprovação futura, até administrativa, como um servidor público que quer comprovar o tempo para a sua aposentadoria, por exemplo. Nesse caso, não há contencioso e nem necessidade de citação de interessados. O depoimento pessoal de algum interessado que possa servir de elucidação de um fato probando sobre uma relação material não é possível na produção antecipada da prova, uma vez que não processo formado. Por mais que se imagine possível que se produza uma prova de maneira oral, com um relato sobre os fatos presenciados, sem este indivíduo figurar entre as partes, não pode ser visto como um depoimento pessoal, somente uma testemunha a ser ouvida, o que pode ocorrer. Numa hipótese como essa, o pedido de produção antecipada de prova está em delinear que há uma relação material entre as partes e o autor pretende o depoimento específico da outra parte, no caso, o interessado, contudo não será vista como um depoimento pessoal, mas uma produção de prova testemunhal. Uma outra questão que se tem é se pode ocasionar a confissão24 de um depoimento tido como pessoal. É um aspecto complexo pelo fato de que a parte ali não seria propriamente a ré, mas se assim for feito, não há óbice para que os efeitos da confissão possam surtir. No entanto, há de se entender que não se pede a confissão, ela ocorre diante do depoimento pessoal, nesse caso da produção antecipada da prova, seria diante de uma prova testemunhal. 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 7/15 A produção antecipada de prova é possível para pedido e realização de prova pericial25, seja qual for a perícia. Se o intuito do autor é realizar determinada perícia técnica, pode adiantar essa prova na produção antecipada da prova, contudo é importante salientar que os meios para a realização da perícia devem constar na petição inicial ou a indicação de como conseguir estes meios. Muitas vezes, a perícia técnica necessita de um documento ou coisa que não está nos autos ou em poder do autor, oque ensejaria um pedido de exibição de documento ou coisa primeiramente, para somente após a inserção destes no processo ser possível a produção antecipada da perícia. Diante disso, na petição inicial da produção antecipada da prova para a perícia deve constar os meios para a realização deste meio de prova, como o objeto, documento, coisa, local ou pessoa que será periciado. Se houver contenção sobre o objeto, documento ou coisa, talvez seja necessário adotar-se a exibição de documento ou coisa e, posteriormente, a produção de perícia, com dois ritos diversos. A manifestação do interessado é essencial para a realização da perícia e a construção da prova, com a devida apresentação de quesitos, em momento posterior. A diferença sobre a perícia realizada num processo de rito comum será que não terá manifestação sobre o laudo técnico realizado, deixando essa valoração e argumentação para eventual utilização no processo futuro. Uma dúvida importante é a inspeção judicial e a produção antecipada da prova. A inspeção judicial26 é prova a ser produzida com a ida do juiz a determinado local para inspecionar uma certa situação e narrar o que inspecionou, com a realidade do objeto, do próprio local ou da pessoa que ali estava, entre outras variações. Se necessita da atividade judicante para essa narrativa sobre a inspeção, o juízo da produção antecipada de prova, aquele que não valorará a prova, pode inspecionar e narrar? Há valor nesse ponto? A dúvida é pertinente e a resposta não é simples, contudo totalmente viável. A descrição narrativa a ser realizada pelo juiz não significa valoração da prova, mas constatação da situação de determinado objeto, pessoa ou local, entre outras possibilidades. O juiz deve narrar o que viu, com as diretrizes e realidades do que presenciou, com as constatações inerentes à realidade, sendo inclusive acompanhado das partes, de auxiliares da justiça, como oficial de justiça e escrivão, se for o caso. Logo, a sua narrativa na inspeção judicial não significa que ele valora o fato, somente descreve o que inspecionou, sem constatação da relação entre o fato a ser provado e o direito material possível daquele fato. Como a inspeção judicial tem a característica de descrever aquele determinado momento, numa visão por vezes cautelar, a descrição do juiz pode ser de grande utilidade para uma situação que altera no tempo, como um recorte temporal sobre determinada situação, dada a possibilidade da produção antecipada da prova. 3. A produção antecipada de prova como procedimento especial a ser sistematizado 3.1. A sistematização de um procedimento para a produção antecipada de prova com o preenchimento das lacunas legais O CPC/2015 (LGL\2015\1656) reservou somente 2 (dois) artigos (arts. 381 e 38227) e diversos dispositivos internos para sistematizar a produção antecipada da prova, desde o seu cabimento e algumas diretrizes procedimentais. Todavia, mesmo que estes dispositivos consigam delinear o instituto de maneira macro, procedimentalmente, muitas lacunas devem ser preenchidas com o caso em concreto e a busca de soluções para determinadas situações. Dessa maneira, é importante a proposição de uma sistematização de procedimento da ação de produção antecipada de prova. 