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admin,2-OsPaísesdoTerceiroMundoesuasOpçõesPolíticas

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CIÊNCIA POLíTICA 
OS PAÍSES DO TERCEIRO MUNDO E 
SUAS OPÇÕES POLÍTICAS 
FANNY TABAK 
ProL da Facu!dade de Filosofia, 
Ciências e Letras de Araraquara 
O panorama político internacional apresenta, sem 
dúvida, ao cientista social, neste segundo pás-guerra, um 
vasto campo para a observação e o estudo de um grande 
número de fenômenos noves. Isso diz respeito, particular­
mente, aos estudiosos da ciência política, que ainda hoje 
se encontra na dtuação de ciência menor, dentre as ciên­
cias sociais. Aumentam as possibilidades de realização de 
pesquisas empíricas, dentro de uma ampla multiplicidade 
de linhas e tendências. _ Podemos mesmo afirmar que 
jamais na história da humanidade houve um período tão 
rico de experiências novas no terreno da ação política. 
Um dêsses fenômenos nevos e significativos é a emer­
gência de dezenas de nações recentemente libertadas da 
situação de colônias e sua participação ativa e marcante 
no cenário mundial, no debate e na solução dos problemas 
políticos cruciais que o mundo contemporâneo enfrenta. 
Cada vez mais, êsse conjunto de novas nações, que cons­
tituem o denominado "Terceiro Mundo", vem-se impondo 
como fôrça intermediária entre os dois grandes blocos de 
nações em que hoje se aglutina o mundo: capitalista e 
socialista. Não é de admirar, por conseguinte, que tais 
países venham merecendo uma atenção especial de soció­
logos, economistas e cientistas políticos, nem é de estranhr:r 
J L·L!;O-~ETE.\\BRO/l 9fi,7 
- 26-
que existam posições doutrinárias muitas vêzes opostas, na 
interpretação dos fatos a êles relativcs. 
Demonstração eloqüente da transformação que so­
freu o map:1 político do mundo nestas últimas décadas é 
dada pelo Quadro n.o 1, apresentado abaixo. Num período 
histórico de apenas quarenta anos, uma únic:1 geração, o 
J::anorama polítíco sofreu transformações muito profun­
dss. As colônias, semicolônias e domínios, que em 1919 
congregavsm 77,2 % da população do globo terrestre, 
tiveram essa proporção reduzid'3 para 1,4%, no início de 
1964. Tornaram-se soberanos, a partir da década de 20, 
Est",dcs que abrigam nad3. menes de 42,6% da popuiação 
tetal do mundo e que ocupam uma superfície que corrE~­
p:::nde a 56,4°é, ou seja, m2is da metade da superfíci:: 
t-=:t=:l do gl::bo. 
"A "Revolução Africana" emancipou, durante os últi­
mos 20 anos, cêrca de 200 milhões de homens", afirma 
Jean Ziégler, sociólogo francês que se vem dedica:1do 20 
estudo de problemas do Terceiro Mundo. 1 
Exemplo expressivo é o do império col~ nial francês, 
que na déc=:d3 dê 40 abrangia 12 milhões km2
, espalha­
dos pela Ásia, África e América, abrigando um total de 70 
milhões de pessoas E. que hoje não vai além de 150 mil 
km2 habit",dos por um milhã~ de sêrES (departamentos e 
territórios de além-mar). Em pouco mais de dez anos, 
libertaram-sé da dominação colonisl francesa três países 
asiáticos (Vietnã, Laos e Cambodge), três na África do 
Nc rte (Tunísia, Argélia e Marrocos), tornaram-se inde­
pendentes a África Negra e Madagascar. 
É preciso observar que desde o término dSi 2.a Guerra 
Mundial, o número de países que conseguiu emancipação 
política atingiu a elevada cifra de 63. Isso explica em 
parte :1 extrema ccmplexidade da tomada de decisões !=O!" 
parte ce org;miz2ções internacionais, cemo a ONU cu 
1) .T ean Ziégler - Sociologie de la nouvelle Afrique - Paris, 1964, 
pago 11. 
[IE\ISTA DE CIC'\CIA POLiTíCA 
<,?U/,lll:O N." 1 
r .. I\I',\ 1'<J!Xr.CO D() M\JI',f)() EM l'Jl(J E NO INICIO 111:: 1'1,>"1 
I - O mu"do inteiro ....... . 
I. l'vIundo se, ialic~a 
P(";10 do 11111Pdo 
II -- Grande, potê'llcias imperia­
listas (EUA, Grii-bretnnhn, 
Akm8nhn Fedeml, Japão, 
TtnEa) e "llé" c"lôni:l~' '" 
111 --- ~rôda~.; as colúnia<.õ, sl'micolô-
ni;ls c os cl'OInÍlliT'; ...... . 
IV .. _- A"tigos l'"í.,(':, c"Jolli"i:; e SI-­
micololliHis que se tornarntn 
Estados soberanos f'PÓS 191') 
(ezclu' ive E<tados ,;ocialis-
tas) ................... . 
Sup~rfí"ie 
r.~ilhõ('s 
km" 
(o' 
.0 
135,3 
21,7 
100 
16,0 
113,6 84,0 
00.3 44,5 
101,5 77,2 
FONTE: "Ec()nomie et politique", nov.l1964, pág. 17. 
