Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Fichamento de Antropologia Aprender Antropologia, Capítulo 4, de François Laplantine Os Pais Fundadores Da Etnografia: Boas e Malinowski “A etnografia propriamente dita só começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho de observação direta ´e parte integrante da pesquisa.” “A revolução que ocorrerá da nossa disciplina durante o primeiro terço do século XX é considerável: ela põe fim à repartição das tarefas, até então habitualmente divididas entre o observador (...) e o pesquisador erudito.” “Esse trabalho de campo, longe de ser visto como um modo de conhecimento secundário servindo para ilustrar uma tese, é considerado como a própria fonte de pesquisa.” 1. Boas “Com ele assistimos a uma verdadeira virada da prática antropológica.” “Boas era antes de tudo um homem de campo. Suas pesquisas, totalmente pioneiras, iniciadas, notamo-lo, a partir dos últimos anos do século XIX, eram conduzidas de um ponto de vista que hoje qualificaríamos de microssociológico.” “No campo, ensina Boas, tudo deve ser anotado: desde os materiais constitutivos das casas até as notas das melodias cantadas pelos Esquimós, e isso detalhadamente, e no detalhe do detalhe.” “O primeiro a formular com seus colaboradores a crítica mais radical e mais elaborada das noções de origem e de reconstituição dos estágios, ele mostra que um costume só tem significação se for relacionado ao contexto particular no qual se inscreve.” “Assistimos ao nascimento de uma verdadeira etnografia profissional que não se contenta mais em coletar materiais à maneira dos antiquários, mas procura detectar o que faz a unidade da cultura que se expressa através desses diferentes materiais.” “Por outro lado, Boas considera, e isso muito antes de Griaule, do qual falaremos mais adiante, que não há objeto nobre nem objeto indigno da ciência.” “Ele próprio deve recolhê-las na língua de seus interlocutores.” “De qualquer modo, a influência de Boas foi considerável. Foi um dos primeiros etnógrafos. A sua preocupação de precisão na descrição dos fatos observados, acrescentava-se a de conservação metódica do patrimônio recolhido [...]. Ele permanece sendo o mestre incontestado da antropologia americana na primeira metade do século XX.” 2. Malinowski “Malinowski dominou incontestavelmente a cena antropológica, de 1922, ano de publicação de sua primeira obra, 'Os Argonautas do Pacífico Ocidental', até sua morte, em 1942.” “Ninguém antes dele tinha se esforçado em penetrar tanto, como ele fez no decorrer de duas estadias sucessivas nas ilhas Trobriand, na mentalidade dos outros, e em compreender de dentro, por uma verdadeira busca de despersonalização, o que sentem os homens e as mulheres que pertencem a uma cultura que não é nossa.” “Boas procurava estabelecer repertórios exaustivos, e muitos entre seus seguidores nos Estados Unidos procuraram definir correlações entre o maior número possível de variáveis. Malinowski considera esse trabalho uma aberração. Convém pelo contrário, segundo ele, conforme o primeiro exemplo que dá em seu primeiro livro, mostrar que a partir de um único costume, ou mesmo de um único objeto [...] aparece o perfil do conjunto de uma sociedade.” “Instaurando uma ruptura com a história conjetural [...] Malinowski considera que uma sociedade deve ser estudada enquanto uma totalidade, tal como funciona no momento mesmo onde a observamos.” “Os Argonautas do Pacífico Ocidental, embora tenha sido editado alguns anos apenas após o fim da publicação de 'O Ramo de Ouro', com um prefácio, notamo-lo, do próprio Frazer, adota uma abordagem rigorosamente inversa: analisar de uma forma intensiva e contínua uma microssociedade sem referir-se a sua história.” “Malinowski se pergunta o que é uma sociedade dada em si mesma e o que a torna viável para os que a ela pertencem, observando-a no presente através da interação dos aspectos que a constituem.” “Com Malinowski, a antropologia se torna uma 'ciência' da alteridade que vira as costas ao empreendimento evolucionista de reconstituição das origens da civilização, e se dedica ao estudo das lógicas particulares características de cada cultura.” “A fim de pensar essa coerência interna, Malinowski elabora uma teoria (o funcionalismo) que tira seu modelo das ciências da natureza: o indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura tem precisamente como função a de satisfazer à sua maneira essas necessidades fundamentais.” “Uma outra característica do pensamento do autor de Os Argonautas é, ao nosso ver, sua preocupação em abrir as fronteiras disciplinares, devendo o homem ser estudado através da tripla articulação do social, do psicológico e do biológico.” “Malinowski, quanto a esse aspecto (que o separa radicalmente, como veremos, de Durkheim), vai muito além da análise da afetividade de seus interlocutores. Ele procura reviver nele próprio os sentimentos dos outros, fazendo da observação participante uma participação psicológica do pesquisador, que deve 'compreender e compartilhar os sentimentos' destes últimos 'interiorizando suas reações emotivas'.” “Compreendendo que o único modo de conhecimento em profundidade dos outros é a participação em sua existência, ele inventa literalmente e é o primeiro a pôr em prática a observação participante, dando-nos o exemplo do que deve ser o estudo intensivo de uma sociedade que nos é estranha.” “Em Os Argonautas do Pacífico Ocidental, pela primeira vez, o social deixa de ser anedótico, curiosidade exótica, descrição moralizante ou coleção exaustiva erudita. Pois, para alcançar o homem em todas as suas dimensões, é preciso dedicar-se à observação de fatos sociais aparentemente minúsculos e insignificantes, cuja significação só pode ser encontrada nas suas posições respectivas no interior de uma totalidade mais ampla.” “Mesmo quando estuda instituições, não são nunca vistas como abstrações reguladoras da vida de atores anônimos. Seja em Os Argonautas ou Os Jardins de Coral, ele faz reviver para nós esse povo trobriandês que não poderemos nunca mais confundir com outras populações 'selvagens'.” “A antropologia contemporânea é frequentemente ameaçada pela abstração e sofisticação dos protocolos, podendo, como mostrou Devereux (1980), ir até a destruição do objeto que pretendia estudar, e, conjuntamente, da especificidade da nossa disciplina.”
Compartilhar