3.1.1. A petição inicial da produção antecipada da prova Mesmo sendo uma ação com um procedimento especial, o autor/interessado na produção antecipada da prova deve cumprir os requisitos da petição inicial, nos moldes do art. 319 do CPC (LGL\2015\1656). Primeiramente, o autor deve expor, na petição inicial, o fato que necessita ser provado, com a delimitação específica sobre isso28, de maneira precisa, como mencionado no teor do art. 382, caput, do CPC (LGL\2015\1656). Os fatos devem ser determinados, não se pode pedir uma produção antecipada de prova sem delinear determinadamente os fatos que serão a base para a ação. Posteriormente, deve declinar a causa de pedir que funda o pedido, utilizando umas das hipóteses, com base nos incisos do art. 381 do CPC (LGL\2015\1656) ou como arrolamento, com base no art. 381, § 1º, do CPC (LGL\2015\1656). Nesse ponto, apesar de não ser necessária a indicação da consequência jurídica, tampouco futura ação a ser utilizada29, é importante delinear claramente o motivo da antecipação, o cerne da necessidade e adequação da prova ser produzida antes de um processo judicial30. 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 8/15 Ou seja, não somente o fato e o direito a prova, mas delinear a situação em que se necessita da antecipação31, entre as hipóteses que o próprio ordenamento já preconiza. Depois da relação entre os fatos a serem provados e a causa de pedir que fundamenta essa produção, o autor deve especificar o meio de prova que entende como necessário a ser produzido. Diante da prova a ser produzida, como o interesse é do autor sobre a produção da prova e o fato, determinando a prova, deve declinar igualmente os aspectos mais práticos da própria prova, como o rol de testemunhas se o pedido for de prova testemunhal, a especificação de assistente técnico e quesitos se for produção de prova pericial e assim por diante. Também é importante requerer a intimação dos eventuais interessados na produção da prova, com o intuito de que sejam citados para participarem do processo e até contestarem a própria produção da prova, se for o caso. Se o autor não declinar os interessados, com base no art. 382, § 1º, do CPC (LGL\2015\1656), o juízo pode determinar a citação de interessados que possam influenciar ou ter interesse nessa produção da prova, com a intimação do autor para informar os endereços, se for o caso ou realizando consulta em bancos de dados, nos moldes do art. 319, § 1º, do CPC (LGL\2015\1656). O próprio art. 382, § 1º, do CPC (LGL\2015\1656) dispõe uma exceção sobre os interessados, com a desnecessidade caso não haja caráter contencioso, contudo qual a finalidade de produção da prova antecipadamente sem o impacto desta em uma relação jurídica que poderá ser contenciosa? Dificilmente se terá um caráter não contencioso na produção de uma prova sobre determinado fato, afinal este fato somente é relevante juridicamente pela própria consequência jurídica dele. 3.1.2. A análise de admissibilidade da produção antecipada de prova pelo juízo, a citação dos interessados e as suas possíveis manifestações/defesa Uma vez protocolada a petição inicial, como em todo processo, o juízo deve realizar a análise perfunctória da ação e seus pressupostos, com o juízo de admissibilidade daquela demanda. Se todos os requisitos da petição inicial estiverem presentes, o juízo deve deferir a petição inicial, com a determinação da citação dos interessados. É pertinente entender que o deferimento da petição inicial da produção antecipada de provas não é a procedência do próprio pedido de produção32, tampouco a determinação sobre a sua produção, mas somente a análise do juízo sobre o enquadramento da petição inicial aos ditames legais, como os requisitos do art. 319 do CPC (LGL\2015\1656). Como dito, o autor pode já indicar quem seria o interessado na produção da prova, com a indicação de quais seriam os possíveis réus numa futura ação. Caso o autor não decline, mas está evidenciado na petição inicial determinado indivíduo com relação com o fato, o próprio juízo já pode determinar a citação deste, com a intimação do autor para indicar o endereço pertinente. A citação dos interessados é essencial para a própria validade da prova a ser produzida. Se o intuito é de que se produza uma prova antes de um processo contencioso, justamente para evitá-lo, tentar autocomposição ou instruí-lo melhor, os demais interessados que seriam parte neste futuro processo devem ser necessariamente incluídos e chamados ao processo, exatamente para permitir que esta prova produzida seja utilizável em processo futuro. A indagação é pertinente: como utilizar futuramente uma prova produzida sem a presença dos demais interessados? Estes tem o direitode participar, de manifestar-se, de influenciar, de impugnar o direito à produção da prova, garantindo o contraditório na formação da prova e a validade para o eventual processo futuro. A exceção ao autor não indicar e nem o juízo de ofício determinar a citação dos interessados seria quando a ação versar somente como prova unilateral, sem impacto a terceiros, o que seria uma hipótese inusual, com pouca possibilidade, mas possível, com a dispensa da citação dos interessados33. O procedimento não é bem posto pelo ordenamento, uma vez que o art. 382 e seus