1<)11) 
Popula,ã() 
li1ilhô~s 
IIbs 
1 777 
138,0 
1639 
855 
1 230 
~() 
100 
7,8 
92,2 
48,1 
69,2 
Iníci" de 19ó4 
Sllperfície População 
.' 
mililc)l's r' mil!,ões 
(>' 
lon:! n hbs 
,0 
135,:~ !OO 3240 100 
35,2 :>6,0 1 134 35,0 
100,1 74,0 2 10(í 65,0 
14,3 10,6 524,R 16,2 
9,:~ (),R <\5,8 1,4 
76,} 56,4 1380 42,6 
- 28-
outras, uma vez qUE: o número de participantes cem àireito 
não só a voz, mas também a vote, é hoje muito maior do 
que no início da década de 40. Isso cria alguns problemas 
cuja solução nem sempre é fácil, principalmente se conside­
rarmos o esfôrço persistente das grandes potências em 
conquistar para a sua esfera de influência essas nações 
novas. A recente crise do Oriente Médio serviu justamen­
te de exemplo para essa medição de fôrça!!, poderíamos 
dizer assim, entre os blocos socialista e ocidental. 
Não foi sem razão que 1960 foi dec1araào o Ano da 
África, pois assistiu à libertação da maioria dcs novos Esta­
dos. Êle representa ainda c início de uma busca intensa 
de novas soluções e de caminhos originais de evolução 
social (; política, que correspondam às necessid::des espe­
cíficas de cada um dêsses Estados. 
Ts.mbém não foi por acaso que se verificou essa ema~­
cipação sucessiva de um número tão grande de nações. Ela 
foi conseqüência de uma série de fatôres, de importância va­
riável dentro do conjunto, mas que se relacionam direta­
mente com a pressão exercida p:r Equêles povos contra 
a dominação da metrópole, muitas vêzes de guerras cruen­
tas (como foi o caso da Argélia, onde' a luta se estendeu 
por sete anos, ou dc Vietnã) ou da compreensão, por p:::rt0 
da metrópole' colonizadora, de que não lhe restava outro 
recurso senão concordar com a independência (êsse foi o 
caso, inúmeras vêzes, para as ex-colônias britânicas, que 
passaram, aliás, a integrar a Common wealth). Há autores 
que atribuem à Grã-Bretanha uma política mais inteli­
gente em relaçãe- a êsse problema, do que' aquela adotada, 
per exemplo, pelos colonialistas franceses ou belgas. 
Veja-se, a êsse respeito, o que diz Kwame N'Krumah: 
"Nenhuma petência imperial jamais concedeu a indep~n­
dência a uma colônia, a não ser que as fôrças fôssem tais 
que não houvesse outro caminho possível E.' há muitos 
casos em que a independência só foi alcançada através 
de uma guerra de libertação, mas há muitos <:utros em que 
não houve tal guerra. A própria organização das fôrças de 
independência dentro da colônia foi suficiente para con-
f.'E\'ISTA DE Clt"CIA P:·L:TiC\ 
- 29-
VEncer a potência imperial de que a resistência à inde­
pendência seria impossível ou que as conseqüências pclí­
ticas e econômicas de ums guerra colonial excediam qual­
quer vantagem a ser obtida pela conservação da colônia." 2 
A busca de um caminho original de desenvolvimento 
social e político, os anseios de auto-afirmação, no sentido 
do exercício efetivo de uma soberania recém-conquistada, 
a defesa intransigente de soluções específicas, que levem em 
conta as peculiaridades próprias que decorrem do nível de 
evolução histórica alcançada por aquêles países - eis aí 
algumas das características significativas que tornam o 
estudo das nações novas que constituem o Terceir·: Mundo 
um foco de atração para numerosos cientistas sociais e 
políticos. Não é de admirar, pois, que o VI Congresso 
Mundial de Scciologia, realizado em Evian em setembro 
de 1966 tenha previste, um grupoE'special de estudo, para 
o exame dos problemas que afetam as "Nações Novas". 
E o número de comunicações .spresEntadas para debate 
é bem um índice do interêsse que tais problemas desper­
tam. 
Fato significativo é que não só o €stud: empírico, 
mas também o esfôrço de elabor2,ção teórica dos novos 
fenômenos suscitados pela emergência das novas vêm 
sendo realizados não apenas por especialistas já amadure­
cidos, em CEntros culturais de renome (éo caso da Fran­
ça), mas pelos próprios representantes dcs países africanos 
E' asiáticos, que dão assim uma ccntribuição original e bási­
ca, pois alicerçeda num conhecimento direto e aprofundado 
da realidade secial por êles próprios vivida em seus países 
respectivos. 
Já -Existe hcje na biblicgrafia universal um número 
razoável de obras de autoria dos dirigentes políticos d:::s 
jovens nações (dentro ou fera do govêrno), a tentativa 
de interpretação teórica ou idEOlógica dos problemas que 
2) Kwame N'Krumah - NeocolonÍl3Iismo - último estágio de imperia­
Esmo, Rio, 1967, Ed. Civilização Bra'ileira, pág, 305, 
J U, HC1-SETE.'IBRO/l 9t,7 
.-.. " uv 
tais países vêm enfrentando, em sua luta por superar o 
atré'.SO eccnômic: e social em qUE; se encontram. Exemplc 
disso são cs trabalhos de Kwame N'Krumô.h, ex-presidente 
(deposto) da República de Gana; L€Opold Senghor, pre­
sidente de Senegal; Jchn Kenyatta, presidente do KEnya 
e muitos outros. Tais obras expõEm, via de regra, as idéias 
qUé têm norteado a ação política de seus êutores, à frente 
dos governos de seus países e permitem ter uma visão inte­
grada, mesrnc que às vêzes superficial, da posição ideoló­
gica de tais dirigEntes. 