parágrafos do CPC (LGL\2015\1656) não delimitam como seria o pós citação dos interessados e para qual motivo e ato processual a partir da citação. Obviamente que há uma manifestação do interessado sobre o pedido, o fato e a própria ação. No entanto, é importante a indagação: essa manifestação é uma contestação? A resposta é aberta, dependendo do que o interessado for manifestar-se. Seria inconcebível entender que o interessado não possa manifestar-se no processo, não há como entender que seja somente um mero participante, sem voz processual. Dessa feita, ele poderá manifestar-se sobre a concordância e, ainda, com diferentes possibilidades e com total viabilidade de impugnar os pontos da petição inicial, seja nos aspectos processuais (como competência, pressupostos, legitimidade etc.), seja no direito à prova daquele determinado fato, seja na impertinência da prova. Qual seria o prazo para essa manifestação? Nenhum dos dispositivos da produção antecipada de prova versa sobre isso, logo, o entendimento passa pela fixação pelo juízo, com a base na complexidade da ação, com base no art. 218, § 1º, do CPC (LGL\2015\1656). Mas o natural é que seja de 15 (quinze) dias, como qualquer outra contestação. O interessado pode agir de diferentes maneiras diante da citação de uma produção antecipada de prova: (i) ficar inerte; (ii) manifestar-se concordando com a produção; (iii) além de manifestar-se concordando, requer a produção de 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 9/15 outra prova relacionada ao mesmo fato; (iv) contesta a possibilidade de produção antecipada da prova. Nas duas primeiras hipóteses – inércia ou manifestação concordando com a produção antecipada da prova –, o interessado não se opõe à ação ou ao direito do autor em requerer a produção da prova sobre aquele fato, sem qualquer contenção sobre a matéria, o que leva igualmente a não ter sucumbência, somente a confirmação, expressa ou tácita, de que não há nenhuma oposição sobre a produção da prova. Com essa atitude ou com a contumácia, o processo volta para o juízo para decisão sobre a produção da prova e, consequentemente, o detalhamento desta, com os procedimentos específicos daquela prova a ser produzida, como a designação de uma audiência, apresentação de rol de testemunhas, a nomeação de um perito, prazos e outros detalhes e possibilidades procedimentais. O juízo deve decidir sobre a produção da prova, não mais somente sobre o juízo de admissibilidade da ação. Obviamente que com a concordância do interessado sobre a produção da prova, o juízo deve confirmar – ou tenderá a confirmar – esse pedido, sem qualquer ônus do processo para o interessado, caso seja plausível e preenche os requisitos para tanto34. Na terceira hipótese, quando o interessado, além de concordar com a produção da prova, indica outras provas a serem produzidas sobre o mesmo fato, há a concordância e a ausência de contenção sobre a relação fato e prova ser produzida, somente há o acréscimo de outra prova sobre o mesmo fato, sendo mais usual uma nova testemunha para aquele fato, mas podendo ser qualquer dos meios de prova. É uma espécie de pedido contraposto do interessado perante o autor, com o pedido de mais provas a serem produzidas. O interessado amplia o mérito do processo, com a inclusão de mais pontos a serem julgados procedentes ou não, uma ampliação do objeto do processo e da própria jurisdição. Como todo pedido contraposto, há uma limitação sobre esse pedido, sem poder trazer novos fatos, no máximo fatos decorrentes e consequentes do mesmo fato35, sem possibilitar uma grande abertura cognitiva. Antes de decidir sobre a produção da prova, o juízo deve intimar o autor para manifestação sobre a prova a ser produzida a pedido do interessado. Com a manifestação do autor, em réplica, sobre a prova, o juízo deve decidir sobre a produção da prova, com a procedência deste pedido. Apesar de o autor poder se opor àquela produção da prova pleiteada pelo interessado, a contenção possível entre as partes somente seria sobre a prova a ser produzida, não sobre o direito de produção de prova sobre aquele fato, uma vez que o próprio pedido de produção de outra determinada prova pelo interessado já demonstra o seu aceite sobre aquele fato necessitar ser provado. O autor pode manifestar-se pela demora que seria determinada produção de prova, o que seria uma defesa pela inviabilidade da prova, não sobre a ausência do direito sobre essa prova. Logo, se houver contenção na manifestação do autor, somente será sobre a nova prova sobre o mesmo fato, com a necessidade de decisão sobre este ponto. O juízo deve decidir por 2 (dois) pontos: (i) confirmando o direito das partes à prova daquele fato, uma vez que concordaram com a necessidade da prova do fato (o autor na petição inicial e o interessado ao indicar mais provas); e (ii) definir quais as provas serão produzidas, somente a do autor, somente a do interessado ou ambas. Na quarta hipótese, quando o interessado se torna réu e contesta o direito do autor sobre a produção da prova é o que foge da linha fundante da própria ação de produção antecipada de prova. O argumento do interessado está em combater frontalmente o direito do autor em produzir a prova, seja por qualquer fundamento. O intuito é dizer que não seria possível a produção daquela prova, seja por ela já ter sido realizada, seja pela desnecessidade, seja pela ausência de direito em si, como falta de legitimidade para eventual ação e falta de interligação com o fato a ser provado, entre outras infinitas argumentações possíveis. A manifestação do interessado é uma autêntica contestação, como no procedimento contencioso. O procedimento deixa de ser voluntário, com a necessidade de discussão em juízo sobre esse direito e uma padronização procedimental em contencioso. Apesar da falta de disposição sobre esse ponto, há uma aproximação da produção antecipada de prova nesta hipótese com o procedimento comum, dada a necessidade de discussão sobre o direito à prova e ao fato. Será possível até o saneamento e a organização processuais, inclusive com uma fase probatória para que se prove se o autor detém ou não o direito à produção daquela prova sobre determinado fato. É importante mencionar que essa alteração procedimental será possível exatamente pela postura contenciosa do réu, ao impugnar o próprio direito do autor à prova e à elucidação daquele fato. Essa é a maneira correta de interpretar o instituto da produção antecipada da prova, ainda que o art. 382, § 4º, do CPC (LGL\2015\1656) disponha que no procedimento não há defesa36, é impossível retirar o direito do interessado em manifestar-se e, diante da manifestação, de opor-se à produção antecipada da prova, em diversos argumentos, como enfrentado em todas as hipóteses, ainda que para concordar. 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 10/15 Há, obviamente, uma tendência a não se ter oposição sobre a produção antecipada da prova, dada a prova somente servir para a possibilidade, ou não, de um processo futuro, sem uma consequência de condenação neste processo, tampouco com a prevenção deste juízo, mas não se pode entender que o interessado não se manifestaria ou opinaria, com a ampla possibilidade de impugnar o direito do autor em produzir aquela prova sobre determinado fato, bem como a pertinência daquelemeio de prova, como uma inadequação de um meio de prova para um fato, como a produção de prova testemunhal quando há necessidade de conhecimento técnico37. Diante disso, o teor do art. 382, § 4º, do CPC deve ser assim interpretado diante do sistema completo da produção antecipada da prova, com a ausência de defesa sobre o fato, dada a desnecessidade de discussão sobre o fato e qualquer obrigação, mas com a ampla possibilidade de discussão específica sobre o direito do autor sobre a produção da prova sobre determinado fato38. Após a manifestação em sentido contrário, com uma contestação sobre esse ponto, o juízo deve decidir sobre a procedência ou não da produção antecipada da prova. Nessa hipótese, na qual há defesa impugnativa, a abertura cognitiva está em permitir a produção antecipada dessa prova ou em julgar improcedente, não possibilitando tal produção antecipada de prova. 3.1.3. As decisões na ação de produção antecipada de prova e os recursos cabíveis O processo de produção antecipada de prova tem diversas decisões e o art. 382, § 4º, do CPC (LGL\2015\1656) dispõe que, além de não ter defesa, não tem recurso no procedimento. Todavia, o dispositivo tem uma redação que não coaduna com a realidade, o que deve ser demonstrado diante das decisões possíveis. Sobre a própria decisão inicial de deferimento ou não da petição inicial, se for pelo indeferimento da petição inicial, caberá recurso, como cabe de qualquer decisão que indefere a petição inicial. Se for uma sentença de extinção pelo indeferimento, caberá apelação; por outro lado, se for um indeferimento parcial, caberá agravo de instrumento. O interesse recursal será do autor, por ser aquele que deteve o prejuízo. Depois da decisão sobre deferimento ou não da petição inicial, após a citação dos interessados e diante da manifestação ou não destes, o juízo deve decidir sobre a produção da prova, com ou sem a procedência desta, considerando, no mérito39, todos os aspectos do direito à prova, desde a relação ou não com o fato, a pertinência da prova, a possibilidade de produção ou de antecipação etc. Sobre a decisão que julga procedente ou não o pedido de produção antecipada de prova, evidentemente que cabe recurso, dada a sua resposta conter uma cognição e uma possibilidade de prejuízo. Se o juízo decidir pela procedência da produção antecipada da prova, com a determinação da mesma, o interessado que discordou anteriormente, caso assim tenha se manifestado, pode interpor agravo de instrumento, uma vez que será somente uma decisão interlocutória parcial de mérito, nos moldes do art. 356 do CPC (LGL\2015\1656), pelo fato de que a sentença será a decisão posterior, aquela que extingue o processo pós-produção da prova, se for o caso. Todavia, é pertinente salientar que somente será possível esse recurso pelo interessado, caso tenha se oposto à produção da prova anteriormente. Por outro lado, se concordou com a produção da prova ou não se opôs, não há interesse recursal para tanto. Se o juízo decidir pela improcedência da produção antecipada da prova, o processo será extinto e, consequentemente, será uma sentença, cabendo, para tanto, o recurso de apelação, tal