Fato marcante, dentro do cenário pc1ítico em que se 
veo desenvolvendo a evolução de t"is países, é a t::ndên­
cia publicamente manifestada por numerosos dcquelEs 
dirigentes políticos, no sentido de uma opção de ccráter 
sccialistê, cu seja, o desejo declarc.do de construir uma so­
ciedade socislista. Acreditsmos que uma das causas qv.e 
explicaria semelhantE: fato seria o recrudEscimento da ação 
do neocolonialismo. 
o NEOCOLONIALISMO E OS EMPECILHOS 
AO LIVRE DESENVOLVIMENTO 
Pela simples razão de que um numeroso grupo de 
JOVEns nações tenha conquistado a ind~pendência pclítica. 
issc não significa ainda, como tem demonstrad;: a expe­
riência histórica dos últimos anos, que tais países já tenham 
::; ssegurc.:do um livre desenvc1vimento sacie 1 fê' econômico. 
Ou que os entraves a tal desenvolvimento, que existiam 
antericrmEnte à data da proclamação da independência, 
tenham sido eliminados de uma vez pars sempre. 
Ao contrário, persistem numuu:os eleme:1tos c;.ue 
imp~dem aquela evolução livre a ritmos suficientemente 
acelerados. São tais elementos que ccnstituem, em SEU con­
junto, c que se conhece hoje como "r~eccoloniali~mo". !:: 
Eão são poucos os autoró'S que se têm dedicado uL:ima­
msnt€ a estudar ss manifestsções de tal fenômeno, em suas 
'.'s6é:das formas - econômicas, sociais e políticas. 
- ::;1-
"O neocolonialismo de hoje repré:senta o imperialis­
mo no seu estágio final e talvez o mais perigoso - afirma 
N'Krumah. 3 No passado, era possível converter uma 
m:ção à qual tivesse sido imposto um r~gime neocdcnial 
- o Egito do séc. XIX é um eXEmplo - em um território 
colonial. Hoje, êsse prccessG não é mais viável. Em lugar 
do cclonialismo, como principd instrumente do capitalis­
mo, temes hoje o neecolonialismo. A essência do nEccolo­
nialismo é de que o Estado que a êle está sujeito é teori­
camente ind!õpêndente e tem tcdes os adornos exteriores 
da soberania internacional. Na reslidade seu sistema eco­
nômico e portanto seu sistema político é dirigido do exte­
rior. Os métodos ~: a fe rma de direção podem tomar vários 
aspectos. Por exemplo: num caso extremo as tropas de uma 
potência imperialista podem guarnecer o território de um 
Estado neocolonial e controlar o seu govêrno. Mais co­
mumente, no entanto, o contrôle neocolonialista é exercido 
através de meios econômicos ou monetários." 
~ Portanto, o neocolGnialismo não é senão a ccntinua­
çãe do colonialismo, através de outrcs meios. O elemento 
nôvc que êle introduz é a substituição do antigo sistema 
d~· administração direta por um contrôle mais cu menos 
oculte dos noves governos, nos países recém-libertados.+-
É claro que existe uma base objetiva para a existên­
cia do nEOcolonidismo, afirmam muitos autores. Ela resi­
de na "desigualdade de fato" que se verifica entre os países 
altamente desenvolvidos e os países agrários atrasados, 
cujas fontes' de recursos derivam fund2mentalmente do 
comércio exterior de produtos primários. Êsse é o caso, 
ainda hoje, de dezenas de países da Ásia, África e Amé­
rica Latina. 
Daí a persistência das "trocas não-equivalentes", de­
nunciad9s por tantos economistas e apontEdas como uma 
das causas diretamente respcnsávc::is pelo crescimente eco­
r..ômico lento dos países subdesenvolvidos. 
"O ch2mado "comércio invisível" dá aos mor..opólios 
ccidentais aind3 outro meio de penetr2ção econômica. 
3) Op. ciro - If'trcàução. 
Il·Ui0-SETE.'IBRO /1967 
- 32-
Mais de 90% do transporte marítimo mundial é contro­
lado pelas nações imperialistas" - diz ainda N'Krum8h.~ 
Sem mencionar os acôrdos de cooperação econômica, 
que dão às ex-metrópoles ou a outros países altamente 
industrializados o direito à intromissão em finanças inter­
nas, a protEção aos juros de investimentos privados, a de­
cidir sôbre come serão empregados os fundos, que se des­
tinam, quase sempre, à compra de produtos manufatura­
dcs ~rcduzidos pela nação doadora. Tais condições se 
aplicam à indústria, ao comércio, à agricultura, navegação 
e seguros. E a isso se acrescem as cláusulas de natureza 
política e militar. 
"A independência nem sempre é a "descolonização" 
- assim intitula René Dumont, conh~'cido especialista em 
problemas econômiC'c s dos países subdesenvolvidos, num 
dos capítulos de seu sugestivo livro L' Afrique noire est 
mal partie.5 
Nas novas condições ds' neocolonialismo as ex-colô­
nias continuam a servir de fonte de investimentos de capi­
tais, para as ex-metrópoles ou para outras grandes potên­
ciss e seu território continua a ser utilizado como base 
militar ou elo integrante de uma rêde estratégica mais 
ampla. 
Além disso, o fato de que se mantenham os laço:; 
culturais com a ex-metrópole, ·c uso do idoma implantado 
pelo colonizador, de um sistema de ensino análcgo, 2. for­
mação universitária ou especializada que continua a pro­
cessar-SE' na própria metrópole, através de cursos que se 
destinam à formação dcs quadres administrativos diri­
gentes - tudo isso determina que se prolongue uma influ­
ência que lançou raízes profundas, ao longo de decênics 
de colonizacão direta. Não são poucas as dificuldad€s que 
daí decorrem, se levarmos em conta que muitos dêsses 
países ainda hoje enfrentam o problema da instituição de 
uma língua única, acima da multiplicidade dos dialetcs 
4) Op. cit., pág. 286. 
5) Paris, 1962, capo VI, pág. 63. 