qual determina o art. 1.009 do CPC (LGL\2015\1656). De outro modo, se há uma pluralidade de provas pleiteadas, seja pelo autor, seja pelo pedido contraproposto do interessado, se o juízo decidir pela procedência de um e a improcedência de outro, caberá agravo de instrumento para o pedido que for julgado improcedente, diante do interesse recursal de quem teve a negativa, tanto o autor do pedido que fez quanto o interessado do pedido contraposto que eventualmente tenha feito. A alteração para agravo de instrumento como recurso está no fato de que parcela da decisão autorizou uma produção da prova, sem o encerramento da jurisdição e houve uma improcedência parcial, cabendo o recurso citado somente nessa parcela da decisão. Posteriormente à produção da prova, quando esta for entregue ao autor e aos demais interessados, o juízo deve extinguir o processo, pela própria desnecessidade de seu prosseguimento, com a homologação da prova produzida. Sobre essa decisão, esta será uma sentença meramente extintiva, sem cognição nenhuma e, portanto, sem nenhuma impugnabilidade sobre esta. Como já se definiu o contencioso anteriormente, dessa sentença que entrega a prova às partes e extingue o processo, não há interesse recursal de nenhuma das partes e, com isso, não cabe recurso. O teor do art. 382, § 4º, do CPC (LGL\2015\1656)40 dialoga exatamente com essa decisão quando dispõe que não cabe recurso no procedimento. Esse é o melhor entendimento sobre essa redação, ainda que inadequada. Outro ponto pertinente é que se houver qualquer outra decisão interlocutória que for prolatada na ação de produção antecipada de prova terá a regra do cabimento do agravo de instrumento ditada pelo teor do art. 1.015 do CPC (LGL\2015\1656). 3.1.4. A produção antecipada da prova procedente e a sua realização 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 11/15 Julgada procedente a produção antecipada da prova, seja aquela pedida pelo autor, seja a pedida de maneira contraposta pelo interessado ou réu, o processo volta-se à produção dessa prova. Com isso, o juízo determina a produção da prova, em busca da relação com o fato determinado especificado pela parte que a pleiteou e oportuniza que as partes possam apresentar o necessário para a produção da prova41, caso não tenham feito anteriormente, como rol de testemunhas, data da audiência, eventual bem/coisa, pessoa ou documento a ser periciado, quesitos a serem apresentados para perícia, diretrizes para a inspeção judicial, entre outras. Depois do prazo para a manifestação das partes sobre os detalhes da produção da prova, a prova deve ser produzida nestes moldes e anexada ao processo, seja no momento em que foi produzida, como a prova testemunhal ou o depoimento pessoal, seja em momento posterior, como num laudo de perícia ou a manifestação do juízo sobre a inspeção judicial. Nesse momento, o processo se adapta42 ao procedimento da produção da referida prova, nos moldes do disposto sobre esta no ordenamento. Com a prova produzida e inserida no processo, como não haverá a valoração da prova pelo juízo, não há necessidade de manifestação das partes sobre a prova, tampouco prazo para tanto. O procedimento deve ser a conclusão do processo para a decisão de homologação da prova e extinção do processo. 3.1.5. A sentença de homologação da prova produzida e a extinção do processo Se o pedido de produção de prova foi julgado procedente e passado o momento processual da produção da prova, há o encerramento dessa fase processual e a consequente extinção do processo, com a homologação da própria prova produzida. Com a prova produzida, o juízo não detém o poder de valoração da prova, de análise sobre a existência ou não daquele fato e qualquer decisão sobre a questão de fato que se colocou em contraditório. O intuito da jurisdição da produção antecipada de prova é somente produzir a prova sobre tal fato. Uma vez procedente o pedido, esta será produzida e homologada43, sem qualquer valoração da prova pelo juízo, de acordo com o art. 382, § 2º, do CPC (LGL\2015\1656). Produzida a prova, o juízo declara a constituição daquela prova, nos moldes de sua própria produção em contraditório e homologa a validade desta, com o encerramento da jurisdição, uma vez que ocorreu o esvaimento da própria finalidade do processo. A prova somente será valorada em relação pelas partes – autor e interessado – se entenderem como existente um direito material e, a partir daí, se for intentada eventual ação, por qualquer das partes, sobre o direito material ali envolto e utilizada a prova para comprovação de um suporte fático que inclua este fato que foi o cerne da produção antecipada de prova. Na futura ação, se narrado o fato provado e utilizada a prova, o juízo desta ação deverá valorar essa relação, com a decisão sobrecomo ocorreu aquela questão de fato, para, posteriormente, realizar a cognição das questões jurídicas e da questão principal. Obviamente que as partes certamente também valorarão a prova produzida e o direito material, dentro da relação que entendem como existente ou não, mas isso será numa fase pós-produção antecipada da prova e pré-eventual novo processo. Com a produção da prova, a sentença será de homologação44 e, depois, de extinção do processo. Assim, mesmo considerando seu caráter homologatório, é pertinente que se entenda que as custas e despesas do processo podem estar na sentença, não no intuito da sucumbência, a priori, pelo fato de que não haveria uma condenação. Se o autor da ação de produção antecipada de prova conseguiu a concordância da outra parte, seja pela inércia, seja pela concordância expressa, as custas e despesas devem correr pela responsabilidade do autor. Por outro lado, se outro interessado pleitear outra produção da prova, deve arcar com a despesa específica sobre essa prova pedida e produzida, com repartição das custas processuais. Eventualmente, se houver uma contenção entre as partes sobre a produção da prova, é possível que a decisão condene a parte que foi sucumbente em honorários advocatícios e o custeio do processo. Um exemplo seria a contestação pelo interessado sobre a não legitimidade ou direito à prova do autor, com a necessidade do juízo em decidir sobre isso na decisão interlocutória parcial de mérito. Nesse momento, deve-se condenar em honorários advocatícios e o custeio do processo em si. Ou seja, na decisão parcial de mérito sobre o deferimento da prova. Se for pela improcedência da produção da prova, a condenação em honorários advocatícios será para que o autor vencido arque com os valores para o advogado do interessado que contestou a ação probatória. De modo inverso, 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 12/15 será para o advogado do autor e com a condenação do interessado, se este contestou a ação e esta foi julgada procedente. Um ponto importante é a definição de um regramento de valor da causa, uma vez que não há um proveito econômico na ação probatória. O valor deve ser estipulado dentro da estimativa fiscal pertinente para a prova a ser produzida sem relacionar ao valor de uma ação futura e seu proveito econômico, afinal, o fato em si não tem um valor específico. É importante esse ponto pelo reflexo do valor das custas e da eventual condenação em honorários advocatícios. Nos termos do art. 382, § 4º, do CPC (LGL\2015\1656), a recorribilidade é possível apenas nos casos de indeferimento da produção da prova45. Assim, depois de prolatada a sentença de extinção, com a sua publicação, dada a irrecorribilidade da decisão como um todo, fora o ponto do capítulo do custeio do processo e nos casos de indeferimento do pedido, os autos ficarão em cartório para que as partes possam extrair cópias ou certidões e, posteriormente, nos moldes do art. 383 do CPC (LGL\2015\1656), o feito deve ser entregue46, junto com o original da prova, se for o caso, para o autor do processo ou do pedido contraposto. 3.2. A competência e legitimidade para a produção antecipada da prova A competência para a ação de produção antecipada de prova está delineada pelos art. 381 do CPC (LGL\2015\1656), nos seus §§ 2º, 3º e 4º. Sobre a fixação da competência territorial, o art. 381, § 2º, do CPC (LGL\2015\1656) dispõe que há uma concorrência na competência47-48, com a possibilidade da competência do foro onde a prova deve ser produzida ou naquele de domicílio do réu. A escolha é pelo autor da ação, diante de uma regra de competência territorial e relativa, com a estipulação de uma concorrência, nos moldes da competência fórum shopping, com a necessidade de adequação da melhor competência entre elas49, utilizando-se da boa-fé processual para tanto. Com isso, apesar de possível a escolha em determinado juízo, será mais adequado que seja em um juízo que a prova seja mais facilmente realizada. Sobre a divisão de competência entre o Poder Judiciário Federal e Estadual, o art. 381, § 4°, do CPC (LGL\2015\1656) previu que a competência será estadual mesmo para a produção de prova sobre a qual a União deve ser citada como interessada, quando não houver vara federal naquela localidade. De maneira inversa, o dispositivo regula que quando a União ou qualquer entidade pública submetida à jurisdição federal deve ser submetida à competência de uma vara federal. O art. 381, § 4°, do CPC define a regra, ao dispor sobre a exceção. Desse modo, fato que envolva interessados submetidos à jurisdição federal, a competência será federal e, consequentemente, a competência será estadual em duas situações: (i) quando não envolver nenhum interessado que leve a competência para uma vara federal; (ii) quando mesmo com um interessado esteja envolvido no fato, não haja vara federal naquela localidade. A dúvida não elucidada está em um fato que se desdobrará entre ações posteriores contra os interessados em vara federal e interessados em vara estadual, dada a possibilidade de diversas consequências jurídicas de um mesmo fato. Numa hipótese dessa, a competência deve ser federal. A ação de produção antecipada da prova detém uma ausência de prevenção do juízo desta ação para o julgamento de eventual futura ação, conforme o disposto no art. 381, § 3°, do CPC (LGL\2015\1656). A orientação é salutar, uma vez que não há valoração da prova por este juízo, tampouco sobre a relação entre esta e o direito material envolto na ação. Logo, não deve guardar uma prevenção deste juízo como aquele competente para julgar a futura ação. Uma eventual ação sobre o direito material possível no suporte fático descrito, determinado e provado na produção antecipada de prova deve seguir as regras gerais de competência, sem qualquer prevenção50. 