I!E\IST.-\ DE Clt"CIA POLiTIC.-\ 
locais, de superar as diferenças e os antagonismos tribais 
etc. 
Essa nova política colonial "tornou-se necessária", na 
opinião de sociólogo francês Jacqué'S Arnault. "Ela era 
possível - diz êle - devido à necessidade absoluta que 
tinham os países ex-coloniais de obter, para o seu desen­
volvimento, o concurso dos países industrializados; dentre 
todcs os concursos possív,eis, o da antiga metrópole era, por 
tôdas as razões apontadas, aquêle teoricamente mais ren­
tável. Além disso, neste momento, quem apresenta uma 
procura mais apressada não é o consumidor mais desen­
volvido, m§ls o outro; é verdade que os países ex-coloniais 
detêm as reservas mundiais de minérics e de matérias-
1=rimas de que necessitam os países avançados. Mas êstes 
possuem os meios de pressão."6 
Não há dúvida de que para compreender o que acon­
tece realmente hoje no mundo é preciso conhecer as influ­
ências e presões econômicas que estão por trás dos acon­
tecimentos políticos. 
AS OPÇÕES SOCIALISTAS DOS NOVOS ESTADOS AFRICANOS 
Um dos fenômenos que vem chamando a atenção de 
numerosos estudiosos de ciência política nos últimos anos 
têm sidc as declarações públicas de dirigentes de vários 
Estados africanos, em favor de uma opção socialista ou, 
como dizem os sociólogos soviéticos, por exemplo, a esco­
lha de um caminhe não-capitalista de desé'nvolvimento 
eccnômico e social. 
Tal opção está em alguns casos institucionalizadae 
se e'xpressa de maneira textual na Constituição que rege 
a organização política do país, como é o caso, entre outros, 
da Argélia. A "Carta da Argélia", adotada no 1.0 Congres­
so da Frente de Libertação Nacional (16-21 de abril de 
1964) dizem seu 1.0 item: 
6) Jacques Arr.ault - Du co/cnialisme au socialisme - Paris, 1966. 
pég. 218. 
- 34-
"O exame dos problemas existentes leva a pensar que 
o conjunto deve ser estudado à luz das três teses seguin­
tés: 
a) Unidade da política e de instrumento de socia­
lização; 
b) Necessidade de melhorar a utilização das POSSI­
bilidades existentes e de ampliar ao mesmo tempo o po­
tencial produtivo do país; 
c) Escolha do modos dt financiamento de desenvol­
vimento e da manutenção, compatíveis com a opção so­
cialista.'" 
Nos itens seguintes está previsto superar o desequi­
líbrio existente entre o setor sccialista e o capitalista, 
dando ao primeiro os meios necessários ao seu desenvol­
vimento harmonioso. Isso deverá conduzir a que o setcr 
socialista ss· torne "o verdadeiro motor da vida política 
e econômica do país e a reduzir progressivamente o papel 
e a influência de setor privado. Numa segunda etapa, de­
verá ser possível ao setor socialista tomar totalmente em 
suas mãos as principais alavancas da vida econômica do 
país. Essa nova etapa deverá ser atingida dentro do mais 
breve prazo possível. Somente então, aquilo que nós deno­
minamos unidade da política e do instrumento de sociali­
zação não se aplicará mais apenas ao setor socialista que se 
defende dos ataques do setor capitalista, mas à totalidade 
da vida econômica e política do país". R 
E buscando pôr em prática essa opção claramente 
enunciada, o govêrno argelino tomeu a iniciativa da insti­
tuição do sistema de autogestão para o conjunto do setor 
agrícola,9 medida essa considerada como a mais impor-
7) "Carta da Argélia" - in Economie et poli tique. nO 130, mai 1965, 
pág. 15. 
8) Idem. 
9) É o Decreto de 21-3-1963 que regulamenta a organização e a g~tão 
das explorações auto geridas. Estas são organizadas em pequenas repúblicas 
democráticas, nas quais os trabalhadores constituem O "poder legislativo". A 
Assembléia Geral dêstes elege o Conselho de Trabalhadores, que escolhe o 
Comitê de Gestão (3 a 11 membros) e seu presidente. O Diretor, nomeado 
pelo govêrno, é o "poder executivo" (é o representante do Estado na em­
prêsa). 
RE\"I~T.~ DE (lf:',C:A POLíTiCA 
- 35-
tante dos seus atos revolucionários. Ela visava impedir a 
formação de uma nova classe de grandes capitalistas arg~­
linos e implantar um setor de "vocação socialista" (deno­
minação dada pelos próprios dirigentes daquele país) com 
uma estrutura amplamente coletivizada ou estatizada, ba­
seado em unidades modernas de produção. 
Além dessa experiência original no setor agrário 
(acompanhada, aliás, de uma série de outras medidas que 
integravam a reforma agrária empreendida naquele país), 
cumpre assinalar ainda alguns aspectos essenciais das trans­
formações realizadas no setcr industrial socialista. 
Em junho de 1965, III a história daquele setor la 
abrangia três fases: l.a) aquela em que existe uma enor­
me maioria de oficinas dispersas, marginais, pouco rentá­
veis, sem estoques nem fundos e cujo material não foi re­
novado desde 1855; 2.a ) os decretos de marçc de 1963 11 
instituem a autogEstão operária e à base das emprêsas va­
cantes, fica implantado um "setor de vocação socialista", em 
parte nacionalizado e em parte submetido à autogestão; 3.a ) 
a indústria de vocação socialista está definitivamente im­
platada e adquiriu enorme importância entre os diferentes 
ramos da produção. O setor industrial socialista é dominan­
te entre as indústrias alimentícias (que respresentam 50~~ 
da renda criada f:ela indústria) e tem o monopólio da pro­
dução de alguns prcdutos. Êle é importante nas indústrias 
de material de construção, madeira, papel, fumo, cortiça. 
Está solidamente implantado nas indústrias metalúrgicas 
e mecânicas, onde controla uma quarta parte dos operá­
rios empregados, na Argélia, dEntro daqueles ramos. Tem 
uma participação que não é desprezível nas indústrias 
10) Cf. Democratie nouveIle, n.o especial dedicado à Argélia, "país re­
volucionário do Terceiro Mundo". 
11) O Decreto de 18-3-1963 define os "bens vacantes": as explorações 
ou emprêsas que cessaram sua atividade ou que têm uma atividade reduzida, 
anormal (agrícolas, florestais, industriais, comerciais, financeiras ou minerais). 
Tal decreto legaliza a ocupação de tais emprêsas pelos operários. Tal decreto 
legaliza a ocupação de tais emprêsas pelos operários e determina o seu campo 
de aplicação. 
]tl.HI'·5ETE.\\RRO. 191i7 
- :16-
têxteis e químicas. Excetuandc-se a exploraçãc do petróleo 
e do gás, êle domina o setor da mineração. 
No conjunto, o setor industrial socialista emprega 
mais da metade dos operários e prcduz mais de um têrço 
da renda industrial da Argélia. 
No entantc, apesar dessas transformações radicais 
que se produziram na economia argelina, a dependência 
econômica do país s~: manifesta ainda pela importação 
maciça de produtos manufaturados. A Argélia depende 
dos países altamente industri21izados da Europa, princi­
palmente da França. E como se vê pelo quadro abaixo. I:: 
predominam produtos primários: 
QGA~~TIDADE 
ARGELINAS 
(tC:l.. ) 
Importações: 
Cereais .......... . 19.9 
Laticínios 43,S 
Açúcar lS-LJ 
14.5 
Produtcs ào petró!e;) 1 313,') 
~.Icf.quinas p apa:el!!'J3 52,') 
Exportações: 
Frutas fre~")c2'i - . ~, ) 
l-J3.'J 
1 -f 51,1) 
Petróleo bruto __ . , ....... _ . , .. , , 12 700,.) 
PrcdutJs deriv3d0s da pe~_:-,jleJ 031, } 
12) in "Democ~at:e nouv~lle". j~nho 1955, pág. 9'3. 
VALeR 
(milhões ·1'3 
franco,,) 
1 g,3 
135,4 
1 77,~ 
1 Ó·'J,O 
225,5 
4::;3,,) 
::07,5 
'..l),~ 
1 lS~,] 
1 302,') 
9~,4 
- 37-
Significativo é o fato assinalado pelo filósofo marxista 
francês Roger Garaudy.l:1 "O povo argelino escolheu o ca­
minho do socialismo. E êssé' socialismo, êle o deseja com 
um caráter especificamente argelino." 
A insistência sôbre o caráter "islâmico" do caminho 
argelino para o S'ccialismo tem antes de tudo uma signifi­
cação nacional, salienta aquêle autor: durante os 130 anos 
da dominsção cclonial da França na Argélia, o Islão pôde 
ser utilizado pelo ocupants e servir de justificação para a 
"colabcração", restringindo seu ensinamento ao da "resig­
nação". M2S êle adverte que o Islão serviu muitas vêzes 
como elemento de resistência às tsntativas de desperscna­
lizé.ção colonial - êle era simultâneamente a crença, a 
língua e a cultura, que não eram aquelas do ocupante. E 
muitas vêzes, a luta nacional começou Em nome da reli­
gião, antes de ser travada em nome da pátria. 
E Garaudy indaga: "Como então não compreender 
êsse apêgo comum ao socialismo e àquilo que há de mais 
i::1timo na consciê::1c1a r!ão só çatriótica mas também reli­
giosa, daqueles que tiveram de combater durante mais de 
um século contra a opressão qUE. era indivisivelmente 
social, nacional e religiosa ?"14 
Numa série de artigos publicados pelo periódico 
.Alger Republicain, durante r:.ovembro E. dezembro de 
1963, sob o título geíal "O caminho argelino para o socia­
lism'c", está expcsta a mEsma idéia de que êsse regime 
será. construído na Argélia por um "povo profundamente 
apegado à fé e à civilização islâmica". E para provar que 
isso não constitui um problema nôvo para o socialismo, 
apcnta-se c exemplo da Polônia, onde o catolicismo está 
ennlizado como em poucos países do mundo. 
Não são poucos os dirigentes de outros jovens Esta­
dos da África e da -Ásia que declararam publicamente suas 
13) Roger Garaudy - "Traits spécifiques de l'option socialiste en AI­
gécie - in EroTIDmie et politique, n.O 130, rnai 1965. 
14) Idem. 
)ULHO-SETE",BRO/1967 
- 38-
simpatias por uma edificaçãc socialista. Birmânia, Repú­
blica Árabe Unida, Gana, Mali, Guiné, Indonésia, Kenya, 
Senegal, Índia, Tunísia, Tanzania. 
Uma enquete muito interessante foi realizadaEntre 
estudantes africanos, sob o patrccínio da revista "Jeune 
Afrique", nc início de 1962, buscando dEterminar as várias 
orientações políticas. Divididos em três grupos: I (de es­
querda), que incluía jovens da Guiné e do Mali; II (do 
centro) - Costa do Marfim, Daomé, Senegal, Togo, Alto 
Volta e III (pró-ocidente) - do Camerum, Congo (Braza­
ville) , Gabon, foi-lhes apresentada a seguinte pergunta: 
"Qual o sistema econômico que você desej:::riar::ara o seu 
país ?" 