3.3. A independência da prova produzida para as partes: a utilização por qualquer das partes em processo futuro Um ponto importante sobre a produção antecipada da prova está em que a prova produzida, apesar de requerida por uma parte, o autor, não está atrelada a este para a sua utilização futura. A prova produzida detém serventia para ambas as partes, para ambos os interessados naquela ação. Com o encerramento da produção antecipada da prova, dependendo do teor ali produzido, as partes certamente valorarão, individualmente, a prova e o fato que se determinou, com a sua própria conclusão sobre a existência ou não do direito da parte a partir do que se provou ou do que se consegue provar, o que leva ao entendimento consequente de que a destinação da prova também é para as partes, não somente para o juízo – e o processo, uma vez que o juízo desta ação não valora a prova e pode ser que nem exista uma futura ação. O autor pode entender que diante da prova do fato, de determinada maneira, o direito material que entendia como possível não se provou e, assim, não intentar a demanda futura. Por outro lado, o interessado na prova pode entender 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 13/15 que o que foi provado lhe tenha serventia contra o autor e o interessado – ou réu – na ação probatória se torne o autor da eventual futura ação. Dessa maneira, não há dono ou proprietário da prova, mas uma prova produzida sobre um fato que envolve diversos atores e, entre eles, todos detêm aptidão para utilizar-se da prova produzida antecipadamente. Seria isso uma natureza dúplice51 dessa ação? Não é uma natureza dúplice em que a decisão diz que terá um vencedor, como na ação possessória que a improcedência significa que o réu é o detentor da melhor posse. É somente a possibilidade de ambas as partes em utilizar a prova em outra futura ação52. 3.4. Tutela provisória na ação de produção antecipada da prova É possível uma tutela provisória para a produção antecipada de prova? A resposta tende a ser positiva, com a possibilidade de uma produção deprova em caráter liminar, dada a urgência que pode ser narrada pelo autor e a probabilidade do direito53. Um exemplo seria diante do fundamento cautelar para a produção de determinada prova, essa urgência cautelar ser tanta que não possibilita o contraditório, a citação dos interessados e a manifestação destes, como a iminência da morte de uma testemunha. No entanto, é necessário ponderar que os demais possíveis interessados na medida não participariam dessa produção de prova em caráter liminar e, portanto, como utilizar-se dessa prova em que o contraditório não foi respeitado? Sem influência dos interessados nessa produção da prova? Esse ponto é o cerne da controvérsia dessa possibilidade. Se por um lado não há como impedir que numa situação de urgência, a prova somente poderia ser homologada depois da manifestação de todos os possíveis interessados, com eventuais impugnações sobre a sua não participação e possíveis limitações para a utilização da prova e a sua relação com o fato probando. O cerne da questão seria a alteração do contraditório da natural discussão sobre a produção ou não da prova antecipadamente para a homologação, ou não, da prova produzida sem a presença do interessado não citado. Essa dúvida pode ser dissipada com uma nova produção de prova suplementar, agora com a participação do interessado, caso aquela urgência não impeça essa complementação. Caso não seja possível a complementação, como numa eventual morte da testemunha, a discussão será sobre a homologação ou não e quais os limites do que se poderia homologar. Mas é importante entender que não se pode inviabilizar a produção da prova, sem poder impedir a concessão fundamentada de uma tutela provisória liminar. Por outro lado, caso seja urgente que haja a produção da prova, mas possível que todos os interessados sejam citados, o problema da tutela provisória se dissiparia, somente postergando a discussão do contraditório do direito à prova para posterior momento, porém, de certa maneira, o processo estaria encerrado, restando a decisão meramente homologatória e extintiva. 3.5. A intervenção de terceiros na ação de produção antecipada da prova Se um determinado citado como interessado quiser ampliar o rol de interessados e entender como viável a intervenção de um terceiro, seria possível? Essa indagação é pertinente, contudo, não é difícil de construir uma resposta. O pedido de produção antecipada da prova é interligado àquele fato probando e, diante de futura nova ação, é possível que um outro interessado seja impactado pelo mesmo fato e, ainda, esteja diante da mesma discussão entre aqueles, logo é possível o interessado utilizar-se de denunciação da lide ou do chamamento ao processo, por exemplo. De igual maneira, será possível pleitear-se a admissão como assistente na produção antecipada de prova. No entanto, Didier Jr., Braga e Oliveira entendem que isso seria uma intervenção de terceiros atípica54, porém, não há motivos para entender que as intervenções de terceiros típicas sejam somente para ações condenatórias do procedimento comum55. Se um fato probando insere uma relação com um terceiro que não foi convocado, o interessado citado pode pleitear esse alargamento do polo passivo, até pela possibilidade oficiosa disso. Se o juízo pode citar interessados que entender como necessários para a produção antecipada da prova, conforme o art. 382, § 1º, do CPC (LGL\2015\1656), o interessado citado pode requerer que outros sejam inseridos também. 