Eis o quadro com as percentagens obtid2s para cada 
uma das opções: 
GRUPOS 
A FA':OR DO TOTAL 
TI I~I 
S-ocialismo integral (mcdêk so-
viético) .. 38('é 57""0 30"'0 38% 
Sxialismo comunal (modêlo iu-
goslavo) .. 3f)C"c 21% 20~o 38% 
Socialismo liberal (mod210 es-
candinavo) .. 20 0 ó 12°10 29c--'c 12% 
E.conomia liberal .. 7% 5% 7\0 6% 
"Não sei" .. 5""0 5% 40/0 6% 
Fonte: "Africa and the Communist World" - Ed. by Zbigniew Brzezniski, 
S~anford University Press, Califórnia, 1963. pág. 207. 
É claro nue issc não significa que todos êsses jovens 
tenham uma representação suficientemente clara, do 
ponto de vista teórico ou ideológico, do que seja realmente 
o sccialismo, mas tais tendências servem, de qualquer 
REVISTA DE CIE:-ICIA POLiTICA 
- 39-
modo, como referência para o estado de espírito que do­
mina uma parte significativa da nova geração africana, 
aquela que deverá constituir, presumivelmente, as elites 
dirigentes. 
Um outro exemplo digno de menção, quando se 
examina o problema da opção socialista feita por jovens 
Estados integrantes do Terceiro Mundo é o da República 
de Mali. 
Por ocasião do VI Congr€'sso da União Sudanesa 
(seção do Rassemblement Démocratique Africain) reali­
zado em Bamako em setembro de 1962, foram definidas 
as orientações fundamentais dessa agremiação política.lá 
Foi ainda em setembro de 1960 que o Congresso 
Extraordinário daquele partido político optou em favor de 
uma econcmia socialista planificada. Nos dois anos seguin­
tes, o Estado maliense instituiu o monopólio da importa­
ção, em alguns setores, e o monopólio da exportação, o 
que, na opinião de Idrissa Diarra, secretário político da 
União Sudanesa, deveria ser "interpretado qualitativa­
mente come. o equivalente da política de nacionalização 
dos meios de produção, realizada nos países que haviam 
atingido o socialismo". E acrescenta: "O papel do comér­
cio de importação-expcrtação estrangeira, em países recen­
tem€nte libertados e em vias de desenvolvimento, que não 
dispõem de meios de produção, é de fato comparável ao 
papel dos meics de produção privados, nos países indus­
trializados. O único meio de produção real Em nosso país 
é a terra, que já pertence quase aos cultivadores, contrà­
riamente à maioria dos países que chEgaram ao sccialis­
mo." UI 
Os dirigentes do Mali afirmam que é preciso conside­
rar alguns fatôres básicos, ao abordar a questão dai passa­
gem ao socialismo: 
15) Relatório apresentado por Idrissa Diarra, in Recherches Internatio­
nales, n.o 39-40, 1963 págs. 86-113. 
16) Idem. 
]LLHO-SETEMBRO/1967 
- 40-
1.0 - êles partem dE. uma eccnomia subdesenvol­
vida, essencialmente agrícola' e pastoril, caracterizada pela 
ausência de meios de produção além da terra, o pequ€no 
artesanato e algumas modestas indústrias 'Primárias de 
transformação; 
2.0 
- saem de um longo período de dominação co­
lonial, que dEformou tôda a evolução social e é atre.vés da 
fração mais privilegiada da sociedade, apoiada numa apro­
vação popular, que se realiza a passagem ao socialismo; 
3.0 - a orientação em favor do socialismo resulta 
de uma escolha delib~rada. em condições de paz, levando 
em conta a correlação de fôrças dentre do país, em seguida 
à independência, também obtida em condições de paz. 
Visando à concretizaçãc da linha geral de orientação 
do govêrno maliense. eis algumas das medidas por êle 
adotadas: 
a) no setor privado estrangeiro - o Estado detém 
o mcnopólio de cErtas importações e o das exportações, 
mas a substituição Jotal dêsse setor só se fará a longo 
prazo e progressivarr:ente. Hoje, êle ainda desempenha 
um papel importante; 
b) no setor privado nacional - o pequeno e médio 
comércio representa p2fcela significativa, como distribui­
dor que é dos artigos de primeira necessidade. A sua subs­
tituição está estreitamente ligada ao desenvolvimento 
do setor cooperativo de base, ao fortalecimento do 
papel do Estado, no que se refere ao comércio exterior, 
à criação de uma rêde estatal de distribuição e de coope­
rativas de consumo. Isso significa que o comércio priva­
do só pcderá ir desaparecendo de maneira gradm.l (embo­
ra o govêrno maliense admita que êsse setor constitui um 
freio ao avanço socialista). 
c) no comércio do Estado - cooperativas de con­
sumo, armazéns do Estado, cooperativas rurais. A impor­
tação e exportação são da ccmpetência da 80MIEX (80-
cieté Malienne d'Importation e d'Exportation); 
HE\ISTA DE Clt"CIA POLfTICA 
- 41-
d) criação de novos meios de produção - a indus­
trialização. "O fater determinante dE. nossa libertação eco­
nômica - afirma Diarra - do .eQ,.uilíbrio de nossa econo­
mia e de seu desenvolvimento harmonioso exige a fabri­
cação Em nosse pais de produtos manufaturados. Isso 
coloca o problema da criação de novos meics de produção, 
isto é, da industrialização em geral e das prioridades que 
devem ser dadas a seu modo de desenvolvimento."li 
Aliás, é preciso observar que o Mali não dispõe de 
nenhuma indústria de base: a própria indústria de trans­
formação é pràticamEnte inexistente. Daí a importância 
do estudo e da pesquisa das fontes de energia e das maté­
rias-primas e do problema agudo do financiamento. 
d) cooperativas de produção - é muito importante 
a contribuição do artesanato para a transformação socia­
lista do país e sua industrialização progressiva, pelo pêso, 
que ainda hoje representa dentre da economia nacional. 
Finalmente, os dirigentE,'s maiienses tomaram uma 
série de medidas práticas visando à luta contra o analfabe­
tismo, como meio de conseguir que a juventude rompa 
com a rotina tradicienal e sE' volte para uma vida nova, 
adote formas de atividade mais produtiva. No mesmo 
nível, coloca-se a ação sindical, uma vez que se leva em 
conta a rE's~onsabilidade crescente des assalariados na 
direção dos negócios da emprêsa em que trabalham. A 
autogestão da emprêsa, pelo conjunto dos assalariados, 
constitui o e bjetivo final da ação sindical. 
Também no Mali, do mesmo modo que na Argélia, 
a posição adotada pelo govêrno é a de admitir a compati­
bilidade da Edificação de uma sociedade socialista, num 
país de acentuada influência islâmica. 
"A quase unanimidade de nosso povo é crente e a 
imensa maioria é mussulmana. Contràriamente ao que se 
passou em outros países do mundo, a hierarquia religiosa 
17) Idrissa Diarra, op. cit., pág. 101. 
JUI,HO-SETE.\\BRO;I96í 
- 42-
jamais se opôs à nossa evolução política. Ao contrário, 
ela sempre se confundiu estreitamente com o povo, do qual 
saiu, cujo modo de vida ela compartilha, bem como as 
aspirações profundas. Além disse, ela não constitui um 
poder temporal nem uma hierarquia centraliz.sda, depen­
dente de outros países. Em tais condições, colocar o pro­
blema das rdações entre a religião e o socialismo, em nesso 
país, seria colocar um falso problema ou criá-lo artificial­
mente."IS 
Em discurso prenunciado a 22 de setembro de 1963, 
em comemoração ao 3.° aniversário da indepE'ndência do 
Mali, o presidente Modibo Keita declarou enfàticamente: 
"Desde 22 dE' setembro de 1960 que nós dclaramos pe­
rante o mundo quem somos e o que queremos. Os militantes 
da União Sudanesa - RDA declararam-se os coveiros do 
capitalismo no l\tIali. Não haverá na terra maliense, eu vos 
juro, nem exploradores nem explorados." E ainda: "Optar 
pelo socialismo é ternar o trabalhador proprietário dos 
meios de produção, o senhor da produção. Mas a constru­
ção do socialisme não é coisa fácil. Uma vez realizado o 
programa mínimo de socialização dos meios de produção,o perigo - que já apresenta vítimas na África - reside na 
luta contra nós mesmos, iste é, contra os ccmplexos criadl)3 
em nós por numerosas décadas de um sistema de desper­
sonalização do humano.!H9 
M2.s há outros dirigentes de Estados africanos, cujas 
declarações a favor de uma opção secialista não são tão 
claras ou precisas e em cujos países as transformações dE' 
estrutura não atingiram a profundidade daquelas que aca­
bamos de examinar. 
O presidente da Tanzania, por exemplo, Julius Nu­
yerere, define seu socialismo com a palavra "niamaa", que 
significa família, afirmando. que o socialismo existiu há 
muito tempo na sociedade africana tradicional e trata-se 
apenas de fazer renascer êsse socialismo "tradicional", de-
18) Idrissa Diana, op. dt., pág. 110. 
19) Cf. Recherches lnte'rnationales, n.o 39-40, págs. 271-272. 
REVISTA DE CI~~CIA POLiTlCA 
- 43-
turpado pelo colcnizador europeu capitalista. Para Nuye­
rere, o socialismo é a "contribuição do raciocínio que de­
senvolve nos homens o sentimento de elevada respcnsa­
bilidade pdo bem-estar de seus concidadãos", é um "mo­
dêlo de vida em que todos os homens são irmãos, membros 
de uma grande família".:''1 
Existem ainda as várias concepções de socialismo 
"nacion.al", um de cujos represEntantes mais influentes é 
Leopold Sengho:-, presidente do Senegal. Também êle de­
fende um "terceiro caminho", de centro e mesmo de 
direita, expressão muitas VêZE'S de interêsses das camadas 
dirigentes, constituídas por representantes da burguesia 
ns.cional. Senghor propõe "buscar entre o mundo capita­
lista e o socialista um caminho médio de socialismo demo­
crático". Êle parte da afirmação de que a sociedade africa­
na moderna não conhece cls.sses nem antagonismos de 
classes e é por seu caráter "tradicionalmente socialista". 
Defende uma scciedade em que sejam defendidos os inte­
rêss€s de cada um" e "cada um divida a pobreza e a pros­
peridade".2! 
Um outro exemplo de "socialismo nacional" é aquêle 
defendido pelo govêrno hindu. Ainda em janeiro de 1955, 
Nehru proclamcu como política oficial do govêrno a cri",­
ção dE' uma "sociedade de modêlo socialista". A base eco­
nômica da mesma seria a propriedade estátal e coopera.: 
tiva dos instrumentos e meios de produçãc, a limitação da 
propriedade territorial E' o desenvolvimento de todos os 
tipos de cocperação, o que deveria conduzir a uma "redis­
tribuição das riquezas nacionais", a uma "igualdade" na 
distribuição da renda nacional e à construção do socialis­
mo. No entanto, são muito severas as críticas feitas por 
economistas e sociólogos, de tendência marxista ou não, a 
êsse tipo de "socialismo". Uma prcva que parece convin-
20) Cf. "Ujamaa: The Basis of Mrican Socialism", in T<mganika 
Standard, Dar es SaIam, de 26-7-1962, citado por V. Zotov in "Voprocii Filo­
sofii", n.o 1/966. 