3.6. Autonomia entre a produção antecipada da prova e a ação de direito material do fato probando Há uma autonomia entre a ação de produção antecipada da prova e a ação em que o direito material será discutido e, posteriormente, a prova utilizada. Essa é a diretriz da produção antecipada da prova e a sua inserção, nos moldes dos arts. 381 a 383 do CPC (LGL\2015\1656). No entanto, o fato de não valorar a prova significa uma não produção real da prova? Há quem diga que somente se tem uma produção antecipada da prova se ela cumprir 4 (quatro) fases: “(i) proposição; (ii) admissão; (iii) produção; e (iv) valoração da prova56.” Medina entende que a produção de prova seria somente realizada de maneira parcial, uma vez que não haverá a parcela final da produção probatória: a valoração da prova57. Nessa visão, a ação de produção antecipada da prova 31/05/2023, 17:40 Envio | Revista dos Tribunais https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 14/15 seria somente um meio de assegurar a prova, não produzi-la totalmente. Todavia, não há necessidade de que haja uma valoração da prova para que ela seja produzida efetivamente58. A autonomia entre a produção antecipada da prova e a futura ação que envolva o direito material proveniente do fato probando é existente e demonstra uma valoração à ação probatória59. A produção antecipada de prova como uma ação autônoma sobre o fato é inviável para ser realizada durante a procedimentalidade do processo principal. Se o autor já deduziu em juízo a sua pretensão material, com o início do processo, o estágio probatório será no momento processual adequado, posterior à fase de postulação e saneamento do processo. Se a prova for necessário, por dois dos fundamentos do art. 381 do CPC (LGL\2015\1656), mesmo com o processo em curso, há a possibilidade de requerer no mesmo processo, com a adequada fundamentação e pedido para o juízo da causa, o qual detém a possibilidade de alterar o curso do processo, conforme as diretrizes do art. 139, VI, do CPC (LGL\2015\1656)60. Os 2 (dois) fundamentos seriam: (i) haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; (ii) a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito. A autocomposição é possível durante o processo já iniciado e até incentivado, dessa maneira, se for necessária a antecipação de uma prova para tanto, com a devida argumentação da necessidade da prova para subsidiar uma autocomposição, não há inviabilidade. O mesmo ocorre para a fundada em tutela provisória cautelar, com a explicação e motivação da urgência necessária para que se altere a produção da prova da fase correta para aquele momento que a urgência se demonstra pertinente. Já na terceira hipótese do art. 381 do CPC (LGL\2015\1656) – para viabilizar ou evitar a proposição de ação – não seria cabível para a produção de prova de maneira incidental. 4. Aspectos conclusivos O recorte desta pesquisa foi sobre a necessidade de procedimentalizar a ação de produção antecipada de provas diante das lacunas que a sua disposição legal proporciona, com base nos arts. 381 a 383, todos do CPC (LGL\2015\1656). A inovação de uma ação de antecipação da produção de provas sem o requisito da urgência necessita de claro enfrentamento doutrinário e, para tanto, é pertinente analisar as peculiaridades que o próprio ordenamento construiu para essa ação, sem repetir o que existia cautelarmente no ordenamento revogado. Para tal desiderato, importante entender a natureza jurídica da ação que se construiu, bem como os fundamentos possíveis, nos moldes do descrito no art. 381 do CPC (LGL\2015\1656) e seus dispositivos. Além disso, a ação de produção antecipada de prova demonstra que a destinação da prova é o processo, como base, mas todos os atores, incluindo as partes interessadas. O próprio ordenamento trouxe características estranhas a ação de produção antecipada de prova, como termos de ausência de defesa e recurso, decisão meramente homologatória e extinta, com a necessidade de enfrentar cada significado, o seu momento processual e a intenção do legislador para a melhor operacionalização do direito à prova. Diante de tais enfrentamentos, o presente estudo propõe, com base na interpretação dos artigos supracitados e comparativamente ao procedimento comum, um procedimento base, enfrentando todo o seu nascedouro, as análises do juiz, a participação dos interessados e a procedimentalidade até odeferimento da prova, a produção desta e a decisão homologatória. 5. Referências bibliográficas ALVES, André Bruni Vieira. Da admissibilidade na produção antecipada de provas sem o requisito da urgência (ações probatórias autônomas) no novo CPC (LGL\2015\1656). In: DIDIER JÚNIOR, Fredie; JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). Direito probatório. 3. ed. 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