21) Cf. Socialist InternationaI InJormation, London, 1964 (vol. XIV, 
n.o lO, pág. 114). 
jCLHO-SETEMBRO/1967 
- 41-
cente é a de que !:.m apenas três anos (1960-19ó3) e11tr:­
ram no país 140 emprêsas privadas dos Estados Unides. 
150 da Alemanhs Federal e 250 da Grã-B.-e:snha. Alé'-.1 
ó~sc. foram insignificantes os progressos re2iizados ne q1.2e 
S'ó refere à promcção de uma reÍorm2 agrária. pois vinte 
anos após a independênci9, 5CYc da população possuem me­
t8dc da su:,:erfície cultivada DO país. 
As opções políticas dos jovens Estados do Terceiro 
1Ylundo não são, evidentement~, as mesmas. E se bá 
algu71s dêles que:: lém d&s prcclamsções públic3.s em favor 
do sccialismo, já cheger2m a adotar realmente algumas 
medidas de natureza socialista, há outros que seguem uma 
pclítica de discriminação racial violenta, como é o caso 
da África do Sul ou mais encoberta, como acontece com 
a Rodésia, que em fins de 1965 adotou uma atitude de 
hostilidade radical em relação à Grã-Bretanha e em favor 
da mir.oria branca dirigente. 
Per outro lado, dentro da complexidade do cenano 
político mundial, t:: 1 como se apresenta nos dias ds hoje, 
8.2 G'pções politic2s ;:dotadas num determinsdo momento 
podem sofrer me dificações bastante profundss e um certo 
curso evolutivo, ds tendências soclalizantes, digamos sssim, 
pode ser bruscamente interrompido. Êsse foi o caso, por 
exemplo, em Gana, com a destituição abrupta do presi­
dente Kwams N'Krumah. através de um golpe milite f, em 
fins de 1965. 
Não são fáceis cs problemas que enfrentem 2S jcvens 
nações que conquistaram recentemsnte sua independência 
política. Pelo contrário, se por um lado as condições de 
avanço técnico e científico permitem atualmentE. um de­
senvolvimento econômico e social em ritmos muito mais 
acelerados de que há um século atrás, por outro, os choques 
políticos E. ideológicos que opõem as gr2.ndes potências, 
altamente industrializadas, se refletem sôbre as nações 
f,EViST,\ DE Cltl-õCIA POLfTllA 
- 45-
menos desenvc1vidas e dificultam ou mesmo impedem 
o seu livre desenvolvimento. 
Há que considerar ainda as características especí­
ficas internas de cada um daqueles jovens Estadcs. Fator 
importante é, sem dúvida alguma, a estrutura de classe que 
apr€'senta cada um e que poderá explicar, pelo menos em 
parte, certos aspectos de curso evolutivo seguido pelo país 
em questão. 
É sabido que a diferenciação de classes não atingiu 
ainda, pelo m~nos na maioria dcs Estados africanos, o 
mesmo nível apresentadc, por exemplo, na América Latina. 
No Mali, país em que, como .vimos acima, foram realizadas 
transformações econômico-sociais, bastante profundas, essa 
diferenciação é das mais fracas e, além disso, o feudalismo 
não tinha raízes profundas. A burguesia é representada por 
uma camada pouco numerosa de comerciantes e empresá­
rios médios. O campesinato está no estágio das relações 
comunitárias tribais, o que, na opinião de alguns estudio­
sos, facilita as transformaçc€s econômicas '€-' sociais de 
caráter não-capitalista. 
J á no Egito, a situação é muite diferente, a diferen­
ciação de classes é muito maior e tôdas as classes funda­
mentais da soci::d"de capitalista já estão delineé.das em 
maior ou mencr grau. André Weismer,"" sociólogo francês 
que se tem dedicado ao estudo dos problemas africanos, 
preocupa-se com as pcssibilidad::s resis que 2presentam 
êsses países, de superação mais ou menos rápida do atraso 
secular em que s~' encontrsm. 
PEra os sociólogos e cientistas políticcs soviétices, "as 
contradições evidentes qUe aparecem nas concepções do 
"socialismo nacional" €' as medidas scciais e eccnômicas 
que as acompanham têm su9. fonte na natureza antagô­
nica das classes e grupos sociais que estão no pcder na 
maicria dos jovens Estados soberanos". ~3 
22) André \Veismer - L' Afrique, peut-elle partir? - Paris, 1965, 
23) fdirovaia Ekonomika i mejdutl&rodnie Otl'l'xhenia, n.O 5, 1963. 
)LI.Hl1-SETDIHI' ) 19'j1 
- 46-
Êles acreditam que para explicar a política s~guida 
p<lr muitos dos jovens Estados africanos e asiáticos, será 
necessário estudar mais profundamente os interêsses dos 
grupos sociais intermediários - pequenos proprietários ur­
banos e rurais, amplas camadas camponesas, intelectualida­
de, meios militares, funcionalismo - cujos representantes 
detêm o p<lder. Tais classes e camadas sociais, por sua posi­
ção intermediária, revelam notória instabilidade em suas 
posições políticas e ideológicas. Isso explicaria, possivel­
mente, o fato de que em alguns países o govêrno represen­
tativo de tais classes intermediárias adote uma linha de de­
senvolvimento prcgressista e, em outros, se lance a uma 
reação feroz. 
De uma ferma ou de outra, acreditamos que a nova 
exp~riênc1a que estão vivendo os países do Terceiro 
Mundo, principalmente as jovens nações africanss que 
buscam rumos diferentes de evolução econômica e social, 
ofers'ce ao cientista p~lítico uma grande variedade de 
temas para a pesquisa empírica e a elaboração teóricéi.

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